sábado, 15 de novembro de 2008

Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas)


Grande Sertão :Veredas - travessia que Riobaldo, narrador-personagem, faz em suas memórias a fim de narrar suas vivências a um "senhor" durante três dias. Travessia que Guimarães Rosa faz através do caráter insólito e ambíguo do homem, tornando uma experiência individual (Riobaldo ) em caráter universal - "o sertão é o mundo".

A primeira parte do romance (até aproximadamente à página 80), Riobaldo faz um relato "caótico" e desconexo de vários fatos (aparentemente sem relações entre si ), sempre expondo suas inquietações filosóficas (reflexões sobre a vida, a origem de tudo, Deus, Diabo, ...) -Eu queria decifrar as coisas que são importantes. E estou contando não é uma vida de sertanejo, seja se fôr jagunço, mas a matéria vertente. "O discurso ambivalente de Riobaldo (...) se abre a partir de uma necessidade, verbalizada de maneira interrogativa". No entanto, há uma grande dificuldade em narrar e organizar seus pensamentos : Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que se já passaram. Mas pela astúcia que tem certas coisas passadas - de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. É o compadre Quelemém de Góis que lhe socorre em suas dúvidas, mas não de forma satisfatória, daí a sua necessidade de narrar.

A partir da página 80, Riobaldo começa a organizar suas memórias. Fala da mãe Brigi, que o obrigava à esmolação para a paga de uma promessa. É nessa ocasião, à beira do "Velho Chico", que Riobaldo se encontra pela primeira vez com o garoto Reinaldo, fazendo juntos uma travessia pelo rio São Francisco. Riobaldo fica fascinado com a coragem de Reinaldo, pois como este afirma : "sou diferente (...) meu pai disse que eu careço de ser diferente (...).

A mãe de Riobaldo vem a falecer, sendo ele levado à fazenda São Gregório, de seu padrinho Selorico Mendes. É lá que Riobaldo toma contato com o grande chefe Joca Ramiro, juntamente com os chefes Hermógenes e Ricardão. Selorico Mendes envia o seu afilhado ao Curralinho, a fim de que tivesse contato com os estudos. Posteriormente, assume a função de professor de Zé Bebelo (fazendeiro residente no Palhão com pretensões políticas. Zé Bebelo, querendo pôr fim aos jagunços que atuavam no sertão mineiro, convida Riobaldo a participar de seu bando. Riobaldo troca as letras pelas armas. É desse ponto que começa suas aventuras pelo norte de Minas, sul da Bahia e Goiás como jagunço e depois como chefe.

O bando de Zé Bebelo faz combate com Hermógenes e seus jagunços, onde este acaba por fugir. Riobaldo deserta do bando de Zé Bebelo e acaba por encontrar Reinaldo ( jagunço do bando de Joca Ramiro), ingressando no bando do "grande chefe". A amizade entre Riobaldo e Reinaldo acaba por se tornar sólida , onde Reinaldo revela o seu nome - Diadorim - pedindo-lhe segredo. Juntamente com Hermógenes , Ricardão e outros jagunços , combate contra as tropas do governo e de Zé Bebelo .

Depois de um conflito com o bando de Zé Bebelo, o bando liderado por Hermógenes fica acuado, acabando-se por se separar , reunindo-se posteriormente . O chefe Só Candelário acaba por integrar-se ao bando de Hermógenes , tornando-se líder do bando até o encontro com Joca Ramiro . Nessa ocasião , Joca Ramiro presenteia Riobaldo com um rifle , em reconhecimento à sua boa pontaria (a qual lhe faz valer apelidos como "Tatarana" e "Cerzidor") . O grupo de Joca Ramiro acaba por se dividir para enfrentar Zé Bebelo , conseguindo capturá-lo . Zé Bebelo é submetido a julgamento por Joca Ramiro e seus chefes - Hermógenes , Ricardão, Só Candeário , Titão Passos e João Goanhá - acabando a ser condenado ao exílio em Goiás .

Depois do julgamento, o bando do grande chefe se dispersa, Riobaldo e Diadorim acabam por seguir o chefe Titão Passos. Posteriormente, o jagunço Gavião-Cujo vai ao encontro do grupo de Titão Passos para informar a morte de Joca Ramiro, que foi assassinado à traição por Hermógenes e Ricardão ("os judas"). Riobaldo fica impressionado com a reação de Diadorim diante da notícia. Os jagunços se reúnem para combaterem os judas .

Por essa época , Riobaldo tem um caso com Nhorinhá (prostitutriz), filha de Ana Danúzia. Conhece Otacília na fazenda Santa Catarina, onde tem intenções verdadeiras de amor. Diadorim, em determinada ocasião, por ter raiva de Otacília, chega a ameaçar Riobaldo com um punhal.

Medeiro Vaz junta-se ao bando para a vingança, assumindo a chefia. Inicia-se a travessia do Liso do Sussuarão. O bando não agüenta a travessia e acaba por retornar. Medeiro Vaz morre. Zé Bebelo retorna do exílio para ajudar na vingança contra os judas, tomando a chefia do bando.

Por suas andanças, o bando de Zé Bebelo chega à fazenda dos Tucanos, onde são encurralados por Hermógenes. Momentos de grande tensão. Zé Bebelo envia dois homens para informarem a presença de jagunços naquele local. Riobaldo desconfia de uma possível traição com esse ato. O bando de Hermógenes fica acuado pelas tropas do governo e os dois lados se unem provisoriamente para escaparem dos soldados . Zé Bebelo e seus homens fogem à surdina da fazenda, deixando os hermógenes travando combate com os soldados. Riobaldo oferece a pedra de topázio a Diadorim, mas este recusa, até que a vingança tenha sido consumada .

Os bebelos chegam às Veredas-Mortas. É um dos pontos altos do romance, onde Riobaldo faz o pacto com o Diabo para vencerem os judas. Riobaldo acaba assumindo a chefia do bando com o nome de "Urutu-Branco"; Zé Bebelo sai do bando. Riobaldo dá a incumbência a "seô Habão" para entregar a pedra de topázio a Otacília, firmando o compromisso de casamento. O chefe Urutu-Branco acaba por reunir mais homens ( inclusive o cego Borromeu e o menino pretinho Gurigó).

À procura dos hermógenes, fazem a penosa travessia do Liso do Sussuarão, onde Riobaldo sofre atentado por Treciano, que é morto pelo próprio chefe. Atravessado o Liso, Riobaldo chega em terras baianas, atacando a fazenda de Hermógenes e aprisionando sua mulher . Retornam aos sertões de Minas, à procura dos judas. Encurralam o bando de Ricardão nos Campos do Tamanduá-tão, onde o Urutu-Branco mata o traidor. Encontro dos hermógenes no Paredão. Luta sangrenta. Diadorim enfrenta diretamente Hermógenes, ocasionando a morte de ambos. Riobaldo descobre então que Diadorim se chama Maria Deodorina da Fé Bittancourt Marins, filha de Joca Ramiro.

Riobaldo acaba por adoecer (febre-tifo). Depois de se restabelecer, fica sabendo da morte de seu padrinho e herda duas fazendas suas. Vai ao encontro de Zé Bebelo, o qual o envia com um bilhete de apresentação a Quelemém de Góis : Compadre meu Quelemém me hospedou , deixou meu contar minha história inteira. Como vi que ele me olhava com aquela enorme paciência - calma de que minha dor passasse; e que podia esperar muito longo tempo. O que vendo, tive vergonha, assaz .
Mas , por fim , eu tomei coragem , e tudo perguntei:
-"O senhor acha que a minha alma eu vendi , pactário?! "
Então ele sorriu, o pronto sincero, e me vale me respondeu :
-"Tem cisma não. Pensa para diante. Comprar ou vender, às vezes, são as ações que são as quase iguais ..."
(...)
Cerro. O senhor vê. Contei tudo. Agora estou aqui, quase barranqueiro. (...) Amável senhor me ouviu, minha idéia confirmou: que o Diabo não existe. Pois não? O senhor é um homem soberano , circunspecto. Amigos somos. Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se fôr ... Existe é homem humano. Travessia.

Linguagem

Em Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa faz uma recriação da linguagem , "recondicionando-a inventivamente, saindo do lugar-comum a fim de dar maior grandeza ao discurso. Nu da cintura para os queixos (ao invés de nu da cintura para cima) e ainda Não sabiam de nada coisíssima (no lugar de não sabiam de coisa nenhuma) constituem exemplos do apuramento da linguagem roseana.

Toda a narrativa é marcada pela oralidade (Riobaldo conta seus casos a um interlocutor), portanto, sem possibilidades de ser reformulado, já que é emitido instantaneamente. Ainda tem-se as dúvidas do narrador e suas divagações, onde é percebido a intenção de Riobaldo em reafirmar o que diz utilizando a própria linguagem .

O falar mineiro associado a arcaísmos, brasileirismos e neologismos faz com que o autor de Sagarana extrapole os limites geográficos de Minas. A linguagem ultrapassa os limites "prosaicos" para ganhar dimensão poético-filosófica (principalmente ao relatar os sentimentos para com Diadorim ou a tirar conclusões sobre o ocorrido através de seus aforismos).

Aforismos

1. Viver é muito perigoso
2. Deus é paciência
3. Sertão. O senhor sabe : sertão 'onde manda quem é forte , com as astúcias .
4. ...sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar .
5. ...toda saudade é uma espécie de velhice
6. Jagunço é isso . Jagunço não se escabreia com perda nem derrota - quase tudo para ele é o igual.
7. Deus existe mesmo quando não há . Mas o demônio não precisa de existir para haver .
8. Viver é um descuido prosseguido .
9. sertão é do tamanho do mundo
10. Vingar , digo ao senhor : é lamber , frio , o que o outro cozinhou quente demais .
11. Quem desconfia , fica sábio .
12. Sertão é o sozinho .
13. Sertão : é dentro da gente .
14. ...sertão é sem lugar .
15. Para as coisas que há de pior , a gente não alcança fechar as portas .
16. Vivendo , se aprende ; mas o que se aprende , mais , é só a fazer outras maiores perguntas .
17. ...amor só mente para dizer maior verdade .
18. Paciência de velho tem muito valor .
19. Sossego traz desejos .
20. ... quem ama é sempre muito escravo , mas não obedece nunca de verdade .

Estrutura de Narrativa

I - TEMPO

Psicológico . A narrativa é irregular ( enredo não linear), sendo acrescidos vários casos pequenos.

II - FOCO NARRATIVO

Primeira pessoa - narrador-personagem - utilizando-se do discurso direto e indireto livre.

III - ESPAÇO

A trama ocorre no sertão mineiro (norte) , sul da Bahia e Goiás . No entanto , por se tratar de uma narrativa densa , repleta de reflexões e divagações , ganha um caráter universal - "o sertão é o mundo".

IV PERSONAGENS

· PRINCIPAL:

Riobaldo : personagem-narrador que conta sua estória a um doutor que nunca aparece. Riobaldo sente dificuldades em narrar, seja por sua precariedade em organizar os fatos , seja por sua dificuldade em entendê-los. Relata sua infância, a breve carreira de professor (de Zé Bebelo ), até sua entrada no cangaço (de jagunço Tatarana a chefe Urutu-Branco), estabelecendo-se às margens do São Francisco como um pacato fazendeiro.

