segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Carlos Leite Ribeiro ("Oh!... Destino…")

Queria que aquelas imagens desaparecessem completamente de sua cabeça. Não se queria lembrar do passado, mas não conseguia tirar essa ideia do cérebro por mais que tentasse.

Em sua casa, chorava muitas vezes sozinha. Nem as conversas banais com as vizinhas lhe davam um pouco de alegria, nem a televisão, que passava dias sem a ligar. Chegou a odiar os sábados e os domingos, pois, durante a semana embrenhava-se no seu trabalho e por vezes nas conversas das colegas de trabalho. Muitas vezes pensava no seu triste destino.

Tudo começou no Liceu e, desde os primeiros dias, elegeu como seus amigos especiais o Acácio Manuel e a Ernestina. Para ela eram a sua companhia predileta, não só nas aulas, como nas “escapadas” para irem ao cinema; por vezes, até ao Domingo se encontravam.

O tempo foi passando e um belo dia o Acácio apresentou a um amigo de ocasião, a Mariana como sua “namorada”. Esta ficou muito admirada com esta apresentação de “namorada”, e mais tarde perguntou-lhe:

Mariana: Olha lá, Acácio, eu sou tua namorada?!

Acácio: Pois claro que és, e desde o primeiro dia que te conheci!

Ela limitou-se a sorrir. Mais tarde deu a notícia à Ernestina, que ficou muito admirada, limitando-se a balbuciar: “Sempre pensei que era eu a escolhida…”.

Quando terminaram o Liceu, casaram-se e tudo parecia correr às mil maravilhas. Até que…

A Mariana e a Ernestina trabalhavam na mesma empresa de exportações; o Acácio trabalhava num escritório de contabilidade.

Algum tempo depois, Mariana começou a notar que a sua colega Ernestina todas as semanas pedia uma tarde, alegando “estar muito mal-disposta”. Até aí…

Numa dessas tardes, para tratar qualquer assunto, telefonou para o escritório onde o marido trabalhava, e de lá responderam que o “Acácio” tinha ido para casa com uma grande enxaqueca. À noite e já em casa, perguntou ao marido se estava melhor da “enxaqueca”. A resposta foi que tinha dado aquela desculpa para poder ir ao banco tratar de uns assuntos. A Mariana limitou-se a encolher os ombros.

Na semana seguinte, a mesma cena: A Ernestina “mal-disposta” e o Acácio com “enxaqueca”. Talvez o seu sexto sentido a avisasse que devia ir naquele momento a casa. Deu uma desculpa ao seu chefe e lá foi a caminho de sua casa. Com todo o cuidado, meteu a chave na fechadura da porta e entrou em casa sem fazer ruídos. Dirigiu-se ao seu quarto que tinha até a porta entreaberta, e ao abri-la, não gostou do que viu: o seu marido com a sua melhor amiga. Ficou como petrificada. Quando recuperou, saiu a correr de casa, meteu-se dentro do carro, e andou, andou nem sabe por onde.

Apesar dos sucessivos e pungentes pedidos de desculpas do marido, não lhe perdoou, e o divórcio deu-se.

Foi trabalhar numa sucursal da empresa, mas em outra terra…

OH!... DESTINO…

O Setembro estava a findar e com ele as primeiras chuvadas. Naquele dia até trovejava e o ar estava um pouco frio.

Como os relâmpagos sempre lhe causaram pavor, entrou no primeiro lugar que lhe parecia oferecer mais segurança, e que, por acaso, era o restaurante Grill que por vezes costumava frequentar. Era um restaurante considerado popular, quase sempre cheio à hora do almoço.

Os trovões continuavam cada vez mais fortes e os relâmpagos espalhavam raios eletrizantes em todas as direções, projetando uma luz intensa por toda a cidade. Era realmente uma tempestade assustadora. Tinha na altura 28 anos.

Recordando: “Aguardava que me servissem o almoço, quando um belo moço assomou à porta. Hesitou, mas por fim resolveu entrar. Como as outras mesas estavam ocupadas, dirigiu-se à minha e, delicadamente, perguntou:

- Dá-me licença que me sente, pois as outras mesas estão ocupadas?

