quinta-feira, 31 de maio de 2012

Marcelo Alencar (Amplexo)


Ilustração: Marcelo Cipis

Mãe, me dá um amplexo? 

 A pergunta pega Cinira desprevenida. Antes que possa retrucar, ela nota o dicionário na 
 mão do filho, que completa o pedido: 

 - E um ósculo também.

Ainda surpresa, a mulher procura no livro a definição das duas estranhas palavras. E encontra. Mateus quer apenas um abraço e um beijo. 

 Conversa vai, conversa vem, Cinira finalmente se dá conta de que o garoto, recém-apresentado às classes gramaticais nas aulas de Português, brinca com os sinônimos. "O que vai ser de mim quando esse tiquinho de gente cismar com parônimos, homônimos, heterônimos e pseudônimos?", pensa ela, misturando as estações. "Valha-me, Santo Antônimo!" E emenda: 

 - Pára com essa bobagem, menino! 

 - Ah, mãe, o que é que tem? Você nunca chamou cachorro de cão? E casa de residência? E carro de automóvel? 

 - É verdade, mas... 

 Mas a verdade é que Cinira não tem uma boa resposta. 

 - E meu nome é Mateus - continua o rapaz. - Só que você me chama de Matusquela. 

 - Ei, isso não vale. Matusquela é apelido carinhoso. 

 - Sei, sei. Tudo bem se eu usar nosocômio e cogitabundo em vez de hospital e pensativo? 
 E criptobrânquio no lugar de mutabílio? 

 - Mutabílio? O que é que é isso? 

 - O mesmo que derotremado, ora. Tá aqui no Aurélio. 

 Está mesmo. É um bichinho. Mas pouco importa. A mãe questiona a opção do menino por vocábulos incomuns. Mateus sai-se com esta: 

 - A professora disse que aprender palavras é como ganhar roupas e guardar numa gaveta. Quando a gente precisa delas, tira de lá e usa. Cada uma serve para uma ocasião, por mais esquisita que pareça. Igual à querê-querê roxa que você me deu no último aniversário. Lembra? 

 Como esquecer? Cinira nem se dá ao trabalho de consultar o dicionário. Sabe que a explicação para essa última provocação está no verbete camiseta.

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