· SECUNDÁRIOS:

Diadorim: é o jagunço Reinaldo, integrante do bando de Joca Ramiro. Esconde sua identidade real (Maria Deodorina) travestindo-se de homem. Sua identidade é descoberta ao final do romance, com sua morte.

Zé Bebelo: personalidade com anseios políticos que acaba por formar bando de jagunços para combater Joca Ramiro. sai perdedor, sendo exilado para Goiás e acaba por retornar com a morte do grande chefe para vingar o seu assassinato.

Joca Ramiro: é o maior chefe dos jagunços, mostrando um senso de justiça e ponderação no julgamento de Zé Bebelo, sendo bastante admirado .

Medeiro Vaz : chefe de jagunços que se une aos homens de Joca Ramiro para combater contra Hermógenes e Ricardão por conta da morte do grande chefe .

Hermógenes e Ricardão: são os traidores, sendo chamados de "judas", que acabam por matar Joca Ramiro. Muitos jagunços acreditavam que Hermógenes havia feito o pacto com o Diabo .

Só Candelário: outro chefe que ajuda na vingança. Possuía grande temor de contrair lepra.

Quelemém de Góis: compadre e confidente de Riobaldo, que o ajuda em suas dúvidas e inquietações sobre o Homem e o mundo.

· AS TRÊS FACES AMOROSSAS DE RIOBALDO:

Nhorinhá : prostituta, representa o amor físico. O seu caráter profano e sensual atrai Riobaldo, mas somente no aspecto carnal.

Otacília: contrária a Nhorinhá , Riobaldo destina a ela o seu amor verdadeiro (sentimental). É constantemente evocada pelo narrador quando este se encontrava desolado e saudoso durante sua vida de jagunço. Recebe a pedra de topázio de "seô Habão", simbolizando o noivado.

Diadorim : representa o amor impossível, proibido. Ao mesmo tempo em que se mostra bastante sensível com uma bela paisagem, é capaz de matar a sangue frio. É ela que causa grande conflito em Riobaldo, sendo objeto de desejo e repulsa (por conta de sua pseudo identidade).

Fonte:
http://vbookstore.uol.com.br/resumos/grandesertao.shtml

Amália Max (Vendaval de Trovas)


Para os que seguem sozinhos,
descalços e combalidos,
que importa ter mil caminhos
se todos são proibidos?
(Pouso Alegre 1997)

A sorte tem seus encantos,
seus agrados, seus engodos;
às vezes agrada a tantos,
mas jamais agrada a todos!
(Niterói 1998)

Se me deixas por vontade...
se vais para não voltar...
O que é que eu digo à saudade
amanhã, quando acordar?

Relógio, fique parado!
Não deixe o tempo passar...
Eu quero ser enganado
quando a velhice chegar!

Nas noites de paz eterna,
vigiando a escuridão,
toda estrela é uma lanterna
que um anjo leva na mão!

Laranjais de minha infância,
frutos que alegre colhi,
hoje olho para a distância
e choro porque cresci!

A ermida à beira da estrada
plange seu sino de um jeito,
que eu sinto a corda amarrada
na saudade do meu peito...

Depois do enxerto a coitada,
que quis o rosto alisar,
agora vive assustada...
Seu rosto só quer sentar!

Ralhando com seus porquinhos
a porca, mãe exemplar,
vendo-os, assim, bem limpinhos...
- já pro barro se sujar !!!
(Friburgo 1989)

Mistério tem o meu peito
que guarda com suavidade,
num espaço tão estreito,
a vida, o amor e a saudade.
(Bandeirantes, 1998)

Partiu a jangada airosa
Na praia ficou maria,
pedindo, de alma ansiosa,
que ela volte ao fim do dia.

A vida anda tão tristonha...
Pobreza...fome...agonia...
Que eu chego a sentir vergonha
de, às vezes, ter alegria!

Que importa a nós dois o mundo
Que importa o lugar que vamos...
Nosso amor é tão profundo
que só de nós precisamos!

Nem sempre o sorriso diz
se é mesmo contentamento.
Quando alguém não é feliz,
ser alegre é sofrimento.

No instante em que nossa prece
sobe a escada do infinito,
pela mesma escada desce
a paz que acalma o conflito.

Em meu peito ponho escoltas
contra um amor sem razão,
dando, de vez, duas voltas
na chave do coração.

Numa ternura infinita
a lua, com mãos de prata
vem prender laços de fita
nas tranças verdes da mata.

Sem mesmo ter ido ao céu
já caminhei sobre a lua!
Foi um dia andando ao léu
pisando as poças da rua.

Depois, que um dia, partiste
nesta rua só choveu...
Será que esta rua é triste
ou triste nela sou eu?

Lindas flores de ilusão
dentro de vaso sem água
logo, logo murcharão
passando a chamar-se "mágoa".

Minha vida é tão vazia
tão cheia de solidão
que a sombra que eu possuía
não mais me segue no chão.
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Fontes:
http://www.falandodetrova.com.br/2008/amaliamax
http://ubtportoalegre.portalcen.org/html/brasil.html
TABORDA, Vasco José e WOCZIKOSKY, Orlando (orgs.) Antologia de Trovadores do Paraná. Edição o Formiguewiro. Curitiba: Lítero Técnica, março de 1984.

Adriana Lisboa (Lady Anne)

Quadro Alazão Correndo na Praia (R.O. Peixoto)
I must take my leave
For promised I am
(Jagger/Richards)

A pata encontrou no chão um buraco improvável. Lady Anne estava na dianteira, quinhentos metros finais. Mas o espaço mínimo colheu seu galope, fez dele um soluço, Lady Anne sentiu num pedaço de segundo a pane se propagar pela rede de músculos, de ossos e tendões e articulações. A pata se dobrou como não devia. E Lady Anne sentiu o corpo se dobrando sobre a pata e o mundo se dobrando sobre o corpo, e o céu envelopando sua queda num azul frágil, sem aconchego. Depois foi só a dor.

Seus olhos estavam úmidos e seu corpo tremia: dava medo, a dor. Era um saber demais de si mesma. Seus olhos, contas intensas, espelhavam um rosto humano curiosamente deformado, como se na dor ainda coubesse o humor, e fosse esse o único transporte possível. O veterinário tocou o corpo enorme do animal: a massa de músculos por baixo do pêlo, alazão tostada. O suor frio. Equus caballus. Homo sapiens sapiens. Durante um instante o olhar dos dois foi um só, e o homem sentiu, com as pontas dos dedos, a gravidade da dor.

O telefone celular se interpôs. Pelo toque, o veterinário sabia quem era. Não tirou os dedos do pêlo curto logo acima do focinho de Lady Anne. Afagava-a devagar, mas com uma urgência de estilhaços. Pediu ao jóquei, que estava ao seu lado, miraculosamente ileso: tira isso da minha maleta e desliga, faz favor.

Do outro lado da cidade, a moça de óculos escuros tentou de novo o mesmo número: recebeu a mensagem, após o sinal etc. Não deixou recado. Por trás das lentes dos óculos escorreram duas confissões, dois adiamentos, duas resignações. Que o vento marinho secou, para que, fossem o que fossem, as lágrimas se confiassem apenas à epiderme, em invisibilidade (e não aos passantes, em auto-comiseração).

Fazia algum frio na praia. Mas as meninas suavam na aula de vôlei. Na hora do saque, a mais baixinha olhou para o lado, viu a mulher ali, no banco do calçadão. De óculos escuros, guardando na bolsa um telefone celular. A menina aprumou seu corpo ansioso e desarmônico, antecipou a trajetória da bola e a elegância com que furaria o bloqueio das adversárias e cairia enfim sobre a areia, modestamente triunfal. Os músculos de seus braços ondularam, a mão direita fez o que tinha de fazer, e a bola de vôlei raspou o vento até se encontrar com a rede. Em cheio. Beijo assustado de um par que não se quer.

Dentro do ônibus, o rapaz de cabelo comprido viu de relance o jogo. Registrou na periferia da consciência: a menina errou o saque. Depois ele continuou pensando com força no corpo de uma mulher, a sua namorada, a barriga que ia começar a crescer, a outra pessoa que estufaria essa barriga por dentro com um ímpeto de maré. Ele via o próprio reflexo na janela do ônibus, superposto ao drama lento lá fora. Palimpsesto: cidade, homem que vai ser pai, medo de ser homem e de ser pai, mas também traço do rosto que caberá ao filho (à filha). Se for menino, pode ser Mick. Se menina, Marie. Ele sorriu: que idéia. Foi o seu primeiro sorriso de pai.

A moça de azul ao seu lado viu o reflexo. Um sorriso desconhecido que ela deixou onde estava, mas que sem querer copiou na memória. A moça desceu no ponto seguinte. Chegou ao portão, pediu informações. Foi cruzando aqueles espaços estranhos, o pátio vazio, os corredores largos, encontrou o banheiro, sentiu a água fria. Suspirou longamente um suspiro deserto e foi até onde era esperada.

Equus caballus. Homo sapiens sapiens. O veterinário e a moça de azul trocaram um olhar e um cumprimento. As outras pessoas abriram espaço. As pontas dos dedos do homem continuavam alisando a pequena área logo acima do focinho do animal, e o toque se propagava em espasmos. Os dedos da moça de azul encostaram nos seus, susto-segredo, enquanto a seringa esvaziava um milagre dentro do corpo enorme, que no entanto estava como que transpassado de vazios. Lady Anne fechou muito devagar os olhos molhados. Enquanto morria, o mundo que enxergou foi denso, um mundo ágil, a galope, inteiramente alazão tostado. Lady Anne cruzou a linha de chegada em primeiro lugar.

Fontes:
publicado na revista Bravo! de novembro de 2005 . http://www.adrianalisboa.com.br/
Pintura = http://www.decorecomarte.com.br/

Adriana Lisboa (Contos Populares Japoneses)



Quando esteve no Japão pesquisando sobre a obra do poeta Matsuo Basho para escrever o romance Rakushisha, lançado em 2007, a premiada escritora carioca Adriana Lisboa trouxe na mala - e na memória e no coração muito mais do que os haicais do poeta do século XVII. Grande admiradora da cultura oriental, ela mergulhou fundo também nas lendas e na tradição popular da terra do sol nascente, e apresenta aos leitores brasileiros uma seleção de histórias que sobrevivem ao tempo e fazem parte da milenar cultura popular nipônica na coletânea Contos populares japoneses, ilustrada pela sansei paulista Janaina Tokitaka.

O livro reúne seis contos que estão entre os mais conhecidos da cultura japonesa e são também os preferidos da autora. As narrativas falam sobre gente simples, mas cheia de esperança e valores, sobre animais encantados e seres fantásticos, e constituem belas metáforas do comportamento humano, de nossos sonhos, alegrias, angústias e medos. Com graça, leveza, alguns toques de suspense e muita imaginação, os contos são uma amostra vívida da força da literatura popular japonesa e sua capacidade de cruzar fronteiras.

