sábado, 16 de setembro de 2017

Olivaldo Júnior (Buquê de Trovas para o Dia do Cliente)

15 de setembro: Dia do Cliente

- Atenção: liquidação!
E uma fila já se engrossa!
No mercado da ilusão,
todo mundo se alvoroça...

Coração de vendedor
vende sonhos a varejo,
mas é mero sonhador
quando vem o realejo...

O cliente chega à porta,
para, espia, nada quer...
Para ele, o que conforta
é 'sondar' o que puder.

No pregão daquela feira,
passa o mundo da Cidade;
só não passa a feiticeira
que oferece a eternidade...

Tenho luas pra vender,
quero noites pra comprar...
Mas acabo sem saber
quanto o sonho irá custar.

Fonte:
O Autor

36ª Semana Literária Sesc Curitiba (Programação de 18 de setembro - Segunda)

10h00
Minioficina: panorama da literatura indígena brasileira contemporânea

Com Thiago Correa, a partir de leituras e diálogos que estimulem reflexões sobre alteridade e construções de identidades, serão apresentadas narrativas literárias produzidas ou registradas por escritores indígenas brasileiros.

10h às 13h e 14h às 20h
FaceLivro
A iniciativa da oficina FaceLivro consiste, através de uma técnica fotográfica chamada ilusão de perspectiva ou perspectiva forçada, em completar uma capa de livro ou disco utilizando esse segmento de imagem (a capa) em frente a uma pessoa e essa pessoa imitar a pose ou cena, imaginando como seria a foto em um enquadramento geral. A oficina será coordenada por Daniel Grizza.

das 10h às 20h30
Museu de Arqueologia e Etnologia – UFPR
O Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR oferece, além de exposições em seus espaços, uma série de atividades e materiais lúdico-pedagógicos preparados para o público jovem, crianças do ensino fundamental, médio e professores. Entre esses materiais, o museu apresenta seu guia para visita no museu, livros de contos indígenas e africanos – também disponíveis em áudio, além de jogos, videojogos e um livro de RPG ambientado no Brasil pré-colonial, cuja perspectiva privilegiada é a dos grupos ameríndios quando dos primeiros momentos da ocupação europeia no território do sul do Brasil.

das 10h às 20h30
Vidas Refugiadas
Focada no cotidiano de oito mulheres refugiadas que vivem no Brasil, a mostra apresenta um grupo de imagens do fotógrafo Victor Moriyama. Seja pelas singulares expressões das fotos em estúdio ou mesmo dos registros das refugiadas em seus respectivos cotidianos, a exposição revela as dificuldades e os problemas enfrentados por elas ao mesmo tempo em que joga luz sobre suas conquistas, seus valores e seus esforços feitos para construir dias melhores no país que as acolheu como refugiadas. A curadoria do projeto é de Gabriela Ferraz em parceria com a Agência da ONU para Refugiados (ANHCR/ACNUR) e a OIT (Organização Internacional do Trabalho).

das 10h às 20h30
Exposição CLOSER
A exposição CLOSER, de Tom Lisboa, é uma intervenção urbana que traz para bem perto dos transeuntes alguns monumentos públicos que estão distantes dos seus olhares. Confeccionados em grandes displays de papelão (como os que são feitos nos cinemas), eles revelam para os espectadores detalhes de obras que antes lhes eram inacessíveis.

10h; 17h
Oficina tipográfica
Oficina de gravura tipográfica abordando os seguintes tópicos: composição tipográfica, gravura em madeira, incunábulos, ex-libris e outros elementos tipográficos utilizados para a impressão de livros.

11h00
Recital Poético com Isabel Furini
Um jogo poético para fortalecer a fraternidade entre línguas portuguesa e espanhola com declamação de poemas de Isabel Furini.

14h00
O livro é um mundo a ser descoberto com Maria Cristina Perigo e Paula Lorena Silva Melo
Partindo da ideia de que o livro é uma janela para a imaginação, esta oficina busca estimular a leitura, aguçar a imaginação – por meio da atividade artística (produção artística de minilivro artesanal) – e iniciar a criança no universo gráfico do livro, apresentado a ela as soluções gráficas de algumas narrativas infantis.

das 15h às 19h
Oficina de Marmorização em Papel
Esta técnica também é conhecida como Ebru ou ainda Marbling Paper e consiste na feitura de desenhos sobre água condensada. A cor que fica flutuando sobre a água pode ser manipulada e com isso é possível criar padrões semelhantes ao mármore liso ou outra pedra. Os desenhos são posteriormente transferidos para o papel ou tecido. Suas aplicações são diversas, mas é especialmente utilizada como capas de livros e guardas em encadernações e papelaria. Parte do seu apelo é que cada impressão é um original único.

