sábado, 28 de maio de 2022

Filemon Martins (Paleta de Trovas) 5

 

Humberto de Campos (A Coberta)

Não há quem não conheça, em todo o Brasil, a fecundidade da mulher cearense. Terra privilegiada e infeliz, em que a natureza, ao mesmo tempo, se destrói e se refaz, o Ceará constitui um caso curiosíssimo pelo modo por que aumenta, no meio das maiores calamidades, a sua população. À semelhança dos dragões fantásticos dos belos contos medievais, cujo sangue, ao cair na terra, se transformava em legiões de guerreiros, cada cearense que tomba de fome ou de sede, rebenta, no ano seguinte, multiplicado por dez. E daí serem frequentes, em todo o Estado, os casais com vinte, trinta, e até quarenta filhos, que se espalham depois pelo mundo, honrando pelo talento, e dignificando pelo trabalho, o glorioso nome do Ceará.

As famílias de prole modesta que vivem no Sul, compreendem dificilmente como pode uma pobre mãe lidar com uma tribo tão numerosa. E, no entanto, nada mais fácil para o cearense. Eu conheci, por exemplo uma senhora daquela procedência, que descobrira um processo originalíssimo de fiscalizar o seu exército de descendentes. Mãe de dezessete filhos, de um a quatorze anos, D. Josefa aproximava-se, à tarde, da mesa de cozinha, e partia, ali, uma ou duas rapaduras. Chamava os filhos e, deixando-os a comer, ia colocar-se ao lado do único pote d’água que havia na casa. Acossada pela sede, originada pela absorção do açúcar, a meninada corria, logo, a beber, enquanto D. Josefa os ia contando:

- Um. .. dois. . . três. . . quatro... cinco.. seis...

E assim por diante, até dezessete. Se havia apenas dezesseis, a bem-aventurada gambá-humana saía a procurar, como o pastor da parábola, a ovelha desgarrada.

D. Ifigênia de Medeiros, outra senhora que a seca de 1918 desterrou do seu Estado natal, possuía, entretanto, um processo mais simples. Casada em 1898, aos treze anos, com um fazendeiro de Itapipoca, teve desse consórcio abençoado, que durou seis anos, nove filhos, sendo quatro meninos e cinco meninas. Contraídas novas núpcias, no mesmo ano da viuvez (1904), com um tabelião de Sobral, forneceu D. Ifigênia ao Ceará, em mais cinco anos de matrimônio e caldos de galinha, sete meninas. Viúva pela segunda vez, casou em 1909 com um agricultor da serra de Uruburetama, a quem deu cinco meninos e cinco meninas, em nove anos. Perdido este terceiro esposo em 1918, recusou a fecundíssima senhora seis ou oito pretendentes que lhe apareceram, preferindo embarcar para o Rio de janeiro, onde se encontra desde aquele ano.

Apresentado a essa virtuosa nortista, que vive, hoje, em relativa abundância, perguntei-lhe, curioso, se ela não se confundia com tanta criança em casa.

- Eu? - atalhou, sorrindo. - Absolutamente!

E explicou-me o seu processo de evitar confusões:

- Eu adotei, para comodidade, o seguinte sistema: os filhos de cada marido usam roupa de uma cor. Os do primeiro, por exemplo, em número de nove, usam roupa de cor cinzenta.

E chamou para dentro:

- Lili? Iaiá? Amélia? Nenê? Totó? Bibi? Alfredo? Almerinda?

Aparecida a primeira parte da tribo, D. Ifigênia continuou:

- Os filhos do meu segundo marido vestem-se de azul.

E chamou:

- Teté? Lulu? Judith? Ester? Virgilina? Margarida? Sebastiana?

A segunda turma apareceu.

- Os do meu terceiro marido trajam amarelo.

E gritou:

- Jequiriçá? Pindoboçú? Coema? Jaci? Lindóia? Ubirajara? Peri? Iracema? Jacaúna? Guaraciaba?

O terceiro turno surgiu.

Evacuada a sala, D. Ifigênia sorriu; acrescentando:

- E ainda tem!

- Ainda tem? - exclamei, espantado.

- Tem, sim!

E entrando para o quarto contíguo, trouxe, nos braços, um pequenito de três meses.

Esse, nascido no Rio de janeiro, vinha embrulhadinho numa coberta de retalhos, em que se misturavam o branco, o azul, o preto, o amarelo, o roxo, o rosa, o pardo, o verde, o encarnado…

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.

Carlos Estevam (Caderno de Trovas)


Dizem que o amor é eterno,
é ave de arribação:
chega com o frio do inverno,
foge com o sol do verão!
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Eu amo os meus dissabores,
idolatro o meu tormento,
pois quem causa minhas dores
vale bem meu sofrimento…
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Meu coração é um cofre
onde minha alma, gemendo,
guarda as mágoas que alguém sofre
e as mágoas que vou sofrendo.
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Musa dos olhos brilhantes,
senhora dos versos meus,
não desprezes meus descantes,
que os meus descantes são teus!...
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"Nem toda flor tem perfume"
(diz o povo e di-lo bem).
Mas ter amor sem ciúme
é coisa que ninguém tem.
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O mundo inteiro proclama:
que falso o que o mundo diz!...
"É sempre feliz quem ama"...
E há tanta gente infeliz.
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Pobre de quem diz: "eu tive
um sonho ardente e murchou"
Mas ai daquele que vive
de um tempo que já passou!...
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Que alguém dissesse, eu queria,
porque é que Nosso Senhor
ao lado de uma alegria
planta sempre um dissabor?
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Querem que eu viva sorrindo,
desejo igual tenho eu,
mas não pode viver rindo
quem de rir já se esqueceu...
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Teu rosto, lírio moreno
por teus cabelos cercados,
semelha um astro pequeno
num céu de inverno engastado!
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Teus olhos meigos e lhanos,
por quem suspiros arranco,
são dois negros africanos,
escravos de um rosto branco.
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Teus olhos, meu bem amado,
são dois lagos de ternura,
são dois cofres onde o fado
colocou minha ventura.
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Um problema me consome
mas não lhe dou solução:
como escreveste teu nome
dentro do meu coração?

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TROVAS ENCADEADAS
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Ando a sonhar uma vida
cheia de coisas risonhas.
E reconheço, querida,
que a mesma vida tu sonhas!

No entanto, lírio adorado,
não sei porque, mas suponho
que o sonho por nós sonhado
não há de passar de um sonho.
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Andorinhas das alturas
Que adejais por sobre mim,
de onde vindes tão escuras,
porque sois negras assim?!...

Ai! andorinhas serenas,
vindes, bem sei, donde venho,
pois se tendes negras penas,
penas bem negras eu tenho.
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De há muito que anda essa gente
no vil manejo da intriga,
a falar constantemente
desse afeto que nos liga.

Mas se esse amor, grande e santo,
não vai ofender ninguém
que mal faz que eu te ame tanto?...
Que tu me queiras, que tem?
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De uma gentil feiticeira
os sapatinhos achei
e neles, por brincadeira,
meu nome escrito deixei.

Desde aí (que maravilha),
toda vez que a noite desce,
em cada estrela que brilha
meu nome, escrito aparece!
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Oh! Noites de lua cheia,
Oh! Noites cheias de lua,
se a vossa luz incendeia,
que os meus descantes destrua.

Eu sinto que morro breve,
pra que deixá-los ficar?!...
Noites brancas, cor de neve,
transformai-os em luar!
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"Quem cega (uma vez, na feira,
dizia, um cego, a cantar),
só vê na própria cegueira
aquilo que o fez cegar".

Se assim é, fica sabendo
meu impossível desejo:
ceguei, os teus olhos vendo,
pois outra coisa não vejo.
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Que tens nos olhos a noite,
disseram-me e eu protestei.
E, se há quem provar se afoite,
de novo protestarei!

As provas chovem aos molhos,
a crer ninguém me conduz...
Se tens a noite nos olhos,
de onde é que sai tanta luz?
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"Sonhei contigo", disseste,
e eu, com tristeza, te digo:
que grande mal me fizeste
dizendo: sonhei consigo!...

Sim, minha flor, se sonhaste
comigo e vens me contar
é que, decerto, deixaste
de algumas noites sonhar.
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Tristezas que em mim se encerram
que com o riso se unificam,
são males que não me aterram,
são mágoas que fortificam!...

E eu amo os meus dissabores,
idolatro o meu tormento,
pois quem causa minhas dores
vale bem meu sofrimento.

Fontes:
Adelmar Tavares et al. Descantes. Recife/PE: Tipografia da Imprensa Oficial. 1a. edição publicada em 1907.
Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva,

Contos e Lendas do Paraná - 10 (Jandaia do Sul – Londrina – Matinhos – Missal)


Cidade de Jandaia do Sul

A lenda de Jandaia


Há muitos anos vagava entre os pinheirais uma esbelta menina de olhos da cor de pinhão e seus cabelos esvoaçavam, como fios dourados em espigas de milho. Nunca se soube de onde ela veio, apenas que seu pai era um bravo cacique, que deveria habitar a imensidão da terra roxa, colher frutos silvestres e beber dos mananciais cristalinos.

Mas, ansiosa, aguardava o dia em que haveria de surgir um companheiro, que seria destro na caça e forte na guerra. Já lhe dissera Tupã, quando ela se banhara numa cascata, mirando-se nas águas: “Jandaia haverá de receber, em breve, aquele que te revelará os arcanos do amor, foste talhada para os seus braços e só a ele servirás. Tu o verás presente entre os esplendores do sol e o vigor dos arbustos”.

Em todas as manhãs, muito antes da alva, Jandaia subia no cimo da colina perscrutando os pinheiros frondosos e aguardando o romper do sol, que também viria fixar-lhe o bronze de sua pele. Numa radiosa manhã, quando Jandaia inebriava-se de luz, eis que se aproxima um cervo com uma flecha cravada, tombando a seus pés. Surge, em seguida, um caçador, jovem e forte. Ele se deslumbra, ante aquela princesa selvagem.

