sábado, 16 de janeiro de 2010

Trova 107 - Roza de Oliveira (Curitiba/PR)

Aluísio de Azevedo (A Mortalha de Alzira)


A mortalha de Alzira é o oitavo romance de Aluísio Azevedo, já conhecido do público leitor por obras como O mulato, de 1881. Publica A mortalha de Alzira sob o pseudônimo de Vítor Leal, em forma de folhetim, no jornal Gazeta de Notícias, de 13 de fevereiro a 23 de março de 1891. Em 1892 A mortalha de Alzira publicado em volume, alcançando muito sucesso: foram vendidos 10.000 exemplares em três anos, o que, na época, foi considerado um recorde. A mortalha de Alzira é o único livro do autor que se passa na sua íntegra fora do país, na França, no período do reino de Luís XV, século XVIII, nos arredores de Paris.

Sua história é a eterna luta entre a fé e o erótico: o padre Angelo busca desesperadamente reprimir sua paixão pela cortesã Alzira. Mostra também Aluísio Azevedo a corrupção da Igreja, sua ligação com a aristocracia em processo de decadência. Aluísio Azevedo viveu num período em que a luta da fé contra o livre pensamento estava na ordem do dia: no Brasil, o comportamento do clero, devasso e corrupto, levava os escritores a uma posição anticlerical, e A mortalha de Alzira pode ser considerado um documento nesse sentido. Os romances-folhetins eram em geral romances românticos, mas, quando do início da escola naturalista, faziam muito sucesso os elementos naturalistas que, convivendo com a intriga romântica, passaram a aparecer nos folhetins. Neste momento, na França, havia uma forte onda anticlerical, com a campanha pela criação das escolas leigas.

Da França (Zola) e Portugal (Eça de Queirós) vieram as principais influências da escola naturalista, inaugurada por Aluísio Azevedo com O mulato. Em A mortalha de Alzira encontramos elementos românticos (sonhos, devaneios) e naturalistas. A corrente naturalista no Brasil seguiu o período de mudanças profundas por que passava a sociedade brasileira: decadência da estrutura agrária; fim da guerra do Paraguai; movimentos abolicionistas; luta da Igreja Católica contra a Maçonaria; a vida urbana e seus trabalhadores livres; revolução nas ciências. Em todo o mundo, houve avanços nas pesquisas científicas e na avaliação da importância do conhecimento científico. Falava-se do mundo racional, em oposição ao mundo fantasioso e cristão, de verdades absolutas, do período medieval. A literatura da era "materialista" no Brasil desdenhará o sentimento, e com ele o sentimentalismo romântico, indo buscar a "verdade" dos fatos precisamente observados e recolhidos documentalmente.

É neste contexto que as questões individuais de anomalias de comportamento (como o sacerdote, de A mortalha de Alzira) tiveram um preponderante papel: ao investigar através da ciência que se desenvolvia à época o comportamento humano, os autores naturalistas queriam afirmar os condicionamentos do meio sobre o indivíduo; com isso, denunciavam a injustiça de certas instituições e mostravam alguns comportamentos perturbados ou doentios daí decorrentes. Em A mortalha de Alzira o crítico Moisés Massaud considera inovador o fato que o histérico seja um homem, no caso um padre; pois, até então, eram as mulheres as histéricas, e vários romances à época trataram do tema da histeria feminina. Também considera importante o fato de que Aluísio Azevedo denuncia a educação recebida pelo sacerdote como a razão de seu infortúnio, por não lhe ter permitido escolher um outro destino. A figura do médico, muito comum nos romances naturalistas, também está presente em A mortalha de Alzira (o dr. Cobalt), confundindo-se com o próprio romancista, pois é quem investiga o comportamento da personagem/paciente.

Fonte:
http://www.resumosdelivros.com.br/

Antonio Celso de Oliveira (Entre os muros da escola: uma aproximação entre literatura e cinema)


Resumo: Uma leitura do filme e livro "Entre os Muros da Escola". A partir desta obra localiza um processo de reflexão sobre as relações entre literatura e cinema.

Consideramos que literatura e cinema sempre estiveram muito próximos quanto à estrutura de comunicação artística ou de manifestação cultural da sociedade moderna. A literatura como estrutura de narrativa escrita, e o cinema como narrativa das imagens. Assim, os dois, em suas dadas especificidades, constroem um universo de representações simbólicas que paira entre o criador e o espectador.

Entre estes, funda-se um mundo novo, sustentado pela obra que os une. Neste espaço, a mensagem, sequência de idéias que compõe um texto escrito ou um filme em suas imagens, dois tipos de narrativas diferentes, pela ação do espectador, ganha um novo sentido. A literatura tem suas especificidades, propriedades do escritor que vive em um mundo de experiências sócio-históricas. O que cria desprende-se como resultado de interações.

E não é fácil escrever, seja o que for - ficção ou realidade. Criar um universo de personagens literários cremos que seja mais difícil ainda. Ainda assim, para que a literatura, como criação, realize seus intentos , depende do leitor. Um desdobramento para além do escritor e de seu universo criador. Recordo-me de um debate sobre literatura, de ensaístas e críticos com o escritor Mario Prata, que quando interrogado sobre o porquê escrevia simplesmente respondeu: “Escrevemos na esperança de que alguém leia. E quando leem reconstroem meu texto”. Além disso, não podemos esquecer que, teoricamente, durante longo tempo, a escrita e leitura foram confundidas como mesmo espaço de apreensão cognitiva. Hoje, sabemos que ocupam espaços diferentes, recriam-se. Ações diferenciadas, integradas, definem novos espaços como universos iniciais que, assim distintos, conformam outros. Este diferencial de criar e recriar em espaços de sensações tão distintos é um dos fundamentos que leva a literatura a interagir com o cinema.

Em relação ao filme, podemos afirmar que, desde seu princípio, tem ponto de partida muito diferente da literatura. O filme já em seu inicio é resultado coletivo. O cinema como arte, mesmo quando definido como de autor, só pode acontecer pelo trabalho de um conjunto de pessoas. Nos dias atuais, realizar um filme demanda um enorme grupo de profissionais que disponibilizam suas especialidades, sistematizadas no interior da obra. O diretor é a peça chave, mas há as marcas de cada indivíduo no transcorrer da realização e que se pode perceber no resultado final. E mais ainda, o cinema é sempre apresentado para grupos de pessoas. Normalmente, afirma-se que uma dada produção cinematográfica não tem sentido sem o “espaço cinema” de projeção, ali onde está o público. Podemos afirmar efetivamente que o cinema é a arte criada de maneira coletiva e só é plenamente realizada com o reconhecimento do público.

Se bem que na verdade, para todas as formas artísticas, o tornar público, a publicação e sua apreciação, aceitação e intervenção exercida pelo espectador é que dará sentido a sua existência como produção cultural de uma época. É com o público que se funda uma obra de arte. É com o público que uma produção cultural ganha o status de obra. Assim, ocorre a necessária passagem ou trajetória que conduz do particular para o universal.

Seu sentido de totalidade deve tender às expectativas dos interlocutores, principalmente em suas projeções, sonhos, e nesta nova dimensão ou mistura, é que pode tomar outro sentido que aquele premeditado pelo seu autor. A obra depois da interação, criador /espectador, ganha novo sentido ou a sua própria condição de bem cultural. A leitura muda, transforma, o escrito ou o sentido pensado pelo autor da mesma forma que no cinema, diante do público é que o filme ganha dimensão e sentido diferente do que o inicialmente proposto pelos realizadores.

Ganhar sentido é ter a apreciação do público. Com certeza, esta ocorrência deve ser, necessariamente, fato em qualquer tipo de produção cultural. O destaque que fazemos em relação à literatura e ao cinema é pela condição de que os dois apresentam dependência do entrelaçamento entre auto r e espectador, as duas pontas da realização, para que possam ser reconhecidos como tal. Obra cultural de uma época refletida no artista e observador, produtor e consumidor, ai está a propriedade da obra.

Entrelaçamento fundamental para definir a perenidade ou não de sua existência. Tratando-se de literatura e cinema, queremos destacar a possibilidade especial de esta relação manter espaços especiais de uma influenciar a outra em seu princípio criador. Claro que sabemos de várias obras artísticas ou culturais que influenciaram ou foram o princípio inspirador para a existência de outra. E elas não necessariamente estavam no universo da literatura e do cinema. Sabemos ainda que a inspiração artística ou a capacidade de tradução do mundo real e concreto pelo artista misturam-se nas várias linguagens antes de definir sua forma final. Em grande parte, existem obras que guardam semelhanças em suas performances ou mensagem, daí então movimentos ou escolas que expressam determinado conjunto de leitura, significação e interpretação do mundo.

Neste aspecto é que queremos destacar a interação entre literatura e cinema como uma constante parceria entre dois tipos de narrativa e que na maioria das vezes a literatura serve de inspiração ou base de construção da obra cinematográfica. Dizemos maioria porque o roteiro de “2001 uma odisséia no espaço”, escrito a quatro mãos por Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke, é que serviu de base para o livro do mesmo título, de Arthur C. Clarke, lançado posteriormente ao filme.