18h30
Big Belas Band
Formada por alunos e ex-alunos da Embap, dos seus diversos cursos. Alunos da Graduação em Música; dos cursos de Extensão e da Pós-Graduação em Música – Especialização. O repertório da Big Belas Band concentra-se em músicas brasileiras (bossa-nova, sambas e outros), músicas internacionais (jazz e blues) e vem também fomentando a composição dos alunos e professores de Curitiba. O grupo vem participando dos diversos movimentos culturais, realizando concerto nos principais eventos Municipais e Estaduais. A Big Belas Band segue a formação tradicional composta por: quatro trompetes, quarto trombones, cinco saxofones (sendo: dois altos, dois tenores e um barítono), piano, guitarra, baixo e bateria.

19h30
Literatura e(m) movimento com Walter Silveira e Verônica Stigger
Mediação: Flávia Cera
A literatura como um tipo de produção estética capaz de estabelecer inúmeras interfaces com outras linguagens artísticas, como a música, a dança, a performance, as artes plásticas, a memória, contaminando essas práticas com suas características. Através do tempo e do espaço de produção e se deixando envolver pelos modos de construção dessas outras linguagens. A palavra, texto, imagem, livro, objeto, teatro, dança e música foram genericamente chamadas de Poéticas Visuais. Nesse encontro, será abordado o princípio interdisciplinar que a poesia adquiriu e como se propagou através de publicações coletivas (exposições, vídeos e eventos multimídia, finalizando com leituras de poemas).

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A Semana Literária em Curitiba
De 18 a 22 de setembro de 2017 das 10h às 20h30.
Dia 23 de setembro de 2017 (sábado) das 10h às 18h.
Endereço: Praça Santos Andrade
Telefone: (41) 3304-2266
Realização Fecomércio PR; Sesc PR; UFPR; Editora UFPR; PROEC
Apoio: Prefeitura de Curitiba; RPC TV;

Patrocínio da XIV; Feira do Livro Editora UFPR; Caixa Econômica Federal

Fonte:
http://www.sescpr.com.br/semanaliteraria/programacao/curitiba/

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Contos do Mundo (O Dragão e a Princesa)

Era uma vez um Dragão. Ou melhor, era uma vez um terrível Dragão, todo embolotado, que habitava a tenebrosa caverna negra do Reino das Águas Cantantes.

Todos os habitantes do Reino temiam o Dragão, pois como todo Dragão que se preza, este também soltava fogo pelas ventas. O rei buscava heróis que destruíssem a fera pois as colheitas estavam aos poucos sendo destruídas pelas suas labaredas e o reino empobrecia.

Por anos a fio o Rei procurou corajosos que exterminassem o ameaçador dragão, com ofertas de luxos e riquezas, mas agora, não havendo mais fortuna para premiar quem acabasse com o terrível dragão, o rei prometia casamento com Marinalva, sua filha predileta.

Mas onde é que andavam os heróis? Todos ocupadíssimos, nenhum se interessava pela oferta. Não que a princesa fosse feia, mas tinha um gênio danado! Chegava a ser mais temida do que o dragão. Aliás, não queria se casar com ninguém. Gostava de ser princesa, livre de compromissos, passear em seus cavalos e dar ordem a torto e a direito.

A oferta transtornou Belzabum, bruxo particular do rei, que há muito alimentava a pretensão de desposar Marinalva. Casando-se, assumiria o controle das finanças do reino e aumentaria seu poder. Fingia-se de doce apaixonado, mas Marinalva sempre o repudiava, aliás, como fazia com qualquer pretendente. Agora então, estando a princesa prometida para o destemido que enfrentasse o dragão, Belzabum viu suas esperanças transformadas em pó.

- Já que Marinalva não pode ser minha esposa, não será mais de ninguém! - gritou Belzabum lançando um terrível feitiço sobre a princesa.

Imediatamente, Marinalva sentiu um impulso irresistível de conduzir-se até a caverna do Terrível Dragão. O feitiço começava a fazer efeito.

Enquanto isso, o Dragão em sua caverna, reclamava:

- Como dói! Dói tudo! Deve ser gripe! Ou enfarte! A cabeça dói! As costas doem!!!! Como dói!!!

Quando ele ouviu ruídos de passos, gritou:

– Quem está aí???

Marinalva sentiu o calor. Sua pele tornou-se embolotada de urticária.

– Onde estou? Perguntou ela em voz alta.

– Quem é você? – perguntou o dragão ao perceber a silhueta de Marinalva surgindo da fumaça.

– Uau!!! Quanta luz! Quanta fumaça! – exclamou Marinalva coçando os olhos já vermelhos. A fumaça era tanta que, sem querer, ela pisou na cauda do dragão.

– O#### w##$***!!!!! – Além destas exclamações, o monstro soltou uma labareda que chamuscou os cabelos da princesa que ficaram arrepiados!