Jandaia acaricia o cervo, depois dirige seu olhar para o moço guerreiro e acena-lhe para que se aproxime. Ele deixa o arco e as flechas e acolhe-a nos braços. Em frêmitos a mata regozija-se. Jandaia cinge-o em seus braços; sendo observada pelo sol. Este, enciumado, aquece os lábios rubros de Jandaia, a enfeitiça e seduz, agora mais que em todas as outras manhãs. Enciumado, arrebata-a para si. Ela, então, sente que ama o sol e deve-lhe sua existência.

Tupã, tomado de uma grande ira, vendo que Jandaia pertencia ao sol e não ao guerreiro que enviara, transformou-a numa cidade. Para que todos pisassem sobre ela e cobrissem de asfalto seus braços bronzeados.

O sol, condoído, surge todos os dias, com o mesmo calor de outrora, espargindo-se sobre a cidade e, como se não bastasse, ordena ao Cruzeiro do Sul, à noite, para que a vigie. Por isso, Jandaia recebeu mais um nome. Devendo sempre chamar-se Jandaia do Sul
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Cidade de Londrina
Guairacá

Guairacá, lobo dos campos e das águas, era o cacique corajoso, aquele que defendia os guaranis e a terra com denodo e bravura, desde o baixo Iguaçu até o Paranapanema e do Tibagi ao Paranazão. Era uma região ambicionada notadamente pelos castelhanos, que já haviam dominado os rio da Prata e Paraguai. Os castelhanos sempre quiseram invadir essas terras. Mas sempre enfrentaram os bravos de Guairacá, dos cem mil arcos vencedores.

Um outro guerreiro de grande valor o sucedeu quando de sua morte e comandou os guerreiros no agitado período daquele pedaço do Brasil: Mbiaçá. Numa homenagem póstuma, ele chamou aquela região de Guairacá para que todos se lembrassem daquele que rechaçara as tentativas dos homens estranhos. Foi este fato que, por muitos e muitos anos, frente a toda a sorte de inimigos impediu que a terra e a gente fossem avassaladas pelos estrangeiros, castelhanos e portugueses, que abreviaram seu nome para Guairá, tendo sido cantado em prosa e verso:

“Andava Guairacá mui valeroso,
Astuto, sabio, artero e mui valiente
Compuzo una terrible palizada
De aguas y comidas abastada.

El fuerte fué con mana fabricado
A los lados con muchos torreones,
Estaba a todas partes resguardado
Con sus trincheras, fosas y bastiones.
Sin duda Satanás ha revelado
A Guairacá el modelo y Invenciones.”

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Cidade de Matinhos
O homem de branco


Conta-se que na região de Matinhos existiam muitos índios carijós e que havia muito ouro nas montanhas. Das histórias dos primeiros colonizadores, destaca-se a figura de um “homem de branco” que, à época, começou a fazer contato com os índios e ficou amigo deles. Os índios perceberam que o homem queria o ouro deles e tentaram logo se proteger.

Cada vez que este homem os procurava, eles se afastavam, porque constataram que o ouro estava desaparecendo. Na verdade os brancos queriam a região, o Bairro Tabuleiro, morro do Cabaraquara, onde existem, ainda, muitos sambaquis entre as matas.

Um dia o “homem de branco” começou a ficar doente, com muitas dores. Acredita-se que a causa foi envenenamento, causado pelos próprios indígenas, através de bebidas que foram oferecidas ao homem. Até hoje, alguns moradores do antigo local relatam que o “homem de branco” ainda assombra a região e a quem mora ali.
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Cidade de Missal
Indianer*


Na década de 1960 no oeste do Paraná havia muitas florestas, com muitos animais selvagens e aves de diversas espécies. Devido a tantas riquezas, iniciou-se a venda dessas terras, entre os rios Ocoí e São Vicente. Assim, vieram os pioneiros, cheios de sonhos e ânimo, pressentindo a riqueza que provinha daquele chão.

Onde hoje é a Esquina Gaúcha, antiga Placa, uma das comunidades pertencentes à cidade de Missal, os colonos abriram as primeiras clareiras, construíram as primeiras casas e galpões, transformando a mata em terras para lavoura.

Segundo a lenda, alguém silenciosamente os observava, dia e noite. Com o passar do tempo, a presença e os olhares do observador começaram a ser percebidos. Os pioneiros o tinham como um índio, que com imensa tristeza e dor os observava destruir sua linda floresta, que para ele era sua casa. No alto das árvores, em meio às folhagens, o índio estava por perto e ao perceber que alguém o pressentia, ou estava vindo a seu encontro, sumia misteriosamente. As pessoas, então, comentavam entre si, temerosas:

– Hast du auch der Indianer gesehen?**

Os pioneiros fizeram várias tentativas de descobrirem seu paradeiro; imaginava-se que ele se protegia morando dentro de alguma grande árvore oca de nome “peroba” (atualmente essa árvore é considerada símbolo de Missal). Quando anoitecia, todos ficavam esperando o aparecimento do visitante misterioso.

Os jovens quando iam à casa dos vizinhos, ou a bailes, escutavam ruídos de galhos secos quebrando-se, folhagens mexendo-se e sentiam que “algo” ou “alguém” os acompanhava em tais passeios.

O tempo passou, sem que ninguém nunca descobrisse o misterioso e discreto seguidor, as histórias se espalharam. Os pioneiros, assustados, nunca descobriram quem era e quais suas intenções. Jamais souberam se seria um Indianer. Tão misteriosamente quanto surgiu e tão silenciosamente quanto fora sua companhia foi seu desaparecimento, sem que ninguém realmente o tenha visto.
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* Indianer = Índio
**– Hast du auch der Indianer gesehen? = – Você também viu o índio?

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Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005.

Como funcionam os jornais (parte 1)

Introdução


Os jornais foram a primeira forma de comunicação de banda larga. Muito antes dos computadores, televisão, rádio, telefones e telégrafo, os jornais eram a maneira mais barata e eficiente de atingir as massas populares com notícias, comentários e anúncios. Os jornais, desde o tempo em que eram apenas uma grande folha de papel impressa à mão, têm sido um meio de comunicação de acesso aleatório, pois os leitores podem passar fácil e rapidamente pelas diferentes seções de um jornal, voltando a elas dias ou semanas depois. Além disso, pelo fato de seu "software" possuir uma linguagem comum, ele é universal e eterno. Por exemplo, um jornal publicado antes da Revolução Americana pode ser lido hoje como foi lido em 1775.

Neste artigo, vamos dar uma olhada nos bastidores de um complexo negócio em crescimento, que é a administração de um jornal, usando o The Herald-Sun, de Durham, na Carolina do Norte, como exemplo real. Vamos examinar como as notícias são cobertas e descritas, como chegam ao jornal, como o jornal chega na gráfica e finalmente é distribuído, chegando às bancas e à sua casa. Também daremos uma olhada no jornal como uma empresa e discutiremos como ocorre o equilíbrio entre lucratividade e as funções de prestação de serviço e comunicação na sociedade.

Embora o jornal de 1775 ainda seja legível, existe uma grande diferença entre ele e seu equivalente moderno. Em 1775, o jornal era publicado sob os caprichos de um governo colonial britânico, com pouca tolerância para a livre expressão de ideias, principalmente ideias políticas radicais. A Primeira Emenda à Constituição, parte da Declaração dos Direitos dos Cidadãos Americanos adicionada à Constituição Americana em 1791, proibiu leis que restringissem a liberdade de imprensa. Em uma era de reis e imperadores, isso significou um enorme passo rumo à liberdade individual e uma afronta à autoridade do Estado.

Os princípios e práticas que regem os jornais de hoje (objetividade jornalística, escrita concisa, notícias nacionais e internacionais) surgiram depois da Guerra Civil americana. Esta era a Idade de Ouro dos jornais diários, não somente pelo grande número de jornais então em circulação, mas também pelos lucros que eles geravam, permitindo a magnatas da imprensa como William Randolph Hearst e Joseph Pulitzer viverem em um patamar suntuoso. Nunca antes os jornais haviam exercido tanta influência na política e na cultura americana. Hearst, cujo império, ou melhor, parte dele, ainda existe até os dias de hoje, era tão poderoso que foi responsabilizado (ou culpado) pela explosão da guerra contra a Espanha em 1898.

O CRESCIMENTO DO TELEJORNALISMO

Com o crescimento do telejornalismo na década de 60, os jornais se confrontaram com seu primeiro grande concorrente. Hoje, a ABC News (em inglês) declara que mais americanos ficam informados através da ABC do que de qualquer outra fonte - e isso é provavelmente verdade. Os 1600 jornais diários americanos continuam servindo milhões de leitores, mas não são mais o meio de comunicação de massa dominante do país. O que mais se questiona nesse inicio de século é como fazer para sobreviver e progredir na indústria do jornal com a cultura atual mais sintonizada nos meios eletrônicos de comunicação que na tinta de impressão.

OS JORNAIS VÃO SAIR DE CIRCULAÇÃO?

Podemos dizer com certeza que os jornais não vão cair no esquecimento, como aconteceu com o Código Morse. Eles são um meio de comunicação portátil e conveniente. Ninguém leva o monitor do computador para a mesa do café da manhã para ler as notícias matinais. Além disso, os jornais têm provado estar dispostos a se renovar para os leitores de hoje, enfatizando bom design, fotos coloridas e histórias detalhadas que relatam ou interpretam acontecimentos atuais.

Pessoas e departamentos diferentes contribuem para um processo que lembra um rio com inúmeros afluentes. Entre eles estão cinco com grande importância para os leitores de um jornal: notícias, editorial, anúncios, produção e distribuição.

O QUE SÃO NOTÍCIAS E COMO FUNCIONAM?

Curiosamente, para uma publicação denominada jornal, ninguém jamais criou uma definição padrão para o que é uma notícia. Mas o termo tem normalmente uma significação ampla: coisas anormais (falhas humanas, falhas mecânicas e desastres naturais são frequentemente "notícia").

