sábado, 17 de julho de 2021

18 de Julho - Dia do Trovador


 


Apollo Taborda França (A Trova e O Trovador)

A TROVA


A minha TROVA é silente,
toda de luz e calor...
Ponho na rima meu poente,
meu universo de amor!
= = = = = = = = = = =

A TROVA boa, sentida,
fluindo com emoção...
é como a prece florida
que brota do coração!
= = = = = = = = = = =

A TROVA etérea, maviosa,
Desperta suave emoção...
Quando fluente e ardorosa,
Fala-nos ao coração!
= = = = = = = = = = =

A TROVA, graça divina,
de inspiração é repleta…
Surge da verve mais fina
e valoriza o poeta!
= = = = = = = = = = =

A TROVA, graça suprema,
sintetiza e muito ensina...
Tem a luz de pura gema,
nos envolve e nos fascina!
= = = = = = = = = = =

A TROVA não morre nunca,
retempera a humanidade...
e vence a tristeza adunca,
alegrando a mocidade!
= = = = = = = = = = =

A TROVA que tem valor,
é muito simples, singela...
e diz um mundo de amor,
com tintas de uma aquarela!
= = = = = = = = = = =

Cinco letras... Viva a TROVA!
Quatro linhas... de verdade;
Poesia se renova
e ganha longevidade!
= = = = = = = = = = =

De TROVAS uma revoada,
pra alegrar o nosso ambiente…
O verso é muito, é nada,
mas, deixa-nos bem contente!
= = = = = = = = = = =

Para fazer boa TROVA,
verso puro que se integra,
cuide a rima, como prova,
e respeite bem a regra!
= = = = = = = = = = =

Poesia?... Salve a TROVA,
Quatro versos de estatura.
O poeta põe á prova,
com o denodo e cultura!
= = = = = = = = = = =

Quem falou que a TROVA é dura,
sem valor, um tanto azeda?...
Pois que certa ela perdura,
se consagra de vereda!
= = = = = = = = = = =

Quem tem estro e tem cultura
e se inclina à poesia,
vai na TROVA com lisura,
cheio de graça e estesia!
= = = = = = = = = = =

Recrudesce a bela TROVA,
para a glória da Cultura;
Poesia põe à prova
o bom senso, em miniatura!
= = = = = = = = = = =

Sempre no pequeno frasco
é que está a grande essência…
e a TROVA traz no casco,
o rigor dessa exigência!
= = = = = = = = = = =

Sete sílabas por cima
e ideia sempre nova,
com cadência e boa rima,
numa quadra... bela TROVA!
= = = = = = = = = = =

TROVA tem aura dileta,
enebria o pensamento.
É magia do poeta,
arroubo do seu talento!
= = = = = = = = = = =

TROVA tem sabedoria,
é tão fértil como a terra…
Bons conceitos ela cria,
pelas verdades que encerra!
= = = = = = = = = = =

Uma TROVA de cadência,
conteúdo e expressão.
Precisa de inteligência
e muita reflexão!
= = = = = = = = = = =

Uma TROVA pra ser boa,
expressiva, universal…
na mensagem que apregoa
mostra cultura e moral!
= = = = = = = = = = =

Uma TROVA...    um belo tema,
pra dizer o que se quer;
sendo um poeta da gema,
inspira-se... na mulher!
= = = = = = = = = = =

Você tem tristeza n'alma?
Esqueça! Não se apoquente...
Tente a TROVA, que ela acalma,
retempera a nossa mente!
= = = = = = = = = = =
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

O TROVADOR

Eu sinto as trovas nas veias,
meu sangue todo alvoroço...
Verso me envolve nas teias.
meu coração é de moço!
= = = = = = = = = = =

Por trovador eu me esmero,
no rito de bem compor...
Nas minhas trovas sou mero,
puro instrumento do amor!
= = = = = = = = = = =

Ser trovador, uma graça,
é bênção que cai do céu...
Nas rimas ele bem traça,
de sua glória o troféu!
= = = = = = = = = = =

Sou trovador e entendo
a rima, em forma de flor...
e tal qual um reverendo,
só rezo trovas de amor.
= = = = = = = = = = =

Sou trovador sem remendo,
O verso meu é de cor...
Vou com assombro dizendo
as minhas trovas de amor!
= = = = = = = = = = =

Sou trovador, tenho senso
da importância da poesia...
Encerra tudo o que penso,
realidade e fantasia!
= = = = = = = = = = =

Sou trovador venturoso,
amo a vida por demais...
Da infância lembro meu gozo.
Da juventude meus ais!
= = = = = = = = = = =

Sou trovador venturoso,
conheço desse fulgor...
Trovar de modo charmoso
sobre a mulher, com sabor!
= = = = = = = = = = =

Trovador que demais ama,
passa momentos terríveis...
Trova loucuras na cama
e sonha coisas incríveis!
= = = = = = = = = = =

Trovo porque me dou bem,
no ritmo, rima e cesura...
Meus versos como requiém,
rebrilham lá pela altura!

Fonte:
Apollo Taborda França. Trovas maravilhosas. 
Curitiba/PR: O Formigueiro, 1986.

Dia do Trovador

O dia 18 de julho é o dia consagrado aos trovadores do Brasil. A data foi fixada por leis estaduais e municipais, onde que haja um cultor da Trova, em homenagem ao Trovador LUIZ OTÁVIO, o responsável pelo insuperável movimento literário brasileiro, que é o movimento trovadoresco nacional.

No dia do Trovador, todas as Seções da União Brasileira de Trovadores - UBT e Delegacias espalhadas por centenas de municípios brasileiros comemoravam a data com as chamadas chuvas de trovas, (centenas de trovas impressas) jogadas das janelas dos trovadores, para que os transeuntes se deliciem com as trovas que vão caindo ao sabor do vento. São realizadas palestras, enfim, cada seção ou delegacia comemora da melhor forma que pode a passagem do dia legalmente dedicado ao trovador.

A data foi escolhida em homenagem a LUIZ OTÁVIO, o Dr. Gilson de Castro, um dos mais conceituados Cirurgiões - Dentistas da época, formado pela Faculdade Nacional de Odontologia da Universidade do Brasil, em 1936. Sua clientela não ficava restrita apenas ao município Rio de Janeiro, se espalhava por São Paulo, Santos, Belo Horizonte e outras cidades mais próximas da sede do seu consultório, que ficava na Rua do México, 119, no 9º Andar.

Luiz Otávio nasceu no Rio de Janeiro, no dia 18 de julho de 1916. Filho de Octávio de Castro e Dona Antonieta Cerqueira da M. Castro.

Foi o precursor do movimento trovadoresco brasileiro, tendo publicado em 1956, a primeira Coletânea de Trovas, intitulada “Meus irmãos, os Trovadores”, contendo mais de duas mil Trovas, mais de seiscentos autores brasileiros, notas elucidativas e bibliográficas.

O “Castanheira de Pêra”, Jornal Português de 11 de agosto de 1958 publicou sobre Meus Irmãos, os Trovadores:

Esta coletânea, a primeira do gênero, veio preencher uma lacuna que se fazia sentir. Apresenta mais de seiscentos autores brasileiros, duas mil trovas, inúmeras notas bibliográficas e elucidativas e minuciosa introdução com um estudo sobre a trova. É um valioso trabalho que se impõe. A Luiz Otávio, em quem há muito reconhecemos idoneidade literária e bom sentido poético, apresentamos os nossos parabéns e os desejos de que o seu trabalho tenha a divulgação que a todos os títulos merece”.

Referindo-se ao mesmo trabalho de Luiz Otávio, “A Ilha”, jornal da África- São Miguel dos Açores, de 16 de fevereiro de 1957, registrou:

“Esta grande coletânea de trovas honra Luiz Otávio pelo seu trabalho, seriedade, competência e cultura, contribuindo para uma melhor compreensão deste tão “simples e difícil” gênero poético.

O Correio da Manhã do Rio de Janeiro, na edição de 27 de janeiro de 1957, em coluna assinada por Sílvia Patrícia, assinalou:

Meus Irmãos, os Trovadores, o volume novo que Luiz Otávio – Papai Noel da Poesia- ofereceu-nos no Natal que passou, é quase um romance no qual cada pena desta nossa irmandade de sonho narra, em quatro linhas, uma alegria ou uma tristeza, cardos e flores encontrados pelo caminho.”

O Jornal O Positivo, de Santos Dumont/MG, em coluna assinada por Antônio J. Couri, no dia 1º de outubro de 1957, escreveu sobre Meus Irmãos, os Trovadores:

Raríssimas são as vezes em que o Brasil tem a oportunidade de conhecer coletâneas de poesias, ou , simplesmente quadras. Agora temos uma apresentada por Luiz Otávio, porém de trovas. De uma organização primorosa , o autor de “Cantigas para Esquecer” soube escolher a matéria que compõe o livro, constituindo assim um verdadeiro monumento de arte da poesia nacional.

Evidentemente, não seria necessário selecionarmos as opiniões acima para este modesto trabalho a respeito do Dia do Trovador e de Luiz Otávio, o responsável pelo reconhecido movimento trovadoresco da atualidade, que começa a se firmar a partir da publicação de “Meus Irmãos, os Trovadores”, obra que reuniu trabalho de trovadores de todos os recantos do território nacional, numa época em que os meios de comunicação ainda eram bastante precários, o que, por certo, valorizou ainda mais o livro, pelo trabalho incessante do autor, inveterado apaixonado pela trova, como escreveu.

“A trova tomou-me inteiro!
tão amada e repetida,
agora traça o roteiro
das horas de minha vida.”

“Trovador, grande que seja,
tem esta mágoa a esconder:
a trova que mais deseja
jamais consegue escrever … "

"Por estar na solidão,
tu de mim não tenhas dó.
Com trovas no coração,
eu nunca me sinto só."