– Mas que dragão malcriado! – gritou Marinalva com o dedo em riste em direção do dragão. - Escute aqui, seu fogão de lenha quebrado, que negócio é este de me queimar? Não gostei nem um pouco. Estou uma fera!!!

O Dragão não resistiu. Vendo-a de perto, com os cabelos em pé, fumaça saindo pelas orelhas, olhos vermelhos e coberta de pelotas, apaixonou-se perdidamente! Finalmente encontrara um par! Usou sua voz mais doce, soltou uns estalidos, piscou três vezes, e disse:

– Como você é linda!

Neste momento, Marinalva viu-se refletida em uma poça d´água e deu um grito.

– AAAARGHH!

– Que voz maviosa! - elogiou o dragão.

Envergonhada de sua aparência, a princesa Marinalva não teve mais coragem de sair da caverna do dragão. Este, muito apaixonado, também enclausurou-se para viver um romance com sua amada e com isso, deixou as colheitas em paz. Não se sabe se viveram felizes, mas nunca mais foram vistos por ninguém!

Fonte:
Disponível em Contos de Encantar

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Carlos Leite Ribeiro ("Oh!... Destino…")

Queria que aquelas imagens desaparecessem completamente de sua cabeça. Não se queria lembrar do passado, mas não conseguia tirar essa ideia do cérebro por mais que tentasse.

Em sua casa, chorava muitas vezes sozinha. Nem as conversas banais com as vizinhas lhe davam um pouco de alegria, nem a televisão, que passava dias sem a ligar. Chegou a odiar os sábados e os domingos, pois, durante a semana embrenhava-se no seu trabalho e por vezes nas conversas das colegas de trabalho. Muitas vezes pensava no seu triste destino.

Tudo começou no Liceu e, desde os primeiros dias, elegeu como seus amigos especiais o Acácio Manuel e a Ernestina. Para ela eram a sua companhia predileta, não só nas aulas, como nas “escapadas” para irem ao cinema; por vezes, até ao Domingo se encontravam.

O tempo foi passando e um belo dia o Acácio apresentou a um amigo de ocasião, a Mariana como sua “namorada”. Esta ficou muito admirada com esta apresentação de “namorada”, e mais tarde perguntou-lhe:

Mariana: Olha lá, Acácio, eu sou tua namorada?!

Acácio: Pois claro que és, e desde o primeiro dia que te conheci!

Ela limitou-se a sorrir. Mais tarde deu a notícia à Ernestina, que ficou muito admirada, limitando-se a balbuciar: “Sempre pensei que era eu a escolhida…”.

Quando terminaram o Liceu, casaram-se e tudo parecia correr às mil maravilhas. Até que…

A Mariana e a Ernestina trabalhavam na mesma empresa de exportações; o Acácio trabalhava num escritório de contabilidade.

Algum tempo depois, Mariana começou a notar que a sua colega Ernestina todas as semanas pedia uma tarde, alegando “estar muito mal-disposta”. Até aí…

Numa dessas tardes, para tratar qualquer assunto, telefonou para o escritório onde o marido trabalhava, e de lá responderam que o “Acácio” tinha ido para casa com uma grande enxaqueca. À noite e já em casa, perguntou ao marido se estava melhor da “enxaqueca”. A resposta foi que tinha dado aquela desculpa para poder ir ao banco tratar de uns assuntos. A Mariana limitou-se a encolher os ombros.

Na semana seguinte, a mesma cena: A Ernestina “mal-disposta” e o Acácio com “enxaqueca”. Talvez o seu sexto sentido a avisasse que devia ir naquele momento a casa. Deu uma desculpa ao seu chefe e lá foi a caminho de sua casa. Com todo o cuidado, meteu a chave na fechadura da porta e entrou em casa sem fazer ruídos. Dirigiu-se ao seu quarto que tinha até a porta entreaberta, e ao abri-la, não gostou do que viu: o seu marido com a sua melhor amiga. Ficou como petrificada. Quando recuperou, saiu a correr de casa, meteu-se dentro do carro, e andou, andou nem sabe por onde.

Apesar dos sucessivos e pungentes pedidos de desculpas do marido, não lhe perdoou, e o divórcio deu-se.

Foi trabalhar numa sucursal da empresa, mas em outra terra…

OH!... DESTINO…

O Setembro estava a findar e com ele as primeiras chuvadas. Naquele dia até trovejava e o ar estava um pouco frio.

Como os relâmpagos sempre lhe causaram pavor, entrou no primeiro lugar que lhe parecia oferecer mais segurança, e que, por acaso, era o restaurante Grill que por vezes costumava frequentar. Era um restaurante considerado popular, quase sempre cheio à hora do almoço.