Vários filmes foram produzidos a partir de obras literárias. Alguns serviram como base inspiradora do roteiro, outros foram diretamente adaptados. Seria difícil citar todos desde o princípio do cinema. No entanto, para não passar em branco vamos lembrar alguns que já são referências neste tipo de discussão.

O filme sobre a guerra do Vietnam , Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola, é um deles. O roteiro do filme foi escrito por Coppola com John Milius inspirado no romance “O Coração das Trevas (Heart of Darkness 1902 )”, do escritor polonês Joseph Conrad. A idéia central do livro é que conduz ao tema d o filme. Uma profunda reflexão sobre as trevas interiores dos homens e suas ações exteriores, no caso do filme, no conflito gerado pela guerra. Abril Despedaçado, livro do albanês Ismail Kadaré que aborda o tema “vendetas entre as famílias das montanhas albanesas” também serviu de fonte inspiradora para o filme homônimo dirigido por Walter Salles, com roteiro escrito junto com Sérgio Machado e Karim Aïnouz. O filme de Salles destaca o tema “vendetas de famílias” a partir das disputas de terras e rixas de famílias no sertão do nordeste brasileiro na década de 1920.

Uma das mais famosas parcerias entre literatura e cinema foi E o Vento Levou (Gone With The Wind ), com direção de Victor Fleming e roteiro Sidney Howard, baseado em livro de Margaret Mitchell sobre a guerra civil americana. Antes de virar filme, o livro havia sido grande sucesso de público em todo EUA, o que se repetiu com o filme. Ao ser praticamente vertido para o cinema, com toda a grande pompa do romance, a história e os personagens só tiveram sua popularidade ampliada. Mais recentemente, tivemos a produção “Balzac e a costureirinha chinesa”, que foi dirigido por Dai Sijie com roteiro dele e Nadine Perront, baseado em livro homônimo escrito pelo próprio Dai Sijie. Um belo filme que aborda o período da “Revolução Cultural Chinesa”, o que foi a reeducação dos intelectuais urbanos p elos valores camponeses no processo da pós– revolução maoísta. E, a partir de Balzac, destaca a importância da literatura na formação da consciência individual.

Atualmente, temos um filme francês em destaque, resultado desta interação entre literatura e cinema, que vem causando certo movimento entre os apreciadores destas duas formas de produção cultural. Na verdade, filme e romance, pois o livro com o mesmo título foi lançado recentemente no Brasil pela livraria e editora Martins Fontes. O texto tem estrutura muito interessante para quem gosta d e literatura. O livro pode ser destacado como literatura sem igual, tem um texto ágil e instigante que faz sua leitura muito interessante. Podemos dizer que parece muito uma crônica escolar. O cotidiano transborda e quase suprime o tema. Assistir ao filme antes da leitura não significa leitura monótona. Os dois têm solidez no andamento das narrativas e guardam as diferenças de suas dimensões e especificidades, o que faz a leitura fluir bem, mesmo que se tenha o domínio da história a partir do filme.

O filme é “Entre os Muros da Escola”, dirigido por Laurent Cantet, roteiro de Laurent Cantet, François Bégaudeau e Robin Campillo, baseado em livro homônimo de François Bégaudeau. A sua condição de interação entre literatura e cinema nos traz boas novidades. Em certa medida, coloca-o muito próximo da produção francesa “Balzac e a costureirinha chinesa”. O diferencial é que “Entre os Muros da Escola” vai mais além, pois as peculiaridades desta integração são maiores e expandem um pouco mais o relacionamento entre as duas artes. François Bégaudeau escreveu o romance a partir de sua experiência profissional como professor do ensino fundamental nas escolas públicas francesas. Trabalhou na adaptação do roteiro e interpreta o personagem principal. Realmente uma situação inusitada.

“Entre os Muros da Escola” foi premiado como melhor filme no festival de Cannes 2009. Observando seu conteúdo, inicialmente podemos verificar algumas questões que nos chamam a atenção. Num primeiro momento, quando paramos no título, pode parecer ser mais um dos filmes de escola em que o professor, instituição e alunos se digladiam por interesses divergentes. Não que não seja isto. A situação de conflito está em praticamente todas as cenas. Podemos até afirmar que os conflitos gerais viram subtema. Isto porque seu tema vai muito mais além que estes conflitos intraescolares. O tema gira em torno da redefinição da ação escolar ou do sentido da instituição escolar no universo cultural que sustenta as relações entre as diferentes gerações na sociedade globalizada. Difícil dizer que são simplesmente diferenças culturais. Ao mesmo tempo que observamos interesses que convergem, expectativas que aproximam, lazer comum, parece que os mundos estão distantes. A dificuldade de apropriação cultural entre os membros de uma mesma comunidade escolar que têm dificuldade com a compreensão cultural da língua e vivem no mesmo espaço geográfico. A complexidade de comunicação entre diferentes culturas e gerações dentro de um mesmo universo linguístico que intermitentemente se aproximam e se afastam no interior da instituição escolar. Ali deparamos com as questões culturais que assolam as relações de migrações na Europa atual. E isto num momento em que a mídia burguesa divulga o processo de globalização com a integração entre todas as partes do mundo. Oriundos de regiões colonizadas pelos franceses, os alunos falam a língua francesa, mas sem entender a profundidade da cultura francesa, ou mais propriamente o que seria esta “França Civilizada”. No final, vemos dois mundos hostis num mesmo universo. O conflito professor-aluno-instituição ganha dimensão diferenciada. Diversa da até então provada em nossas escolas.

A escola, os professores e todo o sistema é muito parecido com o que temos aqui no Brasil. A forma de tratamento até que transparece uma certa condição de respeitabilidade dos alunos para com a escola e os professores. A dinâmica das aulas desenrola-se com as tensões com que estamos acostumados a conviver. Somente aos poucos vamos percebendo que o conflito não está nas relações que estamos acostumados a vivenciar. A questão é mais complexa, pois a apropriação d a língua não se revela como a própria apropriação cultural. Percebe-se um distanciamento entre o universo cultural linguístico do professor diante do aluno. O domínio da língua deve ir além, passa pela participação no conjunto da produção cultural. E isto está distante dos alunos oriundos da região das ex-colônias ou dos países que atualmente migram para a Europa em busca de trabalho e melhores condições de vida.

Momentos do filme em que transborda a tensão acontecem quando a direção ou o professor tem que falar com os pais que nada entendem do francês. Dependem da tradução dos alunos para serem entendidos. As questões institucionais disciplinares ficam no ar, sem chão. Um vácuo cultural de valores que suplantam conceitos científicos que ordenam as instituições escolares modernas. E isto acontecendo na França que foi o berço da declaração dos direitos humanos, que norteou toda uma suposta sociedade humanística pautada na igualdade, liberdade e fraternidade. E a escola que deveria ser resultado deste momento da nova sociedade humanista acaba como expressão da exclusão econômica e cultural da maior parte dos jovens ou das futuras gerações.

A partir desta leitura é que podemos apontar o filme como um manifesto antropológico do século XXI. Referencia-se um dos problemas culturais mais complexos do processo de globalização do neoliberalismo desta sociedade apontada como a mais avançada. A reordenação econômica é o novo tipo de desenvolvimento social em um mundo cada vez mais distante de atender as necessidades humanas. Esta realidade diariamente produz milhões de desvalidos. A escola como espaço de percepção e convivências e aprofundamento destas distorções. Os jovens de diversos lugares do mundo que no espaço escolar vão resignificar o espaço da comunicação oral e escrita da sociedade global no século XXI. Negros, árabes, judeus e asiáticos, que se veem franceses que aportam da colônia e não dominam a comunicação ou a língua no sentido mais básico para garantir sua participação cultural. Neste processo, a exclusão toma uma nova dimensão e redimensiona os conflitos entre centro e periferia econômica e conflitos diferenciados ente gerações. O conflito como retorno da cultura da periferia ao centro dentro de nova dinâmica. A cultura européia em sua mais elevada realização é solapada pela sua própria estrutura que a conduziu a um espaço de relações ainda não experimentado. Não é somente a visão do jovem que deve ser orientada pela instituição escola e sim a escola que rodopia na borda de um vulcão alimentado pelo processo de globalização econômica de exclusão e expropriação dos bens naturais.

Enfim, o livro merece ser lido e o filme projetado e discutido pelas pessoas que se interessam pelos rumos do mundo atual. Os profissionais da educação, com certeza, perceberão um fértil espaço de debate e reflexão, que é pertinente às obras de arte e às produções culturais significativas para uma época.

Referências
BÉGAUDEAU, François. Entre os Muros da Escola. Tradução Marina Ribeiro Leite. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

Fonte:
Revista Espaço Acadêmico. n. 100. Maringá: UEM. Setembro de 2009.