Ele não era uma daquelas figuras que os gregos descrevem, mas era simpático, embora tivesse nos seus belos olhos castanhos-escuros, uma tristeza profunda. Eu não costumava compartilhar com estranhos os meus "solenes" momentos das refeições e detestava quando alguém tentava invadir a minha privacidade, mas, percebendo que não havia outro lugar desocupado, secamente, respondi-lhe:

- Sim, pode sentar-se…

Ele agradeceu e, calmamente, sentou-se. Comecei a sentir algo diferente em mim, mas logo afastei qualquer ideia da minha mente. Ele também não se mostrava muito à vontade, embora intimamente me estivesse a admirar (intuição feminina...). Eu fingia que não o estava observando, mas, volta - e - meia, descobria um ou outro detalhe interessante no meu imposto companheiro de mesa que naquela altura já saboreava um vinho tinto como se fosse a bebida mais saborosa do mundo. Olhando de vez em quando, de relance, percebi que era charmoso, muito bem cuidado. Além dos olhos castanhos e amendoados, tinha traços de pessoa fina, enfim, não deixava de ser um homem muito interessante.

Por fim, começou por perguntar se o comer era bom naquele restaurante; depois, se o meu marido não se importava que a esposa estivesse à mesa com outro homem, etc., etc. Respondi-lhe que não era casada, mas sim completamente livre. Ele pareceu ter ficado mais calmo e menos tímido. De início, eu não me senti à vontade com o rumo que a conversa estava tomando, e fiquei nervosa ao perceber que algumas pessoas conhecidas estavam nos lançando olhares atravessados, imaginando não sei o quê... Como em cidade pequena quase todas as pessoas se conhecem, no mínimo estavam censurando a minha "prosa" forçada com um cavalheiro desconhecido. Contudo, depois de algumas frases trocadas, fiquei mais descontraída e até fiz algumas indagações de somenos importância. Entretanto, começámos a almoçar e ele aproveitou para me ir dizendo que era aluno de Engenharia de Máquinas, mas por vários motivos não podia terminar o curso, sendo o principal o facto de uma moça que ele amava e já namorava há anos, o ter traído. Até parecia que se estava a confessar! Comecei a pensar:

"Este quer cantar-me a "canção do bandido", mas comigo vem de carrinho e para lá vai de carroça! Ainda tenho em mente o que sofri anteriormente"

Sorri. O que deve ter desencorajado o meu belo interlocutor, que, delicadamente, se despediu, levantou-se e foi-se embora, depois de ouvir pacientemente eu dizer, num gesto de amizade, que lamentava profundamente o que havia acontecido com ele, que o que lhe aconteceu poderia acontecer com qualquer pessoa e que a minha história não era muito diferente. Comigo, havia acontecido coisa pior, porque eu tinha sido "trocada" pela minha “melhor amiga", o que tornava a traição muito mais dolorida.

Mas, embora eu não quisesse admitir, fiquei muito decepcionada com aquela despedida algo apressada, que mais me parecia uma fuga. Fiquei ainda alguns minutos a pensar naquilo que tinha acontecido naquele almoço. Mas a vida tinha de continuar e eu tinha de entrar a horas no escritório. Tinha muitos trabalhos para fazer no computador. Realmente, precisava voltar ao trabalho e aceitar a minha realidade: a solidão.

Numa cidade pequena há sempre uma escassez muito grande de verdadeiros cavalheiros disponíveis e, querendo ou não, eu tinha que continuar levando a minha vidinha pacata e sem grandes perspectivas.

Durante muitos dias ainda alimentei a secreta esperança que ele aparecesse, mas em vão. Já fazia muito tempo que tinha chegado à conclusão que ele tinha uns belos olhos castanhos-escuros. Mas ele nunca mais apareceu e a minha vida continuou a ser o que tinha sido até aí: emprego – casa – emprego – casa.

De quando em vez ia ao cinema, mas numa localidade pequena é sempre difícil arranjar divertimentos. Por vezes mergulhava-me na Internet, horas e horas, sem saber bem o que queria navegar, o que me interessava procurar. Nem sabia o nome daquele “intruso” que tinha entrado na minha vida sem ele próprio o saber.

Mas aquele homem... Aquele homem não saía da minha cabeça... Era tão forte a presença dele no meu pensamento que parecia que eu já o conhecia há muitos anos. Era uma espécie de "namorado virtual". O namorado que era na minha mente sem nunca ter sido.