Os trovões continuavam cada vez mais fortes e os relâmpagos espalhavam raios eletrizantes em todas as direções, projetando uma luz intensa por toda a cidade. Era realmente uma tempestade assustadora. Tinha na altura 28 anos.

Recordando: “Aguardava que me servissem o almoço, quando um belo moço assomou à porta. Hesitou, mas por fim resolveu entrar. Como as outras mesas estavam ocupadas, dirigiu-se à minha e, delicadamente, perguntou:

- Dá-me licença que me sente, pois as outras mesas estão ocupadas?

Ele não era uma daquelas figuras que os gregos descrevem, mas era simpático, embora tivesse nos seus belos olhos castanhos-escuros, uma tristeza profunda. Eu não costumava compartilhar com estranhos os meus "solenes" momentos das refeições e detestava quando alguém tentava invadir a minha privacidade, mas, percebendo que não havia outro lugar desocupado, secamente, respondi-lhe:

- Sim, pode sentar-se…

Ele agradeceu e, calmamente, sentou-se. Comecei a sentir algo diferente em mim, mas logo afastei qualquer ideia da minha mente. Ele também não se mostrava muito à vontade, embora intimamente me estivesse a admirar (intuição feminina...). Eu fingia que não o estava observando, mas, volta - e - meia, descobria um ou outro detalhe interessante no meu imposto companheiro de mesa que naquela altura já saboreava um vinho tinto como se fosse a bebida mais saborosa do mundo. Olhando de vez em quando, de relance, percebi que era charmoso, muito bem cuidado. Além dos olhos castanhos e amendoados, tinha traços de pessoa fina, enfim, não deixava de ser um homem muito interessante.

Por fim, começou por perguntar se o comer era bom naquele restaurante; depois, se o meu marido não se importava que a esposa estivesse à mesa com outro homem, etc., etc. Respondi-lhe que não era casada, mas sim completamente livre. Ele pareceu ter ficado mais calmo e menos tímido. De início, eu não me senti à vontade com o rumo que a conversa estava tomando, e fiquei nervosa ao perceber que algumas pessoas conhecidas estavam nos lançando olhares atravessados, imaginando não sei o quê... Como em cidade pequena quase todas as pessoas se conhecem, no mínimo estavam censurando a minha "prosa" forçada com um cavalheiro desconhecido. Contudo, depois de algumas frases trocadas, fiquei mais descontraída e até fiz algumas indagações de somenos importância. Entretanto, começámos a almoçar e ele aproveitou para me ir dizendo que era aluno de Engenharia de Máquinas, mas por vários motivos não podia terminar o curso, sendo o principal o facto de uma moça que ele amava e já namorava há anos, o ter traído. Até parecia que se estava a confessar! Comecei a pensar:

"Este quer cantar-me a "canção do bandido", mas comigo vem de carrinho e para lá vai de carroça! Ainda tenho em mente o que sofri anteriormente"

Sorri. O que deve ter desencorajado o meu belo interlocutor, que, delicadamente, se despediu, levantou-se e foi-se embora, depois de ouvir pacientemente eu dizer, num gesto de amizade, que lamentava profundamente o que havia acontecido com ele, que o que lhe aconteceu poderia acontecer com qualquer pessoa e que a minha história não era muito diferente. Comigo, havia acontecido coisa pior, porque eu tinha sido "trocada" pela minha “melhor amiga", o que tornava a traição muito mais dolorida.

Mas, embora eu não quisesse admitir, fiquei muito decepcionada com aquela despedida algo apressada, que mais me parecia uma fuga. Fiquei ainda alguns minutos a pensar naquilo que tinha acontecido naquele almoço. Mas a vida tinha de continuar e eu tinha de entrar a horas no escritório. Tinha muitos trabalhos para fazer no computador. Realmente, precisava voltar ao trabalho e aceitar a minha realidade: a solidão.

Numa cidade pequena há sempre uma escassez muito grande de verdadeiros cavalheiros disponíveis e, querendo ou não, eu tinha que continuar levando a minha vidinha pacata e sem grandes perspectivas.

Durante muitos dias ainda alimentei a secreta esperança que ele aparecesse, mas em vão. Já fazia muito tempo que tinha chegado à conclusão que ele tinha uns belos olhos castanhos-escuros. Mas ele nunca mais apareceu e a minha vida continuou a ser o que tinha sido até aí: emprego – casa – emprego – casa.

De quando em vez ia ao cinema, mas numa localidade pequena é sempre difícil arranjar divertimentos. Por vezes mergulhava-me na Internet, horas e horas, sem saber bem o que queria navegar, o que me interessava procurar. Nem sabia o nome daquele “intruso” que tinha entrado na minha vida sem ele próprio o saber.