No ano de 1960, em Congresso de Trovadores realizados em São Paulo, foi eleita a Família Real da Trova, ficando assim constituída :
Rainha da Trova : Lilinha Fernandes (Maria das Dores Fernandes Ribeiro da Silva);
Rei da Trova : Adelmar Tavares e
Príncipe dos Trovadores: Luiz Otávio (Gilson de Castro).

Mesmo já sendo falecidos, continuam com o título, pois outros trovadores só poderão adquirir o título se houver uma Eleição Nacional ou um Congresso realizado com esta finalidade, em que participe um número muito grande de trovadores, com a participação de representantes de todo o país, uma vez que não pode ser reconhecido qualquer título literário supostamente alcançado com a votação de sócios de uma academia, associação, centro literário etc, com exceção de sua Diretoria.

Ainda no ano de 1960, Luiz Otávio, juntamente com J. G. de Araújo Jorge, criaram os Jogos Florais de Nova Friburgo, com o apoio do Prefeito Municipal da cidade, Dr. Amâncio de Azevedo e do Trovador Rodolpho Abbud, o mais respeitado trovador da cidade, Jogos Florais que se realizam, ininterruptamente, desde 1960 e seus festejos fazem parte do calendário oficial da cidade e são realizados como parte dos festejos do aniversário de Nova Friburgo.

No dia 21 de agosto de 1966, Luiz Otávio fundou a União Brasileira de trovadores - UBT – no Rio de Janeiro e a UBT Nacional,com sede também no Rio de Janeiro, tendo a mesma se expandido em pouco tempo, contando hoje com uma infinidade de Seções e Delegacias em quase todo o território nacional, onde se realizam inúmeros concursos de Trovas por ano, na maioria com mais de um tema.

Luiz Otávio foi o primeiro Presidente da UBT, tendo se tornado pouco tempo depois Presidente Nacional e posteriormente, Presidente Perpétuo, o mais alto título concedido pela agremiação.

Recebeu o título máximo da trova, Magnífico Trovador, nos Jogos Florais, por ser vencedor três anos consecutivos com as trovas:

XIII Jogos Florais – Tema Silêncio – 1º lugar :
Nessas angústias que oprimem,
que trazem o medo e o pranto,
há gritos que nada exprimem,
silêncios que dizem tanto!…


XIV Jogos Florais - Tema Reticências – 2º lugar:
Eu… você… as confidências…
o amor que intenso cresceu
e o resto são reticências
que a própria vida escreveu…


XV Jogos Florais - Tema Fibra - 10º lugar:
Ele cai… não retrocede!…
continua até sozinho…
que a fibra também se mede
pelas quedas no caminho…


LUIZ OTÁVIO publicou os livros:

Saudade… muita saudade! / Poesia / 1946
Um Coração em ternura / Poesia / 1947
Trovas (três edições) / 1954 – 1960 – 1961
Meus Irmãos, Os Trovadores. Coletânea de Trovas / 1956
Meu Sonho Encantador / Poesias / 1959
Cantigas para Esquecer / Trovas / 1959 e 1961
Cantigas de Muito Longe / Trovas / 1961
Cantigas dos Sonhos Perdidos / Trovas / 1964
Trovas… Ao Chegar do Outono / Trovas / 1965

Registramos outras trovas de Luiz Otávio, que demonstram porque, após criar os Jogos Florais de Nova Friburgo, como outros grandes trovadores, ele sagrou-se Magnífico Trovador.

 Se a saudade fosse fonte
de lágrimas de cristal,
há muito havia uma ponte
do Brasil a Portugal.

Ao partir para a outra vida,
aquilo que mais receio,
é deixar nessa partida,
tanta coisa pelo meio …

Busquei definir a vida,
não encontrei solução,
pois cada vida vivida
tem uma definição…

Não paras quase ao meu lado … !
e em cada tua partida,
eu sinto que sou roubado
num pouco da minha vida …

Portugal - jardim de encanto
que mil saudades semeias
nunca te vi … e, no entanto,
tu corres nas minhas veias …

Contradição singular
que angustia o meu viver :
a ventura de te achar
e o medo de te perder …


Além de grande Trovador, campeão de centenas de Concursos de Trovas e Jogos Florais, realizados em várias cidades do país, Luiz Otávio era um exímio compositor, sendo dele a autoria do Hino dos Trovadores, Hino dos Jogos Florais, das Musas dos Jogos Florais e de várias outras obras musicais.

Hino dos Trovadores

Nós, os trovadores,
somos senhores
de sonhos mil !
Somos donos do Universo
através de nosso verso.
E as nossas trovas
são bem a prova
desse poder :
elas têm o dom fecundo
de agradar a todo mundo!
==============================

Hino dos Jogos Florais

Salve os Jogos Florais Brasileiros!
a Cidade se enfeita de flores!
Corações batem forte, fagueiros,
a saudar meus irmãos trovadores!
Unidos por laços fraternais,
nós somos irmãos nos ideais;
– não há vencidos, nem vencedores;
pois todos nós cantamos , somos trovadores;
e as nossas trovas sentimentais
são sempre mensageiras de amor e paz!


A Oração do Trovador é o Poema de são Francisco de Assis, Padroeiro dos Trovadores, cujo aniversário, dia 4 de outubro é muito festejado pelos cultores da Trova.

E para encerrar esta homenagem ao Dia do Trovador, focalizando a figura mais importante do mundo trovadoresco, Luiz Otávio, registramos dois sonetos, dos inúmeros que escreveu, contido em um dos seus livros de poesias, “Meu Sonho Encantador”.

O IDEAL

Esculpe com primor, em pedra rara,
o teu sonho ideal de puro artista!
Escolhe, com cuidado, de carrara
um mármore que aos séculos resista!

Trabalha com fervor, de forma avara!
Que sejas no teu sonho um grande egoísta!
Sofre e luta com fé, pois ela ampara
a tua alma, o teu corpo em tal conquista!

Mas, quando vires, tonto e deslumbrado,
que teu labor esplêndido e risonho
ficará dentro em breve terminado,

pede a deus que destrua esse teu sonho,
pois nada é tão vazio e tão medonho
como um velho ideal já conquistado!…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

ORGULHO

Venho de longe… venho amargurado
pelas noites sem fim, nesse cansaço
de receber tão só, triste e calado,
a incompreensão do mundo passo a passo…

Eu trago a alma sem fé do revoltado
e o gesto do vencido em cada braço…
E tu me surges – Anjo imaculado –
a oferecer repouso em teu regaço…

Porém tua alma feita de inocência
serenidade e Luz, não avalia
a penumbra invulgar dessa existência…

Deixa-me, pois, seguir o meu caminho,
renunciar, viver nessa agonia,
mas tenho o orgulho de sofre sozinho!…


sexta-feira, 16 de julho de 2021

Arquivo Spina 39: Carla Bueno Oliveira

 

Carolina Ramos (Pedras e Almas)

As pedras são sólidas, visíveis, palpáveis, duras e estáticas - puramente matéria. As almas por sua vez, etéreas, fluidas, impalpáveis, invisíveis, não estáticas e puramente espírito.

Todavia, será que pode haver alguma relação entre estes dois elementos, apesar dos contrastes que os colocam em pontos opostos?

Pensando bem, até que pode, sim!

Tanto as pedras, como as almas, podem ser trabalhadas e modificadas pelo tempo e pelas ações. Ambas podem ser lapidadas, pacientemente cinzeladas, polidas e transformadas, com golpes brandos, por quem se empenhe em torna-las mais suaves, a evitar que as contundências da vida, às marteladas e a duras penas, acabem por lhes vencer a resistência.

Mas... se as pedras nada sofrem com isto, evidentemente as almas, quanto mais se debatam, tanto mais se rebelem, maiores sofrimentos irão encontrar pela frente!

Podem as pedras esboroar-se antes de assumirem novas formas, como também acontece com certas almas empedernidas que, cegas à razão, preferem rachar a se deixarem modificar. São as chamadas almas de pedra, que sofrem estoicamente vergastadas por ventos maus, que as fustigam, sem conseguir modela-las, quer com a desejável brandura da brisa, quer com a rude tenacidade de um implacável martelo bate estacas.

Aquele homem rústico, cara fechada, passos firmes, para quem os portões que o mantinham prisioneiro abriam-se agora magnânimos para que pudesse passar o Natal junto à mulher e filhos, já sofrera bastante! Sofrera, sim, mas sua alma, rija como um paralelepípedo, resistira aos golpes recebidos, sem perder a agressividade dos contornos esculpidos a cada nova infração. Sempre à mercê das marteladas contínuas, ônus das culpas assumidas, e sem mostrar qualquer arrependimento.

Em casa, abraçou a mulher com ternura imprevisível, provando que os brutos também têm sentimentos! As filhas pequeninas, duas gatinhas saudosas do calor paterno, enroscaram-se em suas pernas, pedindo carinho. Após a emoção da chegada, a pergunta do pai saltou espontânea;

- E o moleque... por onde anda?! - captou, no olhar escamoteado e na gagueira da resposta da esposa, que alguma coisa não andava bem.

- Ah... o Valtinho... esse anda por aí... pensa que já é home... nem dá mais satisfações...

- Péra aí... não é assim, não!... Esse moleque não tem nem quinze anos... e já qué sê fazê di gente?! Ele não sabia que o pai táva chegando?!

- Sabia, sim... é que ele ia fazê num sei quê... num sei aonde... tarvez demore pra chegá... si é que chega... Inda hoje...

O final da frase... reticente... apenas sussurrado, dava chão às desconfianças.

A angústia estampada no rosto daquela mãe e a descontração mal simulada, denunciadas pelo olhar fugidio, eram janela aberta a dar acesso ao que, em vão, ela procurava ocultar. A suspeita agigantou-se, transformada em ameaça.