Repórteres são os olhos e os ouvidos do jornal. Eles colhem informações de muitas fontes: algumas públicas, como registros na polícia, e outras privadas, como um informante do governo. Às vezes um repórter prefere ser preso do que revelar o nome de uma fonte confidencial. Os jornais orgulhosamente se consideram o Quarto Poder, que expõe o mal comportamento do Legislativo, Executivo e Judiciário.

Alguns repórteres são responsáveis pelos furos de reportagem ou por uma área de cobertura, como tribunais, prefeitura, educação, negócios, medicina e assim por diante. Outros são chamados repórteres gerais, o que significa que ficam de plantão para qualquer tipo de acontecimento, como acidentes, eventos cívicos e histórias interessantes. Dependendo das necessidades de um jornal durante o ciclo diário de notícias, repórteres especializados mudam facilmente do furo de reportagem para notícias gerais (novos repórteres eram chamados de focas, mas o termo não é mais usado).

Nos filmes, os repórteres têm trabalhos emocionantes, agitados e perigosos, vivendo de acordo com a famosa declaração sobre a vida nos jornais: "confortar os aflitos e afligir os confortados". Embora alguns jornalistas já tenham acabado mortos devido a investigações, o trabalho em um jornal é rotina para a grande maioria dos repórteres. Eles são nossos cronistas da vida diária, filtrando a realidade e trazendo um senso de ordem para um mundo desordenado.

Todos os repórteres atendem, em última instância, a um editor. Dependendo de seu tamanho, um jornal pode ter inúmeros editores, começando com um editor-executivo, responsável pelo setor de notícias. Subordinado ao editor-executivo está o editor-geral, que inspeciona o trabalho diário do setor de notícias. Outros editores das áreas de esportes, fotografia, estadual, nacional, coluna e óbitos, por exemplo, também podem ser subordinados ao editor-geral.

No entanto, o editor mais conhecido - e de alguma forma o mais crucial - é o editor-chefe. Os repórteres trabalham diretamente para este editor, que determina histórias, reforça prazos e é o primeiro a ver os rascunhos dos repórteres no sistema de composição ou na rede de computadores. Estes editores são chamados de gatekeepers (guardião/porteiro), pois controlam quase tudo o que deve ou não entrar na próxima edição do jornal. Normalmente trabalhando sob o estresse das notícias de última hora, suas decisões são traduzidas diretamente no conteúdo do jornal.

Uma vez que o editor metropolitano termina de editar o rascunho de um repórter, a história vai do sistema de composição até outra parte do setor de notícias, a mesa de redação, através da rede de computadores. Aqui, os vice-editores verificam a ortografia e outros erros. Eles também procuram nos artigos tudo aquilo que pode confundir o leitor ou deixar perguntas sem respostas. Se necessário, eles podem verificar fatos na biblioteca do jornal, que mantém uma coleção de livros de referência, microfilmes e cópias online de edições antigas.

A chefe da mesa de redação manda as histórias concluídas para outros editores, que ajustam histórias locais, as manchetes (escritas pelo editor, não pelo repórter!) e as fotos digitais nas páginas. Os jornais fazem cada vez mais este trabalho, chamado de paginação, com computadores pessoais, usando programas disponíveis em qualquer loja de artigos para computador. Microsoft Windows, Word e Quark Express são três programas que, apesar de não serem específicos para produção de jornais, são facilmente adaptados para isso. Antes de vermos o que ocorre com as páginas eletrônicas feitas pela mesa de redação, é útil entendermos como outros setores do jornal contribuem com o ciclo de produção.
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Continua…

Fonte:
Julia Layton & Bob Wilson "Como funcionam os jornais" 1 de abril de 2000.
HowStuffWorks.com. 27 de maio de 2022

sexta-feira, 27 de maio de 2022

Silmar Böhrer (Gamela de Versos) 20

 

Lêdo Ivo (A palavra escrita no muro)

Era quase um garrancho, mas o menino a leu, letra por letra.

  E disse:

  – Boa noite.

  A palavra respondeu:

  – Boa noite.

 Diante da delicadeza da resposta, o menino perguntou:

  – Quem é você?

  E ela, rindo com todas as letras do seu corpo, respondeu:

  – Sou uma palavra.

  O menino pensou que ela estivesse presa, já que não podia sair do lugar, e perguntou-lhe:

  – Mas quem pôs você de castigo aí no muro?

  A palavra retrucou:

  – Eu não estou de castigo. Estou livre. Todas as palavras que você lê nos muros da cidade são livres. Nenhuma delas está em cativeiro.

  – Mas você está presa.

  A palavra tornou a desmentir:

  – Eu não estou presa. Num muro uma palavra é livre como um pássaro. Menino, vou dizer-lhe uma coisa para você guardar a vida inteira. Nenhuma palavra vive em cativeiro.

O menino lembrou-se, então, de que em sua casa havia um grande dicionário que tinha nome de gente.

E ponderou:

– Mas, num dicionário, as palavras estão presas.

A palavra (seria uma palavra senhora ou senhorita?) riu, exibindo seus belos e brancos dentes feitos de sílabas, e explicou:

– Mesmo num dicionário as palavras são livres. Um dicionário não é uma prisão. É uma praça onde a gente se reúne.

– Pra quê? – interrogou o menino.

– Para servir aos homens. Todos nós temos uma serventia. Estamos a serviço da vida, do amor. Uma palavra é como um sol. Esquenta as pessoas. Quem sabe palavra não sente frio!

– Mas quem foi que pôs você aí no muro? – quis saber o menino.

– Foi um homem. Foi a mão de um homem.

– Foi de dia ou foi de noite? (O menino era curioso, queria saber tudo.)

A palavra não precisou se lembrar da hora em que fora colocada no muro como se fosse uma criança que a mãe põe no colo. Sabia isso na ponta da língua, pois as palavras também têm uma língua, como gente:

– Foi de noite. Estava muito escuro. Você sabe que a noite é nossa irmã? Muitas vezes, em certos lugares, só de noite é que a gente pode andar.

– Mas as palavras andam?

– Menino, as palavras andam sempre. São como os ciganos. Não podem ficar paradas em lugar nenhum, nem nos livros nem na boca dos homens. Já lhe disse que somos passarinhos. Nascemos para voar.

– Então, como foi que você nasceu?

– Eu não nasci. Eu estava voando. Então pousei na mão de um homem como se fosse um passarinho. Ele não precisou de gaiola para me agarrar. Era um homem que tinha vindo de um comício, o povo tinha gritado muito. Ele estava precisando de uma palavra para dizer o que queria, tudo aquilo que estava dentro do seu coração e não podia manifestar-se porque eu ainda não tinha aparecido. Então eu pousei na mão dele. Esta rua estava escura, quase ninguém passava. O homem olhou para um lado e para o outro, viu que nenhum soldado estava passando, não havia polícia por perto, e pôs-me aqui. Dia e noite as pessoas passam e, mesmo em silêncio, conversam comigo, e levam-me em suas lembranças e nos seus corações. É um pouco difícil de explicar, mas eu sou levada e no entanto fico aqui, sem sair do lugar. Você entende?

– E como é o seu nome, palavra-passarinho? – quis saber o menino.

– Meu nome é LIBERDADE, menino.

– A senhora tem um nome muito bonito!

– Não me chame de senhora, chame-me de você. Eu sou você.

Fonte:
Lêdo Ivo. O menino da noite. Publicado em 1995.

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) 7

A cruz, qual velho estandarte,
lembra a ausência que se explica,
na solidão de quem parte,
na tristeza de quem fica!!!
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Ao lado da antiga cama,
no olhar triste da parede,
um torno velho reclama
a ausência de tua rede!
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Entre os que não sabem ler,
há cego sem ter razão;
Falta-lhe a luz do saber
mas não a luz da visão!
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Essa criança tão pobre,
tem tanto encanto e magia,
que um anjo, quando a descobre,
vem beijá-la todo dia!
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Esses bens com os quais me iludo,
tudo aos teus pés eu deponho;
não me serve ter de tudo,
se não te tenho em meu sonho!
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Eu, a viola, uma rede,
e ao lado, a candeia acesa,
mostra a sombra na parede
da solidão sobre a mesa!
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Há na primeira centelha
da luz do sol da manhã,
dois lábios de cor vermelha
na boca morna da chã!
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Meu corpo, o tempo derrota;
mói tudo quanto eu transponho...
Mas morre e não muda a rota
da poeira do meu sonho!
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Na ausência do teu ciúme,
morre a angústia e nasce a flor!
e esse enredo se resume
em nova história de amor!
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Não há deserto que impeça
os passos de um beduíno
que, aos poucos, rompe sem pressa,
a poeira do destino!
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No abraço, o amor é tão lindo,
mas no adeus, que desencanto!...
Começa sempre sorrindo,
mas sempre termina em pranto!
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No fogão velho, um mormaço
atiça o fogo apagado,
e aquece as preces que eu faço
sobre as cinzas do passado!
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No rancho, em meio à pobreza,
crianças pedindo pão;
faltava pão sobre a mesa,
sobrava amor pelo chão!
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Nos pratos dessa balança,
há impurezas e impuros;
como se ter confiança
em tribunais tão perjuros?...
= = = = = = = = = = =

Nossas mãos, guardam segredos,
e esses segredos, tão sós,
são presos aos nossos dedos,
por laços cheios de nós!
= = = = = = = = = = =

O "adeus" para mim, descreve,
algo, que jamais se alcança!…
Se alguém me diz "até breve",
não diz "adeus" à esperança!
= = = = = = = = = = =

O sol em seu caminhar,
à tarde, em seus rituais,
apaga as luzes no mar
e acende os faróis do cais!
= = = = = = = = = = =

Ouço o mar, sem queixa alguma
e, em noites de lua cheia,
seus versos feitos de espuma
bordam poemas na areia!
= = = = = = = = = = =