Mas aquele homem... Aquele homem não saía da minha cabeça... Era tão forte a presença dele no meu pensamento que parecia que eu já o conhecia há muitos anos. Era uma espécie de "namorado virtual". O namorado que era na minha mente sem nunca ter sido.

O tempo foi passando. Já estava perdendo a esperança de reencontrá-lo e cada dia ficava mais decepcionada comigo mesma por perder tanto tempo esperando por um milagre que, talvez, nunca acontecesse.

No ano seguinte, como é óbvio, o Setembro voltou.

Estava um dia esplendoroso, com muito sol e uma temperatura agradável. Como habitualmente, eu estava sentada na mesma mesa, do mesmo restaurante, em que pela primeira e última vez o tinha encontrado.

Pensava nele...

Pensava como seria maravilhoso se ele estivesse ali à minha frente, mesmo que fosse só para mostrar os seus olhos castanhos com aquela tristeza quase indecifrável. E, de vez em quando, me perguntava como uma mulher podia trair um homem como aquele, elegante, de traços finos, cavalheiro, e que, mesmo não sendo um " bonitão " , tinha uns olhos castanhos tão lindos, tão expressivos, apesar da tristeza que tentava ofuscar todo o seu brilho. Quando…

"OH!... Destino!... Tu por vezes fazes coisas maravilhosas..." De repente, como num toque de magia, ouvi uma voz que me parecia familiar, olhei de relance, e quase sem acreditar no que via, dialoguei imaginariamente com o meu Destino, e o meu coração pulsou mais forte quando tive a certeza de que era ele mesmo.

Entrou no restaurante e, assim que me viu, dirigiu-se logo para a mesa onde eu estava sentada. Aproximou-se de mim e, como se quisesse contar um segredo, foi logo me dizendo:

- Não acredito que um ano depois, você esteja sentada no mesmo lugar, no mesmo restaurante, e parecendo a mesma "garotinha" assustada que eu conheci aqui, sem esse sorriso lindo estampado no rosto, como tem agora. E encostando-se em mim quase ousadamente, perguntou-me tentando parecer engraçadinho:

- Por acaso tínhamos marcado alguma comemoração um ano depois do nosso primeiro encontro?

Sorrimos, parecendo velhos amigos, e ficámos rindo como duas crianças que apreciavam as mesmas brincadeiras. Desta vez nem pediu licença, sentou-se logo. E logo senti um enorme desejo que ele me contasse todas as "histórias de bandido que ele conhecesse". E que me conhecesse melhor... Mas ele limitou-se a contar que tinha emigrado para o Rio de Janeiro para refazer a vida, mas que nunca me tinha esquecido. Eu nem podia dizer que não acreditava, porque parece que ele estava em todas as coisas bonitas que eu via, e embora eu ainda não soubesse nem o seu nome, eu não o havia esquecido em momento algum e, para falar a verdade, estava ali quase chorando de tanta felicidade.

Foi nesse dia, um ano depois de nos termos encontrado, que tivemos oportunidade de revelar os nossos verdadeiros nomes: ele João e eu Mariana.

Hoje, estou aqui emocionada, sentada no mesmo lugar, do mesmo restaurante, a pensar naqueles belos olhos castanhos que um dia me apareceram e que modificaram completamente a minha vida. Alguns anos se passaram, mas para nós parece que o tempo não passou, porque parecemos eternos namorados. João trabalha numa cidade vizinha onde moram seus pais, mas não deixa de voltar para casa todos os dias porque nos amamos muito e não podemos ficar separados muito tempo porque sentimos muita falta um do outro. Por isso, até hoje, agradecemos a Deus por aquele dia de temporal em que nos conhecemos. Sou casada com ele. Temos dois filhos amorosos e, para o fim deste ano espero ter o terceiro. A nossa vida em comum cada dia se torna mais bonita. Temos gostos e gênios bem-parecidos, e naquilo em que não combinamos, respeitamos mutuamente as nossas diferenças. Nossos filhos são o Leonardo e o Telmo.

O terceiro e último, terá o nome de Miguel, que talvez venha ao mundo no próximo dia 25 de Dezembro. Já escrevemos ao Pai Natal para que não se esqueça de lhe mandar uma prenda.

Lembro-me das palavras de minha avó: “A Felicidade é como a Fortuna, vem na hora e se não é aproveitada, vai-se logo embora”

OH!... DESTINO…

Fonte:
Portal CEN

domingo, 10 de setembro de 2017

Virgínia Woolf (Objetos Sólidos)

A única coisa a se mover no vasto semicírculo da praia era um pontinho preto. Quando ele chegou mais perto das vértebras e espinha do barco de sardinhas na areia, tornou-se visível, por certa tenuidade em seu pretume, que o ponto tinha quatro pernas; e tornou-se mais claro, de momento a momento, que era composto pelas pessoas de dois jovens. Mesmo assim, em contorno contra a areia, havia neles uma vitalidade inconfundível; um vigor indescritível na aproximação e no retraimento dos corpos a indicar, malgrado sua insuficiência, alguma discussão violenta que saía das bocas diminutas das cabecinhas redondas. O que era confirmado, a uma inspeção mais atenta, pelas repetidas estocadas que uma bengala vinha dando pelo lado direito. “Você então quer me dizer… Você de fato acredita…”, assim, do lado direito, perto das ondas, parecia sustentar a bengala, enquanto cortava pela areia tiras retas e longas.