- Não mente, não, Maria, que eu não engulo!... me diz duma vez... o que está acontecendo c 'o moleque?! - As mãos rústicas do marido sacudiram a mulher pelos ombros, com rudeza que exigia a verdade: - Desembucha logo, muié! Não me engana não!... Tu sabe que eu não tolero enganação!

Cara lavada de lágrimas, a pobre mãe explodiu em soluços: – ...O Valtinho tá preso! - gaguejou - ele andô aprontando por aí... metido com droga... roubando... brigando... Uns poco dias atrais... Sabe aquele canivete que tu deu pra ele? Pois ele pegou lá na gaveta e acabô furando o filho daquele bandido que tem cara de cangacêro... Aquele que tu bem conhece... e.. daí... Daí...o bandido jurô de cruiz qui vai acabá co nosso minino! - despejou tudo como água de rio que, sem encontrar chão, desaba cachoeira abaixo. Tentou amenizar a queda, acrescentando

- Inté qui é bom qui o moleque fique detido por mais uns tempo... O delegado disse que é mais seguro... E perciso dexá a reiva do home esfriá...sinão, pode até acuntecê uma disgraça! Ele é bandido!! Tu sabe, home!!! Tu sabe!!!

O desabafo saiu de supetão, como se aquela pobre mãe desejasse livrar-se dele o mais depressa possível. Sentiu-se aliviada ao jogar fora o peso da culpa que, calada, a manteria cúmplice do drama.

Os punhos daquele homem fecharam-se com violência. Um gemido rouco, misto de dor e ódio, saltou-lhe da garganta lembrando bicho ferido! Nem toda a oportuna clemência com que julgava e absolvia os próprios atos impediu-lhe a revolta. Ele poderia fazer o que bem quisesse! Era homem consciente do que fazia... tanto certo quanto errado! E respondia pelos atos feitos! Mas... o filho, não!... Valtinho era uma criança!... Uma criança, sim... nada mais do que uma criança! Brincava de ser bandido! Mas não era um bandido! E nunca haveria de ser!.,. Precisava manter o nome limpo! Fosse o pai dele o que fosse... o filho tinha que ser um homem de nome respeitável... sem mancha!

Homem como ele mesmo um dia pretendera ser... embora a vida não tivesse deixado que isso acontecesse! Mas... isso não tinha nada a ver com o seu garoto! Nada de misturar os dois no mesmo tacho! Pai é pai! Filho é filho! Cada um na sua!

Desenroscou as filhas das pernas e saiu de casa como um corisco, largando faíscas por todo lado, rumo à Delegacia. Nem bem chegado à Praça da Matriz, percebeu o tumulto. O povo grudara alguém que estrebuchava no chão, mercê de chutes e safanões! Reconheceu na vítima o bandido que jurara de morte o filho. Cresceu-lhe no peito o horror da suspeita! A voz saiu sussurrada e cheia de veneno, ao indagar:

- Que é que esse bandido fez?! - A resposta aterrou-o:

Deu duas facadas num pivete! O garoto ia pra casa, esperar o pai, indultado como ele - os dois saídos da cadeia pra passar o Natal com a família... Covarde!! - novo chute na vítima completou a frase.

Consumido pela dor, aquele pai arriscou outra pergunta, mais temeroso da própria imaginação do que da resposta que viria de volta...

- O garoto... morreu? - indagou num fio de voz... logo engrossado pelo desespero ao reforçar a pergunta quase aos gritos: - O meu minino morreu?!...

Alguém tentou explicar:

- A ambulância levou o rapaz para o hospital... perdeu muito sangue... não sei não... se vai aguentar...

Aquele homem rústico não pensou em mais nada. Esqueceu até a chance de vingança que o acaso lhe oferecia! As pernas ligeiras, aceleradas pela ansiedade, não o abandonaram. Quase sem fôlego, chegou ao não distante Pronto Socorro, onde entrou estabanado... sendo imediatamente barrado;

- Epa!... aonde pensa que vai?! Aí não pode entrar, não! Aguarde o chamado!

- Meu filho está mal... precisa de mim! Me déxe passá, pelo amor de Deus! Ele está morrendo!! Quem sabe, até já teje morto! Me dêxe entrá!!!! - O tom da súplica final já era quase uma ordem... e temível!

A angústia estampada no rosto daquele homem rude, determinado a não respeitar barreiras, desfez qualquer entrave. Envolto em lençóis ainda tintos de sangue, o garoto, pálido, quase em colapso, reanimou-se ao vê-lo... sorrindo seraficamente como se visse Deus estampado na cara daquele pai!

O médico que o atendia exultou: - O senhor é o pai?! Ótimo! Qual é o seu tipo de sangue?

- Não sabe ?! Mas... vamos saber já, já! E a resposta não tardou:

- Perfeito! Não foi nada grave, não!... Sossegue!... Houve apenas uma grande perda de sangue… e esse sangue precisava ser reposto. Chegou na hora certa, amigo! Posso dizer-lhe que salvou a vida do seu filho!

A frase mágica do médico, que o chamara de amigo, ficou por largo tempo a cantar nos ouvidos daquele homem abatido, não só pelo susto, mas pelos remorsos também!

As palavras do médico devolviam-lhe a autoestima, ao conscientizá-lo de que resgatara a vida do filho... para ele, quase morto! Incorporou a frase à própria vida - tão valiosa quanto uma condecoração, que haveria de honrar até a morte!

O péssimo histórico de mau pai - sempre ausente e sangue ruim - pesava-lhe ainda na consciência, já que, em última análise, quase lhe roubara o filho!

Mas, agora, a coisa era bem diferente - Aquele mesmo sangue-ruim, de pai-bandido, acabara de salvar a vida do seu garoto!

Autoabsolvido, inflou o peito... sentindo-se herói!

Chamuscadas pela fogueira da desgraça, as almas daquelas duas Phoenix, pai e filho, renasciam das mesmas cinzas!

No entanto, ainda réus, ambos tinham contas a acertar com a Justiça.

Por conta disto, lá ficaram retidos, por mais algum tempo, aqueles dois rudes paralelepípedos, a serem dimensionados e rigorosamente esculpidos, para melhor encaixe na pavimentação do Amanhã.

Fonte:
Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). Santos/SP: Mônica Petroni Mathias, 2021. Capítulo 5: Contos rústicos, telúricos e outros mais.
Livro enviado pela autora.

Fabiane Braga Lima (Trilogias do Amor, da Paixão e…)

TRILOGIA DO AMOR, DA PAIXÃO E DA SEDUÇÃO


OLHE BEM EM MEUS OLHOS

Olhe bem em meus olhos, veja!
Amo -lhe tanto que me perco
perco-me toda na minha loucura,
com o corpo trêmulo de desejo.

Mas errei, me perdi e nada fiz
Na ânsia de amar, enlouqueci
Minh’alma entrou em conflito,
Nesse imenso e árduo labirinto.

Ouça-me, esqueça todo passado
E, sem medo vamos recomeçar,
dois insanos amantes a se amar.
Não prometo romance perfeito
Mas gritarei alto com coração,
minha louca e intensa paixão…!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

O CORAÇÃO CONHECE...

Ah! Meu amor, como explicar a vastidão
de tanto amor que sinto por ti!?

Me entreguei intensamente, e agora?
Busquei-te no lugar mais belo...
Nada exige, simplesmente aconteceu...

Se em sonhos te encontro!
É porque realmente me entreguei inteira,
transbordei-me de amor...
É como se palavras falassem por mim...

Conheço quando se entristece e se alegra
e nada explica este motivo!
Desta telepatia, somente o universo...

Dizem que para o amor chegar, não há dia,
não há hora marcada nem momento
para acontecer...
Ele vem de repente e se instala no órgão
mais sensível de nosso corpo...o coração...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

INSANO AMOR

Como o tempo passou, meu amor...
Tudo se encaixou, cessou a dor
Mas todo sentimento aqui ficou
Não existe amanhã, apenas talvez.

Foi um passado de tanta agonia
Brigas sem razão, nos esquecemos
do mais belo sentimento, aquele
que se fazia morada no coração.

Hoje, ao findar da tarde me lembrei
Lembrei -me das tardes de amor,
onde nossos corpos perdiam a razão.

Mesmo depois de anos, reconheço
ainda sou a mesma, louca d’amor,
trêmula e desejosa. Insano amor…!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

TRILOGIA DO AMOR, DA PAIXÃO E DO DESEJO

NÃO POSSO FUGIR

Não posso fugir da verdade...
Crueldade! Amo sem vaidade.
Meu corpo intacto, padece….
Vejo-lhe distante, sinto saudade.
Nesse meu querer adormeço!
Sinto-me serva desse desejo.
Guardo n’alma infindo segredo,
Tocar-lhe e no oculto buscar.
Madrugada afora não lhe vejo.
Resignei! Finjo ser rude, forte,
De sua boca palavras sem nexo!
No meu coração tanto sentimento,
Indelével! Como não querer, almejar,
Amo-lhe, em todo momento…!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

MEU ANJO

Um anjo de luz me abraçou!
Aceitei, pois estava ferida.
Sem permissão me beijou,
Sua essência transbordou.
Naquele dia conheci o amor
Minha dor se calou, o senti.
Minha alma se alegrou,
Despiu-me sem permissão.
Hoje, sinto sua presença
Chega sem que eu perceba,
Em minha poesia, ou crença.
Meu anjo, onde moras!?
Coração incauto implora,
Traz-me magia na poesia…!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

REFÉM

Fez-me refém de tua loucura,
Grito contido, desejo omitido.
Preciso possuir teu corpo.
Insanidade!

És a primícias que ofereço aos deuses,
Mistério que toma meu corpo,
Invade meus desejos libidinosos,
Transbordando de vasta saudade.
Mas não lhe sinto,
Se esconde em versos profanos,
Heresia, me faz teu atroz pecado!