Rubem Braga (Viúva na praia)


Ivo viu a uva; eu vi a viúva. Ia passando na praia, vi a viúva, a viúva na praia me fascinou. Deitei-me na areia, fiquei a contemplar a viúva.

0 enterro passara sob a minha janela; o morto eu o conhecera vagamente; no café da esquina. a gente se cumprimentava às vezes, murmurando "bom dia"; era um homem forte, de cara vermelha; as poucas vezes que o encontrei com a mulher ele não me cumprimentou, fazia que não me via; e eu também. Lembro-me de que uma vez perguntei os horas ao garçom, e foi aquele homem que respondeu; agradeci; este foi nosso maior diálogo. Só ia à praia aos domingos, mas ia de carro, um "Citroen", com a mulher, o filho e a barraca, para outra praia mais longe. A mulher ia às vezes à praia com o menino, em frente à minha esquina, mas só no verão. Eu passava de longe; sabia quem era, que era casada, que talvez me conhecesse de vista; eu não a olhava de frente.

A morte do homem foi comentada no café; eu soube, assim, que ele passara muitos meses doente, sofrera muito, morrera muito magro e sem cor. Eu não dera por sua falta, nem soubera de sua doença.

E agora estou deitado na areia, vendo a sua viúva. Deve uma viúva vir à praia? Nossa praia não é nenhuma festa; tem pouca gente; além disso, vamos supor que ela precise trazer o menino, pois nunca a vi sozinha na praia. E seu maiô é preto. Não que o tenha comprado por luto; já era preto. E ela tem, como sempre, um ar decente; não olha para ninguém, a não ser para o menino, que deve ter uns dois anos.

Se eu fosse casado, e morresse, gostaria de saber que alguns dias depois minha viúva iria à praia com meu filho — foi isso o que pensei, vendo a viúva. É bem bonita, a viúva. Não é dessas que chamam a atenção; é discreta, de curvas discretas, mas certas. Imagino que deve ter 27 anos; talvez menos, talvez mais, até 30. Os cabelos são bem negros; os olhos são um pouco amendoados, o nariz direito, a boca um pouco dentucinha, só um pouco; a linha do queixo muito nítida.

Ergueu-se, porque, contra suas ordens, o garoto voltou a entrar n'água. Se eu fosse casado, e morresse, talvez ficasse um pouco ressentido ao pensar que, alguns dias depois, um homem — um estranho, que mal conheço de vista, do café — estaria olhando o corpo de minha mulher na praia. Mesmo que olhasse sem impertinência, antes de maneira discreta, como que distraído.

Mas eu não morri; e eu sou o outro homem. E a idéia de que o defunto ficaria ressentido se acaso imaginasse que eu estaria aqui a reparar no corpo de sua viúva, essa idéia me faz achá-lo um tolo, embora, a rigor, eu não possa lhe imputar essa idéia, que é minha. Eu estou vivo, e isso me dá uma grande superioridade sobre ele.

Vivo! Vivo como esse menino que ri, jogando água no corpo da mãe que vai buscá-lo. Vivo como essa mulher que pisa a espuma e agora traz ao colo o garoto já bem crescido. 0 esforço faz-lhe tensos os músculos dos braços e das coxas; é bela assim, marchando com a sua carga querida.

Agora o garoto fica brincando junto à barraca e é ela que vai dar um mergulho rápido, para se limpar da areia. Volta. Não, a viúva não está de luto, a viúva está brilhando de sol, está vestida de água e de luz. Respira fundo o vento do mar, tão diferente daquele ar triste do quarto fechado do doente, em que viveu meses. Vendo seu homem se finar; vendo-o decair de sua glória de homem fortão de cara vermelha e de seu império de homem da mulher e pai do filho, vendo-o fraco e lamentável, impertinente e lamurioso como um menino, às vezes até ridículo, às vezes até nojento...

Ah, não quero pensar nisso. Respiro também profundamente o ar limpo e livre. Ondas espoucam ao sol. O sol brilha nos cabelos e na curva de ombro da viúva. Ela está sentada, quieta, séria, uma perna estendida, outra em ângulo. 0 sol brilha também em seu joelho. O sol ama a viúva. Eu vejo a viúva.

Rio, setembro, 1958

Fontes:
- BRAGA, Rubem. Ai de ti, Copacabana. RJ: Ed. Do Autor, 1960.
- Imagem = http://tadeupaulemversos.blogspot.com/

Celito Medeiros (Poesias Avulsas)


Fonte:
Colaboração do Autor

Carina Paccola (O Vento)



O vento soprou tanto, tão forte e tão ruidoso, que me perguntei o que ele queria tanto afastar do céu. Tenho medo de chuvas e ventos fortes. Mesmo protegida, não consigo dormir tranqüila. Acordo a todo instante, vou conferir pela janela se está tudo em ordem do lado de fora. Vejo as árvores balançando. Nenhuma alma viva pela rua.

Quando o dia clareia, parece que tive pesadelos a noite toda. Confiro novamente a janela. Vejo que o cavalinho vermelho do play-ground foi parar na quadra de esportes. Fico com dó do cavalinho. Separou-se dos irmãos e está ali, jogado, sozinho.

Na área de serviço, recolho as toalhas de banho esticadas no varal. Todas sequinhas. Apanharam do vento a noite toda. Recolho uma por uma e penso o que foi que o vento tanto gritou durante a noite. Imagino que as palavras do vento estão escondidas na trama das toalhas e nunca entenderei seu significado.

Fico pensando o que a natureza pode querer me dizer: que eu varra com a força dos ventos o que me faz mal? Seja lá o que for, a única mensagem compreensível é que está muito frio lá fora e é melhor eu me agasalhar.
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Carina Paccola é jornalista em Londrina, PR.
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Fontes:
Jornal Guata. Foz do Iguaçu.
Imagem = http://www.jurassicos.com.br

Júlio Cortazar (Casa Tomada)



Gostávamos da casa porque, além de ser espaçosa e antiga (as casas antigas de hoje sucumbem às mais vantajosas liquidações dos seus materiais), guardava as lembranças de nossos bisavós, do avô paterno, de nossos pais e de toda a nossa infância.

Acostumamo-nos Irene e eu a persistir sozinhos nela, o que era uma loucura, pois nessa casa poderiam viver oito pessoas sem se estorvarem. Fazíamos a limpeza pela manhã, levantando-nos às sete horas, e, por volta das onze horas, eu deixava para Irene os últimos quartos para repassar e ia para a cozinha. O almoço era ao meio-dia, sempre pontualmente; já que nada ficava por fazer, a não ser alguns pratos sujos. Gostávamos de almoçar pensando na casa profunda e silenciosa e em como conseguíamos mantê-la limpa. Às vezes chegávamos a pensar que fora ela a que não nos deixou casar. Irene dispensou dois pretendentes sem motivos maiores, eu perdi Maria Esther pouco antes do nosso noivado. Entramos na casa dos quarenta anos com a inexpressada idéia de que o nosso simples e silencioso casamento de irmãos era uma necessária clausura da genealogia assentada por nossos bisavós na nossa casa. Ali morreríamos algum dia, preguiçosos e toscos primos ficariam com a casa e a mandariam derrubar para enriquecer com o terreno e os tijolos; ou melhor, nós mesmos a derrubaríamos com toda justiça, antes que fosse tarde demais.

Irene era uma jovem nascida para não incomodar ninguém. Fora sua atividade matinal, ela passava o resto do dia tricotando no sofá do seu quarto. Não sei por que tricotava tanto, eu penso que as mulheres tricotam quando consideram que essa tarefa é um pretexto para não fazerem nada. Irene não era assim, tricotava coisas sempre necessárias, casacos para o inverno, meias para mim, xales e coletes para ela. Às vezes tricotava um colete e depois o desfazia num instante porque alguma coisa lhe desagradava; era engraçado ver na cestinha aquele monte de lã encrespada resistindo a perder sua forma anterior. Aos sábados eu ia ao centro para comprar lã; Irene confiava no meu bom gosto, sentia prazer com as cores e jamais tive que devolver as madeixas. Eu aproveitava essas saídas para dar uma volta pelas livrarias e perguntar em vão se havia novidades de literatura francesa. Desde 1939 não chegava nada valioso na Argentina. Mas é da casa que me interessa falar, da casa e de Irene, porque eu não tenho nenhuma importância. Pergunto-me o que teria feito Irene sem o tricô. A gente pode reler um livro, mas quando um casaco está terminado não se pode repetir sem escândalo. Certo dia encontrei numa gaveta da cômoda xales brancos, verdes, lilases, cobertos de naftalina, empilhados como num armarinho; não tive coragem de lhe perguntar o que pensava fazer com eles. Não precisávamos ganhar a vida, todos os meses chegava dinheiro dos campos que ia sempre aumentando. Mas era só o tricô que distraía Irene, ela mostrava uma destreza maravilhosa e eu passava horas olhando suas mãos como puas prateadas, agulhas indo e vindo, e uma ou duas cestinhas no chão onde se agitavam constantemente os novelos. Era muito bonito.