Ó, velho mar, teus cantares,
dão-me estranhas sensações,
de ouvir vozes de outros mares
nos meus mares de ilusões!
= = = = = = = = = = =

Quem sonha e quem crê no amor,
pela espera, o amor alcança;
pois, vivem na mesma flor:
O sonho, a crença e a esperança!
= = = = = = = = = = =

Se a lágrima, é dor pulsando,
que dói na alma, quando cai,
ela dói muito mais, quando
faz finca pé mas não vai!
= = = = = = = = = = =

Se em tua cruz há três cravos,
três candelabros de luz,
meus braços são dois escravos
dos cravos de tua cruz!
= = = = = = = = = = =

Se há desilusões, fracassos,
és culpada desta dor!…
Foste buscar noutros braços
pobres migalhas de amor!
= = = = = = = = = = =

Se o meu verso não te alcança,
ama os poetas passarinhos,
que o verso deles balança
os poetas que estão nos ninhos!
= = = = = = = = = = =

Se uma lágrima deságua,
molhando os véus do meu rosto,
é um pingo das gotas d’água
que há nos olhos de um sol posto!
= = = = = = = = = = =

Sozinho e arrastando a cruz,
sem ter a luz da visão…
O pobre cego, sem luz,
busca a Luz na escuridão!...
= = = = = = = = = = =

Teus olhos à noite, ao vê-los,
eu tento manter a calma,
como se ouvisse os apelos
da alma da noite, em minha alma!
= = = = = = = = = = =

Vim te pedir ajoelhado,
mãos postas diante do altar,
perdão por cada pecado
que eu não soube perdoar!
= = = = = = = = = = =

Vi, nas velhas cicatrizes
do tempo da mocidade...
Meus pés presos às raízes,
e as mãos, às mãos da saudade!

Fonte:
Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.
Livro enviado pelo trovador.

Ana Lúcia Merege Correia (Uma História do Livro no Brasil)

Na virada entre os séculos XIX e XX, Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, conheceu um rápido desenvolvimento urbano e econômico. A imigração fez crescer o número de habitantes; foram criadas faculdades de Direito, Engenharia e Medicina; a rede de transporte marítimo e ferroviário cresceu e se tornou mais eficaz, e vários setores econômicos foram estimulados, incluindo a produção e o comércio de livros.

O “Almanach rio-grandense” publicado em 1874 pela tipografia Deutsche Zeitung arrola apenas três livrarias em Porto Alegre: a de Joaquim Alves Leite, aberta em 1850, que vendia vários produtos além de livros; a de Madame Marcus, frequentada por estudantes; por fim, a Livraria Rodolfo José Machado, fundada em 1854, que também atuava como editora. Nas décadas seguintes, porém, esses números iriam crescer, passando a incluir várias novas casas, entre as quais as filiais porto-alegrenses da Livraria Americana e da Livraria Universal.

Segundo Eduardo Arriada, da UFPel, a mais importante editora gaúcha daquela época era a Livraria Americana, de Carlos Pinto. Fundada em 1871 na cidade de Pelotas – um dos maiores centros comerciais do estado --, a Livraria foi responsável pela edição do “Almanaque Literário e Estatístico do Rio Grande do Sul” entre 1889 e 1917, atuou no setor de livros didáticos e publicou literatura nacional e estrangeira, com nomes como Daudet, Maupassant, Zola e Dostoievsky. Suas obras saíam na série de bolso Biblioteca Econômica, com baixo preço e pequeno formato. Laurence Hallewell afirma que as traduções e edições não eram autorizadas pelos detentores dos direitos de publicação, configurando-se no que hoje conhecemos como “pirataria”.

Em 1917, a Americana passou a ser propriedade da Livraria Universal, fundada em 1887 pelos irmãos Carlos e Guilherme Echenique. A Universal seguiu um caminho parecido com o da empresa de Carlos Pinto: inicialmente sediada em Pelotas, abriu filiais em Rio Grande e em Porto Alegre, publicou obras didáticas e de literatura e até mesmo seu próprio almanaque: o “Almanaque Popular Brasileiro”, dirigido por Alberto Ferreira Rodrigues. Encerrou suas atividades em 1929, quando Porto Alegre já contava com várias importantes livrarias. A maior parte se concentrava na Rua dos Andradas, também conhecida como Rua da Praia.

A Livraria do Globo também ficava nesse endereço. Fundada em dezembro de 1883 pelo português Laudelino Pinheiro Barcelos, era, a princípio, um negócio modesto, que anunciava a venda de “livros, músicas, papel, miudezas e objetos de escritório”. Pouco depois, Barcelos ampliou o negócio por meio de uma oficina tipográfica, na qual passou a realizar impressões por encomenda. Em 1890 contratou o jovem e dinâmico José Bertaso, que rapidamente galgou degraus na empresa, tornando-se sócio de Laudelino e, com a morte deste em 1919, proprietário da Livraria do Globo. Segundo Hallewell, Bertaso previu a escassez de papel que se seguiria à Primeira Guerra Mundial e fez um bom estoque, depois vendido com lucro. Também adquiriu a primeira máquina de linotipo do estado.

Em 1917, a Livraria do Globo abriu sua primeira filial, na cidade de Santa Maria. Em 1922, começou a publicar novas vozes da literatura gaúcha: Telmo Vergara, Darcy Azambuja, Ernani Fornari e vários outros. Ao mesmo tempo, visando à maior projeção da empresa, Mansueto Bernardi, encarregado do departamento de propaganda, fez publicar também alguns livros traduzidos, contratou editores especializados e artistas gráficos e fundou a “Revista do Globo”, um periódico de variedades que contou com colaboradores de renome, tanto nas ilustrações quanto na redação de artigos e colunas.

Ao deixar a firma, Bernardi foi substituído no setor editorial por Henrique, filho de José Bertaso. Em 1932, a direção da revista passou às mãos de um jovem escritor, Érico Veríssimo, já então colaborador e tradutor de vários livros publicados pela Globo. Entre os de maior sucesso estavam as histórias policiais da Coleção Amarela, iniciada em 1931 e que publicou 85 títulos em 18 anos. Em 1936, segundo Hallewell, a empresa contava com quinhentos funcionários e ocupava um prédio de três andares, e Henrique Bertaso viajava pela Europa a fim de adquirir os direitos de publicação de obras alemãs, italianas, espanholas e francesas.

Em 1938, após seu livro “Olhai os Lírios do Campo” se tornar um sucesso de vendas, Veríssimo assumiu o papel de conselheiro literário, uma espécie de curadoria principalmente dos livros a traduzir, que saíam pelas coleções Nobel e Biblioteca dos Séculos. Esta publicou obras de vulto, como “A Comédia Humana”, de Balzac. A edição de dezoito volumes foi considerada pelo crítico Nelson Werneck Sodré a maior realização da Globo até então, com destaque para o coordenador, Paulo Rónai. Além das traduções, a editora continuava a publicar autores brasileiros, principalmente locais, desde uma edição crítica dos “Contos Gauchescos e Lendas do Sul”, de João Simões Lopes Neto (1865 – 1916), até livros de estreia, como “A Rua dos Cataventos”, de Mário Quintana, que saiu em 1940.

No início dos anos 1950, a quantidade de obras traduzidas se reduziu bastante, visto que medidas tomadas pelo Governo dificultavam o pagamento feito a autores e editores residentes no exterior. Os números voltaram a crescer na década seguinte, porém a Globo havia mudado seu foco para a produção de livros didáticos, publicações técnicas e obras de referência. O departamento de Dicionários e Enciclopédias era um dos mais ativos na empresa, e contou com a colaboração de autores e pesquisadores renomados, tais como Leonel Valandro, Francisco Fernandes e Álvaro Magalhães, organizador da “Enciclopédia Brasileira Globo”, que, segundo Hallewell, foi a primeira a contar com verbetes elaborados exclusivamente por especialistas brasileiros. Outro nome de relevo foi Edgard Cavalheiro, que mais tarde viria a ser gerente da Editora Cultrix.

Em 1972, Érico Veríssimo publicou “Um Certo Henrique Bertaso”, livro em que narrava sua experiência na Editora Globo e homenageava o editor. Este faleceu em 1977, e pouco depois se iniciou uma grande reformulação, com a mudança da sede da firma para o Rio de Janeiro e a abertura de franquias. Em 1986 a empresa foi vendida à Rio Gráfica Editora, pertencente a Roberto Marinho, dono do conglomerado midiático também chamado Globo, que passou a utilizar a marca para os produtos da gráfica. Assim, o nome e a história da pequena livraria fundada em Porto Alegre continuam através de uma editora pertencente ao Grupo Globo, com sede em São Paulo, que publica livros de literatura e de não-ficção e revistas como a Época e a Galileu.

quinta-feira, 26 de maio de 2022

Dorothy Jansson Moretti (Album de Trovas) - 6

 

Aluísio de Azevedo (Músculos e Nervos)


Terminava a primeira parte do espetáculo, quando D. Olímpia entrou no circo, pelo braço do pai.

Havia grande enchente. O público vibrava ainda sob a impressão do último trabalho exibido, que devia ter sido maravilhoso, porque o entusiasmo explodia por toda a plateia e de todos os lados gritavam ferozmente: “Scot! À cena Scot!” Dois sujeitos de libré azul com alamares dourados conduziam para o interior do teatro um cavalo que acabava de servir. Muitos espectadores, de chapéu no alto da cabeça, estavam de pé e batiam com a bengala nas costas das cadeiras; as cocotes pareciam loucas e soltavam guinchos, que ninguém entendia; das galerias trovejava um barulho infernal, e, por entre aquela descarga atroadora, só o nome do idolatrado acrobata sobressaía, exclamado com delírio por mil vozes.

– Scot! Scot!