Imploro!
Deixe-me sentir teu corpo sobre o meu.
Diga-me se é loucura, fantasia!?
Não me torture.
Afasta-se do nada, deseja-me intensamente,
E ignora-me. Juro!
Não consigo desvendar tuas inúmeras faces,
Nem ao menos lhe esquecer.

Complexidade que alimenta,
Paixão que aos poucos machuca,
Minha cura, sem juras...!
Desatino ou destino!?

Fonte:
Poemas enviados por Samuel da Costa (Itajaí/SC)

Eduardo Affonso (Superlativinho, diminutivíssimo)

Tem coisas que só a língua portuguesa faz por você.

Ou principalmente a língua portuguesa do Brasil, sei lá.

O diminutivo não ser pouco, mas muito.

Ficar pertinho é ficar muito perto.

Ficar quietinho é ficar muito quieto.

O diminutivo não ser só pra diminuir, mas pra tornar intenso.

O superlativo ser mais que um grau mais elevado: tornar-se um grau épico.

Na concessionária, há o carro novo, o seminovo e o seminovíssimo.

Em que outro idioma um carro conseguiria ser meio novo – logo, meio velho – (o prefixo latino “semi” quer dizer “metade”), e, ainda assim, novíssimo?

O seminovíssimo é a metade que alcança a plenitude. O meio cheio e meio vazio que transborda.  

Nas imobiliárias, há o imóvel “na quadra da praia”. Isso quer dizer que pelo menos um dos lados da quadra é de frente para o mar.

Um apartamento “na quadra da praia” nunca é de frente para o mar, ou seria “apartamento de frente para o mar”.

Há apartamentos, entretanto, que não chegam a estar cara a cara com o oceano, mas tampouco estão num lugar qualquer. Eles estão na quadríssima.

A quadríssima não é uma quadra como as outras. É “a” quadra – seja isso lá o que for.

Ela pertence à variação linguística falada no Rio de Janeiro.  Não há notícia de quadríssimas em Belo Horizonte – até porque lá seria quarteirãozíssimo, e belo-horizontino algum conseguiria pronunciar isso.

Nos anúncios classificados, oferecem-se os serviços das profissionais do sexo. Há as ninfetas, as ninfetas completas, as ninfetas completinhas e as ninfetas completíssimas.

O que faltará às ninfetas básicas para atingir a completude? Como o diminutivo de intensidade conseguirá completar o já completo? E, uma vez completas e completinhas, qual será o plus, o dom, o dote que as levará ao grau superlativo de “completíssima”?

Tem coisas que só a língua portuguesa faz por você.

Ou só a publicidade, sei lá.

Estante de Livros (Hilda Furacão, de Roberto Drummond)

O AUTOR E A OBRA

Hilda Furacão é um romance escrito por Roberto Drummond, publicado em 1991. O romance foi adaptado para a televisão, em forma de uma minissérie, pela autora de telenovelas Glória Perez, e exibido na Rede Globo, em 1998, obtendo enorme sucesso. A minissérie colaborou para que Hilda Furacão fosse a obra mais famosa de Roberto Drummond, tendo sido vendido 200 mil exemplares. Hilda Furacão foi escrita com rapidez, se comparada às outras obras do autor: 64 dias, enquanto levou anos para escrever outros livros.

O livro foi baseado na história de juventude da prostituta Hilda Maia Valentim, conhecida na zona boêmia de Belo Horizonte, como Hilda Furacão “O feitiço volta-se contra o feiticeiro. Desde que foi lançada a campanha a favor da Cidade das Camélias, a Zona Boêmia é um promontório da alegria. sugere os últimos dias de Pompéia. Tudo lá é encantado. A rua principal, a Guaicurus, conhece noites inesquecíveis. E nunca se viu tanto dinheiro. O vendedor de churrasquinhos triplicou as vendas. No restaurante Bagdá, especialista em comida árabe, é preciso disputar um lugar. As mulheres dos hotéis de primeira, segunda , terceira e quarta categorias jamais foram tão solicitadas. E na noite da última quinta feira, a polícia foi chamada para conter os ânimos dos que disputavam um lugar na fila que vai dar num território mágico: o quarto 304, no terceiro andar do Maravilhoso Hotel onde Hilda Furacão é uma fada sexual.”

O romance Hilda Furacão [1991] tem uma proposta narrativa interessante, bem ao gosto pós moderno. Várias ações transcorrem no texto conferindo uma dinâmica que prende o leitor à narrativa, perseguindo um desfecho que nos é insistentemente prometido.

A história central focaliza a personagem que dá nome ao romance, Hilda Furacão. Entretanto, o lugar de protagonista é disputado pelo narrador que conta a sua história e ao contá-la, conta várias outras histórias, que se entrelaçam formando um tecido de conflitos que vamos conhecendo e com os quais muitas vezes nos identificamos.

Os capítulos se sucedem ao modelo dos folhetins, criando um suspense que buscamos desvendar com a leitura do próximo, sucessivamente. Essa técnica permite que, a cada capítulo, as personagens se revezem e ganhem um destaque na trama. Isto é tão evidente que a obra já foi encaminhada para o teatro pela direção de Marcelo Andrade e ainda ganhou projeção nacional ao se tornar uma grandiosa mini-série homônima, na Rede Globo.

O cenário principal da obra é a capital mineira do final dos anos 50 e início dos anos 60 [lembramos que o autor reside em Belo Horizonte e hoje representa um dos grandes nomes do jornalismo mineiro], mas há que se falar no cenário secundário que é a pacata cidade de Santana dos Ferros.

PERSONAGENS

Roberto = é o alter- ego biográfico do jornalista Roberto Drummond. Jovem comunista e idealista que ama a bela M. Aramel, o belo “nunca houve homem mais belo que Aramel” jovem que almeja o estrelato hollywodiano por sua aparência de galã. Acaba por tornar-se um cafetão a serviço do poderoso Antônio Luciano. Após um desencontro amoroso humilhante vai para os EUA e torna-se gângster

Frei Malthus = o pivô do grande romance julgado pela comunidade como “o santo”, este personagem se apaixonará pela bela Hilda Furacão. O mito da Cinderela é passado ao leitor quando do acidente que deixa o sapato de Hilda sob a posse do frei que tentará fugir do pecado martirizando-se e comendo o seu favorito doce de jabuticaba.

As tias Ciana e Çãozinha = são as representantes [há vários flashes de Santana dos Ferros, interior mineiro] do conservadorismo e liberalismo. São as tias que Roberto trava correspondência constantemente.

Gabriela = A primeira amada de Aramel, que fora contratado pelo traumatizado, gordo e tímido jornalista Emecê para representá-lo no encontro marcado.

Antônio Luciano = representante do poder econômico e político. Sua diversão era deflorar virgens e Aramel era o encarregado de receptá-las.

CENÁRIO / TEMPO / ESPAÇO

Alguns dizem que o romance é bairrista, e não é a verdade , pois o que se apura dessa obra é uma grande homenagem à cidade de Belo Horizonte e tudo que faz dela um grande cenário natural para representar o microcosmo político e social do macrocosmo que era o regime militar em seu tempo cultural e estético.

ESTRUTURA NARRATIVA


É muito presente nos textos de Roberto Drummond um constante diálogo com o leitor. A esse diálogo entre textos do mesmo autor damos o nome de intratextualidade. Outros diálogos intertextuais aparecem ao longo da narrativa, mesclando ditos populares e modinhas ao discurso narrativo. Outro aspecto intertextual que se observa é a construção da intriga entre Hilda Furacão e Frei Malthus desencadeada a partir do sapato que a moça perde e do qual o rapaz se apossa, tal “qual acontece no conto da Gata borralheira ou Cinderela.” Logo na abertura do romance, e nos capítulos que se seguem, Roberto narrador deixa claro que, por toda o texto, vai estar dialogando com o leitor, fazendo- nos presentes no tempo da enunciação -presente da narrativa. Essa é uma técnica bastante usada por nossos escritores, em especial por Machado de Assis. e confere uma dinâmica interessante ao relato, tornando-nos quase cúmplices do escritor.

O estilo do autor causou suspense quanto à real existência de Hilda Furacão. Roberto Drummond misturou personagens reais a imaginários, oferecendo verossimilhança. Contudo, até falecer em 2002, Roberto preferiu não esclarecer o que é realidade e o que é ficção. Segundo ele, se transformou em refém da Hilda Furacão. Dessa forma, a existência de Hilda continua sendo tema de debates entre os leitores e os moradores de Belo Horizonte – cenário onde a trama acontece. Diferentemente de Hilda, o personagem Malthus tem uma explicação: foi inspirado em Frei Betto, grande amigo de Roberto Drummond.

RESUMO

Como já dito anteriormente o romance é muito desfragmentado, pois possui constantes mudanças de enfoques. Para facilitar o nosso trabalho proporemos que se faça duas leituras: uma primeira que almeja desvendar o mistério da garota do maiô dourado [ a Hilda que desfilava sua beleza pelo Minas Tênis e depois tornou-se prostituta]; uma segunda que mistura ficção e realidade histórica brasileira [ditadura militar e censura]; o mais brilhante é que tudo começa e termina no dia 1° de abril que simboliza o dia da mentira eis então a grande proposta ficcional do autor. Roberto começa narrando em 1° pessoa a sua própria condição jovem de comunista e idealista. Pretende ser um grande jornalista e irritadiço por compararem seu sobrenome com o grande poeta Carlos Drummond de Andrade. Pelo que o narrador fala de si e da cidade observamos que o tempo precede os anos de 64 [época do golpe militar]. Nesse interím, o narrador trava correspondência com as tias de Santana dos Ferros Tia Ciana e Çãozinha, que são as interlocutoras do relato. A grande trama da obra verifica-se no encontro entre o santo Frei Malthus e a bela Hilda no qual aquele, ao tentar expurgar o mal da zona boêmia acaba enredado pela paixão que estabelece-se entre ele e Hilda. Roberto é o jornalista que relatará ao leitor como estão acontecendo os fatos na zona boêmia [lembre-se que Malthus, Aramel e Roberto são os três mosqueteiros amigos de infância e desta forma Roberto terá maior possibilidade de levantar dados para o leitor].

