domingo, 6 de março de 2022

Adega de Versos 73: Raymundo de Salles

 

Irmãos Grimm (Os três operários)


Três operários tinham combinado correr mundo, juntos , e trabalhar sempre na mesma cidade. Mas aconteceu que um dia a situação piorou tanto que seus patrões não lhes puderam pagar e, por isso, ficaram os três sem recursos, até mesmo para comer.

Disse um deles:

- Que faremos? É impossível continuarmos aqui. Teremos de partir e, se não encontramos trabalho na próxima cidade, combinaremos com o dono da hospedaria para  que cada qual lhe escreva dizendo o lugar onde se encontra. Assim, poderemos separar-nos na certeza de cada  um ter notícias dos outros.

Os demais acharam ótima a ideia e juntos se puseram a caminho.

Pouco depois encontraram um homem, muito bem trajado, que lhes perguntou quem eram.

- Somos operários à procura de trabalho. Até agora sempre estivemos juntos. Mas infelizmente, se não acharmos emprego para os três, temos de nos separar.

- Não se preocupem por tão pouco. - disse o homem. - Se fizerem o que eu lhes disser, não faltará trabalho nem dinheiro. - Chegarão , até, a ser grandes senhores e só andarão de carruagem.

Respondeu um deles:

- Concordamos, mas com a condição de que não haja prejuízo para nossas almas e nossa salvação eterna.

- Não. - respondeu o desconhecido. - Por esse lado, não tenho interesse nenhum em vocês.

Mas um dos rapazes, olhando-lhe os pés, notou que tinha um pé de cabra e outro de homem e não quis mais saber de conversa. Entretanto, o diabo - pois não era outro senão ele - assegurou-lhes:

- Podem ficar tranquilos. Não pretendo apoderar-me da alma de vocês, mas sim da de outra pessoa, que já quase me pertence. Pouco falta para que ela encha as medidas.

Diante dessa afirmação, os três aceitaram a oferta e o diabo lhes explicou o que queria deles: o primeiro deveria responder, sempre, a todas as perguntas: "Nós três", o segundo: "Por dinheiro" e o último: "Foi  justo". Deviam repetir essas frases, pela mesma ordem, abstendo-se de pronunciar uma palavra a mais. Caso não cumprissem, exatamente, tal ordem, ficariam logo sem bolsos cheios. De início o diabo lhes deu tanto dinheiro quanto podiam carregar. E mandou-lhes que, ao chegar à cidade, se dirigissem a determinada hospedaria.

Assim, fizeram e, quando o dono da estalagem saiu para recebê-los e perguntou:

- Desejam algo para comer ?

O primeiro respondeu:

- Nós três.

- Sim. - disse o homem - Logo imaginei.

O segundo acrescentou:

- Por dinheiro.

- Naturalmente! - exclamou o hospedeiro.

- Foi justo. - disse o terceiro.

- Claro que é justo. - concordou o proprietário.

Depois de terem comido e bebido muito bem, chegou o momento de pagar a conta que o hospedeiro entregou a um deles.

- Nós três. - disse este.

- Por dinheiro. - acrescentou o segundo.

- Foi justo. - terminou o terceiro.

- Claro que foi justo, - disse o hospedeiro - paguem os três, que sem dinheiro nada posso dar.

Pagaram-lhe mais do que havia pedido. E, ao ver tal coisa, os outros hóspedes comentaram:

- Esses sujeitos são loucos!

- Creio que são mesmo. -disse o hospedeiro.- Não regulem bem.

Ficaram vários dias ali, sem pronunciar outras palavras a não ser: "Nós três", "por dinheiro" e "foi justo". No entanto, viam e sabiam de tudo o que se passava na hospedaria.

Até que um dia chegou um comerciante rico, que trazia muito dinheiro consigo e que disse ao dono da casa:

- Senhor hospedeiro, guarde esta importância para mim, pois aqueles três operários me parecem suspeitos, tenho medo que me roubem.

O hospedeiro levou a maleta do viajante para o seu quarto e verificou que estava cheia de ouro. Deu então, aos três operários, um aposento no andar térreo e acomodou o negociante no de  cima.

À meia-noite, quando viu que todos dormiam, entrou com sua mulher no quarto do homem e o matou. Cometido o crime, tornaram a deitar-se.

Na manhã seguinte, houve grande alvoroço no albergue quando encontraram o cadáver do comerciante em sua cama, banhado em sangue. O dono da casa disse a todos os hóspedes, que se haviam reunido no  local do crime:

- Isso é obra daqueles três loucos. - o que foi confirmado pelos presentes, que acrescentaram:

- Pois quem mais poderia ter sido?

O hospedeiro mandou chamá-los e perguntou?

- Vocês mataram o comerciante?