O tempo foi passando. Já estava perdendo a esperança de reencontrá-lo e cada dia ficava mais decepcionada comigo mesma por perder tanto tempo esperando por um milagre que, talvez, nunca acontecesse.

No ano seguinte, como é óbvio, o Setembro voltou.

Estava um dia esplendoroso, com muito sol e uma temperatura agradável. Como habitualmente, eu estava sentada na mesma mesa, do mesmo restaurante, em que pela primeira e última vez o tinha encontrado.

Pensava nele...

Pensava como seria maravilhoso se ele estivesse ali à minha frente, mesmo que fosse só para mostrar os seus olhos castanhos com aquela tristeza quase indecifrável. E, de vez em quando, me perguntava como uma mulher podia trair um homem como aquele, elegante, de traços finos, cavalheiro, e que, mesmo não sendo um " bonitão " , tinha uns olhos castanhos tão lindos, tão expressivos, apesar da tristeza que tentava ofuscar todo o seu brilho. Quando…

"OH!... Destino!... Tu por vezes fazes coisas maravilhosas..." De repente, como num toque de magia, ouvi uma voz que me parecia familiar, olhei de relance, e quase sem acreditar no que via, dialoguei imaginariamente com o meu Destino, e o meu coração pulsou mais forte quando tive a certeza de que era ele mesmo.

Entrou no restaurante e, assim que me viu, dirigiu-se logo para a mesa onde eu estava sentada. Aproximou-se de mim e, como se quisesse contar um segredo, foi logo me dizendo:

- Não acredito que um ano depois, você esteja sentada no mesmo lugar, no mesmo restaurante, e parecendo a mesma "garotinha" assustada que eu conheci aqui, sem esse sorriso lindo estampado no rosto, como tem agora. E encostando-se em mim quase ousadamente, perguntou-me tentando parecer engraçadinho:

- Por acaso tínhamos marcado alguma comemoração um ano depois do nosso primeiro encontro?

Sorrimos, parecendo velhos amigos, e ficámos rindo como duas crianças que apreciavam as mesmas brincadeiras. Desta vez nem pediu licença, sentou-se logo. E logo senti um enorme desejo que ele me contasse todas as "histórias de bandido que ele conhecesse". E que me conhecesse melhor... Mas ele limitou-se a contar que tinha emigrado para o Rio de Janeiro para refazer a vida, mas que nunca me tinha esquecido. Eu nem podia dizer que não acreditava, porque parece que ele estava em todas as coisas bonitas que eu via, e embora eu ainda não soubesse nem o seu nome, eu não o havia esquecido em momento algum e, para falar a verdade, estava ali quase chorando de tanta felicidade.

Foi nesse dia, um ano depois de nos termos encontrado, que tivemos oportunidade de revelar os nossos verdadeiros nomes: ele João e eu Mariana.

Hoje, estou aqui emocionada, sentada no mesmo lugar, do mesmo restaurante, a pensar naqueles belos olhos castanhos que um dia me apareceram e que modificaram completamente a minha vida. Alguns anos se passaram, mas para nós parece que o tempo não passou, porque parecemos eternos namorados. João trabalha numa cidade vizinha onde moram seus pais, mas não deixa de voltar para casa todos os dias porque nos amamos muito e não podemos ficar separados muito tempo porque sentimos muita falta um do outro. Por isso, até hoje, agradecemos a Deus por aquele dia de temporal em que nos conhecemos. Sou casada com ele. Temos dois filhos amorosos e, para o fim deste ano espero ter o terceiro. A nossa vida em comum cada dia se torna mais bonita. Temos gostos e gênios bem-parecidos, e naquilo em que não combinamos, respeitamos mutuamente as nossas diferenças. Nossos filhos são o Leonardo e o Telmo.

O terceiro e último, terá o nome de Miguel, que talvez venha ao mundo no próximo dia 25 de Dezembro. Já escrevemos ao Pai Natal para que não se esqueça de lhe mandar uma prenda.

Lembro-me das palavras de minha avó: “A Felicidade é como a Fortuna, vem na hora e se não é aproveitada, vai-se logo embora”

OH!... DESTINO…

Fonte:
Portal CEN

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