Como não me lembrar da distribuição da casa! A sala de jantar, lima sala com gobelins, a biblioteca e três quartos grandes ficavam na parte mais afastada, a que dá para a rua Rodríguez Pena. Somente um corredor com sua maciça porta de mogno isolava essa parte da ala dianteira onde havia um banheiro, a cozinha, nossos quartos e o salão central, com o qual se comunicavam os quartos e o corredor. Entrava-se na casa por um corredor de azulejos de Maiorca, e a porta cancela ficava na entrada do salão. De forma que as pessoas entravam pelo corredor, abriam a cancela e passavam para o salão; havia aos lados as portas dos nossos quartos, e na frente o corredor que levava para a parte mais afastada; avançando pelo corredor atravessava-se a porta de mogno e um pouco mais além começava o outro lado da casa, também se podia girar à esquerda justamente antes da porta e seguir pelo corredor mais estreito que levava para a cozinha e para o banheiro. Quando a porta estava aberta, as pessoas percebiam que a casa era muito grande; porque, do contrário, dava a impressão de ser um apartamento dos que agora estão construindo, mal dá para mexer-se; Irene e eu vivíamos sempre nessa parte da casa, quase nunca chegávamos além da porta de mogno, a não ser para fazer a limpeza, pois é incrível como se junta pó nos móveis. Buenos Aires pode ser uma cidade limpa; mas isso é graças aos seus habitantes e não a outra coisa. Há poeira demais no ar, mal sopra uma brisa e já se apalpa o pó nos mármores dos consoles e entre os losangos das toalhas de macramê; dá trabalho tirá-lo bem com o espanador, ele voa e fica suspenso no ar um momento e depois se deposita novamente nos móveis e nos pianos.

Lembrarei sempre com toda a clareza porque foi muito simples e sem circunstâncias inúteis. Irene estava tricotando no seu quarto, por volta das oito da noite, e de repente tive a idéia de colocar no fogo a chaleira para o chimarrão. Andei pelo corredor até ficar de frente à porta de mogno entreaberta, e fazia a curva que levava para a cozinha quando ouvi alguma coisa na sala de jantar ou na biblioteca. O som chegava impreciso e surdo, como uma cadeira caindo no tapete ou um abafado sussurro de conversa. Também o ouvi, ao mesmo tempo ou um segundo depois, no fundo do corredor que levava daqueles quartos até a porta. Joguei-me contra a parede antes que fosse tarde demais, fechei-a de um golpe, apoiando meu corpo; felizmente a chave estava colocada do nosso lado e também passei o grande fecho para mais segurança.

Entrei na cozinha, esquentei a chaleira e, quando voltei com a bandeja do chimarrão, falei para Irene:

— Tive que fechar a porta do corredor. Tomaram a parte dos fundos.

Ela deixou cair o tricô e olhou para mim com seus graves e cansados olhos.

— Tem certeza?

Assenti.

— Então — falou pegando as agulhas — teremos que viver deste lado.

Eu preparava o chimarrão com muito cuidado, mas ela demorou um instante para retornar à sua tarefa. Lembro-me de que ela estava tricotando um colete cinza; eu gostava desse colete.

Os primeiros dias pareceram-nos penosos, porque ambos havíamos deixado na parte tomada muitas coisas de que gostávamos. Meus livros de literatura francesa, por exemplo, estavam todos na biblioteca. Irene pensou numa garrafa de Hesperidina de muitos anos. Freqüentemente (mas isso aconteceu somente nos primeiros dias) fechávamos alguma gaveta das cômodas e nos olhávamos com tristeza.

— Não está aqui.

E era mais uma coisa que tínhamos perdido do outro lado da casa.

Porém também tivemos algumas vantagens. A limpeza simplificou-se tanto que, embora levantássemos bem mais tarde, às nove e meia por exemplo, antes das onze horas já estávamos de braços cruzados. Irene foi se acostumando a ir junto comigo à cozinha para me ajudar a preparar o almoço. Depois de pensar muito, decidimos isto: enquanto eu preparava o almoço, Irene cozinharia os pratos para comermos frios à noite. Ficamos felizes, pois era sempre incômodo ter que abandonar os quartos à tardinha para cozinhar. Agora bastava pôr a mesa no quarto de Irene e as travessas de comida fria.

Irene estava contente porque sobrava mais tempo para tricotar. Eu andava um pouco perdido por causa dos livros, mas, para não afligir minha irmã, resolvi rever a coleção de selos do papai, e isso me serviu para matar o tempo. Divertia-nos muito, cada um com suas coisas, quase sempre juntos no quarto de Irene que era o mais confortável. Às vezes Irene falava:

— Olha esse ponto que acabei de inventar. Parece um desenho de um trevo?

Um instante depois era eu que colocava na frente dos seus olhos um quadradinho de papel para que olhasse o mérito de algum selo de Eupen e Malmédy. Estávamos muito bem, e pouco a pouco começamos a não pensar. Pode-se viver sem pensar.

(Quando Irene sonhava em voz alta eu perdia o sono. Nunca pude me acostumar a essa voz de estátua ou papagaio, voz que vem dos sonhos e não da garganta. Irene falava que meus sonhos consistiam em grandes sacudidas que às vezes faziam cair o cobertor ao chão. Nossos quartos tinham o salão no meio, mas à noite ouvia-se qualquer coisa na casa. Ouvíamos nossa respiração, a tosse, pressentíamos os gestos que aproximavam a mão do interruptor da lâmpada, as mútuas e freqüentes insônias.

Fora isso tudo estava calado na casa. Durante o dia eram os rumores domésticos, o roçar metálico das agulhas de tricô, um rangido ao passar as folhas do álbum filatélico. A porta de mogno, creio já tê-lo dito, era maciça. Na cozinha e no banheiro, que ficavam encostados na parte tomada, falávamos em voz mais alta ou Irene cantava canções de ninar. Numa cozinha há bastante barulho da louça e vidros para que outros sons irrompam nela. Muito poucas vezes permitia-se o silêncio, mas, quando voltávamos para os quartos e para o salão, a casa ficava calada e com pouca luz, até pisávamos devagar para não incomodar-nos. Creio que era por isso que, à noite, quando Irene começava a sonhar em voz alta, eu ficava logo sem sono.)

É quase repetir a mesma coisa menos as conseqüências. Pela noite sinto sede, e antes de ir para a cama eu disse a Irene que ia até a cozinha pegar um copo d'água. Da porta do quarto (ela tricotava) ouvi barulho na cozinha ou talvez no banheiro, porque a curva do corredor abafava o som. Chamou a atenção de Irene minha maneira brusca de deter-me, e veio ao meu lado sem falar nada. Ficamos ouvindo os ruídos, sentindo claramente que eram deste lado da porta de mogno, na cozinha e no banheiro, ou no corredor mesmo onde começava a curva, quase ao nosso lado.

Sequer nos olhamos. Apertei o braço de Irene e a fiz correr comigo até a porta cancela, sem olhar para trás. Os ruídos se ouviam cada vez mais fortes, porém surdos, nas nossas costas. Fechei de um golpe a cancela e ficamos no corredor. Agora não se ouvia nada.

— Tomaram esta parte — falou Irene. O tricô pendia das suas mãos e os fios chegavam até a cancela e se perdiam embaixo da porta. Quando viu que os novelos tinham ficado do outro lado, soltou o tricô sem olhar para ele.
— Você teve tempo para pegar alguma coisa? — perguntei-lhe inutilmente.
— Não, nada.

Estávamos com a roupa do corpo. Lembrei-me dos quinze mil pesos no armário do quarto. Agora já era tarde.

Como ainda ficara com o relógio de pulso, vi que eram onze da noite. Enlacei com meu braço a cintura de Irene (acho que ela estava chorando) e saímos assim à rua. Antes de partir senti pena, fechei bem a porta da entrada e joguei a chave no ralo da calçada. Não fosse algum pobre-diabo ter a idéia de roubar e entrar na casa, a essa hora e com a casa tomada.

Fonte:
Contos Latino-Americanos Eternos. RJ: Bom Texto Editora, 2005.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Wemerson Augusto (O Pé de Goiaba)



Com um gosto na boca de bolacha, água, sal e tubaína eu ainda cochilava enquanto o ônibus seguia seu itinerário. Novos passageiros apareciam há quase todo instante. Às vezes a genealogia das pessoas que minutos antes me deixava curioso, com pouco tempo me parecia muito normal. As casas de barro, as crianças, as terras, as senhoras e os senhores na pista, o céu estrelado e o vento noturno eu já conhecia. Sinceramente não sei de onde vem nossa amizade.

Não consigo precisar datas, horas e lugares deste encontro, no entanto, tudo era muito real e próximo. A chegada que eu vislumbrava ainda num retrato mental foi idêntica a minha recepção a simpática cidade de Abacates, ao Sul das Colinas. Uma senhora de óculos e um pouco desconfiada me dá bom dia falando para dentro. Junto com o cumprimento a atendente da pensão me olha de cima a baixo, concentrando um pouco seu olhar em meus cabelos.