“Que se dane a política!”, adveio claramente do corpo à esquerda e, ao serem pronunciadas tais palavras, as bocas, narizes, queixos, bigodinhos, gorros de lã, botas grosseiras, capotes de caça e meias axadrezadas dos dois falantes tornaram-se cada vez mais distintos; a fumaça dos seus cachimbos subia pelo ar; nada era tão sólido, tão vivo, tão rijo, rubro, viril e hirsuto quanto esses corpos por quilômetros e mais quilômetros de mar e dunas de areia. Lançaram-se os dois ao fundo das seis vértebras e espinha dorsal do barco negro de sardinhas. Sabe-se como o corpo parece sacudir-se para livrar-se de uma discussão e desculpar-se por uma exaltação de ânimo; lançando-se ao fundo e exprimindo em seu afrouxamento de atitude a presteza para se ocupar de algo novo — seja o que for que a seguir venha à mão. Assim Charles, cuja bengala estivera, por quase um quilômetro, a retalhar a praia, começou a atirar pedaços planos de lousa para ricochetear sobre a água; e John, que havia exclamado

“Que se dane a política!”, começou a meter seus dedos na areia, cada vez mais fundo. Quanto mais ele enfiava a mão, que ao chegar além do pulso forçou-o a puxar a manga um pouco mais para cima, mais seus olhos perdiam em intensidade, ou melhor, o substrato de pensamento e experiência que dá profundidade inescrutável aos olhos das pessoas adultas desaparecia, para deixar apenas a clara superfície transparente, nada expressando além do espanto que os olhos das crianças demonstram. Sem dúvida o ato de cavar na areia tinha alguma coisa a ver com isso. Lembrava-se ele como, depois de cavar um pouco, a água escorre pelas pontas dos dedos; o buraco então se torna um fosso; um poço; uma nascente; um canal secreto para o mar. Enquanto ele decidia qual dessas coisas fazer, seus dedos, ainda se movendo na água, enroscaram-se em torno de algo duro — toda uma gota de matéria sólida — para desentocar pouco a pouco, trazendo-o à superfície, um grande e irregular fragmento. Ao ser lavada a areia que o cobria, surgiu um verde desmaiado. Era um caco de vidro, tão grosso a ponto de se tornar opaco; tudo o que fosse forma ou gume já se gastara por completo com o alisamento do mar, sendo impossível dizer assim se havia sido de garrafa, vidraça ou copo; não era nada, a não ser vidro; era quase uma pedra preciosa. Bastaria circundá-lo de uma borda de ouro, ou perfurá-lo com um arame, para que se tornasse uma joia; parte de um colar, ou uma luz verde e fosca sobre um dedo. Afinal, talvez fosse realmente uma gema; alguma coisa usada por uma princesa negra que, sentada na popa da embarcação, ia arrastando o dedo pela água enquanto ouvia os escravos que cantavam ao conduzi-la a remo através da baía. Ou então as tábuas de carvalho de uma arca do tesouro elizabetana é que se haviam despregado, tendo suas esmeraldas, ao sabor das ondas, para cá e para lá, finalmente chegado à praia. John se pôs a revirá-lo nas mãos; e o ergueu na luz; ergueu-o de tal modo que sua massa irregular eclipsou o corpo e o braço direito esticado de seu amigo. O verde se atenuava e turvava ligeiramente ao ser mantido contra o céu ou o corpo.

Causava-lhe prazer; intrigava-o; comparado ao vago mar e à costa tão imersa em brumas, era um objeto bem duro, bem concentrado, bem definido. Uma visão o perturbava agora — decisiva e profunda, tornando-o consciente de que seu amigo Charles havia jogado todas as pedras planas ao alcance da mão, ou chegado à conclusão de que não valia a pena fazê-lo. Lado a lado eles comeram seus sanduíches. Tendo-o feito, já se punham de pé e sacudiam-se quando John pegou o caco de vidro para o olhar em silêncio.

Charles olhou também. Mas imediatamente viu que ele não era achatado e, enchendo seu cachimbo, disse com a energia que rejeita um descabido esforço de pensamento: “Para voltar ao que eu estava falando…”.