Após o desaparecimento do seu sapato, Hilda lança um concurso para que o devolvam então inicia-se um conto de Cinderela às avessas pois Malthus acabará por reconhecer o seu amor pela bela. Contudo o final é triste pois ambos desencontram-se quando da fuga para viverem um grande amor Malthus será preso no primeiro dia de vigência do golpe militar de 64.

quinta-feira, 15 de julho de 2021

Adega de Versos 34: Clarisse da Costa

 

Jaqueline Machado (A moça e a redoma)

A moça era triste...
Mas ninguém notava sua tristeza.
A moça tinha sonhos secretos.
E dons que atraíam admiradores.
Ainda assim, ela era triste...
Apesar de possuir beleza e virtudes,
ela não podia correr.
Mas sua redoma era de princesa.
Não precisava se ocupar com afazeres domésticos,
nem trabalhar para sobreviver.
Suas obrigações eram escrever, cantar e sorrir.
Sim, ela tinha uma vida de princesa.
E todas as mulheres invejavam a sua posição.
Pois todas as mulheres sonham ser princesas.
Menos a moça.
Mesmo recebendo cartas de admiradores, manjares, flores,
seus olhos marejavam ao cair da noite.
E seu coração reclamava um outro viver.
Ela tinha tudo.
Mas o espírito do vazio atormentava sua inquieta alma.
Seus amigos eram distantes, seus amores eram proibidos...
Ninguém podia penetrar na sua redoma de pérolas e cristais.
E o que era visto como um castelo por todos,
para ela não passava de uma prisão.
Prisão essa que roubava-lhe o ar, a alegria, a emoção.
Contudo, muitos não acreditavam na sua tristeza.
A moça era vista como um anjo.
Por outros, como uma verdadeira deusa.
Mas a moça era humana.
Humana até demais.
E desejava viver num paraíso de portas abertas.
Correr, cair, se machucar, depois levantar e rir do próprio tombo,
como fazem todos os mortais.
A moça não queria asas a título de anjo.
Mas sonhava poder voar sobre os montes,
cruzar campos abertos, beber água direto da fonte,
plantar roseirais...
Queria tocar as pessoas, brincar com as crianças.
E, quem sabe, cozinhar para seu amado.
Queria poder rir à toa,
ser tratada de igual para igual entre as pessoas,
ser chamada por um nome comum.
E poder sonhar...
Nem de menos e nem demais...  
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  
Jaqueline Machado – Escritora, Palestrante, Cronista e Poeta.
Contatos para trabalhos : E-mail:  tudoepossivelw7@gmail.com
Facebook: https://www.facebook.com/jaqueline.machado.5494
WhatsApp :  (51) 98016-2837  

Fonte:
Texto e imagem enviados pela autora.

Olivaldo Júnior (Cristais Poéticos) = 2 =

O HOMEM DA MÁSCARA DE PANO


De ferro, entre árvores queridas,
o “homem da máscara de pano”
enxerga o próprio rosto em vidas
que o enxergam como humano.

Humano, não de ferro, espero
que a ferrugem das vivências
não corroam o que mais quero,
o semblante das consciências
que pipocam no meu cérebro,
que transbordam de minhalma
sobre o colo de quem acalma
minha máscara e meu espírito.

Pois o espírito desse homem
quer no espírito de outro ser
se iluminar e ser o horizonte
que, um dia, irá se conhecer
na fonte que deságua a fonte
em que Deus vai beber: mito.

O que há por trás da máscara
que forçosamente usa o homem
nem mesmo o homem poderá
saber até que ela caia e, ao longe,
suspenda de todos os “parças”
suas máscaras de pano também.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

UMA ORQUÍDEA COMO AQUELA
Para a amiga que me mandou a foto de sua cattleya

No quintal daquela amiga,
com a cigarra e a formiga,
entre várias borboletas,
ou monarcas, ou plebeias,
uma orquídea cattleya
espreita o dia.

Espreita o dia,
que é feito a rósea poesia
de suas pétalas,
artimanhas poéticas
para ver se algum inseto
vem ter com elas
seu colóquio amoroso,
honra aos poetas.

Não, o quintal dessa amiga
não é uma floresta tropical,
mas guarda um ar especial
para que uma flor que intriga
seu sonho enfim prossiga
e se mostre, gloriosa, linda,
no quintal daquela amiga!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

SEU REI MENINO IRÁ CHEGAR
(Em especial, para a amiga Walkyria Garcia Maia)

Querida amiga adormecida,
Seu Rei Menino irá chegar.

Não, não sei de onde ele vem,
mas sei que, a passos largos,
rasga o céu de suas íris e vem,
montado num branco cavalo,
não de verdade, mas de nuvem,
ele vem, todo senhor de si
deixar em ti seu beijo e, sim,
ficar contigo para sempre!

Por isso, arrume a casa,
tome um banho e se perfume
com aquele néctar doce
que só as melhores flores
podem dar. Sim, amiga,
é tempo de amar!

Pedirei a um vaga-lume
que seja a presilha viva
em teus cabelos
e a uma borboleta,
o broche vivo
em tua blusa.

Usa aquele riso de menina
que o rio da vida te mostra
que tens em horas de amor
e espera, mesmo dormindo,
Seu Rei Menino, amiga,
que irá chegar.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

HOJE OS POETAS MORTOS ESTÃO TODOS EM CASA
(31 de outubro: Dia Nacional da Poesia)

Sim, amigo, é verdade o que lhe digo:
- Hoje os poetas mortos estão todos em casa.
Por isso, ponho os fones de ouvido
e deixo a canção portuguesa impregnar-me
os ouvidos com o sal
que salga o espirito
dos que vieram de lá
das últimas terras
de Portugal, ó pá!

Onde foi que Pessoa achou a fresta
no Céu dos Poetas que dava direto
para a casa tão simples deste poeta
que vos fala sobre o mais completo
sentimento que o recobre, concreta,
acimenta em seus olhos a vã beleza
das palavras de um poema, seminu,
desfile ao léu no quarto escuro, vão
por onde os ratos, répteis da língua
se amontoam e, em pele e coração,
tecem as redes que põem à míngua
os corações desavisados?...

Sim, amigo, os poetas mortos se deixam
entrever na minha cama, na cadeira
atrás de mim, no meu cangote, e beijam,
lambem as palavras como brincadeira
de colar os selos nas cartas
que jamais serão mandadas...

Cecília, Bandeira, Cabral, Drummond,
Quintana, Cora e o Manoel de Barros,
todos no balaio, de soslaio, dão o tom
de minha noite da poesia, aos berros
sem berrarem, balbuciam o que é bom
para eu dizer, para eu deixar de birra,
que o futuro quase tem o mesmo som
do vão passado, que o futuro é borra
no fundo da xícara, caixa de bombons
que a vida empresta ao pobre burro
que se julga um catedrático dos sons.

Sim, amigo, hoje os poetas mortos
ressuscitaram, e nem é Dia de Finados!
Hoje é o Dia Nacional da Poesia,
e todos os portos e celestes aeroportos
estão abertos aos meus chegados,
inconclusos companheiros que dia a dia
me acompanham, mesmo tortos,
pela reta que eu tomei,
linhas tortas que cruzei
para ver onde é que dá
toda a vida que inda há...

Fonte:
Poemas enviados pelo poeta.

Paulo Setúbal (As Maluquices do Imperador) I

BRASIL-REINO


7 de março de 1808. A nau Príncipe Real, com a flâmula azul branca panejando ao vento, entra galhardamente pela barra a dentro. Todos os tripulantes, sacudidos por áspero bombardeio de surpresas, derramam olhos escancarados sobre o panorama embebedante, único:

— Que lindo! Que lindo!

No ar que faísca, debaixo dum céu entontecedor, azul de Sêvres, o sol escachoa avanhandavas de ouro. E sob a luz fúlgida, dentro da sua virgindade selvagem, recorta-se em coloridos fortes a paisagem — maravilha, Águas e morros!

Tudo pródigo, tropical, cheirando a terra moça, ineditamente belo. Como pássaros verdes, papagaios enormes pousados à tona d’água, surge das espumas um bando arrepiado de ilhas. Que pitoresco! E toda gente, na amurada, a apontar com o dedo:

— É a "Rasa"!!

— A "Comprida!"

— A "Redonda"!

— Os "Dois Irmãos"!

— As "Palmas"!!

Ao longe, magnífico bugre americano, lá está o Gigante de Pedra, estendido no chão, tatuado, brônzeo, com a sua empolgante monstruosidade rústica. Além, encoscorado e bravio, caboclamente brasileiro, o Corcovado pintalga-se de mataria brava, a paulama enroscada no cipoal, os nhacatirões gritando pelo carnavalesco das flores. Acolá, esbeltíssimo, núncio da Terra Nova, o Pão de Açúcar arremessa nas nuvens, arrogantemente, o seu pico de pedra, que fura o céu.

E o Príncipe Real, enfeitado de bandeirolas e de galhardetes, rasga com bizarria a ondada mole.

As fortalezas da terra, avistando-o, içam as cores portuguesas. E sob o cascatear do sol, na alegria olímpica da manhã, estruge de súbito uma atroada frenética. É a salva real que estronda, cento e um tiros pipocando, sinos a carrilhonarem, roqueiras, estrépito de rojões, zabumbas, charangas, fogos de artifício que riscam o ar.