Vou preenchendo a ficha. Antes de terminar a senhora corre para atender uma voz do fundo da casa que diz: “a água ta ferveeeendo”. E eu continuava no cadastro. Maria Odília chega com uma chave daquelas de banheiro com apenas um pininho de relevo na horizontal. Folheia o caderno de hospedes e corre o olho nas vagas. De longe avistei os seguintes dizeres: “deve 15” e “deve 10” e mais alguns rabiscos.

Odília resmunga e parece não acreditar na precisão do livro ata da casa. Agora com um molho de chave em mãos me convida a conhecer o estabelecimento. Abre o primeiro quarto, o de número 11. Roupas em cima da cama, camisetas na janela e uma mala entre aberta no chão informam que ali ainda tem hospede. Odília coça a cabeça e tem a certeza da imprecisão do controle dos moradores da pensão.

O quarto 13 é o próximo. A senhora vira a chave na fechadura, mas a porta não abre. A parte inferior da porta está muito próxima do chão, impedindo o movimento. Acostumada a senhora da um chute de leve. A porta abre como uma grande janela. Para fúria de Odília o quarto também estava ocupado. Desta vez um casal com trajes íntimos ainda curtiam as primeiras horas da manha.

A bolsa nas minhas costas a cada instante ficava ainda mais pesada e pegajosa. Numa terceira tentativa encontro um quarto aparentemente vago. “Pode ser este senhor”. Digo que sim. A senhora se despede. Abro a janela e dou de cara com um pé de goiaba com algumas goiabas no alto. Fecho parte da janela e fico me perguntando. Por que estou tanto longe deste lugar, desta casa, que parece ser tão próximo?

Qual era a minha relação com este mundo? Qual era a relação das goiabas do alto? Do retrato mental da pousada esverdeada? Dos dias difíceis que só me foi anunciado neste espaço?

- Estou aqui rascunhando estas idéias para entender melhor um dia como tudo isso começou. Quando voltar pra casa pense melhor. Tenho a impressão que já passei por esta rua, escrevi algo parecido, vi essa pessoa ou já escutei essa história. Repito: não consigo precisar datas, horas e lugares deste encontro. Do mesmo modo, estou aqui tentando ler a fachada da pousada para refrescar a memória, mas parece ser em vão. A grande quantia de tinta, letras e riscos atrapalha a leitura.
(Abacates, Sul das Colinas, domingo, 15 de fevereiro de 2009).
–––––––––––-
Wemerson Augusto é jornalista em Foz do Iguaçu, Pr.
____________________
Fontes:
- Colaboração do Jornal Guata. Foz do Iguaçu.

- Imagem =
http://angola.linda.googlepages.com/frutasdeangola

Qorpo - Santo (Certa Entidade em Busca de Outra)



Comédia em dois atos

PERSONAGENS:
Velho Brás; homem sisudo.
Ferrabrás; estudante, filho adotivo deste.
Micaela (Tagarela), mulher pouco comedida ou respeitável.
Satanás

ATO PRIMEIRO

BRÁS (entrando) – Quem diabo está nesta casa!? (muito admirado.) Por um dos reposteiros vi aqui a Satanás com olhos adiante e pernas atrás! Depois vi Judas Iscariotes, que andava a trotes! Por uma janela, a Micaela abrindo a boca de gamela! Mas o meu rapaz, o meu Ferrabrás; o meu contimpina, que de dia dorme, e de noite maquina! Oh! Esse, nem por sombras me quer aparecer, ou eu pude ver! Bárbaros! Assassinos! Traidores! Que tudo me roubam! Comem como burros; como cavalos; e depois querem que eu trabalhe para sustentá-los! Infames! Poluem a honra das famílias! Divorciam esposos para massacrá-los, e a seu gosto fruirem seus bens! Escravizam em vez de libertarem... Hei de lançar por terra tão indigno governo! Ou hão de os governantes e governados terem direitos e deveres, ou nenhum governo durará no poder mais que treze meses! A Nação, cujo espírito será como o de um só homem, - os inutilizará, a todos embrutecendo ou a cabeça fedendo! Ainda não estão satisfeitos estes entes ( a que chamam Governo porque ocupam as posições oficiais ) com os milhões de desgraças que têm ocasionado!? Quererão bilhões, trilhões Assassinos, traidores de sua Pátria! Até onde chegará a vossa perversidade? E até que ponto subirá também, ou a que extensão alcançará a vingança do supremo Arquiteto do Universo!? Tremei, malvados! A trombeta final não tardará muito a tocar a voz: - Sejam queimados e reduzidos a cinzas!

(Aparece Satanás.)

BRÁS – Infeliz! Que fazes aqui?

SATANÁS – Sou Satanás, rei dos infernos, encarregado pelos demônios para destruirmos os maus!

BRÁS – Oh! Daí-me um abraço! Sois meu Irmão, meu amigo e companheiro! Estais armado?

SATANÁS – Sim. Trago as armas – do poder e da vingança

BRÁS – Pois sabei que eu empunho a espada da justiça; o revólver do direito e o punhal da razão! Combina-se bem com as tuas. Triunfaremos!

SATANÁS – Sem dúvida. Com tais armas, jamais haverá poder que nos possa vencer!

BRÁS – Muito bem! Muito bem! Venha de lá outro abraço! (Torna a abraçá-lo.)

MICAELA (entrando muito apressadamente) - Oh! Vivam! Os Srs. Juntos! Que bela liga há de fazer Satanás com o velho Brás! Não esperava ver o grande prazer de os encontrar tão amigos; e até abraçados! Que lindos! Modificarão suas idéias!? Sem dúvida grandes negócios políticos os hão juntado... Deus os conserve para felicidade púbrica e individual. (apontando para o próprio peito.)

BRÁS – Sejam bem-vinda, Sra. D. Micaela! Não sabe quanto aprecio a sua presença (Á parte: ) e ainda mais a sua ausência – cá para nós, a quem nenhum malévolo ouve. Que notícias nos traz e o que há de novo pelo seu bairro? O que nos conta finalmente?

MICAELA - Estou muito escandalizada! Sendo eu a mulher menos faladora que há, houve quem atrevesse-se à audácia de apelidar-me Tagarela: e nesta mesma casa meus ouvidos ouviram suas tão duras palavras!

BRÁS – Sinto profundamente que tão grande infortúnio pesasse tanto sobre a cabeça e o coração de minha muito prezada... Sra. D. Micaela Tagarela!

MICAELA – E o Sr. também me insulta!? Com efeito, não o esperava!

SATANÁS - Oh! Eu não sabia de tal. Prometo que há de ser vingada, que... a Sra. Bem sabe! Eu não sou peco; e tenho à minha disposição a força e poder necessário para punir todos aqueles que ofendem a quem ninguém ofendeu. Tenho na minha carteira as sentenças para todas espécies de crimes, e fique certa que ao abri-la, hei de puni-la! Isto é, hei de vingá-la!

MICAELA – Muito agradecida, Sr. Satanás! Muito obrigada; eu sou a sua menor, porém mais afetuosa criada! Quer saber a única cousa que me pesa? É que quando o Sr. defende ou castiga sempre lesa! Entretanto sou de algum modo forçada a aceitar o seu tão importante oferecimento!

BRÁS (chegando-se e apalpando os peitos de Tagarela)- Que pomos deliciosos!

MICAELA – Oh! Sr. Brás! Queira retirar-se da minha presença! O Sr. bem sabe que eu não sou dessas mulheres mundanas, para com as quais se procede de tal modo!

BRÁS – Desculpe-me, Sra. Tagarela! Pareceu-me – duas lindas laranjas; é por isso que quis tocá-los.

MICAELA – Pois não continue a Ter desses enganos, porque podem Ter más conseqüências!

SATANÁS – Sim! Sim! (À parte: )Penso que são conhecidos há muito! É talvez minha presença que os está incomodando! Retiro-me portanto. ( Vai saindo; Brás o agarra.)

BRÁS – Onde vai? Aonde vai? Somos companheiros; e se não chega para dois ao mesmo tempo, há de chegar passada uma hora!

SATANÁS – Não! Não! Sempre tive, tenho e terei medo de mulheres. É para mim o objeto de mais perigo que o ... Ah! não digo! Mas fique certo que...sim!

MICAELA – Passem bem! Passem bem, meus Srs.! (Retirando-se com a frente para ambos, e entrando em um dos quartos.)

BRÁS (fazendo um cumprimento, e seguindo-a)- Então já vai? Não acha cedo? Eu... sim; mas... Vamos juntos! (Enfia-se pela porta, atrás de Micaela.)