- Nós três. - respondeu o primeiro.

- Por dinheiro. - acrescentou o segundo.

- Foi justo. - disse o terceiro.

- Ouviram todos? - indagou o hospedeiro. - Eles mesmos confessaram!

Em consequência, foram conduzidos ao cárcere, para serem julgado. Vendo que a coisa estava ficando preta, sentiram muito medo, mas à noite apresentou-se o diabo, que lhes recomendou:

- Aguentem mais um dia e não ponham a sua sorte a perder. Ninguém lhes tocará num só cabelo da cabeça.

Ao amanhecer foram levados ante o tribunal e o juiz procedeu ao interrogatório:

- Vocês são os assassinos?

- Nós três.

- Por dinheiro.

- Bárbaros! - exclamou o juiz. - E não temeram o pecado?

- Foi justo.

- Confessaram o crime e não se arrependeram!- exclamou o juiz. - Que sejam executados em seguida!

Foram , então levados ao cadafalso, figurando o hospedeiro entre os espectadores. Depois que os fizeram subir ao estrado, onde estava o carrasco de machado em punho, surgiu, de repente, uma carruagem puxada por quatro cavalos de pelo vermelho com sangue e que se aproximava rápida como o vento. da janelinha, um personagem fazia sinais com um lenço branco.

Disse o carrasco:

- Estão pedindo clemência!

E, de fato, gritavam da carruagem:

- Parem! Parem!

Nisto, o diabo, na figura de  um fidalgo magnificamente trajado, saltou do carro e falou:

- Os três são inocentes! - e, dirigindo-se aos operários: - Já podem falar. Digam o que viram e ouviram.

Falou, então, o mais velho:

- Não assassinamos o comerciante. O culpado está entre os espectadores. - e apontou para o hospedeiro. - Como prova disso, procurem no porão de sua casa, que encontrarão outras vítimas.

O juiz ordenou que alguns guardas fossem à hospedaria e estes verificaram que tudo era verdade. Em vista disso, levaram o hospedeiro ao cadafalso e o decapitaram.

Disse, então, o diabo aos três companheiros:

- Agora apanhei a alma que eu queria. Estão livres e com dinheiro para o resto da vida.

Olivaldo Júnior (Novelos de Trovas Temáticas) Poesia – Saudade – Amigo

TROVAS SOBRE POESIA


Cada sonho que me atrevo
a dar forma de poesia
me dá sorte e vira um trevo,
amuleto a quem o cria.
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Das estrelas do champanhe,
sei que a culpa não é minha,
nem será de quem apanhe,
com poesia, uma estrelinha...
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Na metade do poema,
paro um pouco e desconfio
que poesia é teorema:
quebra a cuca, em desafio!
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Nessa aurora boreal
que seu beijo principia,
eu, minúsculo cristal,
sou maior que a poesia...
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No trenzinho da existência,
pego o bonde dia a dia,
sem saber que a paciência
para sempre na Poesia...
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Numa carta que não mando,
mando um beijo delicado
para o amigo que, sonhando,
faz poesia em dó dobrado.
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Só nos vimos uma vez,
mas... nem foi preciso mais.
Miserável, sou freguês
de quem faz do caos o cais.
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TROVAS SOBRE SAUDADE 

Calabouço de esperança
me aprisiona o pensamento;
da saudade, a confiança
de que volta em outro vento…
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Há mil jeitos de matar
sem matar o corpo meu;
o melhor é desdenhar
da saudade, que sou eu.
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Minha face, obscura, muda,
muda o jeito quando pensa
que a saudade só nos muda
se 'Deus Pai' é nossa crença...
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Minha vida tem saudade
de outra vida que morreu;
morte certa, a da verdade
que, mentira, nem nasceu.
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Numa lápide singela,
sem o lustro da maldade,
a bondade, feito vela,
luze a chama da saudade...
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Numa trova pequenina,
toda feita de emoção,
a saudade é qual ruína
que denota a solidão.
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Um crisântemo, sem cor,
me sugere um verso triste:
de saudade, um trovador
faz das lágrimas o "alpiste"...
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TROVAS SOBRE AMIGO

Cada amigo que Deus dá
faz maior meu coração,
grão minúsculo que está
no canteiro da emoção...
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Das estrelas lá do céu,
das estrelas lá do mar,
meu amigo tira o véu
e me faz achar um lar...
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Meu amigo tem um jeito
que me faz querer saber
se, no fundo do seu peito,
fez morada o amanhecer...
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No caderno de menino,
na saudade imaculada,
meu amigo, pequenino,
foi gigante sendo nada!...
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Um amigo se esqueceu
de que eu era seu amigo...
No caminho, se perdeu,
mas seu rastro ainda sigo.

Fonte:
Trovas enviadas pelo trovador.