De todos os lados, às dezenas, já os escaleres engaivotam as águas crespas da baia. Remam com fúria, rumo da nau que entra. Um deles, leve barquito com grandes embandeirados, alcança-o logo. Chega-se ao casco. Tomba-lhe da amurada a escadinha de bordo. Sôfrego, os olhos chispando, sobe por ela um passageiro. É José Caetano de Lima. É o primeiro carioca que se embarafusta pela nau. Os tripulantes abrem alas. E o feliz morador do Rio de Janeiro, ao passar, corre uns olhos atordoados pelo bando suntuoso.

Quanta gente luzida! São todos fidalgos do mais velho sangue. As damas, em grande decote, os cabelos encaracolados, chapéus de plumas berrantes, faiscam de sedas e de pedrarias. Os cavalheiros, hirtos, espartilhados, as casacas azuis de riço claro, trazem o peito estrelado de crachás. Apenas, com um destoar chocante, vêm dum beliche gritos estranhos, gritos roucos de mulher presa:

— Não me matem! Não me matem!

O embarcadiço continua varando a ponte. Em meio da turba, por entre a mescla rutilante de fidalgos e fidalgas, destaca-se um casal muito grave, muito protocolar, de que os demais circunstantes se distanciam com respeito. Ele é gordo, muito rechonchudo, bochechas estufadas, olhos parados, de suíças. Ela é áspera, feições de homem, bigodes no lábio, pelos no rosto, pelos na mão, pelos por toda parte. Ele, o molengo é D. João VI; ela, a cabeluda, é D. Carlota Joaquina. São os regentes de Portugal.

José Caetano de Lima precipita-se para os dois. Tomba-lhes aos pés. Beija-lhes as mãos vitoriosamente: é o primeiro fluminense que, tonto de gozo, tem a ventura de prestar vassalagem aos fujões reais!! Do beliche soturno, porém, ecoa subitamente a estranha voz:

— Não me matem!

É D. Maria, a louca. É a rainha de Portugal que chega aos berros, encarcerada, enfunebrecendo a nau:

— Não me matem! Não me matem!

Assim, naquele dia gloriosamente radioso, por entre ribombos formidáveis, com espavento e gala, aportava ao Brasil, escorraçada por Napoleão Bonaparte, a família Real Portuguesa.

continua...

Fonte:
Paulo Setúbal. As maluquices do Imperador. Publicado em 1927.

Colcha de retalhos: a vida em um frasco - POESIA (Prazo: 5 de agosto)


Estão abertas as inscrições para Colcha de retalhos: a vida em um frasco - POESIA.

OBJETIVO

COLCHA DE RETALHOS: A VIDA EM UM FRASCO, promovida pela Revista Letrilha / Assis Editora, é uma chamada para publicação do volume 2 (POESIA), da trilogia digital e/ou impressa, sendo os três volumes:
1) Prosa (Conto) 25/05/2021 a 25/06/2021;
2) Poesia 05/07/2021 a 05/08/2021;
3) Tirinha (ainda sem data).

Volume 2 (POESIA) chamada de 05/07/2021 a 05/08/2021

Temática: A vida em um frasco.

OBJETIVO ESPECÍFICO:
Apresentar poemas com histórias contadas ou vivenciadas.

JUSTIFICATIVA:
A partir de 1796, o mundo inovou com o marco da história das vacinas, conseguindo estancar a mortandade por doenças implacáveis, como: Varíola; Sarampo; Malária; Febre Amarela; Tuberculose; Tifo; Gripe Espanhola; Raiva; Tétano... Covid, o frasquinho da vacina é uma dose de esperança. Basta observar o cartão de vacinação de uma criança até 2 anos de idade para compreender a importância do processo. Mas toda descoberta e criação de uma vacina é precedida por uma tragédia que abocanha milhares ou milhões de vidas, como o drama da Covid-19 que atravessamos; são feridas que, muitas vezes, não se fecham. Famílias são dizimadas, outras mutiladas... e no final, cada sobrevivente tem sua dor para contar. Por isso, escolhemos esta temática para a fase 2 do nosso Colcha de Retalhos.

CONCLUSÃO:
As obras inscritas visarão explanar em seus versos / eu-lírico as batalhas enfrentadas pela humanidade, ante o desconhecido, descrevendo a dor, o medo, a incerteza, o estranhamento... mas também apontando a esperança, a empatia, a vida... porque é nos conflitos que nos moldamos e nos tornamos melhores, e como escreveu Guimarães Rosa, “a vida aperta e afrouxa, o que ela quer da gente é coragem”.

O objetivo é promover a arte e a literatura. Não se trata de concurso, mas, sim, chamada para publicação de uma trilogia, mesmo assim, haverá sorteios e premiações entre os participantes. É um modo de incentivar e fortalecer os gêneros prosa, poesia e tirinha, de modo criativo e estimulante. A arte e a literatura são a voz de muitas pessoas emudecidas.

REGULAMENTO

INSCRIÇÕES 100% gratuito

– Textos somente em Língua Portuguesa.

– Qualquer pessoa fluente em língua portuguesa, independentemente da nacionalidade ou residência, pode participar.

– O poema deve ser inédito. (Não serão aceitas prosas poéticas. O trabalho participante deve ter estrutura em versos).

– Período: 05/07/2021 a 05/08/2021

– Envio exclusivamente pelo e-mail: revistaletrilha@gmail.com.

– No corpo do email, informar dados cadastrais do autor, para correspondência física: Nome, endereço (rua, casa, apartamento, bairro, cep, cidade, estado...)

– No email, enviar a seguinte declaração, nome conforme CPF:

EU “_____________”, NASCIDO EM ___/___/____, CPF ____________ COM ENDEREÇO NA “__________________”, DECLARO QUE LI ATENTAMENTE O EDITAL E ESTOU DE PLENO ACORDO COM OS PRÉ-REQUISITOS. ESTOU PARTICIPANDO, NA CONDIÇÃO DE AUTOR, NO GÊNERO POESIA, COM O TRABALHO/TÍTULO _______.

CARACTERÍSTICAS DO GÊNERO POESIA:

– Um POEMA de, no máximo, 30 versos. Não há mínimo.

– Fonte: Arial, tamanho 12.

– Título. Abaixo do título o nome do autor (como será publicado, não poderá mudar depois).

CERTIFICAÇÃO:
Todo participante receberá o certificado de participação em .PDF, via email.

SORTEIO 1:

– Ao final das inscrições será sorteado um belíssimo objeto decorativo, totalmente em madeira, entre todos os participantes inscritos, confeccionado por um artesão mato-grossense.

SORTEIO 2:
– Ao final das inscrições, 3 (três) participantes serão contemplados, por sorteio, com um livro (à escolha da equipe organizadora) autografado.

PRÊMIO:
– Os 45 primeiros inscritos (15 por categoria) serão convidados a participar da Maratona COLCHA DE RETALHOS, e concorrerão a uma matéria exclusiva para a Revista Letrilha (haverá 3 pessoas contempladas) e destes 3, um será escolhido para participar do grande prêmio final (uma linda colcha de retalhos, confeccionada por uma artesã goiana), que será na conclusão do projeto, composto pela trilogia e pelo prêmio Frase Premiada (última etapa).

COMPRA:
– O eBook ficará à venda por R$ 10,00, esperamos que cada participante compre, no mínimo, um exemplar digital dos trabalhos publicados, para auxiliar na continuação projeto, e na promoção da cultura.

NOTA:
As obras participantes poderão ser utilizadas, a critério da organização do concurso, para publicação em meio eletrônico e/ou físico, sem que isso incida em pagamento de royalties ao autor. A publicação poderá ser em meio gratuito ou comercial.

RESULTADO DESTA ETAPA:
Data provável: 30/08/2021

Onde:
Em nossas redes sociais
Instagram: @assiseditora
Página Facebook: /editoraassis
Linkedin: Assis Editora
No site: www.assiseditora.com.br
Via email.

VETOS

1: Conteúdo que apresente qualquer tipo de preconceito e/ou insulto a terceiros, incitação à violência e/ou desabafo político-partidário, será desclassificado.

2: É de responsabilidade exclusiva do autor a observância e a regularização de toda e qualquer questão relativa a direitos autorais sobre a obra inscrita.

3: Ao se inscrever no presente evento, o autor deixa explícita a sua concordância com este regulamento e autoriza a publicação da obra conforme edital, mantendo ao projeto o direito de utilizar o texto enviado, premiado ou não, em publicação, posterior ao resultado da chamada.
Eventuais casos não previstos no Edital serão inapelavelmente dirimidos pelos organizadores do Concurso.

Uberlândia-MG, julho de 2021.
Ivone Gomes de Assis
Revista Letrilha / Assis Editora.
(34) 3222-6033
Instagram: @assiseditora
Página Facebook: /editoraassis
Linkedin: Assis Editora


Fonte:
Email enviado pela Letrilha Revista <revistaletrilha@gmail.com>

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Varal de Trovas 513

 


A. A. de Assis (Maringá dó-ré-mi-fá)

Esta cidade nasceu para ser a Atenas do norte do Paraná. Tudo aqui indica a vocação deste povo para a música, para a literatura, para todas as artes. Um dia vocês vão entender por que estou dizendo isso”. – Palavras do compositor Joubert de Carvalho, em discurso no dia da inauguração da rua que tem o seu nome em Maringá. A profecia não tardou a confirmar-se.

Maringá nasceu cantando” – era o que já naquela época se dizia. O então jornalista, radialista e vereador Antenor Sanches empunhou a bandeira: conseguiu por unanimidade a aprovação da lei que oficializou o apelido da jovem urbe como “Cidade Canção”.

Hoje é difícil dizer quantos músicos aqui atuam, quantos escritores, quantos atores, quantos pintores, quantos escultores. Conheço alguns, não conheço a maioria. Na música, por exemplo, vêm-me de pronto à lembrança o notável maestro, compositor, tenor Geandré Ramiro, a querida maestrina Denise Pimentel, a ótima cantora Madalena Alves.