Olímpia sentiu-se aturdida; o pai, no íntimo, arrependia-se de lhe ter feito a vontade, consentindo em levá-la ao circo, mas o médico recomendara tanto que não a contrariassem… e ela havia mostrado tanto empenho no capricho de ir aquela noite ao Politeama…

De repente, um grito uníssono partiu da multidão. Estalaram as palmas com mais ímpetos; choveram chapéus; arremessaram-se leques e ramalhetes, Scot havia reaparecido.

– Bravo! Bravo, Scot!

E os aplausos recrudesceram ainda.

O ginasta, que entrara de carreira, parou em meio da arena, aprumou o corpo, sacudiu a cabeleira anelada, e, voltando-se para a direita e para a esquerda, atirava beijos, sorrindo, no meio daquela tempestade gloriosa.

Depois de agradecer, estalou graciosamente os dedos e retirou-se de costas, a dar cambalhotas no ar.

Desencadeou-se de novo a fúria dos seus admiradores, e ele teve de voltar à cena ainda uma vez, mais outra, cada vez mais triunfante.

Olímpia, entretanto, com a cabeça pendida para a frente, o olhar fito, os lábios entreabertos, dir-se-ia hipnotizada, tal era a sua imobilidade. O pai tentou chamá-la à conversa; ela respondeu por monossílabos.

– Queres… vamos embora.

– Não.

Na segunda parte do espetáculo, a moça parecia divertir-se. Não despregava a vista de Scot, a quem cabia a melhor parte dos trabalhos da noite.

O mais famoso era a sorte dos voos. Consistia em dependurar-se ele de um trapézio muito alto, deixar-se arrebatar pelo espaço e, em meio do trajeto, soltar as mãos, dar uma cambalhota e ir agarrar-se a um outro trapézio que o esperava do lado oposto.

Cada um destes saltos levantava sempre uma explosão de bravos.

Scot havia feito já por duas vezes, o seu voo arriscado; faltava-lhe o último e o mais perigoso. Diferenciava este dos primeiros em que o acrobata, em vez de lançar-se de frente, tinha de ir de costas e voltar-se no ar, para alcançar o trapézio fronteiro.

O público palpitava ansioso, até que Scot afinal assomou no alto trampolim armado nas torrinhas, junto ao teto.

Cavou-se logo um fundo silêncio nos espectadores. Os corações batiam com sobressalto; todos os olhos estavam cravados na esbelta figura do artista, que, lá muito em cima, parecia, nas suas roupas justas de meia, a estátua de uma divindade olímpica. Destacava-se-lhe bem o largo peito, hercúleo, guardado pelos grossos braços nus, em contraste com os rins estreitos, mais estreitos que as suas nervosas coxas, cujos músculos de aço se encapelavam ao menor movimento do corpo.

Com uma das mãos ele segurava o trapézio, enquanto com a outra limpava o suor da testa. Depois, tranquilamente, sem o menor abalo, prendeu o lenço à sua cinta bordada e de lantejoulas e deu volta ao corpo.

Ouvia-se a respiração ofegante do público.

Scot sacudiu o braço do trapézio, experimentando-o, puxou-o afinal contra o colo e deixou-se arrebatar de costas.

Em meio do circo desprendeu-se, gritou: “Hop!” deu uma volta no ar e lançou-se de braços estendidos para o outro trapézio.

Mas, o voo fora mal calculado, e o acrobata não encontrou onde agarrar-se.

Um terrível bramido, como de cem tigres a que rasgassem a um só tempo o coração, ecoou por todo o teatro. Viu-se a bela figura de Scot, um instante solta no espaço, virar para baixo a cabeça e cair na arena, estatelada, com as pernas abertas.

O recinto do circo encheu-se logo. Nos camarotes mulheres desmaiaram, em gritos; algumas pessoas fugiam espavoridas, como se houvesse um incêndio; outras jaziam pálidas, a boca aberta e a voz gelada na garganta. Ninguém mais se entendia; nas torrinhas passavam uns por cima dos outros, numa avidez aterrada, disputando ver se conseguiam distinguir o acrobata.

Este, todavia, sem acordo e quase sem vida, agonizava por terra, a vomitar sangue.

Olímpia, lívida, trêmula, estonteada, quando deu por si, achou-se, sem saber como, ao lado do moribundo. Ajoelhou-se no chão, tomou-lhe a cabeça no regaço, e vergou-se toda sobre ele, procurando sentir nas faces frias o derradeiro calor daquele belo corpo escultural e másculo. E, desatinada, ofegante, apalpava-lhe o peito, o rosto, a bronzea carne dos braços, e, com um grito de extrema agonia, molhava a boca no sangue que ele expelia pela boca.

Scot teve um estremecimento geral de corpo, contraiu-se, vergou a cabeça para trás, volveu para a moça os seus límpidos olhos comovidos, agora turvados pela morte, soltou o gemido derradeiro.

E o corpo do acrobata escapou das mãos finas de Olímpia, inanimado.

Fonte:
Aluísio de Azevedo. Aos vinte anos. Publicado em 1895.

Caldeirão Poético XLVI: Argentina


Alfonsina Storni
Suiça (1892-1938) Argentina

A SÚPLICA


Senhor, Senhor, há muito tempo, um dia,
sonhei o amor, como ninguém houvera
ainda sonhado, amor que fosse e que era
a vida toda todo uma poesia.

Passa o inverno e esse amor não chegaria,
passaria também a primavera;
o verão persistente volveria...
E o outono ainda me encontra à sua espera.

Ó Senhor, sobre minha espádua nua,
faze estala, por mão que seja crua,
o látego que mandas aos perversos,

que já anoitece sobre minha vida
e esta paixão ardente e desmentida
eu a gastei, Senhor, fazendo versos!

(Tradução de Oswaldo Orico)
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Arturo Capdevilla
(1889-1967)

EM VÃO


Quanto verso de amor, cantado em vão!
Como minha alma está ficando velha
ao recordar a história em que se espelha
a insensatez dos tempos que se vão!

Quanto verso de amor, gemido em vão!
A princípio, o nectário e eu, a abelha...
Depois... Meu coração todo se engelha
na neve amarga em que se fez ancião.

Quanto verso de amor, perdido em vão!
 — Minha janela em luzes se recorta...
Ainda vivo... que flores!... é verão...

Dá-me pena, entretanto, à minha porta,
como uma triste borboleta morta,
tanto verso de amor, chorado em vão!

(Tradução de Mello Nóbrega)
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Carlos Alberto Leumann
(1886-1952)
 
TRAGÉDIA SIMPLES


Tinham ambos quinze anos. Com delírio
queriam-se; porém, ela escondia
sua enorme ternura, e ele temia
dizer-lhe o seu segredo, o seu martírio.

O tempo ia correndo, enquanto Sírio
com reflexos de prata o céu feria.
E passaram-se os dias... Certo dia
ela ficou tão branca como um lírio.

Morreu sonhando... E ele, com passo tardo
buscando-a pela fúnebre pradeira,
achou a tumba entre o crescido cardo.

E ali, junto da amada companheira,
alma ferida de pungente dardo,
falou de seu amor a vez primeira.

(Tradução de Jacy Pacheco)
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Héctor Pedro Blomberg
(1899-1955)

VELHAS CARTAS DE AMOR


Ah, queimá-las não pude... É que elas — quem diria? —
guardam murchas assim, tua morta paixão,
— a febre de uma noite, as lágrimas de um dia —
como o eco já sem voz de urna última canção.

Tuas cartas! — num tempo a que eu retornaria —
fizeram palpitar de amor meu coração...
Depois, veio o silêncio, a distância, a agonia,
e o bálsamo do tempo — a cruel consolação!

Vivem nelas ainda um romance apagado,
a luz da mocidade, o fogo de um passado,
a glória de uma vida aos vinte anos em flor...

Ontem, contava-as, sim — com um gesto indiferente...
Mas, sobre elas caiu uma lágrima ardente...
E não pude queimar tuas cartas de amor...

(Tradução de J. G. de Araújo Jorge)
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Luís Cané
(1897-1957)

METAMORFOSE


Sufocar este amor, enriqueceu
meu coração de canto e de harmonia,
e em claro manancial de poesia
sua secreta dor se converteu.

Tornou-se canto tudo o que sofreu;
a pena sem consolo, em alegria,
minha noite por dentro, fez-se dia,
e se pôs a lembrar do que esqueceu...

A sofrer por amor, fez disto um gozo,
na face, a flor de um riso, invés de pranto,
e oculta na raiz, a alma ferida...

E a fingir um destino venturoso
e a parecer que o canto era só canto,
acabou alegrando a própria vida!

(Tradução de J. G. de Araújo Jorge)

Fonte:
Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

Sílvio Romero (Barceloz)

(Folclore do Pernambuco)


EM UMA NOITE CHUVOSA de fazer horror estavam três fadas cumprindo o seu fado no jardim que ficava ao lado da casa de Barceloz, namorador das flores em botão, no que levava as noites todas velando. Como eram, por esse motivo, as fadas privadas de cumprir com sua missão naquele lugar, combinaram encantar a Barceloz na ocasião em que estivesse namorando o bogari. Apareceram nessa noite tenebrosa as três fadas, e na ocasião em que chegou o moço à janela puseram-se a julgá–lo.

Dizia a primeira: “Este, que nos tem atrapalhado, há de sete anos não falar, e tendo esta flor para seu sustento.”

A segunda disse: “Neste tempo há de tornar-se em mato virgem, não vindo alma viva nestes ermos durante os sete anos.”

A terceira disse: “Só há de ser desencantado pela filha da Peregrina, que está cumprindo a mesma pena.”

Ditas estas palavras Barceloz encantou-se, a casa e todos que nela existiam. Quando Barceloz estava com seis anos de encanto a Ninfa, filha da Peregrina, completou os sete, e seguiu o mesmo destino de sua mãe, retirando-se em direção ao Reino da Torre de Ouro.

Anoitecendo-lhe no meio do caminho, e sendo noite escura e chuvosa, ela, como mulher, teve medo de ficar nas matas medonhas, e continuou a andar, a ver se encontrava alguma casa. Perdendo a esperança de a encontrar procurou uma árvore bem copuda e agasalhou-se debaixo à espera do sol.