Ele não tinha visto ou, se visse, mal teria notado que John, após examinar por um momento o vidro, como que em hesitação, o enfiara no bolso. Tal impulso poderia também ter sido o impulso que leva uma criança a apanhar uma pedrinha num caminho no qual elas se esparramam, prometendo-lhe uma vida em segurança e quentura sobre a lareira do quarto, deleitando-se com a sensação de poder e benignidade que uma ação como essa propicia e acreditando que o coração da pedra pula de alegria quando se vê escolhido, dentre um milhão de iguais, para gozar de tal felicidade, não de uma vida de umidade e frio na estrada. “Bem que poderia ter sido qualquer outra dos milhões de pedras, mas fui eu, eu, eu!”

Estivesse ou não essa ideia na cabeça de John, o fato é que o pedaço de vidro encontrou seu lugar em cima da lareira, onde solidamente se plantou sobre uma pequena pilha de cartas e contas, servindo não só como excelente peso de papéis, mas também como ponto natural de parada para o olhar do rapaz, quando ele se desviava do livro. Visto repetidas vezes e de modo semiconsciente por uma cabeça que pensa noutra coisa, qualquer objeto se mescla tão profundamente à substância do pensar que perde sua forma verdadeira e se recompõe com alguma diferença numa feição ideal que obseca o cérebro, quando menos se espera. John se via assim atraído, quando saía para andar, pelas vitrines das lojas de raridades, simplesmente por ter visto alguma coisa que o lembrava daquele caco de vidro. Qualquer coisa, desde que fosse algum tipo de objeto, mais ou menos redondo, talvez com uma chama agonizante imersa a fundo em sua massa, qualquer coisa — porcelana, vidro, âmbar, rocha, mármore — até mesmo o ovo liso e oval de uma ave pré-histórica serviria.

Habituou-se ele também a andar de olhos no chão, especialmente nas adjacências dos terrenos baldios onde são jogados fora os refugos das casas. Tais objetos ocorriam lá com frequência — jogados fora, de nenhuma utilidade para ninguém, disformes, descartados. Em poucos meses ele fez uma coleção de quatro ou cinco espécimes que foram para o mesmo lugar, parando em cima da lareira. Eram úteis também, pois um homem que concorre ao parlamento, no limiar de uma brilhante carreira, tem uma boa quantidade de papéis para manter em ordem — comunicados a eleitores, plataformas políticas, apelos a subscrições, convites para jantares e assim por diante.

Um dia, saindo de seus aposentos no Temple para pegar um trem, a fim de falar aos eleitores, seus olhos bateram num objeto extraordinário que jazia semioculto numa dessas bordaduras de grama que orlam as bases dos grandes prédios forenses. Não podendo senão tocá-lo, através da cerca, com a ponta da bengala, ele podia ver no entanto que era um caco de porcelana de forma bem singular, quase tão parecido com uma estrela-do-mar como qualquer coisa formada — ou acidentalmente quebrada — em cinco pontas irregulares, não obstante inconfundíveis. Se em sua coloração predominava o azul, ao azul se sobrepunham faixas ou manchas verdes de algum tipo, enquanto linhas carmesins davam-lhe uma riqueza e um brilho da mais atraente espécie. John estava decidido a possuí-lo; quanto mais perseverava nisso, mais no entanto ele retrocedia.

John, por fim, se viu forçado a voltar a seus aposentos para improvisar uma argola de arame presa na ponta de uma vara, com a qual, à força de grande habilidade e com muito cuidado, finalmente trouxe o pedaço de porcelana ao alcance das mãos. Ao apanhá-lo, soltou uma exclamação de triunfo. E o relógio bateu nesse momento. Já não lhe era mais possível cumprir seu compromisso. A reunião foi realizada sem ele. Mas como o caco de porcelana se partira daquele modo notável? Um exame cuidadoso deixou fora de dúvidas que a forma de estrela era acidental, o que tornava tudo ainda mais estranho, e parecia improvável que pudesse existir outro assim. Posto sobre a lareira, no lado contrário ao do caco de vidro que havia sido retirado da areia, dava ele a impressão de ser uma criatura de outro mundo — fantástica e extravagante como um arlequim. Parecia estar fazendo piruetas no espaço, tremeluzindo como uma estrela que pisca. Fascinado pelo contraste entre a porcelana, tão vívida e alerta, e o vidro, tão contemplativo e calado, ele se perguntou, pasmo e perplexo, como os dois tinham vindo a existir no mesmo mundo, para plantar-se, além do mais, no mesmo cômodo, na mesma estreita faixa de mármore. Mas a pergunta permaneceu sem resposta.