Penso também no Femucic, na Orquestra Filarmônica UniCesumar, na Orquestra de Câmara da UEM, no Coro Cobra Coral, no Coro Arquidiocesano. Mas sei que há vários outros grupos de altíssimo nível  fazendo bonito aqui e até em apresentações no exterior.

Conheci melhor os da geração pioneira, dos quais guardo ótimas lembranças, a começar pelo inesquecível maestro Aniceto Matti. Aquele sorriso gostoso dele tocando piano e acordeón na Rádio Cultura, nos bailes, ou regendo coros nas igrejas e nos colégios.

Quando cheguei aqui (1955), já havia uma banda e uma orquestra. Henrique Marchini era o maestro das duas; o presidente da banda era o vereador Primo Montéschio. Depois a banda passou a chamar-se “Joubert de Carvalho”, presidida pelo poeta Ary de Lima e depois pelo pioneiríssimo Otávio Periotto. Fernando Penha era o maestro e tinha também uma orquestra, que contava com músicos excelentes, como o baterista Toninho, o pistonista Pirulito, o violonista Romeu.

Veio em seguida o famoso grupo “Britinho e seus Cometas”. Uma rapaziada moderna que inaugurou por aqui a era do rock. Havia também o professor Thomé com a sua Academia de Acordeón. E os geniais Shiniti Ueta e Tercílio Men, que continuam na ativa.    

Lembro-me ainda do professor Geraldo Altoé, o primeiro organizador de coros da Catedral, e de sua irmã, também regente – a queridíssima professora Polônia Altoé Fusinato, que ainda hoje dirige com brilho e ardor um dos nossos melhores grupos corais religiosos.

Destaque especial para o simpaticíssimo maestro Fumimasa Otani, um dos personagens mais fascinantes de nossa música. Também para o maestro Antônio Balan e para os dirigentes das grandes fanfarras que marcaram época na história da cidade: Hiran Sallée, Dalisbor, Irmão Pedrão. E ainda para as inesquecíveis professoras dos conservatórios pioneiros, entre as quais Mirthes Fernandes de Souza e as irmãs Yaeko e Sumiko Miyamoto, do Luzamor.

Peço desculpas por não citar todos e todas. Mas a todas e todos os que têm feito  realmente de Maringá uma “Cidade Canção”, deixo aqui um carinhoso abraço. Bravo!!!
===================

(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 08-7-2021)

Fonte:
Blog do autor.
https://aadeassis.blogspot.com/2021/07/maringa-do-re-mi-fa.html

Gislaine Canales (Glosas Diversas) XXVII

REVOLTA...


MOTE:
Chega a noite...Aumenta o frio...
E esta revolta em meu peito,
se faz maior que o vazio,
que tu deixaste em meu leito!...
Aloísio Alves da Costa
(Umari/CE, 1935 – 2010, Fortaleza/CE)


GLOSA:
CHEGA A NOITE...AUMENTA O FRIO...

a tristeza se agiganta,
e a lembrança em desvario
qualquer alegria, espanta!

Me acompanha a solidão
E ESTA REVOLTA EM MEU PEITO,
que fazem meu coração,
sentir-se, agora, desfeito!

Tua ausência é um desafio
bem maior que tudo, enfim...
SE FAZ MAIOR QUE O VAZIO,
que sinto dentro de mim!

Revolta, dor, desencanto
de um amor, quase perfeito,
foi o tudo, no entretanto
QUE TU DEIXASTE EM MEU LEITO!…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

PENSANDO...

MOTE:
Quando a sorrir, me abraçaste,
quando, a sorrir, te beijei,
imagino o que pensaste,
pensando no que pensei!...
Ciro Vieira da Cunha
(São Paulo/SP, 1897 – 1976, Rio de Janeiro/RJ)


GLOSA:
QUANDO A SORRIR, ME ABRAÇASTE,

foi tudo maravilhoso,
o sabor que, em mim, deixaste,
foi muito mais que gostoso!

Tu ficaste bem feliz,
QUANDO, A SORRIR, TE BEIJEI,
com o carinho que eu fiz
sinto que te conquistei!

Não falei e não falaste,
mas nesse exato momento,
IMAGINO O QUE PENSASTE,
imagino, cem por cento!

Unidos , em simbiose
por ti, eu me apaixonei,
e que o teu coração goze,
PENSANDO NO QUE PENSEI!…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

VENCER!

MOTE:
SÃO MUITOS OS FARDOS TEUS?
LUTA SEM ESMORECER
PROCURA FORÇAS EM DEUS,
POIS O QUE IMPORTA É VENCER.
Clair Fernandes Malty
(Itapema/SC)


GLOSA:
SÃO MUITOS OS FARDOS TEUS?

Para repartir – juntemos!
Coloca-os junto aos meus,
de mãos dadas, seguiremos!

É necessário lutar!
LUTA SEM ESMORECER
e segue sempre a sonhar,
pra que não venhas perder!

Deus ajuda os filhos seus.
Segue seus ensinamentos,
PROCURA FORÇAS EM DEUS,
e findarão teus lamentos!

Segue em frente, no teu dia,
não te deixes abater,
terás contigo a alegria,
POIS O QUE IMPORTA É VENCER.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

NOITES EM CLARO

MOTE:
Eu passo as noites em claro,
não consigo mais dormir!
Ter noites de sono é raro
depois que te vi partir!
Dalvina Fagundes Ebling
(Cruz Alta/RS)


GLOSA:

EU PASSO AS NOITES EM CLARO,
o sol nasce, em explosão
de luz, mas eu nem reparo
pois é negra a solidão!

Rolo sozinha no leito,
NÃO CONSIGO MAIS DORMIR!
Soluça forte o meu peito,
meu coração quer fugir!

Boas lembranças, separo,
para ficarem comigo !
TER NOITES DE SONO É RARO;
tal angústia é o meu castigo!

Um lago só de tristezas
vejo do pranto surgir,
nessas noites sem belezas,
DEPOIS QUE TE VI PARTIR!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

SAUDADE

MOTE:
Saudade – lembrança triste
de tudo que já não sou...
Passado que tanto insiste
em fingir que não passou!
Edgard Barcelos Cerqueira
(Rio de Janeiro/RJ, 1913 - ????)


GLOSA:
SAUDADE – LEMBRANÇA TRISTE

de uma alegria sentida,
que, agora, não mais existe,
deixando cinza essa vida!

A lembrança que hoje tenho
DE TUDO QUE JÁ NÃO SOU...
fica em mim e então desenho
como a minha alma ficou!

Meu pranto a jorrar assiste,
afogar-se como gente...
PASSADO QUE TANTO INSISTE
em permanecer presente!

Continuo o meu caminho
com o resto que sobrou...
Teima o passado daninho
EM FINGIR QUE NÃO PASSOU!

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas. Glosas Virtuais de Trovas XIX. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. 2004.

Alcântara Machado (A Piedosa Teresa)

(Dona Teresa Ferreira)

Atmosfera de cauda de procissão. Bodum.

Os homens formam duas filas diante do altar de São Gonçalo. São Gonçalo está enfaixado como um recém-nascido. Azul e branco. Entre palmas-de-são-josé. Estrelas prateadas no céu de papel de seda.

Os violeiros puxando a reza e encabeçando as filas fazem reverências. Viram-se para os outros. E os outros dançam com eles. Bate-pé no chão de terra socada. Pan-pan~pan-pan! Pan-pan! Pan Pan-pan-pan-pan! Pan-pan! Param de repente.

Para bater palmas. Pla-pla-pla-plá! Pla-plá Plá! Pla-pla-pla-plá! Pla-plá! Param de repente.

Para os violeiros cantarem, viola no queixo:

É este o primero velso
Qu'eu canto pra São Gonçalo

- Senta ai mesmo no chão, Benedito. Tu não é mió que os outro, diabo!

É este o primero velso
Qu'eu canto pra São Gonçalo

E o coro começa grosso, grosso. Rola subindo. Desce fino, fino. Mistura-se. Prolonga-se. Ôooôh! Aaaah! ôaaôh! Ôaiiiih! Um guincho!

O violeiro de olhos apertados cumprimenta o companheiro. E marcha seguido pela fila. Dá uma volta. Reverências para a direita. Reverências para a esquerda. Ninguém pisca. Volta para seu lugar.

- Entra, Seu Casimiro!

O japonês Kashamira entra com a mulher e o filhinho brasileiros de roupa de brim. Inclina-se diante de São Gonçalo. Acocora-se.

O acompanhamento das violas feito de três compassos não cansa. Nos cantos sombreados os assistentes têm rosário nas mãos. No centro da sala de cinco por quatro a lâmpada de azeite dança também.

Minha boca está cantando
Meu coração lhe adorando

Cabeças mulatas espiam nas janelas. A porta é um monte de gente. Dona Teresa, desdentada, recebe os convidados.

- Não vê que meu defunto Seu Vieira tá enterrado já há dois ano... Faiz mesmo dois ano agora no Natar.

Pan-pan-pan-pan! Pan-pan! Pan!

- A arma dele tá penando aí por esse mundo de Deus sem podê entrá no céu.

Pla-pla-pla-plá! Pla-plá!

- Eu antão quis fazê esta oração pra São Gonçalo deixá ele entrá.

Vou mandá fazê um barquinho
Da raiz do alecrim

O menino de oito anos aumenta a fila da direita. A folhinha da parede é uma paisagem de neve. Mas tem um sol. E o guerreiro com uma bandeirinha auriverde no peito espeta o sol com a espada. EMPÓRIO TUIUTI.