O primeiro conto do livro, "A história de Urashima Taro", relata a aventura de um jovem e bondoso pescador que embarca numa doce, mas irreversível, viagem rumo às profundezas do mar; "Chapéus de bambu" mostra que ajudar o próximo sem esperar nada em troca é a melhor forma de ser recompensado pela graça divina; já "A mulher da neve" é uma lenda ao mesmo tempo bela e sombria sobre uma misteriosa mulher que detém o poder da vida e da morte, e mostra a importância de se cumprir a palavra dada a alguém; "O grou" narra a história de um mágico e talentoso pássaro branco salvo da morte por um solitário casal de velhinhos; "A chaleira da sorte" fala da amizade profunda entre o texugo encantado, um funileiro e sua esposa, e mostra que nem tudo na vida é apenas o que parece ser; por fim, "A história de Momotaro" conta a saga de um menino que nasceu de um suculento pêssego com a missão de combater o mal e levar alegria a um pobre lenhador e sua esposa.

No ano em que se celebra o centenário da imigração japonesa no Brasil, Contos populares japoneses presta uma homenagem ao Japão e à riqueza de sua literatura, deixando ao alcance de leitores brasileiros de todas as idades narrativas que constituem a identidade da gente japonesa e refletem sobre temas universais, como honra, amor, generosidade, saudade, gratidão, compromisso e solidariedade. Um passeio pelas mais belas histórias dessa literatura conduzido pelo olhar sensível e a escrita refinada de Adriana Lisboa, em sintonia com as ilustrações cheias de graça e leveza de Janaina Tokitaka capaz de aquecer o coração.

Fonte:
http://www.adrianalisboa.com.br/

Adriana Lisboa (Sinfonia em Branco)



A história de duas irmãs é o fio condutor do novo romance de Adriana Lisboa. O enredo desenvolve-se sem alarde e, através de breves relatos vividos ou imaginados, de descrições que se intercalam entre a vida e a memória, de diálogos e silêncios, o leitor se envolve no mundo de medos e pequenas maravilhas que cerca Maria Inês e Clarice. A infância na fazenda, os amores, a presença marcante do pai, os casamentos, as viagens, os descaminhos, as dolorosas tentativas de entender, tudo se entrelaça numa história carregada de intenso lirismo.

Sinfonia em branco é um romance desenhado a bico-de-pena. Cada frase parece ter sido escrita com a precisão e a delicadeza necessárias à elaboração de um retrato imaginário, no qual se possam reconhecer os traços de vidas miúdas, vividas à sombra. Quase nada acontece e tudo acontece na história das irmãs que vivenciam, cada qual a seu modo, uma experiência que vai marcá-las para sempre. Mesmo seguindo por caminhos diversos, Maria Inês e Clarice irão manter por toda a vida a cumplicidade de quem divide um segredo.



No plano maior da narrativa, alguns personagens de Sinfonia em branco vão construindo seus próprios relatos, fadados a não ter destinatários. Otacília, Afonso Olímpio, Tomás reescrevem, no interior do círculo traçado pela história das duas irmãs, suas histórias particulares. São relatos montados, não a partir do que aconteceu, mas do que poderia ter acontecido. Breves, intensas e silenciosas narrativas do que não foi, do beijo não recebido, da palavra não dita, do gesto interrompido, do gesto não interrompido.

Como no quadro de Whistler que dá título ao livro, Adriana Lisboa elabora uma "poesia da visão", conferindo ao romance uma leveza poucas vezes encontrada na prosa brasileira das últimas décadas. Sem aderir a modismos estéticos de qualquer natureza, a autora vem moldando uma forma própria de escrever, numa prosa marcada pela habilidade de tratar de forma singela e sedutora temas tão complexos como o desejo, a interdição, a culpa. Com seu novo livro, a escritora reforça o que já se podia entrever no primeiro romance, Os fios da memória, tão bem recebido pela crítica: um estilo refinado, que se ergue nos detalhes, nas filigranas, nas rachaduras, poderosas e sutis, do cotidiano.

Fonte:
http://www.adrianalisboa.com.br/

Adriana Lisboa (Aventura)

Chuva de primavera —
Uma criança
Ensina o gato a dançar
.

Issa

No banco de trás do carro, meu filho dorme. Estacionamos em frente ao supermercado. Precisamos comprar para ele uma bola de futebol que não seja de couro, porque as de couro são muito pesadas. Na semana passada, vi no supermercado umas bolas de futebol coloridas. Multicoloridas. Roxo, amarelo, azul, acho que ele vai gostar.

Espero no carro pelo pai, que foi comprar a bola. Abro os vidros das janelas, entreabro as portas e espero. Ligo o rádio baixinho e um solo de oboé sublinha muito discreto o que vejo — as pessoas indo e vindo no estacionamento do supermercado, um azul domingo no céu. Carrinhos de compras cheios. Ouço uma frase num tom mais alto de voz, um tom aborrecido. Ouço uma gargalhada. À minha frente, na parede de pedra, as sombras deixam vazar um polígono de luz que vai sem pressa mudando de lugar.

Chegam os dois: o menino gordinho de camiseta cinza e a mulher que me parece muito jovem para ser mãe dele mas nunca se sabe. Ela sugere que se sentem um pouco para descansar, no muro baixo. Sentam-se. O menino gordinho está muito suado e fica brincando de olhar ao redor sempre com um olho fechado. Os dois sentam-se ali por cinco, dez minutos. Depois a mulher sugere, vamos?, e ele obedece em silêncio, ainda com um olho fechado e uma expressão gozada na boca, um meio-sorriso torto e desleixado.

O solo de oboé há muito já deu lugar a uma grande orquestra. Desligo o rádio e espero pela bola colorida de futebol. No banco de trás do carro, meu filho dorme.

Fonte:
Ruffato, Luiz (org.). 25 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 221.

Adriana Lisboa (1970)



A escritora brasileira Adriana Lisboa nasceu em 25 de abril de 1970 no Rio de Janeiro, onde passou a maior parte da vida. Morou na França e vive hoje entre o Rio e a cidade de Boulder, Colorado, nos Estados Unidos.

Estudou música e literatura, foi cantora, flautista e professora. Hoje, além de ficcionista, é também tradutora e às vezes poeta.

Publicou os romances Os fios da memória, Sinfonia em branco, Um beijo de colombina e Rakushisha, os minicontos de Caligrafias (todos pela Rocco), a novela O coração às vezes pára de bater (PubliFolha), os recontos de Contos populares japoneses e, para crianças, Língua de trapos (ambos pela Rocco). Integrou diversas antologias de contos no Brasil e no exterior. Seus livros foram publicados também em Portugal, na Itália e na Suécia, e estão sendo traduzidos na França e no México.

Recebeu o Prêmio José Saramago, em Portugal, e, no Brasil, o prêmio de autor revelação da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e o prêmio Moinho Santista (atual Fundação Bunge). Recebeu ainda bolsas de criação e tradução da Fundação Biblioteca Nacional, do Centre National du Livre (França) e da Fundação Japão. Foi selecionada pelo projeto Bogotá 39/Hay Festival, que apontou os 39 mais importantes autores latino-americanos até 39 anos na ocasião da eleição de Bogotá como capital mundial do livro pela Unesco, em 2007.

Entre outros autores, traduziu para o português Cormac McCarthy, Anne Tyler, Amy Bloom, Robert Louis Stevenson e Émile Faguet. É atualmente pesquisadora visitante junto à Universidade do Texas em Austin, mesma posição que manteve em 2007 junto à Universidade do Novo México.

Adriana Lisboa é representada pela Agência Literária Mertin, fundada por Ray-Güde Mertin e atualmente sob direção de Nicole Witt.

Fontes:
http://www.adrianalisboa.com.br/biografia/index.html

Lia Rosa Reuse (Leque de Poesias)


AMANHÃ

Hoje é o amanhã daquilo que era ontem :
realidade dos sonhos mais belos e santos,
a cor e o sabor do mais raro dos vinhos,
momento encantador de uma profunda prece !

Hoje é o amanhã daquilo que era ontem :
fracasso, sofrimento, a maior das saudades,
a desorientação com gosto e cor de sangue,
repentino mergulho na pior das misérias !

Amanhã será hoje dos sonhos presentes :
certamente da vida a mais preciosa tela
onde assobiaremos um claro refrão !

Reencontraremos a via dos tempos todos
na qual sempre estivemos sem portanto ver :
seremos afinal feliz cinza no ar !

Publicado na Antologia de Poemas Religiosos CHANTS D'ÉTOILES (CANTO DE ESTRELAS) de Rádio Aude Maguelone (Carcassonne) e l'Association Poésie Terpsichore (Meulan), Les Presses Littéraires, França, março 1999.
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SENSIBILIDADE

Eis-me aqui aborrecida questionando o infinito
em tudo, estando em casa sem minha família,
tendo ao ouvido só gritos da minha dor,
procurando no mundo ao menos um amigo.

Tendo perdido seres amados de minha vida:
meus pais, amigos e o poeta de um idílio,
sinto-me nesta terra apenas uma ilha
desejando partir para o bom paraíso !

Sumindo cada dia perdida no abandono,
só conservando dos momentos de alegria
uma gatinha preta que me lambe as lágrimas :

dos sonhos de um autor sendo a feliz senhora,
da existência eu espero mergulhada em silêncio
algo sensível, doce, à minh'alma poetisa.

(Publicado na revista n°61 "Mes Sages Poétiques" de Gil Roc laureado da Academia Francesa
Soisy-sous-Montmorency - França - Janeiro 1999)
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MEU VELHO

Brilhava assim o sol
no dia em que partiste
E o céu, azul igual,
ninava borboletas
E flores balançavam,
lentas,
dóceis...
Mas partias...
E de tua rica vida coerente,
sem grandezas vãs,
simples na enorme sensibilidade,
esquecida
por tantos que ensinaras,
ficava, cada instante maior,
no sonho de um jardim,
na história,
nos corações que conquistaras
pelo exemplo,
o pranto da incerteza na saudade.
Partias...
E, enquanto eu chorava
sem consolo,
Tu,
apenas tu,
adormecido no adeus,
nem sei ainda por quê:
Sorrias...
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Platão (Fedro)



Segundo Jorge Paleikat: O “Fedro” é um dos mais célebres e mais sugestivos diálogos de Platão. Já os escritores antigos, como Dionísio de Halicarnasso, assim o consideravam. No século passado [século XIX], um filósofo que era ao mesmo tempo um erudito, Frederico Schleiermacher, considerava “Fedro”, como o resumo da filosofia de Platão.

O mistério do amor fornece a este diálogo a sua intensidade dramática. E a maneira pela qual Platão examina esse tema eterno, faz de “Fedro” não somente uma profunda obra filosófica mas, ainda, uma magnífica obra-prima do pensamento humano.

O “Fedro” prolonga o “Banquete”, acrescentando maior nitidez a algumas questões que foram examinadas neste último diálogo. Dá ao pensamento de Platão maior precisão e desenvolve idéias do mais alto interesse no que se relaciona com o problema da cultura filosófica. É-se tentado a aceitar que o “Fedro” representa, na filosofia de Platão – e talvez mesmo na filosofia da Grécia – aquele “dia feliz de verão”, de que fala Wilamowitz. Resumindo o “Fédon”, o “Banquete” e a “República”, o “Fedro” é um dia radioso no alvorecer da filosofia. Nele se cruzam idéias expostas em outros diálogos, se anunciam, através de um névoa a que o sol dá um brilho particular, outros problemas fundamentais do pensamento humano.

Não se sabe bem quando foi composto este diálogo. Julgam os especialistas que foi redigido por volta do ano de 366 antes de Cristo. Mas, estas minúcias não são de tal importância diante do interesse que o diálogo apresenta por si mesmo.