SATANÁS (pondo as mãos) – Céus! Meu Deus! Que imoralidade! Deixar a minha presença, e a minha visita, e meterem-se em quarto... em um quarto em presença... É audácia! É atrevimento! Mas eu os hei de compor! (Puxa a porta e fecha por fora.) Agora hão de sair, quando eu estiver cansado – de comer, de dormir, e de viver! Já se vê pois que aí têm de morrer, se alguém os não acudir, e secos como uma varinha de...como um palito! Porque já se sabe: eu cá hei de durar pelo menos cem anos! Ou o que é mais certo- não morro mais! (Metendo a chave na algibeira.) Cá vai! Vou dar meu passeio, e não sei se cá voltarei mais! (Chegando-se para perto da porta do quarto: ) Adeus, minhas encomendas! Adeus, minhas venturas! Adeus! Adeus! (Sai.)


ATO SEGUNDO

BRÁS (batendo na porta; fazendo esforço para abrir; gritando)- Satanás! Satanás! Ó Diabo! trancaste-me a porta!? Judeus! Que é isto, ó Diabo! Abre-me a porta, senão te engulo! Não falas!? Querem ver que este demônio trancou-me a porta e foi-se embora!? Tirano! Deixa estar que tu me pagas. Hei de perseguir-te até os infernos!

MICAELA – Sr. Brás. Não se aflija! Não se incomode! Deixa estar que tudo se há de arranjar! Olhe! Veja! Pense! Medite, e não fale!

BRÁS (gritando) – Como diabo não hei de falar e me incomodar, se o Satanás trancou-me a porta? (Para Micaela: ) Mulher, puxa daí, que eu puxo daqui! Anda, mulher dos diabos! Faz força, cutia velha! Parece-me que já não vales mais nada! Olha, e faz como eu!

MICAELA – Estou ajudando-o a bem morrer! Que mais quer!?

BRÁS (tanto puxa, que cai no cenário com Micaela e a porta. Levantando-se, para Micaela) – Quase quebrei a cuia! Mas ao menos não fiquei enterrado! Que Dizes? Levanta-te, não tenhas preguiça!

MICAELA – Não posso! Estou... ai! Penso que... (esfregando uma perna) eta perna se não está quebrada, está esfolada!

BRÁS – Pois quem te mandou cair junto comigo!? Eu não te disse que segurasse a porta!? Agora leventa-te; quer possas, quer não! (Pegando-lhe em uma mão.) Vá! Arriba! Arriba!

MICAELA – Ai! ai! Não posso mais!

BRÁS (atirando-a) – Pois vai-te com a porta, e com todos os diabos que saírem hoje dos infernos! Micaela (levantando-se com muito custo) – Ai! Além de ajudá-lo a abrir a porta, e de cair com ele, mas esta crueldade! Atira comigo... esmaga-me... (Endireita a cabeleira na cabeça.) Rasgou-me o vestido de que eu mais gostava, com modos brutais! Quase pôs-me nua. Que crueldade! (levantando-se, compõe o xale.) Muito sofre quem ama!

FERRABRÁS (entrando a manejar com uma bengala, vestido muito à pelintra) – Oh! Hoje, sim! O dia foi grande! Grande! Muito grande para mim ! Vi a minha namorada da Rua dos Andradas! A minha amiguinha do Beco do Botabica! A minha queridinha da Travessa da Candelária! Vi, vi, vi, que mais? Ah! a minha tia avó (dando uma grande gargalhada), e em visitas aos velhos tortos, aleijados! Etc. etc.

BRÁS – Oh! Rapaz! Quando tomarás tu juízo!? Cada vez ficas pior! Anda para ali; anda! Toma a bênção à tua mãe.

FERRABRÁS – Ora, meu pai, sempre o Sr. me está dando mães! Há três dias era uma velha de que todos têm nojo, porque lhe sai tabaco pelas fossas, mormente pelos ouvidos, pela boca, e até pelos olhos! Ontem era uma torta deste olho; aleijada desta perna (batendo com a bengala na perna direita do pai.)

BRÁS – Mais devagar com os teus exemplos, que estas pernas já são – o Sr. sabe- algum tanto velhas e cansadas!

FERRABRÁS – Senhor! Dizia eu que ontem era uma velha nestas agradabilíssimas condições, e hoje quer que eu tome a benção desta tagarela (puxa-lhe pelo xale e quase o tira do pescoço.)

MICAELA – Mais prudência, Sr. Dr.! Olhe que não estou acostumada a estes insultos! Pilha-me abatida, senão o Sr. não ousaria insultar-me, porque eu ainda teria mãos!

FERRABRÁS – Olhem; olhem que jóia!

BRÁS (muito zangado)- Este rapaz não toma mais caminho! Cada vez fica mais tolo, mais estonteado, e mais surdo! Vai, vai! (empurrando-o) Vai procurar outro pai! Eu não te quero mais por filho!

FERRABRÁS – Pois meu pai, o Sr. é que tem a culpa. Apresenta-me (tira-lhe a cabeleira e atira-a no chão) com esta cabeça rapada para minha mãe, como se eu fora alguma criança! Que quer que eu lhe faça!?

MICAELA (atirando-lhe com a cabeleira à cara) – Eu não o posso mais aturar,Sr.. atrevido!

FERRABRÁS – Olhe que lhe dou com a bengala!

BRÁS – Acomodem-se! Senão eu lhe dou um cachação!

(Micaela avança à bengala, toma-a de Ferrabrás e dá-lhe uma bengalada; trava-se uma peleja entre ambos; dando-lhe este com a cabeleira pelo rosto. Brás mete-se entre ambos para apartar a briga, apanha e dá pancadas, e nesta luta termina a comédia.)

Porto Alegre, junho 10 de 1866.

(Escusado é dizer que nada devem poupar os cômicos para tornar mais interessante e agradável o gracejo.)

Note-se – podem começar a cena os três últimos, dando alguns saltos, proferindo palavras sem nexo ao discurso, mostrando a respeito de Brás algum desatinamento, e retirarem-se ao aparecer ou sentirem o rumor da vinda daquele.

FIM

Fontes:
LEÃO, José Joaquim de Campos (Qorpo Santo). Certa Entidade em Busca de Outra. In: CÉSAR, Guilhermino (org.). Teatro Completo. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro/Fundação Nacional de Arte, 1980. p. 163-171.
– Imagem = desenho de Alexandre Fukuda

Luiz Antonio Cardoso (Chegaste... )


(soneto decassilabo)

Chegaste em meu destino, de repente,
com poucas palavrinhas, a sorrir.
Chegaste no meu mundo e docemente,
fizeste a minha vida refulgir.

Chegaste, completando o meu presente...
traçando com detalhes meu porvir.
fazendo renascer, efervescente,
a vida - que queria inexistir !

Chegaste, numa noite irretocável,
alimentando sonhos magistrais
de um tempo de carícia incomparável.

Chegaste... e amanheceu neste jardim...
e aquele que era triste? Não é mais...
fizeste florescer dentro de mim !

Taubaté-SP, 31/Dez/2009
––––––––––––––-
Fontes:
– Colaboração do autor
- Imagem =
http://palavrasdesever.wordpress.com

Amilton M. Monteiro (A Vida)

Homenagem à Dra. Zilda Arns Neumann,
Benfeitora da Humanidade, falecida em 12/01/10, no terremoto de Haiti.

Senhor, não sei por quanto tempo ainda
terei a vida para usufruir;
mas toda a que eu tiver será bem-vinda,
até o momento em que devo partir.

Assim, espero que eu jamais prescinda
de bem vivê-la e, mais, de bem servir
aos que estão fracos, e logo deslinda
o melhor modo de os acudir!

Que eu seja hábil em defender a vida,
porque a amo e, em contrapartida,
que eu a ajude a ser mais forte e bela!

E sinta renascer a esperança,
cada vez que se acolhe uma criança,
seja ela negra, branca ou amarela!
------------
Fonte:
Colaboração do autor

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Trova 106 - Istela Marina Gotelipe Lima (Bandeirantes/PR)

Rubem Braga (Almoço Mineiro)


Éramos dezesseis, incluindo quatro automóveis, uma charrete, três diplomatas, dois jornalistas, um capitão-tenente da Marinha, um tenente- coronel da Força Pública, um empresário do cassino, um prefeito, uma senhora loura e três morenas, dois oficiais de gabinete, uma criança de colo e outra de fita cor-de-rosa que se fazia acompanhar de uma boneca.

Falamos de vários assuntos inconfessáveis. Depois de alguns minutos de debates ficou assentado que Poços de Caldas é uma linda cidade. Também se deliberou, depois de ouvidos vários oradores, que estava um dia muito bonito. A palestra foi decaindo então, para assuntos muitos escabrosos: discutiu-se até política. Depois que uma senhora paulista e outra carioca trocaram idéias a respeito do separatismo, um cavalheiro ergueu um brinde ao Brasil. Logo se levantaram outros, que, infelizmente, não nos foi possível anotar, em vista de estarmos situados na extremidade da mesa. Pelo entusiasmo reinante supomos que foram brindados o soldado desconhecido, as tardes de outono, as flores dos vergéis, os proletários armênios e as pessoas presentes. O certo é que um preto fazia funcionar a sua harmônica, ou talvez a sua concertina, com bastante sentimento. Seu Nhonhô cantou ao violão com a pureza e a operosidade inerentes a um velho funcionário municipal.