Alta noite chegaram as fadas, e então disse a primeira: “Fademos, manas, fademos; no Reino da Torre de Ouro tem de haver uma grande festa, e tem-se de fazer uma escolha para desencantarem a mata que foi Barceloz, o Campo Negro, e a Bela das Belas. Estes três reinos têm de ser desencantados pelas três Peregrinas. Ninfa desencanta a Barceloz, a Morena desencanta a Bela das Belas, e Nandi o Campo Negro.”

Ninfa que aí estava ouviu toda a conversa, pôs-se quieta e assustada. Ao romper do dia pôs-se em caminho, e chegou trêmula de fome à beira de um rio, onde estava uma velha lavando roupa.

A velha disse: “Minha netinha, o que faz você por aqui? Como é tão bonitinha! Eu quero levá-la para minha casa: quer morar comigo?”

A moça respondeu: “Não posso ficar morando, posso ficar uns dias para descansar da viagem.”

— “Eu”, disse a velha, “só quero ter o gosto de te ver em minha casa.”

Seguiram ambas. Chegando elas à casa, tiniam todas as coisas como se fossem repiques de sinos, e a Peregrina ficou pasmada de ouvir tanto rumor em sua chegada.

A velha respondeu: “Isto é meu filho que te desconheceu.”

A velha apresentou a Peregrina ao filho, e este perguntou-lhe para onde ia.

“Vou”, respondeu a moça, “ao Reino da Torre de Ouro; vou desencantar a um infeliz que está encantado no Reino das Matas.”

Disse então o moço: “Ainda este ano lá não chegarás, e podes ir descansada que não hás de desencantar a Barceloz, pois só um beija-flor que ele tem a beijar; o bogari dar-te-á cabo da pele, e também uma serpente ao pé da janela, que só o vê-la faz horror; mas como minha mãe muito te quer, eu te vou dar alguns esclarecimentos. Leva este bogari e esta bola de vidro; acharás por estes dois objetos avultada quantia, que não deves aceitar. O rei também há de querer comprá-los; também lho não vendas. Ao chegares a Barceloz deve ser ao meio-dia, hora em que o beija-flor foi à fonte, e a serpente dorme; põe a flor na boca de Barceloz, e a bola na boca da serpente, e espera que venha o beija-flor; na chegada dele tira a flor do ramo e guarda. Quando o passarinho beijar a flor que está na boca de Barceloz, o passarinho cai, e a serpente acorda e quer morder, mas quebra os dentes na bola. Barceloz então se desencanta, aparece o palacete, e deves tirar do dedo do moço um anel que deves guardar para quando fores chamada pelo rei, e ele há de servir de sinal para casares com o moço, vencendo as invejosas.”

Assim fez a Ninfa. Depois de tudo acabado, foi ela ter à presença do rei. Todos os sábios duvidaram que essa tivesse tanto ânimo. Ela mostrou o anel, que todos reconheceram. De repente chegou outra mulher, dizendo que ela é que tinha desencantado a Barceloz, e a Ninfa foi condenada à morte; mas foi livre por não ter a outra apresentado prova alguma; foi então aquela condenada à morte, casou-se Ninfa com Barceloz, havendo muita festa pra festa.

Fonte:
Sílvio Romero. Contos populares do Brasil. Coleção Acervo Brasileiro vol. 3. Jundiaí/SP: Cadernos do Mundo Inteiro, 2018. Publicado originalmente em 1954.

quarta-feira, 25 de maio de 2022

Edy Soares (Manuscritos (Di)versos) 09: Beija-Flores

 

Marina Colasanti (Uma ideia toda azul)


Um dia o rei teve uma ideia. Era a primeira da vida toda e, tão maravilhado ficou com aquela ideia azul, que não quis saber de contar aos ministros. Desceu com ela para o jardim, correu com ela nos gramados, brincou com ela de esconder entre outros pensamentos, encontrando-a sempre com alegria, linda ideia dele toda azul.

Brincaram até o rei adormecer encostado numa árvore.

Foi acordar tateando a coroa e procurando a ideia, para perceber o perigo. Sozinha no seu sono, solta e tão bonita, a ideia poderia ter chamado a atenção de alguém. Bastaria esse alguém pegá-la e levá-la. É tão fácil roubar uma ideia! Quem jamais saberia que já tinha dono?

Com a ideia escondida debaixo do manto, o rei voltou para o castelo. Esperou a noite. Quando todos os olhos se fecharam, ele saiu dos seus aposentos, atravessou salões, desceu escadas, subiu degraus, até chegar ao corredor das salas do tempo. Portas fechadas e o silêncio. Que sala escolher?

Diante de cada porta o rei parava, pensava e seguia adiante. Até chegar à sala do sono. Abriu. Na sala acolchoada, os pés do rei afundavam até o tornozelo, o olhar se embaraçava em gases, cortinas e véus pendurados como teias. Sala de quase escuro, sempre igual. O rei deitou a ideia adormecida na cama de marfim, baixou o cortinado, saiu e trancou a porta. A chave prendeu no pescoço em grossa corrente. E nunca mais mexeu nela.

O tempo correu seus anos. Ideias o rei não teve mais, nem sentiu falta, tão ocupado estava em governar. Envelhecia sem perceber, diante dos educados espelhos reais que mentiam a verdade. Apenas sentia-se mais triste e mais só, sem que nunca mais tivesse tido vontade de brincar nos jardins.

Só os ministros viam a velhice do rei. Quando a cabeça ficou toda branca, disseram-lhe que já podia descansar, e o libertaram do manto.

Posta a coroa sobre a almofada, o rei logo levou a mão à corrente.

Ninguém mais se ocupa de mim – dizia, atravessando salões, descendo escadas a caminho da sala do tempo. Ninguém mais me olha – dizia. Agora, posso buscar minha linda ideia e guardá-la só para mim.

Abriu a porta, levantou o cortinado. Na cama de marfim, a ideia dormia azul como naquele dia.

Como naquele dia, jovem, tão jovem, uma ideia menina. E linda. Mas o rei não era mais o rei daquele dia. Entre ele e a ideia estava todo o tempo passado lá fora, o tempo todo parado na sala do sono. Seus olhos não viam na ideia a mesma graça. Brincar não queria, nem rir. Que fazer com ela? Nunca mais saberiam estar juntos como naquele dia.

Sentado na beira da cama o rei chorou suas duas últimas lágrimas, as que tinha guardado para a maior tristeza. Depois, baixou o cortinado e, deixando a ideia adormecida, fechou para sempre a porta.

Moral: ideia não é para ficar adormecida, mas para ser realizada, sob pena de se perder.

Fonte:
Marina Colasanti. Uma ideia toda azul. Publicado em 1979.

Vasco de Castro Lima (Sonetos ao Soneto)

I

Soneto! Com quatorze primaveras,
te conheci! Foi predestinação!
Plantei quatorze rosas em botão
no teu nobre jardim cercado de heras.

Por entre as confidências mais sinceras,
eu te entreguei, cativo, o coração.
Meus dias, minha cruz, minha ilusão,
tu vestiste de aromas e quimeras.

Confiei-te sonho, amor, prantos, espinhos!
E tu, recompensando os meus louvores,
dás-me a tua acolhida e os teus carinhos.

Teus passos seguirei para onde fores!
Teremos, a abençoar nossos caminhos,
Um suave arco-íris de quatorze cores!...
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II

... Assim, desde que eu era uma criança
e erguia os meus castelos de menino,
tornei-me teu ardente paladino,
lutando armado de perseverança.

Vivo a exaltar tua beleza mansa,
mesmo nos dias em que, à Dor, me inclino,
cansado de correr sem um destino,
cansado de esperar pela Esperança.

Soneto! As tuas taças quero erguê-las,
pois, mesmo tendo o coração tristonho,
espero, sempre e sempre, merecê-las.

Sim, tu me guias, lúcido e risonho,
formando, no alto, com quatorze estrelas,
o Cruzeiro do Norte do meu Sonho!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

III

Quando, sangue e luz, no céu apontas,
rompendo as alvas brumas levantinas,
tu és, Soneto, um astro que fascinas,
radiosa estrela de quatorze pontas...

Uma pulseira de quatorze contas,
Um colar de quatorze turmalinas...
... Soberbo girassol entre boninas,
Também nos prados — novo sol — despontas...

Quanta vez, no silêncio ou no tumulto,
se te vejo nas cores da alvorada,
saio feliz, no rasto do teu vulto!

E vendo-te, na abóbada estrelada,
quero subir, rendendo-te o meu culto,
os quatorze degraus da tua escada!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

 IV

Soneto, a tua vida de fulgores
desliza numa escarpa de martírios;
se és um campo coberto de alvos lírios,
também és um vergel de negras flores.

Regaço de alegrias e amargores,
ninho de mansuetudes e delírios,
nasces da chama espiritual dos círios,
como nasces do sol, que acende as cores.

Tu — florido e sonoro baluarte;
tu — rei do Amor, por mais que o ódio aguces;
tu — novo Cristo de um Calvário de Arte;

mesmo que cantes, mesmo que soluces,
revives todo dia, em toda parte,
as quatorze Estações da Via-Crucis!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

V

És, no reino das Artes — o Monarca;
no Culto da Poesia — és o Senhor!
És, Soneto, na Idade — um Patriarca,
tu, que vences o tempo e o seu clamor!

Nos caminhos, deixaste a tua marca,
Celebraste o Prazer, ungiste a Dor!
— Ronsard, Bilac, Herédia, Arvers, Petrarca;
e Bocage e Camões, poetas do Amor;

Stecchetti, Shakespeare, Antero e Dante;
Teresa de Jesus, Rueda e Chocano,
Foram quatorze eternas vibrações...

Reboa, assim, no espaço, triunfante,
como se fosse a voz de um peito humano,
o bater de quatorze corações!    