Os interlocutores deste diálogo são dois: o velho e irônico Sócrates e o “jovem” entusiasta, Fedro. Mais jovem talvez pelo espírito do que propriamente pela idade. Duas outras figuras aparecem no diálogo, mas de uma maneira indireta: Lísias e Isócrates. O primeiro é um logógrafo, uma causídico ou mestre de retórica, meteco que teve uma certa fama em Atenas. Isócrates – amigo de Platão – é o orador grego, dotado de certo espírito filosófico, traço este que falta a Lísias.

Sumariando o diálogo, encontramos, logo de início, Fedro grandemente entusiasmado com um discurso que Lísias pronunciara. Encontrando-se com Sócrates, Fedro convida-o para ouvir o discurso de Lísias. Por amizade a Fedro e também porque é grande admirador de discursos, nos quais encontra sempre um pouco da expressão da alma dos homens, Sócrates acompanha Fedro até fora dos muros da cidade. Estendem-se os dois à sombra frondosa de um plátano e Fedro passa a ler o discurso de Lísias.

A primeira parte do diálogo é ocupada pela leitura do discurso descosido de Lísias. Fala-se aí do amor que é paixão e do amor sensatez. Mas, – Platão aí pôs, imitando talvez os retóricos a quem combatia, – o artificialismo próprio dos discursos dos “logógrafos”, isto é, nos quais não se encontra uma idéia justa, sugestiva e verdadeiramente fecunda, mas onde se podem perceber todas as regras da arte retórica.

Ao terminar a leitura do discurso que tanto o entusiasmara, repara Fedro na expressão irônica de Sócrates. Desafia-o, chega até a ameaçá-lo e obriga-o a retomar o mesmo assunto tratado por Lísias. Sócrates começa confessando que não encontrara, na “obra-prima” de Lísias, as qualidades necessárias a um discurso que fosse, ao mesmo tempo, belo e verdadeiro. Falta à retórica de Lísias inspiração e ele não possuía sabedoria. Sócrates retoma o tema que Lísias tratara e, apelando para as recordações do passado, sobretudo para o que ouvira, de Safo e de Anacreonte, passa a mostrar quais os efeitos do amor que é paixão, o amor que ele, – assim como Lísias havia considerado – crê ser um amor nocivo. Ao terminar o seu discurso, que tem mais brilho mas em que as idéias se assemelham muito às que Lísias utilizou, como que tomado de arrependimento por haver blafesmado contra um deus a quem todos prestam um fervoroso culto, entoa, como Estesícoro, uma palinódia ao Deus Amor, a fim de penitenciar-se. O amor não pode ser apenas uma fonte de maldade e maldições. O amor é também inspirador de ações sublimes. Inspirado pelo seu “demônio”, Sócrates estabelece as diversas formas de delírio que conduzem a ação do homem: o delírio profético, inspirado por Apolo e que se relaciona com os presságios; o delírio purificador, sob a inspiração de Dionísio (=Baco para os latinos) e que se liga aos mistérios da religião; o delírio poético, dádiva das Musas e, enfim, o delírio erótico ou amor filosófico, o mais nobre de todos e que se acha sob o poder de Eros, o deus do Amor. O grande motor das ações humanas é o amor. Ele também impele a cultura.

Toda forma de Delírio vem da alma e é necessário que o homem saiba amar, tendo conhecimento, ao mesmo tempo, da sua alma e da dos outros homens. Dir-se-ia mesmo que é mister que ele saiba amar aprendendo antes a conhecer a almas de todas as cousas. Mas qual é a natureza da alma? Difícil pesquisa essa a que tem procurado dar resposta as diversas psicologias e as mais diferentes sociologias! Ainda aqui para que possa dar uma noção aproximadamente exata do que é a natureza da alma, recorre Platão a uma imagem, ou melhor, a um mito: o do carro alado e seu cocheiro. Nessa imagem resume Platão a luta que a razão trava com a vontade e a concupiscência.

Todas as Almas, as dos deuses assim como as dos mortais, todas tentam alcançar o lugar que está para além do céu e onde residem as Verdades Eternas. As almas dos homens, antes de terem caído neste sepulcro que é o corpo, conseguiram vislumbrar – umas mais de perto, outras de maneira menos precisa – a Pureza, a Justiça, a Sabedoria. Decaíram, corromperam-se, encheram-se de vícios ao se ligarem com o corpo. Guardam todavia uma tênue recordação do que antes contemplaram e tendem, sempre, para aquela perfeição que um dia contemplaram. A existência atual da alma nunca perde de todo o seu contato com a existência supra-empírica.

O mito do carro alado, no qual o cocheiro é a razão e os corcéis a vontade e a concupiscência, é riquíssimo. Longo seria, numa simples introdução, indicar tudo aquilo que ele nos sugere e sobre o que nos leva a meditar. Aliás, a leitura desse trecho do diálogo há de sugerir, por certo, àqueles que são dotados de espírito filosófico, os diversos e profundos sentidos deste mito de Platão. Ver-se-á, nesse “momento” do “Fedro”, qual o pensamento de Platão acerca das relações entre a alma humana e a divindade; qual o destino da alma, condenada à queda, a viver ligada ao corpo, qual o sentido que toma o “idealismo”platônico no que diz respeito à hierarquia das almas…
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Uma inesgotável riqueza de pensamento acumula-se neste mito impregnado de poesia. Um mundo de idéias, que se foi dividindo e engendrando através dos séculos, novas formas de filosofias e de teologias, teve origem nesse momento da filosofia platônica.

A última parte do diálogo é dedicada ao exame de um tema que parece novo. De fato, porém, desde o início esse tema atava marcado. Desde o início do diálogo fala-se do discurso, da qualidade das composições retóricas. O diálogo ocupa-se, assim, na sua última parte, com a retórica. Qual a finalidade dessa arte em que Lísias parece ser o mestre? A sua finalidade consiste, sobretudo, em dirigir as almas e deve ter um sentido, - o da verdade e não o da verossimilhança. Não sendo assim, a retórica não é uma psicagogia mas uma arte tenebrosa, grosseira e condenável que serve apenas para ludibriar. Todos aqueles que, mediante os artifícios do discurso ou as manhas da palavra enganam os homens, lançando-os na confusão do Justo e do Injusto, são vis e medíocres “logógrafos”, reles rábulas que apenas merecem o mais profundo desprezo dos sábios.

Assim, ao ver o velho Sócrates, a retórica verdadeira se reduz à arte do pensamento, à dialética. E esta nada tem de comum com as regras artificiais do h;abeis e espertos mestres de retórica como os Tísias ou os Trasímacos. A condição essencial da verdadeira retórica, da eloqüência é o saber. Não é o miserável ofício de mistificador da palavra, nem a arte sorrateira do falso escritor. O divino poder da direção das almas é o caminho vivo, claro, distinto e harmonioso da Verdade.

Fontes:
Anatoli Oliynik.
http://blog.anatolli.com.br/
Capa do Livro = Editora Martin Claret.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Mário Prata (Filho é Bom, Mas Dura Muito)


— Aproveita agora, porque, depois que o seu filho nascer você nunca mais vai ter sossego na vida. Você nunca mais vai dormir.

— Aproveita agora, que ele ainda não tem cólicas noturnas e ainda mama nas horas certas, porque depois a sua vida se transformará num verdadeiro inferno noturno.

— Aproveita agora, que os dentinhos dele não começaram a nascer e, quando isso acontecer não vai ter Nenedent que acalme nem ele nem você.

— Aproveita agora, enquanto ele não engatinha, porque, quando começar a arrasar a casa e a derrubar cadeiras e bibelôs e lustres e a comer jornal, só vai dar dor de cabeça.

— Aproveita agora, antes que ele comece a andar. Aí acaba o sossego. É o perigo de ele bater a cabeça nas quinas das mesas, cair e meter a boca no chão, puxar panela no fogão. É um transtorno, filho andando. Ele correndo pela casa e você atrás.

— Aproveita agora, enquanto ele ainda não está na fase do "Por quê?", porque depois você não vai conseguir ler nem jornal nem livro e nem ver televisão. E vai ter que explicar sempre o inexplicável.

— Aproveita agora, que ele ainda não sabe ler e pedir o que quiser no restaurante. A única vantagem é você não precisar ficar traduzindo os filmes para ele.

— Aproveita agora, enquanto você programa as férias dele e ele ainda não ouviu falar no Disneyworld, porque você vai ter que pegar filas de duas horas e enfrentar montanhas-russas no escuro.

— Aproveita agora, que ele ainda não é tarado por música, porque, quando ele resolver ouvir "música" na sua casa — com ou sem os amigos —, até os vizinhos mais simpáticos irão reclamar. E não pense que ele vai tocar aquelas músicas do seu tempo, não.

— Aproveita agora, que ele ainda não entrou na adolescência. Pois, quando entrar, você nunca mais vai ter sossego, nunca mais vai dormir Não se esqueça da íntima relação entre a palavra adolescência e adoecer. Não ele, mas, sim, você.

— Aproveita agora, que ele ainda não está nem fumando maconha e nem acabando com o seu uísque e aquela cervejinha que você tinha certeza que estava na geladeira te esperando do trabalho.

— Aproveita agora, que ele ainda não está andando em más companhias, porque você vai ter que aturar figuras saídas sabe-se lá de onde, com cabelos, brincos e tatuagens que você jamais poderia imaginar um dia conviver.

— Aproveita agora, que ele ainda não tomou nenhuma bomba e você ainda acha que ele é tudo que você sonhou, porque, quando ele repetir de ano, você fará — para você mesmo — a eterna pergunta: "Meu Deus, onde foi que eu errei?".

— Aproveita agora, que ele ainda não decidiu que faculdade cursar porque a escolha dele não vai nunca coincidir com os planos que você fazia para ele, quando ele ainda engatinhava.

— Aproveita agora, que ele ainda não entrou na faculdade, porque, quando entrar, vai pedir um carro para ele ou usar o seu.

— Aproveita agora, que ele ainda avisa quando vai dormir fora de casa, e você pode dormir sossegado e não pensar em ligações desagradáveis para a polícia, o hospital e, o pior de tudo, para o IML.

— Aproveita agora, que ele ainda não se casou, porque, depois, ele nunca mais vai te visitar a não ser para pedir dinheiro emprestado.

— Aproveita agora, enquanto ele ainda não tem filhos, porque, quando tiver, é você quem vai tomar conta deles nos fins de semana. Seu sossego chegará ao fim, logo agora que você se aposentou.

— Aproveita agora, que ele ainda não se separou da primeira esposa, pois, quando isso acontecer, ele virá morar novamente na sua casa.

— Aproveita agora, que ele ainda te ajuda com um dinheirinho, porque a sua aposentadoria não dá para nada, pois a segunda mulher dele vai ser contra a ajuda.

— Aproveita agora, porque ele está pensando em te colocar num asilo de velhinhos.

Fonte:
100 Crônicas de Mário Prata. São Paulo: Cartaz Editorial, 1997. p. 15.

Mário Prata (Impossível não escrever esta clônica)


Eu juro que eu não pretendia escrever sobre o clone. Todo mundo já escreveu. Até o João Paulo II (seria clone do João Paulo I?) já colocou suas manguinhas de fora.