Ele então passou a frequentar os lugares em que os cacos de porcelana mais proliferam, como as nesgas de chão que sobram entre as linhas de trem, os terrenos de casas demolidas e as áreas públicas dos arredores de Londres. É porém muito raro, é um dos mais raros dentre os atos humanos, que se jogue porcelana de uma grande altura. É preciso achar em conjunção uma casa bem alta e uma mulher tão impulsiva e de prevenções tão coléricas que é capaz de atirar pela janela seu jarro ou pote, sem pensar em quem está embaixo.

Encontravam-se em abundância cacos de porcelana, porém quebrados na trivialidade de um acidente doméstico, não de propósito, e sem caráter. Não obstante ele se admirava com frequência, quando veio a entrar mais a fundo na questão, da imensa variedade de formas a encontrar-se apenas em Londres, havendo ainda mais motivos para especulação e espanto nas diferenças de padrões e qualidade. Os melhores espécimes ele levaria para casa e colocaria em cima da lareira, onde a função que lhes cabia era porém cada vez mais de natureza ornamental, já que os papéis que necessitavam de um peso para os manter sem voar tornavam-se progressivamente mais raros.

Descuidou-se de suas obrigações, talvez, ou as cumpria de um modo por demais desatento, ou então seus eleitores, quando o visitavam, viam-se desfavoravelmente impressionados pelo aspecto de sua lareira. Fosse como fosse, não foi eleito para os representar no parlamento, e seu amigo Charles, sentindo muito e se apressando a manifestar seu pesar, achou-o tão pouco abalado com a derrota que não pôde senão supor que a questão era grave demais para ele a entender de imediato.

Na verdade, John havia estado nesse dia nas áreas públicas de Barnes, onde achara, sob uma moita de tojo, um pedaço de ferro bem pouco comum. Era, na conformação, quase idêntico ao vidro, maciço e globuloso, mas tão frio e pesado, tão metálico e negro, que evidentemente era estranho à Terra, tendo sua origem numa das estrelas mortas, se não fosse em si mesmo escória de uma lua. Em seu bolso, pesava muito; e pesou muito em cima da lareira, irradiando frio. No entanto, o meteorito ficou na mesma prateleira com o caco de vidro e a porcelana em forma de estrela.

Quando seus olhos passavam de um para o outro, a determinação de possuir objetos que chegassem a ultrapassar aqueles atormentava o rapaz. Resolutamente ele se consagrou cada vez mais à procura. Se não ardesse de ambição, se não estivesse convencido de ser recompensado algum dia por um monte de lixo recentemente descoberto, as decepções que sofreu, sem falar do cansaço e do ridículo, teriam-no feito desistir da empreitada. Munido de uma bolsa e de uma vara comprida na qual se adaptava um gancho, revolveu todos os monturos de terra; escarafunchou sob densos emaranhamentos de mato; buscou por todas as vielas e espaços entre paredes onde se habituara a esperar descobrir objetos desse tipo jogados fora. Tornando-se seus critérios mais rígidos e seu gosto mais exigente, as decepções eram inumeráveis, mas sempre um brilho de esperança, um caco de porcelana ou de vidro com alguma marca curiosa ou curiosamente quebrado, o enganava. Passou-se um dia após o outro. E ele já não era mais jovem. Sua carreira — isto é, sua carreira política — tornou-se coisa do passado. As pessoas deixaram de visitá-lo. Ele era muito calado para que valesse a pena convidá-lo para jantar. Nunca falava com ninguém sobre as ambições tão sérias que tinha; a falta de compreensão dos outros transparecia no seu comportamento.

Recostado em sua cadeira, ele agora observava Charles, que repetidas vezes erguia as pedras em cima da lareira e enfaticamente as repunha em seu lugar para marcar o que ele estava dizendo sobre a orientação do governo, sem nem sequer notar a existência delas.

“Qual é a verdade, John?”, perguntou Charles de repente, virando-se para encará-lo. “O que o levou a desistir de tudo assim sem mais nem menos?”

“Eu não desisti”, respondeu John.

“Mas agora você não tem mais chance nenhuma”, disse Charles com aspereza.

“Nisso eu discordo de você”, disse John convictamente. Charles, olhando-o, sentiu-se profundamente incomodado; foi possuído pelas dúvidas mais extraordinárias; teve uma impressão esquisita de que os dois estavam falando de coisas diferentes. Olhou em torno, a fim de encontrar algum alívio para sua horrorosa depressão, mas a aparência desordenada do quarto o deprimiu ainda mais. O que eram aquela vara e a velha bolsa de tapeçaria pendurada na parede? E aquelas pedras? Ao olhar para John, algo fixo e distante em sua expressão o alarmou. Ele sabia muito bem que a presença do amigo num palanque já estava fora de questão.

“Bonitas pedras”, disse tão jovialmente quanto pôde; e foi dizendo que tinha um compromisso a cumprir que ele se despediu de John — para sempre.

Fonte:
Virginia Woolf. A Marca na Parede e Outros Contos