Mas nós todos sentíamos, no fundo do coração, que nada tinha importância, nem a Força Pública , nem o violão de seu Nhonhô, nem mesmo as águas sulfurosas. Acima de tudo pairava o divino lombo de porco com tutu de feijão. O lombo era macio e tão suave que todos imaginamos que o seu primitivo dono devia ser um porco extremamente gentil, expoente da mais fina flor da espiritualidade suína. O tutu era um tutu honesto, forte, poderoso, saudável.

É inútil dizer qualquer coisa a respeito dos torresmos. Eram torresmos trigueiros como a doce amada de Salomão, alguns louros, outros mulatos. Uns estavam molinhos, quase simples gordura. Outros eram duros e enroscados, com dois ou três fios.

Havia arroz sem colorau, couve e pão. Sobre a toalha havia também copos cheios de vinho ou de água mineral, sorrisos, manchas de sol e a frescura do vento que sussurrava nas árvores. E no fim de tudo houve fotografias. É possível que nesse intervalo tenhamos esquecido uma encantadora lingüiça de porco e talvez um pouco de farofa. Que importa? O lombo era o essencial, e a sua essência era sublime. Por fora era escuro, com tons de ouro. A faca penetrava nele tão docemente como a alma de uma virgem pura entra no céu. A polpa se abria, levemente enfibrada, muito branquinha, desse branco leitoso e doce que têm certas nuvens às quatro e meia da tarde, na primavera. O gosto era de um salgado distante e de uma ternura quase musical. Era um gosto indefinível e puríssimo, como se o lombo fosse lombinho da orelha de um anjo ouro. Os torresmos davam uma nota marítima, salgados e excitantes da saliva. O tutu tinha o sabor que deve ter, para uma criança que fosse gourmet de todas as terras, a terra virgem recolhida muito longe do solo, sob um prado cheio de flores, terra com um perfume vegetal diluído mas uniforme. E do prato inteiro, onde havia um ameno jogo de cores cuja nota mais viva era o verde molhado da couve — do prato inteiro, que fumegava suavemente, subia para a nossa alma um encanto abençoado de coisas simples e boas. Era o encanto de Minas.

Fontes:
BRAGA, Rubem. Morro do Isolamento. RJ: Record, 1982.
Imagem = http://www.pousadaoldwest.com

Vãnia M. de S. Ennes (Chuva de Trovas 2)


Mais trovas de Vânia podem ser obtidas em seu e-book Chuva de Trovas, no Portal CEN , http://www.caestamosnos.org/

Fonte:
ENNES, Vânia Maria de Souza. Chuva de Trovas. Portal CEN, 2008.

Glauco Fernandes de Oliveira Nunes (Potencialize-se)


Nos limites do infinito, encontrei uma razão
Razão para uma ou mais questões, que possam me preocupar.
A raiz de todo problema está na falta de simplificação.
Faça seu cálculo, quantas vezes deixou de somar por não simplificar?

Potencializando seus problemas, sem com outros dividir
Por achar que aí estaria se diminuindo
Esquecendo que grandes empresas terceirizam para progredir

Para não estar em um conjunto imaginário, e único, sem proporção.
Como um rio que corre para o mar sem ser > ou < .

Simplifique,
Isso te levará a estar inserido em um conjunto dos Reais,
sem deixar sua rima no chão.
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Fonte:
http://www.somatematica.com.br/

Millôr Fernandes (O Quociente e a Incógnita)


Às folhas tantas do livro de matemática, um quociente apaixonou-se um dia doidamente por uma incógnita.

Olhou-a com seu olhar inumerável e viu-a, do ápice à base.

Uma figura ímpar olhos rombóides, boca trapezóide, corpo ortogonal, seios esferóides. Fez da sua uma vida paralela a dela até que se encontraram no infinito.

"Quem és tu?" - indagou ele com ânsia radical.

"Eu sou a soma dos quadrados dos catetos, mas pode me chamar de hipotenusa".

E de falarem descobriram que eram o que, em aritmética, corresponde a almas irmãs, primos entre-si.

E assim se amaram ao quadrado da velocidade da luz numa sexta potenciação traçando ao sabor do momento e da paixão retas, curvas, círculos e linhas senoidais.

Nos jardins da quarta dimensão, escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas e os exegetas do universo finito. Romperam convenções Newtonianas e Pitagóricas e, enfim, resolveram se casar, constituir um lar mais que um lar, uma perpendicular.

Convidaram os padrinhos: o poliedro e a bissetriz, e fizeram os planos, equações e diagramas para o futuro, sonhando com uma felicicdade integral e diferencial.

E se casaram e tiveram uma secante e três cones muito engraçadinhos e foram felizes até aquele dia em que tudo, afinal, vira monotonia.

Foi então que surgiu o máximo divisor comum, frequentador de círculos concêntricos viciosos,
ofereceu-lhe, a ela, uma grandeza absoluta e reduziu-a a um denominador comum.

Ele, quociente percebeu que com ela não formava mais um todo, uma unidade. Era o triângulo tanto chamado amoroso desse problema, ele era a fração mais ordinária.

Mas foi então que Einstein descobriu a relatividade e tudo que era espúrio passou a ser moralidade, como, aliás, em qualquer Sociedade ...

Fonte:
http://www.somatematica.com.br/

Pedro Du Bois (Sobre a Dor)


Divido a dor
em partes igualitárias.

Negocio minha parte
em troca do esquecimento.

Alimento a sua parte
em crescimentos tardios.

O afundar do barco
em correntezas: dor
dividida em estratagemas.
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Fonte
Colaboração do Autor.

José Carlos Brandão (A Arte da Crônica)


A crônica também é uma arte, e justamente aí está a dificuldade: conciliar arte e jornalismo. Pois a crônica é antes de tudo jornalismo. A sua forma artística está ligada à forma jornalística, assim como o seu conteúdo, humano, filosófica, poético, humorístico, pitoresco, deve ser ao mesmo tempo matéria de jornal.

Mas que é uma crônica? O dicionário é impreciso. Lemos: “narração histórica segundo a ordem em que os fatos vão-se dando” ou “noticiário dos jornais”. Só que isso é história. São os velhos cronicões. São fatos subordinados inteiramente ao tempo: passa-se o tempo, morre o interesse. São impessoais, a notícia é que é importante. Mas talvez por aí possa-se definir um outro tipo de crônica, jornalístico-literária, individual e atemporal.

É quando há a marca inconfundível do autor. É quando os fatos são mais pretexto, para devaneios, considerações pessoais, testemunho humano, e mais vale a maneira de o cronista ver e dizer as coisas, mais vale a sua personalidade, o que diz sobre o que acontece, não o acontecimento por si mesmo.

Para se compreender melhor a crônica é preciso remontar ao velho ensaio francês, que não é o ensaio que conhecemos (estudo, análise, pesquisa, com os instrumentos da ciência) e sim um testemunho, uma opinião, uma determinada visão do mundo. Assim pode-se compreender o ensaio de Montaigne ou de Camus. Assim pode-se compreender por que se diz que “Terra dos Homens” de Saint-Exupéry não é um romance, são cinco ensaios: narrativa de sua experiência, testemunho da vida e dos homens. Pouco me importam Mermoz ou Guillaumet ou o próprio Saint-Exupéry: já morreram. Importa-me a sua grandeza humana, que conheço através de uma linguagem poética, de profundidade filosófica disfarçada na simplicidade de quem viu o mundo com clareza, do alto das nuvens, “acima da ignorância e estupidez humana.”

Morreu o escritor: seus livros continuam a nos interessar e a nos ensinar. Morreu o nosso Machado de Assis: suas crônicas ainda nos divertem e nos dão lições, em seu tom gracioso, irônico-humorístico, jocoso, como quem não quer nada com nada, de que o tempo passa e nós passamos por ele. Morreu Stanislaw Ponte Preta: também permanece através de um outro tipo de crônica, contando-nos casos divertidíssimos da tragicomédia cotidiana.

Mas eu falava da dificuldade da crônica. O próprio Machado, que soube dar um movimento à crônica para manter o leitor sempre interessado, talvez atraia espíritos ou mais finos ou mais cultos: suas crônicas são intelectuais, revestem-se de fineza filosófica. Certo que a crônica precisa do leitor de crônica. Certo que há vários tipos de crônica e que um jornal precisa de todos eles. Mais certo que a crônica antes de, ou para ser crônica, é jornalismo, e deve-se subordinar às regras do jornal, oferecer ao leitor o que ele espera. E, então, prefere-se um Fernando Sabino, contista do cotidiano, descobridor do saboroso e pitoresco dos pequenos casos com que topamos todo dia. Como Stanislaw Ponte Preta, que era mais divertido, mais solto, mais observador dos fatos, e mais cronista, mais jornalista.