De tudo que li, a que mais me chamou a atenção foi a do sempre bom Luis Fernando Verissimo. Ele levantou (literalmente) no Globo a questão dos nossos ínfimos espermatozóides. Qual será a utilidade deles no futuro, pô? Clona e pronto, pô! Não vão mais existir depósitos de esperma, mas, sim, de células. Da mão do Oscar, da inteligência do Darcy, das pernas da Raia, dos pés do Ronaldinho e assim por diante.

Também não sei por que tanto alarde mundial se, aqui mesmo no Brasil, o Congresso Nacional aprovou (em dois turnos) a reclonagem do nosso simpático presidente.

Depois de ler, estupefato, em todos os jornais brasileiros que os americanos (eles nunca ficam atrás) já fizeram dois macacos clonados. Ou seja, segundo a evolução das espécies do Darwin, estamos quase lá. Se macaco pode, o homo sapiens também, não é Charles?

E no mesmo dia, aqui mesmo no Estadão, leio (ainda estupefato) que o nosso querido Brasil poderá produzir alimentos por clonagem. E prova-se por a mais b que isso já está sendo feito. E os especialistas afirmam que as modificações genéticas tornam plantas mais resistentes a pragas.

E o homem clonado, também será mais resistente à, digamos, Aids? Fica a pergunta. E fazer clones de apenas alguns órgãos, vai poder? Por exemplo: tirar a célula de um olho bom e colocar num cego. Clonar uma perna num paralítico, vai poder? E um novo pênis bem clonado e ornado, quem é que não vai querer? Você poderá até escolher a cor do doador em uma célula penicular.

Mas eu fico pensando no clone do Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, que vem vencendo nas pesquisas de clonagens nacionais. Claro que vai nascer um sujeito igual a ele. Mas, para chegar a presidente, ele terá que ser exilado (para isso vamos ter outra revolução de clones militares?), morar no Chile e na França? Encontrará uma mulher tão sábia como a doutora Ruth? Terá os mesmos simpáticos filhos Paulo Henrique, Luciana e Bia? Encontrará um Lula para disputar uma eleição? São dúvidas que eu não sei responder.

E você, como é que agirá com o seu próprio clone? Vai evitar que ele faça as besteiras que você fez quando era criança ou adolescente? O clone do Pelé teria que começar passando fome em Três Corações para virar o Atleta do Século 21? Penso nisto tudo e não sei as respostas.

Como disse o Mateus Shirts, ovelha sempre pareceu tudo igual, não é surpresa nenhuma a Hello Dolly se parecer com ela mesma. Igual clone de japonês. Vai sair tudo igual, sorrindo daquele jeitinho clonado.

Não adianta clonar o Romário. Todos serão baixinhos, andarão daquele jeito e vão querer viajar nas janelas dos aviões. Vai sair briga de foice. Entre eles.

Já o meu querido amigo Eduardo Suplicy já está numa de clones há muitos anos. O Suplicy, podem reparar, não é apenas um. E, no mínimo, três. Numa mesma edição de um jornal, ele aparece em Brasília, São Paulo, Rio e ainda acorda no Pontal. E ainda escreve cartas e artigos para todos os jornais do Brasil. Eu não tenho dúvidas. O Suplicy é clonado. Acho que a Marta, minha companheira numa peça de teatro, também não é apenas uma. No caso dos dois, felizmente, o Brasil agradece.

Fico imaginando o meu clone. Magrinho, dentuço. Não sei ainda como vou chamá-lo. De filhinho, vem cá? Mas cadê o espermatozóide, pô?, perguntaria o Veríssimo. De irmão? Mas meu clone (vamos chamá-lo de Pratinha) não é filho da minha mãe. Como seria a carteira de identidade dele? Nome do pai e da mãe? Teria o meu RG e CIC? Poderia falsificar a minha assinatura? Teria um Antonio e uma Maria? Estaria escrevendo clônicas no Estadão?

Meu Deus, meu Deus, diria o clone do Castro Alves, onde estás que não respondes? Em que mundo, em que estrela tu te escondes, embuçado nos céus?

Pense bem: Jesus teria sido clone de Deus? Afinal, dizem, foi feito à sua imagem e semelhança. Creio que sim, pois, segundo reza a lenda, ele teria nascido sem o espermatozóide do pai José, mais preocupado em clonagens de marcenaria.

Onde estamos, senhor Deus, que não respondes?

É melhor se clonar de novo que a humanidade está precisando de outro Redentor. Desta vez, a gente não deixa a polícia matar ele, não.

Fonte:
100 crônicas de Mario Prata. São Paulo: Cartaz Editorial, 1997. p.69.

Mário Prata (1946)


Mario Alberto Campos de Morais Prata é natural de Uberaba (MG), onde nasceu no dia 11 de fevereiro de 1946. Foi criado em Lins, interior de São Paulo. Com 10 anos de idade já escrevia "numa velha Remington no laboratório de meu pai (...) crônicas horríveis, geralmente pregando a liberdade e duvidando da existência de Deus". Nesse período de sua vida era o redator do jornalzinho de sua classe na escola. Sendo vizinho de frente do jornal A Gazeta de Lins, com 14 anos começou a escrever a coluna social com o pseudônimo de Franco Abbiazzi. Passou, com o tempo, a fazer de tudo no jornal, desde editoriais a reportagens esportivas e artigos de peso. O escritor Sérgio Antunes, seu amigo nessa época, disse que Mário era um molecote de "voz de taquara rachada e aparelho nos dentes ".

Além de escrever Mário se dedicava ao tênis e, defendendo o Clube Atlético Linense, acabou sendo o campeão noroestino infantil na década de 60. Lia tudo o que lhe caia nas mãos, em especial as famosas revistas da época "O Cruzeiro" e "Manchete", que traziam em suas páginas os melhores cronistas da época como Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Henrique Pongetti, Rubem Braga, Millôr Fernandes e Stanislaw Ponte Preta, uma vez que em Lins, naquela época, "não chegavam os grandes clássicos", como disse o autor. Daí a forte influência que os citados cronistas tiveram em seu estilo.

Aos 16 anos recebe um convite de Roberto Filipelli, que foi depois diretor da Globo em Londres, para fazer com ele o "Jornal do Lar ". Samuel Wainer, vislumbrando seu grande talento, levou-o, nessa época, para escrever no jornal "Última Hora". Mário comenta: "Meus pais chamavam aquilo que eu escrevia de bobageiras e me previam um péssimo futuro. Medicina, Engenharia, Direito ou Banco do Brasil (eles queriam). E nada de estudar filosofia ou letras: coisa de veado". O autor acabou trabalhando 8 anos no Banco do Brasil, a exemplo de Jaguar e Stanislaw Ponte Preta — dentre outros, como auxiliar de escrita.

Na década de 60, em plena revolução, inicia o curso de Economia na U.S.P. Desse tempo relembra: "a gente se orgulhava: a gente era comunista! (...) um dia o DOPS chegou lá e levou a gente. Todo mundo preso, orgulhoso ". Apesar da opinião contrária dos familiares e dos amigos, e movido pela vontade cada vez maior de ser escritor, resolveu pedir demissão do Banco do Brasil e abandonar a faculdade de Economia.

A partir de então vem obtendo sucesso com inúmeros livros, novelas, peças, roteiros, etc., tendo sido agraciado com diversos prêmios nacionais e internacionais.

Sua estadia em Portugal, onde morou por 2 anos, deu origem a um de seus grandes sucessos no Brasil, o livro Schifaizfavoire — um tipo de dicionário do português falado pelos portugueses. Lá, nesse período, realizou diversos trabalhos para a RTP (Rádio e Televisão Portuguesa). Atualmente mora em São Paulo e diz que gosta de escrever de manhã e "careta", uma herança adquirida nos tempos em que trabalhou no Banco do Brasil.

Escreveu, semanalmente, na revista "Época" e no jornal "O Estado de São Paulo" por vários anos.

LITERATURA ADULTA

O MORTO QUE MORREU DE RIR - 1969
PRETO NO BRANCO - 1978, coletânea de contos cariocas, com vários autores.
FÁBRICA DE CHOCOLATES - 1980
CONTOS PIRANDELLIANOS - 1984, com vários autores.
RITOS DA INFÂNCIA - 1985, texto de vários autores,
BESAME MUCHO -1987, texto da peça e do roteiro cinematográfico, em parceria com Ramalho Jr.
SCHIFAIZFAVOIRE, DICIONÁRIO DE PORTUGUÊS - 1993
JAMES LINS, O PLAYBOY QUE NÃO DEU CERTO - 1994
FILHO É BOM, MAS DURA MUITO, 1995
MAS SERÁ O BENEDITO?, 1996
O DIÁRIO DE UM MAGRO, 1997
100 CRÔNICAS, 1997, crônicas
MINHAS VIDAS PASSADAS (A LIMPO),1998
MINHAS MULHERES E MEUS HOMENS, 1999
OS ANJOS DE BADARÓ, 2000
MINHAS TUDO, 2001
BUSCANDO O SEU MINDINHO, 2002
PALMEIRAS: UM CASO DE AMOR, 2002
DIÁRIO DE UM MAGRO 2 - A VOLTA AO SPA
CEM MELHORES CRÔNICAS, 2007

LITERATURA INFANTO-JUVENIL

CHAPEUZINHO VERMELHO DE RAIVA - 1970
O HOMEM QUE SOLTAVA PUM - 1983
SEXTA-FEIRA, DE NOITE - 1984
A VIAGEM DE MEMOH - 1987
AS MENINAS DE VINTE ANOS - 1989
E O ZÉ REINALDO, CONTINUA NADANDO? 1989
QUADRILHA - 1990
LOVE STORY - 1990
TA ME OUVINDO, FREI VICENTE? - 1990
VESTIBULANDO - 1990
Nota: os seis últimos títulos fazem parte dos seis volumes da coleção QUEM CONTA UM CONTO, organizada por Samir Meserani, adotada em várias escolas públicas e privadas no Brasil.

TELEVISÃO

BANG BANG - 1989, projeto de novela
ELA TEM UMA PULGA ATRÁS DA ORELHA - 1974, Caso Verdade. Rede Globo.
ESTÚPIDO CUPIDO - 1976, novela, Rede Globo
SEM LENÇO, SEM DOCUMENTO - 1978, novela, Rede Globo
XICO REY - 1978, minissérie em 13 capítulos para o Canal 1, ARD da Alemanha Ocidental
DINHEIRO VIVO - 1979, novela, Rede Tupi
O RESTO É SILÊNCIO - 1981, tele-romance, baseado em Érico Veríssimo, TV Cultura.
O VENTO DO MAR ABERTO - 1981, tele-romance baseado em Geraldo Santos, TV Cultura.
MÚSICA AO LONGE - 1982, tele-romance baseado em Érico Veríssimo, TV Cultura.
O HOMEM DO DISCO VOADOR - 1983, Caso Verdade, Rede Globo
DEVOLVAM MEU FILHO - 1983, Caso Verdade, Rede Globo
AVENIDA PAULISTA - 1983, minissérie em 20 capítulos. Rede Globo.
A MÁFIA NO BRASIL - 1984, minissérie em 20 capítulos com vários co-autores, Rede Globo
UM SONHO A MAIS - 1986, novela em co-autoria com Lauro César Muniz e Dagomir Marquesi, Rede Globo
HELENA - 1987, novela em co-autoria com Dagomir Marquesi e Reinaldo Moraes, Rede Manchete. Exibida em Portugal e Alemanha Ocidental
O TESTAMENTO DO SENHOR NAPOMUCENO DA SILVA ARAÚJO - 1991, minissérie em cinco capítulos, baseada no romance do caboverdeano Germano Almeida, para a televisão portuguesa.
HOTEL EUROPA - 1991, projeto de seriado para Herman José, em Portugal.
VIVA A VIDA - 1991/2, assessoria de teledramaturgia para programa da RTP Internacional, de Portugal, para os Palop.
UM SÉCULO E SETE MULHERES - 1992, inspirada na "Trilogia do Café" de Álvaro Guerra, em 13 capítulos, para a RTP, de Portugal.
O CAMPEÃO, 1996, novela para a Rede Bandeirantes, produzida pela TVPlus.
BANG BANG - 2005, novela para a TV Globo.