Pra embarcá meu São Gonçalo
Do promá pro seu jardim

Desafinação sublime do coro. Os rezadores sacodem o corpo. Trocam de posição. Enfrentam-se. Dois a dois avançam, cumprimento aqui, cumprimento ali, tocam-se ombro contra ombro, voltam para os seus lugares. O negro de pala é o melhor dançarino da quadrilha religiosa.

São Gonçalo é um bom santo
Por livrá seu pai da forca

Só a casinha de barro alumiando a escuridão.

- Não vê que o Crispim também pegou uma doença danada. Não havia jeito de sará. O coitado quis até se enforcá num pé de bananeira!

Dona Teresa é viúva. Viúva de um português. Mas nem oito dias passados Dona Teresa se ajuntou com o Crispim. A filhinha dela ri enleada e é namorada de um polaco. Na Fazenda Santa Maria está sozinha pela sua boniteza. Dona Teresa cuida da alma do morto e do corpo do vivo. No carnaval deste ano organizou um cordão. Cordão dos Filhos da Cruz. Dona Teresa é pecadora mas tem sua religião. Todos gostam dela em toda a extensão da Estrada da Cachoeira. Dona Teresa é jeitosa, consegue tudo e ainda por cima é pagodeira.

Artá de São Gouçalo
Artá de nossa oração

- Nóis antão fizemo uma promessa que se Crispim sarasse nóis fazia esta festinha.

Foi promessa que sarando
Será seu precuradô

As violas têm um som, um som só. É proibido fumar dentro da sala. Chega gente.

São Gonçalo tava longe
De longe já tá bem perto

Um a um curvam-se diante do altar. O violeiro de olhos apertados está de sobretudo. Negros de pé no chão.

Nóis tamo memo emprestado neste mundo.
Cantando cruzam a salinha quente.

Amor castiga a gente. Olhe a Rosa que não quis casar com o sobrinho do poceiro. Não houve conselho de mãe, não houve ameaça de pai nem nada.

Fincou o pé. E fugiu com o italiano casado carregado de filhos. Um até de mama. Não tinham parada. Agora, agora está ai judiada com o ventre redondo. São Gonçalo tenha dó da coitada.

Abençoada seja a união
Que enfeitô este oratório

O preto de pala dá um tropicão engraçado. E a mulher de azul-celeste dá urna risada sem respeito. O bico do peito escapuliu da boca do filho.

Da dança de São Gonçalo
Ninguém deve caçoá

Ôooôh Aaaah! ôaiiiih!

São Gonçalo é vingativo
Ele pode castigá

Silêncio na assistência descalça. As bandeirinhas de todas as cores riscam um x em cima dos dançarinos. Atrás da casa tem cachaça do Corisco.

- Depois é a veiz das môça. Quem quisé pode pegá o santo e dançá com ele encostado no lugá doente.

Onde chega os pecadô
Ajoeai pedi perdão

O estouro dos foguetes ronca no vale fundo. Anda um ventinho frio cercando a casa.

São Gonçalo tá sentado
Com sua fita na cintura

O caboclo louro puxa a faca e esgaravata o dedão do pé.

- São seis reza de hora e meia cada mais ou meno. Pro santo ficá satisfeito.

Lá no céu será enfeitado
Pla mão de Nossa Sinhora

Pan-pan-pan-pan! Pan-pan! Pla-pla-pla-plá! Plaplá! Plá! Pla-pla-pla-plá!

Oratório tão bonito
Cuma luz a alumiá

De cima do montão de lenha a gente vê São Paulo deitada lá embaixo com os olhos de gato espiando a Serra da Cantareira. Nosso céu tem mais estrelas.

São Gonçalo foi em Roma
Visitá Nosso Sinhô

Dona Teresa parece uma pata.

- Só acaba aminhã, sim sinhô! Vai até o meio-dia, sim sinhô! E acaba tudo ajoeiado, sim sinhô!

Ôooôh! Aaaah! ôaaôh! ôaôaiiiih! Primeiro é órgão. Cantochão. Depois carro de boi. No finzinho então.

Sinhora de Deus convelso
Padre Filho Espírito Santo

Quem guincha é mesmo o caipira de bigodes exagerados.

Fonte:
Alcântara Machado. Laranja-da-China.

terça-feira, 13 de julho de 2021

Rachel de Queiroz (A Decoração da fama)

A NOSSA casa de fazenda é extremamente rústica, e rústico o que a cerca o pátio coberto de mata-pasto, a cerca fechando o terreiro, o curral, a casa de farinha, as casas dos moradores. Tudo como era o uso por cá, cem anos atrás.

E então as pessoas vêm de visita conhecer a casa da escritora e sentem-se decepcionadíssimas, chegam a ficar ofendidas. Acham que seria de esperar que alguém, cujo nome sai com frequência nas folhas, alguém que muita gente conhece, devesse ter um cenário que realçasse e não que diminuísse!

Certa senhora, mulher de um figurão, deu volta no seu caminho para passar por aqui; imagino o que ela viu, coitada: era a seca do ano passado, nós estávamos longe, a casa fechada, o açude com a água lá embaixo, o mato crestado, o curral vazio. Ficou danada:

— “Então é aqui que mora a R. Q.? E eu perdendo o meu precioso tempo em passar por cá!”

Acho que ela esperava encontrar a fazenda “Empyrio”...

Hoje em dia, creio que é influência americana, o êxito das pessoas só se mede em termos de riqueza. Os astros de rádio e TV se sacrificam para exibir casa com jardim na Barra da Tijuca, ou cobertura palacial no Leblon; sabem como é importante a imagem: — o público só acreditará no sucesso deles se os vir dentro da indispensável moldura de luxo.

A nós, escritores, não nos exigem tanto, mas, dirão eles, tudo tem um limite! Acabou-se o tempo em que o poeta escrevia suas obras-primas numa mansarda. Agora não mais se admite mansarda: agora é só mansão!

É, nesta sociedade chamada ‘afluente’’, só se respeita mesmo o abastado; nem se concebe que alguém escolha a modéstia, se lhe for possível ostentar ou aparentar riqueza. É até um desaforo, ofende as pessoas — como sucedeu com a minha dama visitante.

Recordo um exemplo muito significativo:

Certa vez, Manuel Bandeira jantou lá em casa e, à saída, eu o acompanhei à rua, onde ele ia apanhar condução. Não passava um táxi, nem havia nenhum no ponto; nisso veio um ônibus que lhe passaria à porta, e Manuel o tomou.

Duas mulheres paradas à esquina nos olhavam; e quando, depois de embarcar Manuel, eu passei por elas, ouvi que uma dizia:

— Garanto a você que aquele é mesmo o Manuel Bandeira!

Mas a outra a encarou furiosa e falou alto, sem se importar que eu ouvisse.

— Manuel Bandeira, de ônibus! DE ÔNIBUS, imagine! Você é mesmo é louca!

Fonte:
Rachel de Queiroz. As Menininhas e outras crônicas. RJ: J. Olympio, 1976.

Trovas de Escritores de Ontem I

ALPHONSUS DE GUIMARAENS

Como, Jesus, me esqueceste
nesta horrível soledade!
Aos trinta e três tu morreste...
E eu já tenho a tua idade!
= = = = = = = = = = =

Nasci em leito de rosas
e morro em leito de espinhos...
Ó mães, que sois caridosas,
velai por vossos filhinhos!
= = = = = = = = = = =

O cinamomo floresce
em frente do teu postigo:
cada flor murcha que desce
morre de sonhar contigo.
= = = = = = = = = = =

O coqueiro, todo em palmas,
beija o cinamomo em flor...
Imagem das nossas almas,
unidas no mesmo amor!
= = = = = = = = = = =

Quando em teus olhos reluz
o carinho de uma prece,
se é dia, o sol tem mais luz,
se é noite, logo amanhece.
= = = = = = = = = = =

Quando os teus olhos, Senhora,
repousam no meu olhar,
fica mais formosa a aurora,
mais formoso fica o luar.
= = = = = = = = = = =

Tradições, quimeras, lendas...
Ninguém crê na Eterna Voz!
Que vale, Senhor, que estendas
o teu carinho até nós?
= = = = = = = = = = =

Tristeza das tardes ermas,
das noites brancas de luar!
As almas que estão enfermas
no teu seio vão chorar...
= = = = = = = = = = =

Tu não sabes porque a lua
é triste e nunca sorri...
Mas que ingenuidade a tua!
— Os poetas moram ali.
= = = = = = = = = = =
= = = = = = = = = = =

ÁLVARES DE    AZEVEDO


Acorda, minha donzela!
Foi-se a lua — eis a manhã.
E nos céus da primavera
a aurora é tua irmã!
= = = = = = = = = = =

Acorda, minha donzela,
soltemos da infância o véu..,
Se nós morrermos num beijo,
acordaremos no céu!
= = = = = = = = = = =

Amemos! Quero de amor
viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
que desmaia de paixão!
= = = = = = = = = = =

Amo a voz da tempestade
porque agita o coração,
e o espírito inflamado
abre as asas no trovão!
= = = = = = = = = = =

Dá-me um beijo — abre teus olhos,
por entre esse úmido véu:
Se na terra és minha amante,
és a minha alma no céu!
= = = = = = = = = = =

Descansar nesses teus braços
fora angélica ventura;
Fora morrer — nos teus lábios,
aspirar alma tão pura!
= = = = = = = = = = =

É doce amar como os anjos
da ventura no himeneu;
minha noiva ou minha amante,
vem dormir no peito meu!
= = = = = = = = = = =

Entre os suspiros do vento,
da noite ao mole frescor,
quero viver um momento,
morrer contigo de amor!
= = = = = = = = = = =

Quero viver de esperança,
quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
quero sonhar e dormir!...
= = = = = = = = = = =

Tenho músicas ardentes,
ais do meu amor insano,
que palpitam mais dormentes
do que os sons do teu piano!
= = = = = = = = = = =
Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva, 1967.