Fonte:
Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

terça-feira, 24 de maio de 2022

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 5

 

Clarisse da Costa (A Vida é uma Passagem)

Numa conversa entre malucos, o que para mim eram dois sábios, um deles dizia: — Nem eu entendo. E dá para entender esse caos humano? O mundo parece pequeno diante da arrogância de muitos.

A verdade é que algumas pessoas são uma farsa e definem outras pessoas por um sorriso, por uma lágrima, por uma atitude, mas não há quem conheça a fundo uma pessoa, o começo das histórias e o final de cada uma delas.

Por vezes muitos falam de amor com tanta exatidão, como se ele tivesse uma cartilha a ser decorada. E no fundo o amor não precisa disso, nem as pessoas. Basta querer entender as coisas e ter um pingo de amor, mas para saber amar você tem que amar em espírito não pela carne.

E não se culpe por não ter dado certo, a vida é para a gente quebrar a cara mesmo, nem sempre tudo será flores ou um belo romance como o de Hazel Grace e Augustus. Ah tá, esqueci, ele morre no final! Só que você precisa entender que o amor não morre, nem o tempo.

O tempo é eterno. Você pode até dizer que não acredita nisso, mas no fundo você deseja que todas as coisas boas nessa vida sejam eternas. Porém a vida é um ciclo entre o que vive, morre, nasce e reconstrói.

Você pode dizer que estou falando essas coisas porque eu sou escritora, mas lhe digo, estou falando isso porque eu acredito. Afinal de contas eu tenho que acreditar em alguma coisa. Acho que todo ser humano deve acreditar em alguma coisa até mesmo na sua própria pessoa, porque se não acreditar que sentido terá a vida. Se a gente parar para pensar, alguns de nós são movidos por nossas crenças.

Hazel Grace acreditava que o esquecimento era inevitável. Ela quis dizer que uma hora a gente será esquecido, muitos outros virão depois, depois de nós. E tem um pingo de verdade nisso, alguns de nós já são esquecidos na velhice, ser esquecido após a morte é inevitável. A vida é uma passagem.

Pegue um livro, ouça uma boa música, beije na boca, faça tudo que tiver que fazer se quiser ser lembrado, que seja fazendo algo. Porque não dá para viver uma vida inteira se protegendo dos sofrimentos, das perdas, dos fracassos, dos erros, dos desamores e dos enganos. O melhor a se fazer é viver, se colocar em primeiro lugar.  

Fonte:
Texto enviado por Samuel da Costa

Fabiane Braga Lima (A filha do vento)

Tenho uma sede incontrolável pela vida, quando me sinto ausente, calada é a minha fome por sentimentos verdadeiros, por toques que me acalentam. Sinto a necessidade de acordar, sentir o sol me tocar e viver intensamente.   

Quando anoitece, a minha mente fique inquieta, tenho necessidade de escrever e ler, até que eu possa adormecer. Caminho de acordo com o vento, deixando os meus rastros, conhecendo mundos opostos, assim crio as minhas histórias e utopias, muitas vezes complexas e outras não.

Em meus versos gritam por liberdade, a vida é a minha poesia.  E, assim deixo as minhas marcas, a minha escrita, os meus gritos contidos, os meus silêncios e as minhas lágrimas de poetisa.

Reinvento-me, sou filha do vento, caminho por horizontes, nos quais deixo sempre um pouco de mim. Sou a filha do vento, errante, estrangeira, caminhando por horizontes, sem fim...!

Fonte:
Texto enviado por Samuel da Costa

Raul Pompéia (Um Vizinho Original)

Eu tive um vizinho original.

Era magro, comprido, poeta e tísico, tudo em grande dose. Poeta da velha idolatria das brisas, tísico do terceiro grau.

Quem o visse, à rua, enfiado no velho croisé como num tubo, espirrando para baixo as mirradas canelas, para cima, um pescoço de garça, nodoso e interminável, frágil apoio da cabecinha viva e inquieta, projetada para a frente, com o longo cavanhaque de poucos cabelos e os olhos fúlgidos arregalados, quem o encontrasse hesitaria em tomá-lo por um oficial de justiça, por causa do olhar extraordinário, e ver-se-ia reduzido a não formar opinião sobre aquele estranho transeunte, mal vestido, delgado, célere, como se tivesse medo de chamar atenção, fugitivo, quase fantástico.

O nosso poeta tinha uma filha moça, digna filha! Alta como o pai, como ele magra, alvíssima, talvez tuberculosa, provavelmente poetisa. Representava os restos de uns amores do poeta que deram em casamento, de um casamento que dera em droga.

Vivia das esperanças fugazes de uma cadeira de professora pública que lhe prometiam, havia anos, e que lhe não davam nunca. Além disso, tocava piano.

Tocava piano não exprime bem. A donzela, repetia, várias vezes ao dia, repisava, remola, uma certa e determinada música, invariável, pertinaz, uma espécie de balada, lânguida, desafinada, medonha!

O piano era um memorável tacho, de não sei que fabricante, diabólico. Produzia sons novos, inauditos, fenomenais, que davam ideia de fabuloso armazém de ferros velhos em revolução, harmonias assombrosas, não sonhadas por Wagner. Por um efeito incrível de contágio, parece que a enfermidade dos donos se comunicara ao piano. Eu era capaz de jurar que aquele piano estava tísico, tão perfeitamente ético como o magro vizinho. Havia notas tossidas, havia escalas escarradas... Ninguém imagina!

Deste monte de horrores, o pianista tinha a habilidade de extrair a sua música, a tal peça eterna e desesperadora.

Era um prodígio desafinado de doçuras, enxame de moscas sonoras zumbindo na clave de fá sobre pieguices requebradas e sentidas da clave de sol, como sobre compotas. Via-se na música da filha, o gênio do pai. Estava presente todo o alfenim da magra sentimentalidade dos vates da antiga escola. Era uma melodia a pingar melado; a enjoar de doçura.

O poeta adorava essa música. Alimentava o seu estro na beterraba e na cana daquele açúcar. Fecundada por essa inspiração de confeitaria, o referido estro dava à luz estrofes idiliais, onde o leite e o mel corriam pelos regatos e as cordilheiras eram legítimos pães de açúcar alinhados como na Serra dos Órgãos.

Estas obras-primas de lirismo lacrimejante e apaixonado apareciam, como sonâmbulas, a bracejar desvairadas, pelas colunas ineditoriais das folhas.

Não se calcula o sacrifício que se impunha o trovador para exalar em público, por glória de seu nome, os suspiros de sua alma a seis vinténs a linha.

Um belo dia o piano calou-se. Mau agouro! E o poeta não saía à rua...

Quando já a vizinhança se dava parabéns, pelo feliz desaparecimento do tal piano e da tal música, eis que de novo ressurge a melodia!

Desta vez, custava-se a ouvir. As janelas fechadas da casinha do poeta cobriam a música com o abafador de uma espessa surdina.

Nunca me pareceram tão profundamente irritantes aqueles sons. Possuíam, então, uma ternura estranha, pungente, revoltante! As notas não cantavam mais nem suspiravam - estertoravam. Era como uma série arquejante de derradeiros suspiros, ao longe. Uma agonia longínqua e interminável.

Fazia raiva aquilo! Terrível conspiração daquela pianista com aquele piano, daquela música com aquelas vidraças descidas... para me darem cabo dos nervos naquele dia!

Felizmente, a agonia acabou. A música subiu, num crescendo de círio expirante e morreu de chofre, como se lhe houvessem faltado as cordas do piano.
..................................................................

No dia seguinte, me explicaram o significativo da casa fechada e do reaparecimento da música. Adoecera e morrera o poeta lírico. Adivinhando a morte, mandara a filha ao piano tocar a melodia querida.

E adormecera o grande sono, ninado por aquela música, a dulçurosa irmã do seu estro.

Lirismo e tísica, escreveu o médico na certidão de óbito.

Fonte:
Raul Pompéia. Contos. Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Linguística da UFSC.

segunda-feira, 23 de maio de 2022

Adega de Versos 81: Pedro Maciel

 

Renato Benvindo Frata (A barata letrada)

Dia desses, entre caixas de papelão e pertences velhos guardados sem saber se ainda serão usados, chamou-me à atenção um pacote de livros antigos com a embalagem desfeita. O barbante se rompeu e o jornal com que estava embrulhado não suportou o peso do conteúdo e se rasgou nas bordas pedindo renovação do invólucro.

Ao desfazer o embrulho, uma gorda e lustrosa barata surgiu ligeira. Ela se assustou e eu me enojei soltando um palavrão. Tive ímpeto de esmagá-la como se fazem com as baratas, mas algo também instintivo brecou meu gesto: ela era diferente das baratas que normalmente se escondem pelos cantos enfiadas em gretas e frestas dos móveis; era grande, gorda, lustrosa, com as antenas bem definidas e de um verniz marrom que puxava para o amarelo. Seria de espécie diferente das demais baratas que habitam a casa? - Indaguei aos botões da camisa.

Parei para analisá-la enquanto ela se escondia próximo dali, deixando a casca brilhante à vista e, como não encontrei resposta imediata, voltei aos livros limpando-os com um pano úmido, até que em um em especial encontrei seu esconderijo: a barata se deliciava com um velho livro de Anne-Marie Cazalis, Mémoires d'une Anne, (Memórias d'uma Anna), biográfico de 1976 que eu havia tentado ler sem tê-lo conseguido.

A tradução do francês ao português ficara tão difícil que a vontade de conhecer mais sobre a vida da escritora foi sacrificada pela dificuldade com a língua, e o "deixa pra depois" ganhou da persistência que se deve ter em casos assim.

O fato é que aquela baratona lustrosa e gulosa comera boa parte da vida de Anne-Marie, deixando apenas o dorso e o rodapé do volume. E aí me pus a matutar. Ou a filosofar? 0u pensar besteiras quando não se tem muito a fazer?