TEATRO

O CORDÃO UMBILICAL - 1970
E SE A GENTE GANHAR A GUERRA? - 1971, em São Paulo
FÁBRICA DE CHOCOLATES - 1979, em São Paulo
DONA BEJA - 1980, em Belo Horizonte
BESAME MUCHO - 1982
SALTO ALTO - 1983
PURGATÓRIO, UMA COMÉDIA DIVINA - 1984
PAPAI & MAMÃE, CONVERSANDO SOBRE SEXO - Em parceria com Marta Suplicy em 1984
O CAMINHO DA ROÇA - 1990, inédita.
PILATOS: VIDA E OBRA - 1991, adaptação livre do livro homônimo de Carlos Heitor Cony. Inédita.
EU FALO O QUE ELAS QUEREM OUVIR - 2001

CINEMA

O JOGO DA VIDA E DA MORTE - 1971, diálogos
XICO REY - 1978
BESAME MUCHO - 1987
BANANA SPLIT - 1987, roteiro
O BEIJO 2348/72 - 1987
O TESTAMENTO DO SENHOR NAPUMOCENO DA SILVA ARAÚJO - 1991, baseado no romance do caboverdiano Germano Almeida, para a Opus Filmes de Portugal

JORNALISMO

A GAZETA DE LINS (colunista social, aos 14 anos; redator; editor)
ULTIMA HORA (repórter, redator, editor do UH Revista, com Samuel Wainer)
FOLHA DE S. PAULO (colaborador, cronista, repórter)
O PASQUIM (colaborador entre 72 e 73)
ISTOÉ (resenhista de literatura)
AQUI, SÃO PAULO (colaborador)
JORNAL DA TARDE, cronista, articulista, contista.
O ESTADO DE S. PAULO, cronista, articulista e autor da minissérie "James Lins", publicada em capítulos, entre novembro de 93 e fevereiro de 94)
PLAYBOY, HOMEM, LUI, STATUS, SAQUE, AZ, ÍCARO, CRIATIVA, PLACAR, MOTORSHOW, CAROS AMIGOS (artigos e contos).
ÉPOCA (cronista)

VÍDEO-FICÇÃO

ASSALTO -1987
E O ZÉ REINALDO, CONTINUA NADANDO? -1989. Exibido em Cuba, Nova Iorque, Milão, Amsterdã, Paris.
OS DOIS. 1990
SEXTA-FEIRA, DE NOITE. 1994

Fontes:
http://www.releituras.com/
Imagem = http://veja.abril.com.br/

Academia Caxiense de Letras


A Academia Caxiense de Letras foi fundada em primeiro de junho de 1962 sob as luzes do lema "CULTURA, FACHO INEXTINGUÍVEL". Em todos esses anos de existência sempre trilhou, não sem dificuldades, os caminhos iluminados pela estrela da cultura.

Abaixo, alguns de seus membros e seus trabalhos.
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Irma Buffon Zambelli

Nasceu em São Marcos / RS , filha de Adamo Nicola Buffon e Isolina Garbin Buffon. É licenciada em Geografia e História com Especialização em Folclore.Realizou inúmeros cursos na área de educação,literatura e artes.É autora das obras :A Arte nos Primórdios de Caxias do Sul, A Retrospectiva da Arte ao Longo de Um Século e Os Filhos da Arte.Participou de várias Antologias poéticas e contos com premiações como Menção Honrosa do Instituto Veneto per i Raporti con i paesi Dell América Latina El Leon de San Marco, diplomas e medalhas da Revista Brasília , Menções de outras entidades literárias e jornalísticas.Recebeu o troféu "Filhos de Migrantes" instituído pela Prefeitura Municipal de São Marcos e Capela Santo Isidoro. É membro da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil e outras entidades.

O HOMEM SÁBIO
Só, sobre a ribanceira de um rio,
O homem sábio faz de seu mundo uma pausa.
E então contempla as alimarias dos bosques esquecidos.
Argumenta junto às sentinelas adormecidas
Para reviver em discursos brilhantes sua trajetória de vida.
Contudo, permanecem os enigmas.
Seu espaço alonga-se ao infinito.
Inconstante, interpreta as fórmulas e princípios
Interroga-se sobre as leis e as crenças
E adverte sobre o horizonte perdido
Na busca da verdade que selou seu destino.

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Lia Rosa Reuse

Nasceu em primeiro de março na cidade de Caxias do Sul / RS., filha de José Albino Reuse - Agente e Tesoureiro dos Correios e Telégrafos durante muitos anos e Verginia Botini Reuse, Auxiliar de Tesouraria, pelo que morou grande parte da sua vida no respectivo prédio, sendo conhecida como "A Menina dos Correios" Foi professora de Francês na Aliança Francesa , de várias matérias em escolas estaduais e particulares; responsável pelas provas vestibulares de Francês da Universidade de Caxias do Sul onde o lecionou no Curso de Letras e de Filosofia do Direito no Curso de Ciências Jurídicas. Conquistou os seguintes diplomas de estudos superiores : Língua e Literatura Francesas - Universidade de Nancy - França ; Letras-Francês, Ciências Jurídicas e Sociais, Filosofia, Psicologia. Fez estudos nas áreas de Música, Jornalismo, Especialização em Filosofia e Teologia. Foi redatora do espaço da Ordem dos Advogados do Brasil no jornal Pioneiro, produtora da revista bilíngue ( Francês/Português ) LeReLeR nos dois anos e meio em que circulou, tem textos literários publicados em revistas, jornais e antologias no Brasil e no exterior. É autora da obra A ESTRELA DE DANIEL, lançada em 1997, dos romances PRINCESINHA DA CASA VERDE, lançado em 2006, e A MENINA DOS CORREIOS; de NINHO DE ANJOS/ poesias, em 2008, e dos seguintes livros bilingues ( de sonetos em Francês traduzidos para o Português pela autora): PÉTALES DE LUMIÈRE-PÉTALAS DE LUZ, MON CORPS-UNE PENSÉE - MEU CORPO- UM AMOR PERFEITO , CHANT DE SIRÉNE AU BORD DU FANTASTIQUE - CANTO DE SEREIA Á BEIRA DO FANTÁSTICO. Em 1997 estabeleceu o primeiro contato com a ACL participando de seu I Concurso Literário com a crônica "Os Girassóis de São Pelegrino" que se classificou em 1º lugar.

COMO SEMPRE PRA SEMPRE.

Meu adeus sobrevoa um canteiro de pássaros
e saio ternamente dos fachos dos faróis
de que se vale o céu pra indicar-me a chegada
junto aos meus exalando perfumes do nevoeiro.

Sinto a felicidade dos espíritos ébrios
festejando o apogeu dos momentos bizarros
onde as macias carnes da terra preparam
a doçura de um leito de nuvens ao acaso.

Minhas pombas, meus peixes, coelhos e canários
deslizam-me nas mãos úmidas dos serenos
misteriosos desta viagem sem mala.

Meus gatos meus cães, meus amores, meus pais
flutuando ao redor recebem-me contentes:
desde sempre estivemos juntos nesta paz.

Do livro "Pétalas de Luz»

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Marlene Caon Pieruccini

Nasceu em Vacaria / RS, em 23 de abril, filha de Jordão Bruno Caon e de Norma Zanoto Caon. Desde criança demonstrou sua paixão pela leitura e pela escrita literária. Formada em Filosofia, possui o grau de Especialista em História da América Latina.Está presente em várias antologias, como "Grandes Escritores do Cone Sul", 1ª e 2ª edições (Litteris Editora, Rio de Janeiro).
Faz parte da Coleção "Poetas de Orpheu", volume 4, edição bilíngüe, português e espanhol.

EMANUEL

Em busca de um retorno, caminho.
Piso em memórias mil.
Ferem-me os espinhos da vida,
que há muito aprendi sem volta.

Diante dos meus passos,
o espaço espera a conquista.
Vazia, a caminhada cansa.
Na esperança do encontro paro.

Vou para dentro de mim.
A alma, com saudade, chora
na lembrança da sua ida.
Escuto no âmago aquelas notas musicais
que nunca escreveu
(e que jamais escreverá).

Espalha-se o som no tempo da vida,
indiferente com a pressa
com que você me deixou.
No silêncio da solidão,
sua guitarra
toca a sonata do adeus...

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Maria Dalva Chagas Ribeiro

É professora estadual aposentada.

A Academia solicitou
algo sobre minha vida
e também sobre meus versos,
coisa assim bem resumida :
Sou Maria Dalva
por nome de nascimento,
Alves-Chagas-pai e mãe,
Ribeiro por casamento.
Minha terra fica ao Sul
e mora em meu coração
pois nasci lá na fronteira,
cidade de Jaguarão.
Sempre me utilizei do verso
pra suprir qualquer seqüela.
O verso é um vaso de flor
que o povo põe na janela.
Também expresso por verso
o choro por qualquer dor,
ou então algumas vezes
pra cantar verso de amor. ( como estes : )
Em versos ontem voltei
à cidade em que morei.
Onde está o meu passado
e o futuro que sonhei ?
Onde está o antigo pátio,
meu pedacinho de chão ?
onde está meu velho quarto,
parceiro da solidão ?
Há os que falam de esperança:
...Se vieres,afastarei as folhas de outono para divisar-te
Se vieres...

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Luiz Damo

Nasceu em Casca / RS. Reside em Caxias do Sul. Participa de antologias e concursos literários, entre os quais: 1°, 3° e 4° Antologia Caxiense de Poetas, Momento Literário, vol.II, Afubespoesia,vol. I, II e III, XI e XII Antologia de Poetas e Escritores do Brasil, vol. XXVIII e XXXI, Enciclopédia Literária Brasileira Contemporânea, vol. VIII, Rio Grande Trovador I, II e III, Antologia Del Secchi, vol. IV, V, VII, VIII, IX, X e XI, Dicionário Bibliográfico de Escritores Brasileiros Contemporâneos, A Trova Literária em Caxias do Sul, Enciclopédia Literária Escritores do Ano 2000, Antologia I Concurso Grandes Nomes da Nova Literatura Brasileira, Antologia Literária Dias Reis, Antologia Literária da Unipar, vol.I e II, Antologia Literária Palavras de Amor. Participou também de concursos de fotografia.

Toda vez que retornamos
ao lugar onde nascemos,
quase sempre constatamos
que também envelhecemos.
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Maria Cardoso Zurlo

Nasceu em cinco de maio, como sua mãe em Capela do Lajeado, atual Cazuza Ferreira, terceiro distrito de São Francisco de Paula / RS, filha de Bernardino Osório Cardoso e Olívia Telles de Souza. Foi professora primária, alfabetizadora de adultos, atendente de enfermagem. Escreve, sobretudo, trovas. Participou de antologias e publicações em jornais. Abaixo, trechos de Piazito Inventor,de sua autoria :

Carrego sempre comigo
raízes do meu rincão,
do velho moinho antigo,
das farofas de pilão !

Cruzava ao lado das casas
um braço do rio Tomé !
Os gansos abriam asas
para saudar o aguapé...

Minha tropa guarnecia
como perfeitas manadas
zelando de noite e dia,
do corisco e das geadas...

Bela tropa , miniatura
dos meus sonhos de esperança !
Só restou mesmo a ternura
Do meu tempo de criança...

Infância com alegria,
felicidade no lar,
orelhando a nostalgia,
fiz do meu pago um altar !
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Maria Helena Binelli Catan

Nasceu em Pelotas / RS, filha de Mario Binelli e Aurora M.Binelli. É médica formada pela Faculdade Nacional de Medicina, Rio de Janeiro, em 1957. É filiada à Associação Internacional de Lions Clubes ; União Brasileira de Trovadores, Seção Caxias do Sul .Publicou : Luz Difusa : poemas, Trovas nas antologias Rio Grande Trovador II, Rio Grande Trovador III, A Trova Literária em Caxias do Sul.

POESIA

Tem dia que amanheço aborrecida
procuro uma razão e não encontro
queria ter motivos de alegria
mas todos são perdidos nesse instante.

Olho o tempo e sinto que faz chuva
embora brilhe o sol forte, lá fora
nas cores cinza e negra me abandono
é dia, é noite, não preciso a hora.

Um vazio intenso me atordoa
morri ? estou morrendo agora ?
não consigo pensar nesse momento
que outro , outro virá com sua história.

Lua ? Estrela ? onde estão agora ?
Não sei, eu não consigo vê-las
é dia, é noite ? qual será a hora ?
Que o dia termine e outro aconteça.
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Maria Madalena Dal Zotto Pante Fazoli

Nasceu em 26 de outubro na cidade de Caxias do Sul / RS, filha de Silvio Dal Zotto e Maria Manfron Dal Zotto. É conhecida como Helena Pante. Foi rádio-atriz nas novelas da Rádio Caxias. Durante 27 anos trabalhou como estilista nas Confecções Marisa.Também na Rádio Caxias fazia um programa sentimental denominado "Ao Cair da Tarde". Publicou poemas nos jornais Pioneiro e Correio do Povo durante vários anos e três livros de poesias: Chuva de Meus Olhos, Momentos, Sempre Amor (3 edições). Trabalhou como atriz em peças teatrais.

SE O AMOR CHEGAR

Se um dia o amor chegar em tua porta,
Acolhe-o sorrindo, sem perguntar-lhe nada.
Vive e ama, o resto pouco importa,

Desfruta apenas o prazer de ser amada.
Oferta teu carinho, sem nada pedir,
Faze de tua vida,ternura e emoção,

O que importa é poder sentir,
Que alguém ocupa teu coração.
E dando amor em troca de outro amor,

Irás sorrindo mesmo sem querer,
Colhendo a vida em cada flor,
Tu sentirás a glória de viver.
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Fonte:
http://paginas.terra.com.br/arte/reuse/

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Comemoração dos 100 anos das Casas Pernambucanas em Itú

ITU - No próximo domingo, 16 de novembro, haverá um evento na Praça do Carmo em comemoração aos 100 anos das Casas Pernambucanas. A previsão para início das festividades é às 8h30 com um Passeio Ciclístico e o encerramento às 16h30 com um show de música sertaneja. Serão diversas atividades: shows musicais, dança, brinquedos, pintura de rosto, tatuagens e um Cantinho da Leitura promovido em parceria entre a Pernambucanas, Biblioteca Comunitária Prof. Waldir de Souza Lima e Hip Hop em Ação.

Para Viola BN, coordenador do Hip Hop em Ação, a união do Hip Hop com a educação é essencial no desenvolvimento da criança e do adolescente. "Fizemos questão que a Biblioteca Comunitária estivesse presente no evento, assim teremos várias opções de lazer, entretenimento e cultura, todas no mesmo local". José Renato Galvão, da Biblioteca Comunitária, complementa: "As crianças, jovens e adultos terão um domingo diferente na Praça do Carmo; poderão passear, brincar e usufruir de parte do acervo da biblioteca que estará a disposição de todos: livros, revistas, gibis e fanzines".

100 anos de uma história bem brasileira

Em 1855, Herman Theodor Lundgren desembarca no Brasil, vindo da Suécia. Estabeleceu-se em Pernambuco como corretor e agente de navios. Empreendedor obstinado, dedicava-se à importação e exportação de produtos como cera de carnaúba, sal e peles de animais. Em 1866, Herman funda em Pernambuco a Fábrica de Pólvora S/A Pernambuco Powder Factory. Em 1904, compra a Companhia de Tecidos Paulista e entra na indústria têxtil. Em 1908, é aberta a primeira Casas Pernambucanas.

Os anos foram passando, o Brasil passou por várias transformações e a Pernambucanas continuou a imprimir sua marca por onde passou, com ações administrativas e comerciais inovadoras, marketing atuante com o surgimento de novas mídias, ousadia na inclusão de novos negócios e inauguração de dezenas de novas lojas. Atualmente são 283 pontos de venda distribuídos em sete estados brasileiros. Hoje, pode-se dizer que, desde a sua fundação, a Pernambucanas anda de mãos dadas com o desenvolvimento econômico nacional e faz parte da história recente do país.

Fontes:
Texto e fotos de José Renato M. Galvão, presidente da Biblioteca Comunitária Prof. Waldir de Souza Lima. (por e-mail)
Imagens = http://br.geocities.com/ (anúncios antigos)
http:// http://www.ecin.com.br/

Graciliano Ramos (O relógio do hospital)

Pintura de Salvador Dali
O médico, paciente como se falasse a uma criança, engana-me asseverando que permanecerei aqui duas semanas. Recebo a notícia com indiferença. Tenho a certeza de que viverei pouco, mas o pavor da morte já não existe. Olho o corpo magro estirado no colchão duro e parece-me que os ossos agudos, os músculos frouxos e reduzidos, não me pertencem.

Nenhum pudor. Alguém me estendeu uma coberta sobre a nudez.

Como é grande o calor, descobri-me, embora estivessem muitas pessoas na sala. E não me envergonhei quando a enfermeira me ensaboou e raspou os pêlos do ventre.

Ao deitar-me na padiola, deixei os chinelos junto da cama; ao voltar da sala de operações, não os vi.

O médico se dirige em linguagem técnica a uma mulher nova, e ela me examina friamente, como se eu fosse um pouco de substância inerte, diz que os meus sofrimentos vão ser grandes.

Por enquanto estou apenas atordoado. Aquela complicação, tinir de ferros, máscaras curvadas sobre a mesa, o cheiro dos desinfetantes, mãos enluvadas e rápidas, as minhas pernas imóveis, um traço na pele escura de iodo, nuvens de algodão, tudo me dança na cabeça. Não julguei que a incisão tivesse sido profunda. Uma reta na superfície. Considerava-me quase defunto, mas no começo da operação esta idéia foi substituída por lembranças da aula primária. Um aluno riscava figuras geométricas no quadro-negro.

Morto da barriga para baixo. O resto do corpo iria morrer também, no dia seguinte descansaria no mármore do necrotério, seria esquartejado, serrado.

Fechei os olhos, tentei sacudir a cabeça presa. Uma cara me perseguia, cara terrível que surgira pouco antes, na enfermaria dos indigentes. Eu ia na padiola, os serventes tinham parado junto a uma porta aberta - a grade alvacenta aparecera, feita de tiras de esparadrapo, e, por detrás da grade, manchas amarelas, um nariz purulento, o buraco negro de uma boca, buracos negros de órbitas vazias. Esse tabuleiro de xadrez não me deixava, era mais horrível que as visões ferozes do longo delírio.

O trabalho dos médicos iria prolongar-se, cacete, meses e meses, ou findaria vinte e quatro horas depois, no necrotério? Cortado em pedaços, uma salmoura esbranquiçada cheirando a formol, o atestado de óbito redigido à pressa, um cirurgião de mangas arregaçadas lavando as mãos, extraordinariamente distante de mim.

Agora espero os sofrimentos anunciados. Um gemido fanhoso de relógio fere-me os ouvidos e fica vibrando. Insensível, olho as pernas compridas, a dobra que entre elas se forma na coberta. Outras pancadas vaga rosas tremem, abafando os cochichos que fervilham na sala. Parece-me virem juntas à primeira: a meia hora decorrida perdeu-se.

Inércia, um vácuo enorme, o prognóstico da mulher nova ameaçando-me. Sono, fadiga, desejo de ficar só. Alguém se debruça na cama, encosta a orelha ao meu coração. Furam-me o braço, uma agulha procura lentamente a veia.

Escuridão, silêncio. Depois um instrumento de música a tocar, a sombra adelgaçando-se, telhados, árvores e igrejas esboçando-se à distância. Tenho a sensação de estar descendo e subindo, balançando-me como um brinquedo na extremidade de um cordel.

A dormência prolongada pouco a pouco se extingue. Os dedos dos pés mexem-se, em seguida os pés, as pernas - e enrosco-me como um verme. Uma angústia me assalta, a convicção de que me aleijaram. Esta idéia é tão viva que, apesar de terem voltado os movimentos, afasto a coberta, para certificar-me de que não me amputaram as pernas. Estão aqui, mas ainda meio entorpecidas, e é como se não fossem minhas.

As idas e vindas, as viagens para cima e para baixo, cansam-me demais, penso que uma delas será a última, que o cordel vai quebrar se, deixar-me eternamente parado.

Noite. A treva chega de repente, entra pelas janelas, vence a luz da lâmpada. Uma friagem doce. A chuva açoita as vidraças. Durmo uns minutos, acordo, adormeço novamente. Neste sono cheio de ruídos espaçados – rolar de automóveis, um canto de bêbado, lamentações dos outros doentes - avultam as pancadas fanhosas do relógio. Som arrastado, encatarroado e descontente, gorgolejo de sufocação. Nunca houve relógio que tocasse de semelhante maneira. Deve ser um mecanismo estragado, velho, friorento, com rodas gastas e desdentadas. Meu avô me repreendia numa fala assim lenta e aborrecida quando me ensinava na cartilha a soletração. Voz autoritária e nasal, costumada a arengar aos pretos da fazenda, em ordens ásperas que um pigarro interrompia. O relógio tem aquele pigarro de tabagista velho, parece que a corda se desconchavou e a máquina decrépita vai descansar.

Bem. Daqui a meia hora não ouvirei as notas roucas e trêmulas.

Vultos amarelos curvam-se sobre a cama, que sobe e desce, levantam-me, enrolam-me em pastas de algodão e ataduras, esforçam-se por salvar os restos deste outro maquinismo arruinado. Um líquido acre molha-me os beiços. Serventes e enfermeiros deslocam-se com movimentos vagarosos e sonâmbulos, a luz esmorece, dá aos rostos feições cadaverosas.