O que teria levado a barata a "devorar" somente o livro da Anne-Marie quando teve outros à disposição? Seria pela qualidade do papel? Ou da tinta? Ou foi a história picante de vida da autora sobre seu envolvimento com a amiga Juliette Gréco, depois com Bóris Vian, Jean-Paul Sartre e suas viagens sistemáticas à África especialmente à Tunísia que lhe rendeu outro livro (Kadhafi, le Templier d'Allah)? Teria sido pelo contexto da obra, já que os demais livros do pacote eram de assuntos técnicos de administração e contabilidade?

Por mais que imaginasse não fiquei sabendo. Poderia gastar mil perguntas, mil "entretantos" e comparações e outra quantidade igual de indagações que não chegaria a bom termo. A barata simplesmente a comeu letra por letra no sentido literal do termo, e eu era a testemunha do fato. Ponto final.

Entre a dúvida se a matava ou não, apelidei-a Anne, justamente por ter absorvido toda história da escritora com a calma e persistência que eu deveria ter ao ler o livro, e preferi deixá-la quieta na fresta em que se escondera.

Não é sempre que se encontra barata letrada no porão…

Fonte:
Renato Benvindo Frata. Azarinho e o caga-fogo. Paranavaí/PR: Eg. Gráf. Paranavaí, 2014.
Livro enviado pelo autor.

Baú de Trovas XLVIII


Ah, poeta, como é lindo
teu trabalho, e quão fecundo...
– Noite e dia produzindo
sonhos novos para o mundo!
A. A. de Assis
Maringá/PR
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Almoço e janto poesia.
E neste meu universo,
mastigo um pão todo dia
amanteigado de verso.
Ademar Macedo
Santana do Matos/RN, 1951 – 2013, Natal/RN
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Que bom. chegando aos setenta,
saber, revendo os meus passos.
que é o bom DEUS que me sustenta
e me carrega em SEUS braços...
Almir Pinto de Azevedo
Cambuci/RJ
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Rompem-se os elos na terra,
(conteste quem for capaz).
No lugar de luta e guerra
nascerão lírios da paz!
Augusto Gasparini Filho
Salto/SP
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Amor de mulher no todo
é um anjo posto de rastros;
desce mais baixo que o lodo
ou sobe acima dos astros.
Colombina
São Paulo/SP, 1882 – 1963
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Numa página, a saudade;
no verso - não tem escolha -
quase sempre a mocidade
faz parte da mesma folha!...
Domitilla Borges Beltrame
São Paulo/SP
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Essa renúncia inimiga,
que diz "não", se eu quero "sim",
é uma voz fazendo intriga
quando responde por mim!
Elisabeth Souza Cruz
Nova Friburgo/RJ
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Minha sogra não reclama
do bom trato que lhe dou;
até de filho me chama,
só não diz que filho eu sou.
Élton Carvalho
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1994
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O poeta é a eterna criança
correndo atrás da ilusão,
que lhe foge, e ele não cansa
de tanto correr em vão!
Emiliano Perneta
Curitiba/PR, 1866 – 1921
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Morreu depois de uma sova,
e, como não tinha campa,
de uma orelha fez a cova
e da outra fez a tampa.
Emílio de Meneses
Curitiba/PR, 1816– 1918
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Tão suave é o teu carinho;
há nele a calma de um lago...
- Tem a ternura de um ninho
e a paz de um materno afago!
Hulda Ramos
Maringá/PR
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"Casamento... - alguém já disse -
é chegar à encruzilhada
onde acaba a criancice
e começa...a criançada..."
Izo Goldman
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP
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Sou da ética inimigo,
imoral na sociedade
se na mentira me abrigo
e silencio a verdade.
Jessé Nascimento
Angra dos Reis/RJ
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Surpreendente maravilha
a que agora me acontece:
Minha mãe é minha filha
na medida em que envelhece!
Jesy Barbosa
Campos/RJ, 1902 - 1987, Rio de Janeiro/RJ
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Fonte de sabedoria
que o mundo inteiro conhece,
a trova é a luz da poesia...
É a mais linda e doce prece!
Joamir Medeiros
Natal/RN
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Na insistência do carinho
de um amor que é quase incerto,
vou traçando o meu caminho
nas areias de um deserto!
Joana D'Arc da Veiga
Nova Friburgo/RJ
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No fim do túnel a luz
simboliza uma esperança;
quem a seu brilho conduz
a vitória sempre alcança.
João Batista Xavier Oliveira
Bauru/SP
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Ante o vazio que a invade,
eu penso, em meus devaneios,
que a praça sente saudade
também dos nossos passeios...
João Costa
Saquarema/RJ
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Toda noite ela regressa
em meus sonhos erradios…
Não há distância que a impeça
de estar… em meus desvarios...
João Freire Filho
Rio de Janeiro/RJ, 1941 – 2012
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Minha ventura retrata
pobre brinquedo distante;
- carrinho de velha lata,
puxado por um barbante!
Josué de Vargas Ferreira
Leopoldina/MG, 1925 - 2017, Ribeirão Preto/SP
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Cessa a luta na colina...
E Deus, ante o horror da guerra,
põe o algodão da neblina
sobre as feridas da terra.
Joubert de Araújo Silva
Cachoeiro de Itapemirim/ES, 1915 - 1993, Rio de Janeiro/RJ
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Morre o amor... E, em árduas cenas,
toda a herança que eu carrego
é a dor de ter sido apenas
um descuido do meu ego!
Manoel Cavalcante
Pau dos Ferros/RN
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Que a lei com todo o seu porte,
seja um escudo do bem...
E que a justiça do forte,
seja a do fraco também!
Mara Melinni
Caicó/RN

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Não vamos alongar prosa,
porque todo mundo vê:
a careca mais gostosa
é a careca do bebê.
Márcia Jaber
Juiz de Fora/MG
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Não te abras com teu amigo,
que ele um outro amigo tem,
e o amigo do teu amigo
possui amigos também...
Mário Quintana
Alegrete/RS, 1906 – 1994, Porto Alegre/RS
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Nos momentos de emoção,
quebro as regras que me imponho
e deixo que o coração
viaje ao mundo do sonho.
Marisa Vieira Olivaes
Porto Alegre/RS
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Mesmo que um poeta morra,
ele deixa a sua herança:
um verso seu que socorra
quem já perdeu a esperança!
Plácido Ferreira do Amaral Jr.
Caicó/RN
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Pelas manhãs vou buscando
minha esperança perdida...
Há sempre um sonho vagando
nas alvoradas da vida!
Professor Garcia
Caicó/RN
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Acendo estrelas do nada
com meu condão de magia,
derramo luzes na estrada
com o farol da poesia.
Raul Poli
Coronel Pilar/RS, 1946 – 2004, Caxias do Sul/RS
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A tristeza em minha casa
está num quarto vazio:
de dia. a saudade abrasa,
à noite, mata de frio...
Roberto Pinheiro Acruche
Sâo Francisco de itabapoana/RJ
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Mesmo quando se fracassa
e a vida é um mar de incerteza,
a esperança, embora escassa,
é sempre uma vela acesa!
Roberto Resende Vilela
Pouso Alegre/MG
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Tabagista de pijama,
distraído e matusquela...
Jogou "pituca" na cama
e se atirou da janela!
Roberto Tchepelentyky
São Paulo/SP
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Nosso encontro... o beijo a medo…
a carícia fugidia…
- Nosso amor era segredo,
mas, todo mundo sabia!…
Rodolpho Abbud
Nova Friburgo/RJ, 1926 – 2013
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Fim do meu rumo... Eu grisalho...
Dos netos, entre os carinhos,
pareço um velho espantalho
cercado de passarinhos!
Romeu Gonçalves da Silva
Juiz de Fora/MG, 1914 – 1984, Rio de Janeiro/RJ
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Os animais hoje em dia
têm mais sensibilidade:
vivem mais em harmonia
que essa insana humanidade...
Ronnaldo Andrade
São Paulo/SP
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A atitude petulante
que eu lia na sua face
foi de fato relevante...
Destruiu nosso enlace!
Sá de Carvalho
Angra dos Reis/RJ
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Detalhes, quantos e quantos,
vão nossas vidas marcando.
Mas nenhum, em meio a tantos,
dói mais que um lenço acenando...
Sandro Pereira Rebel
Niterói/RJ
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Meu palhacinho de pano,
quantas vezes te surrei!
Hoje a vida e o desengano
dão-me as surras que eu te dei!
Sarah Mariany Kanter
São Paulo/SP
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Quando uma vida se passa
sem virtudes... sem pecados...
é como festa sem graça,
vazia de convidados!
Sebas Sundfeld
Pirassununga/SP, 1924 – 2015, Tambaú/SP
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De filigranas bordadas,
brilham no céu as estrelas
como joias lapidadas,
que o luar vem acendê-las.
Sônia Maria Sobreira da Silva
Rio de Janeiro/RJ
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Foi para o campo o migrante,
sonhador, plantou, colheu...
E agora é parte integrante
daquele chão que o acolheu,
Sônia Regina Rocha Rodrigues
Santos/SP
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Não sei se tenho alegria
ou se tenho um desprazer,
mas minha alma se arrepia,
à noite, ao escurecer.
Talita Batista
Campos dos Goytacazes/RJ
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Rica e doce língua minha
feita de arrulhos e brados,
és mãe, fadista e rainha
cuja voz canta meus fados!
Thalma Tavares
São Simão/SP
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É noite... a cama arrumada...
o rádio de pilha mudo...
Sua foto... e, nesse "nada",
a sua presença... em tudo!
Therezinha Dieguez Brisolla
São Paulo/SP
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São três os símbolos santos
de um drama sem paralelo,
molhados de sangue e prantos:
a Cruz, o Cravo e o Martelo...
Vera Vargas
Curitiba/PR, 1922 - 2000
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Euforia, minha gente,
faz inveja ao coração,
pois sempre que alguém a sente,
vem logo a desilusão.
Verlaine Terres
Gravataí/RS