Impossível saber se é esta a primeira noite que passo aqui. Desejo pedir os meus chinelos, mas tenho preguiça, a voz sai-me flácida, incompreensível. E esqueci o nome dos chinelos. Apesar de saber que eles são inúteis, desgosta-me não conseguir pedi-Ias. Se estivessem ao pé da cama, sentir-me-ia próximo da realidade, as pessoas que me cercam não seriam espectrais e absurdas. Enfadam-me, quero que me deixem. Acontecendo isso, porém, julgar-me-ia abandonado, rebolar-me-ei com raiva, pensa rei na enfermeira dos indigentes, no homem que tinha uma grade de esparadrapos na cara.

Silêncio. Por que será que esta gente não fala e o relógio se aquietou? Uma idéia acabrunha-me. Se o relógio parou, com certeza o homem dos esparadrapos morreu. Isto é insuportável. Por que fui abrir os olhos diante da amaldiçoada porta? Um abalo na padiola, uma parada repentina - e a figura sinistra começara a aperrear-me, a boca desgovernada, as órbitas vazias negrejando por detrás da grade alvacenta. Por que se detiveram junto àquela porta? Dois passos aquém, dois passos além - e eu estaria livre da obsessão.

O relógio bate de novo. Tento contar as horas, mas isto é impossível.

Parece que ele tenciona encher a noite com a sua gemedeira irritante.

Doutor Queirós, principiando a falar, não acaba: é um palavreado infinito que nos enjoa, nos deixa embrutecidos, mudos, mastigando um sorriso besta de cumplicidade.

Felizmente o homem dos esparadrapos vive. Repito que ele vive e caio num marasmo agoniado. No silêncio as notas compridas enrolam se como cobras, estiram-se pela casa, invadem a sala, arrastam-se devagar nos cantos, sobem a cama onde me agito apavorado. Que fim levaram as pessoas que me cercavam? Agora só há bichos, formas rastejantes que se torcem com lentidão de lesmas. Arrepio-me, o som penetra-me no sangue, percorre-me as veias, gelado.

As vidraças, a chuva, os ruídos, sumiram-se. Há uma noite profunda, um céu pesado que chega até a beira da minha cama. As coisas pegajosas engrossam, vão enlaçar-me nos seus anéis. Tento esquivar-me ao abraço medonho, revolvo-me no colchão, grito.

Aparecem de novo as figuras atentas, lívidas. A beberagem acre umedece-me a língua seca, dura como língua de papagaio.

- Obrigado.

Puxo a coberta para o queixo, o frio diminui. Há um rio enorme, precipícios sem fundo - e seguro-me a ramos frágeis para não cair neles.

Ouço trovões imensos. Volto a ser criança, pergunto a mim mesmo, que seres misteriosos fazem semelhante barulho. Meus irmãos pequenos iam deitar-se com medo, minhas tias ajoelhavam-se diante do oratória, a chama das velas tremia, as contas dos rosários chocavam-se como bilros de almofadas, um sussurro de preces enchia o quarto dos santos.

Por que estão chiando aqui perto de mim? Estarão rezando? Não houve trovões. Nuvens brancas e altas correm por cima das árvores, das igrejas, do telhado da penitenciária. Olho os tipos que me rodeiam. Afastam-se, falam em voz baixa, presumo que me espiam desconfiados. Acham-me com certeza muito mal, pensam que vou morrer, procuram decifrar as palavras incoerentes que larguei no delírio. Envergonho-me. Terei dito segredos e inconveniências?

Desejo atraí-Ias, conversar, mostrar que sou um indivíduo razoável e as maluquices do sonho findaram. Mas a linguagem foge. Procuro chamá-las com um gesto, a mão tomba-me sobre o peito, uma fraqueza paralisa-me.

Certamente estou há dias entre a vida e a morte. Agora a febre diminuiu e os monstros que me perseguiam se desmancharam. As dores do ferimento são intoleráveis. Inclino-me para um lado e para outro, certifico-me de que não me trouxeram os chinelos, imagino que vou agüentar uma eternidade de martírios.

Gritos agudos de criança rasgam-me os ouvidos, como pregos.

Querem ver que a minha operação foi ontem e ficarei aqui amarra do semanas ou meses?

Uma balada corta-me o pensamento. Estremeço: parece que ela me chegou aos nervos através da ferida aberta, me entrou na carne como lâmina de navalha.

Aqueles soluços desenganados devem vir da enfermeira dos indigentes, talvez o homem dos esparadrapos esteja chorando. Com esforço, consigo encostar as palmas das mãos nas orelhas. Desejo ficar assim, mas a posição é incômoda, os braços fatigam-me, o choro escorrega-me entre os dedos. Se não fosse isto, distrair-me-ia vendo as árvores, o céu, os telhados, falaria aos enfermeiros e aos serventes.

Que desgraça estará sucedendo? Deixo cair os braços, os uivos lastimosos da criança recomeçam, as minhas dores crescem, dão-me a certeza de que os médicos atormentam um pequenino infeliz. Penso nos vagabundos miúdos que circulam nas ruas, pedindo e furtando, sujos, esfrangalhados, os ossos furando a pele, meio comidos pela verminose, as pernas tortas como paus de cangalhas. Talvez estejam consertando uma daquelas pernas.

Os gritos baixam, transformam-se num estertor.

- Por que bolem com aquela criança?

A enfermeira avizinha-se, espera que eu repita a pergunta. Aborreço me por não me haver feito compreender, viro-me com dificuldade e minutos depois ouço os passos da mulher, que se afasta nas pontas dos pés.

Fará somente vinte e quatro horas que me deixaram aqui derreado? Somo: vinte e quatro, quarenta e oito, setenta e duas. Talvez uns três dias. Isto, setenta e duas horas. Os chinelos desapareceram: ficarei provavelmente um mês, dois meses. Multiplico: sessenta dias, mil quatrocentos e quarenta horas. Fatigo-me, e a conta se complica, ora apresenta um resultado, ora outro. Convenço-me afinal de que são mil quatrocentos e quarenta horas. É bom que a ferida se agrave e me mate logo. Dois meses de tortura, um tubo de borracha atravessando-me as entranhas, visões pavorosas, os queixumes dos indigentes que se acabam junto ao homem dos esparadrapos. Duas mil oitocentas e oitenta vezes o relógio caduco de peças gastas rosnará, ameaçando-me com acontecimentos funestos. Sessenta dias de imobilidade, o pensamento a emaranhar-me em cipoais obscuros.

Os gritos da criança elevam-se, o calor aumenta, as árvores e os telhados aproximam-se.

Lá estão novamente as horas a pingar do corredor como de uma torneira, gotas pesadas escorrendo lentas.

Gargalhadas na rua, barulho de automóvel, o pregão de um vendedor ambulante. Talvez o automóvel seja do médico que me vem fazer o curativo. Não é, passou com um ronco de buzina. Agora o que há são rufos de tambor, vozes de comando.

O berro do vendedor ambulante caiu na sala de supetão e ficou rolando, misturado ao choro dos indigentes e ao rumor de ferros na autoclave.

- Porcaria, tudo uma porcaria.

Zango-me. Não me tratam, deixam-me acabar à míngua, apodrecer como um corpo morto. Silêncio demorado. Penso na criança e no homem que se esconde por detrás da máscara de esparadrapo.

- Como vai o menino?

A enfermeira responde-me que vai bem, mas certamente procura iludir-me. Há um cadáver miúdo perto daqui, vão despedaçá-lo na mesa do necrotério, os serventes levarão a roupa suja para a lavanderia. Um colchão pequeno dobrado na cama estreita.

As vozes de comando, os rufos, o pregão do vendedor ambulante o rumor dos ferros na autoclave, fazem-me falta. Convenço-me de que o silêncio é de mau agouro. Quando ele se quebrar, uma infelicidade surgirá de repente, não poderei livrar-me dela. O suor corre-me na cara. O primeiro som que vier anunciará desgraça, essa idéia desarrazoada não me larga. Reprimo um acesso de tosse, acredito que ele é indício de hemoptises abundantes.

Começo a perceber um toque-toque surdo, tropel de cavalo cansado. Naturalmente é o sangue batendo-me nos ouvidos. Um coração quase inútil finda a tarefa maçadora.

O cadáver pequeno vai ser transformado em peças anatômicas.

Toque-toque. Não é o sangue, é qualquer coisa que vem de fora, provavelmente do corredor. Duas pancadas próximas, uma distanciada, andadura irregular de bicho que salta em três pés. Ainda há pouco estava tudo calmo. De repente o relógio velho começou a mexer-se e a viver.

Cerro os olhos, digo a mim mesmo que me fatigo à toa, bocejo, tento lembrar-me de fatos que julgo importantes e logo se tomam mesquinhos. Afinal não veio a desgraça. Vou restabelecer-me em poucos dias. Vou restabelecer-me, passear nas ruas, entrar nos cafés. Se não tivessem levado os chinelos, convencer-me-ia de que não estou muito doente.

Procuro dormir, esquecer tudo, mas o relógio continua a martelar-me a cabeça dolorida. Espero em vão o fonfonar de um automóvel, a cantiga de um bêbado, as vozes de comando, o rumor dos ferros na autoclave. Tenho a impressão de que o pêndulo caduco oscila dentro de mim, ronceiro e desaprumado.

Os infelizes calaram-se, todos os sofrimentos esmoreceram, fundiram-se naquela voz áspera e metálica.

Os meus braços descarnados movem-se como braços de velho. Passo os dedos no rosto, sinto a dureza dos pêlos, as faces cavadas, rugas. Se tivesse um espelho, veria esta fraqueza e esta devastação.

Velhinho, trocando as pernas bambas nas calçadas. Olho as pernas finas como cambitos. A vista escurece. Velhinho, arrimado a um cacete, balbuciando, tropeçando. Toque-toque - o cajado a bater nos paralelepípedos.

O pensamento escorrega de um objeto para outro. A barba crescida deve ter ficado branca, o pescoço engelhou como um pescoço de galinha.

A mulher desapertava a roupa, despia-se cantando, e eu me conservava distante, encabulado, tentando desamarrar o cordão do sapato, que tinha dado um nó. Não podia descalçar-me e olhava estupidamente um despertador que trabalhava muito depressa. Os ponteiros avançavam e o laço do sapato não queria desatar-se.

O professor explicava a lição comprida numa voz dura de matraca, falava como se mastigasse pedras.

O político influente entregava-me a carta de recomendação. Eu gaguejava um agradecimento difícil, atrapalhava-me por causa da datilógrafa bonita, descia a escada perseguido pelos óculos de um secretário e pelo tique-taque da máquina de escrever.

Tudo se confunde. A rapariga que se despia, o professor, o político, misturam-se. A criança doente, os enfermeiros, os médicos, o homem dos esparadrapos, não se distinguem das árvores, dos telhados, do céu, das igrejas.

Vou diluir-me, deixar a coberta, subir na poeira luminosa das réstias, perder-me nos gemidos, nos gritos, nas vozes longínquas, nas pancadas medonhas do relógio velho.

Fonte:
SALES, Herberto (org.) Antologia de Contos Brasileiros. São Paulo: EDIOURO, 2005. p. 141-148.