Falou-se muito de Rubem Braga como nosso melhor cronista. Amo as suas crônicas, de um encanto especial, algo que eu definiria como poesia da virilidade – poesia da infância, da natureza, mas sempre o encanto do homem maduro, forte e terno, fraco e sábio, sabedor de sua fraqueza e da grandeza das coisas simples da vida. Mas os poetas, Drummond, Bandeira, Cecília, Vinicius também deram excelentes cronistas, contando casos densos, ou somente conversando, mas com um peso e com uma leveza especial de linguagem.

Nos anos 70 Carlos Eduardo Novaes e Lourenço Diaféria se afirmam como grandes cronistas. Novaes vê a política de então como verdadeira comédia. Ri e faz rir. Nada tem sentido. Num momento tão conturbado o riso é o melhor remédio. Numa linguagem simples e direta, põe em ebulição a comédia política brasileira. Descendente direto de Stanislaw Ponte Preta, perde para este enquanto criador de tipos e de uma linguagem que detecta a transformação da sociedade carioca e nacional, bafejada pelo ridículo a cada passo, – mas é sempre contundente, pela atualidade de seus temas, tratados com graça e descontração (essa atualidade dos temas, para a época, talvez tornem essas crônicas, hoje, fora de época).

Já Lourenço Diaféria deu uma sumida, depois de andar mais e mais em alta; “Herói. Morto. Nós”, uma crônica sua, muito boa, humana, criativa, do autor no auge da sua técnica, essa técnica que nem aparece, de tão bem trabalhada que é, ofendeu os donos do poder, que não podiam conceber que um deles, mas um simples sargento, valesse mais como herói do que os heróis de pedra; talvez tenha tido um quê a mais de violento em sua linguagem, mas era próprio do período; mais um pouquinho e viria a distensão, mas os donos do poder não poderiam tolerar, e os donos do outro poder, uma das seções do 4o poder, a valorosa imprensa, foram fracos e ele acabou afastado de suas fileiras; o que não matou o cronista, logo escrevendo aqui e ali, depois desenvolvendo o seu amor pelas ruas da paulicéia, como um poeta de férias em seu lar, e trabalhando.

A crônica não pára. Agora temos os cronistas da internet, os leitores de crônica que não se contentam em ser apenas leitores, querem opinar, querem criar. Como quem fazia um diário, dando o seu testemunho para si mesmo, às vezes publicando ou sendo publicado, e, se esse diarista fosse um Kafka, um Dostoievski, um Gide, ou fosse um Valéry escrevendo seus cahiers, apresentava ao mundo uma obra de valor; como quem fazia um diário, esses cronistas fazem suas crônicas, que têm a vantagem de ter a obrigação de ser bem-feitas, de se inventarem uma forma, que as limita e engrandece.

É difícil dizer qual tipo de crônica agrada mais. Tudo depende das circunstâncias, da hora e lugar. Acontece também que o cronista escreve semanalmente e até diariamente, e os melhores cronistas são obrigados a apresentar páginas fraquíssimas. Mas certamente, em Novaes, Stanislaw ou Diaféria, em Rubem Braga, Fernando Sabino ou Drummond, nos vivos e nos mortos, encontramos a crônica que nos diz alguma coisa. Nos vivos e nos mortos, que, lembrando Ezra Pound, a literatura é notícia que permanece, e se é literatura e não apenas jornalismo, a crônica permanece.

O bom cronista pode estar desatualizado, tratar de fatos há muito passados, e no entanto agradar, divertir, comover, interessar. Como um Machado de Assis, que escrevia há cem anos, e na sua pior página tem sempre um parágrafo, uma frase, um dito espirituoso que provocará o leitor de hoje e de amanhã.
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Fonte:
http://www.blocosonline.com.br/literatura/prosa/cron/cb/2003/030222.htm

Ivan Lessa (A crônica)


Crônica, do grego chrónos, tempo, cronicar, feito Tácito, relatar o tempo ou tempos.

Por que nós, brasileiros, fizemos do gênero especialidade da casa — feito muqueca de peixe ou tutu à mineira?

Eu, pela parte que me cabe — e é pouquíssima a parte que me cabe —, eu tenho minhas teoriazinhas.

Primeiro lugar, porque nós trabalhamos bem com poucas armas, isto é, Euclides da Cunha à parte, nosso fôlego literário é curto.

Não há nenhum demérito nisso.

Se a América Latina fornece caudalosos escritores, como Vargas Llosa, Roa Bastos e Alejo Carpentier, nós, por outro lado, somos excelentes no pinga-pinga do conto: o próprio Machado de Assis, Lima Barreto, Alcântara Machado, Dalton Trevisan, Clarice Lispector, Rubem Fonseca.

Segundo lugar, porque nós temos consciência da extraordinária violência com que o tempo vai levando as coisas e as gentes, daí a necessidade de registrar, de alguma forma, o que se passou e passa no âmbito pessoal e intransferível.

Terceiro lugar, em conseqüência disso que acabei de falar: somos muito pessoais, vemos e vivemos muito a nossa vida e a celebramos quase que no próprio instante em que ela se passa.

A crônica é a nossa autobustificação, por assim dizer.

Ou, em termos da realidade atual: é a nossa autonomeação para assessor disso ou secretário daquilo outro.

E em quarto e último lugar: dinheiro.

Não há motivo nenhum para se ficar encabulado.

Quem não escreve por dinheiro não é digno da profissão.

Um romance vende cinco mil exemplares e o autor, com alguma sorte, pega o equivalente a uns tantos salários mínimos.

Se dividirmos tempo gasto no trabalho e na vida de estante do livro, vai dar nisso mesmo: salário mínimo.

O cronista, por outro lado, mesmo mal pago — e quando é bom não é esse o caso —, tem uns cobres garantidos no fim do mês, se o empregador for bom pagador.

Conseqüentemente: aí está, viva e atuante, a crônica do cronista brasileiro.

Pouco importa que o cronista ou a cronista limite-se a relatar seu encontro no bar ou sua ida ao cabeleireiro.

Tanto faz que seja elitista ou literariamente imitador.

E daí que tenha menos profundidade que mergulhadores mais audazes como Milan Kundera e Marion Zimmer Bradley?

A crônica vai registrando, o cronista vai falando sozinho diante de todo mundo.

Fontes:
LESSA, Ivan. Ivan vê o mundo. RJ: Editora Objetiva, 1999.
Imagem =
http://trabalhosameio.blogspot.com

Ivan Lessa (1935)


Ivan Pinheiro Themudo Lessa (São Paulo, 9 de maio de 1935) é um jornalista e escritor brasileiro.

Filho da jornalista e cronista Elsie Lessa e do escritor Orígenes Lessa. É bisneto do escritor e gramático Julio Cézar Ribeiro Vaugham, autor, entre outros, do romance naturalista A Carne, além de criador da Bandeira Paulista. Ivan foi editor e um dos principais colaboradores do jornal O Pasquim, onde assinava as seções Gip-Gip-Nheco-Nheco, Fotonovelas e "Os Diários de Londres", escritos em 'parceria' com seu heterônimo Edélsio Tavares. Lessa publicou três livros: Garotos da Fuzarca (contos, 1986), Ivan Vê o Mundo (crônicas, 1999) e O Luar e a Rainha (crônicas, 2005). Ivan Lessa mora em Londres, onde escreve crônicas três vezes por semana para a BBC Brasil.

Ivan Lessa criou junto com o cartunista Jaguar o ratinho Sig (de Sigmund Freud), baseada na anedota corrente da época na qual se dizia que se "Deus criou o Sexo, Freud criara a sacanagem". O ratinho se tornou simbolo de "O Pasquim", aparecendo também nas capas da coleção "As anedotas do Pasquim", publicada nos anos 70 pela Editora CODECRI.

Fonte:
Wikipedia

IV Colóquio de Estudos Linguísticos e Literários (IV CELLI)

O IV Colóquio de Estudos Linguísticos e Literários (IV CELLI), proposto pelo Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Estadual de Maringá, é um evento acadêmico-científico que tem por objetivo congregar pesquisadores atuantes no Brasil para discussão, reflexão e divulgação de produção acadêmica, técnica e cultural em Letras, Línguística e áreas afins.

Em sua quarta edição, o evento amplia esse público, acolhendo, também, professores, pesquisadores e alunos de instituições estrangeiras, configurando seu caráter internacional. Assim, o I Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários (I CIELLI) passa a se constituir em um espaço de ampla divulgação e de troca de experiências acadêmicas, por meio de conferências com convidados do exterior, de mesas-redondas, de minicursos e de simpósios nas áreas de Literatura e de Linguística

ATENÇÃO!

As inscrições para participação no evento estarão disponíveis no menu a partir das 13h00m do dia 16 de Janeiro de 2010 (sábado).

Com o pagamento de uma inscrição cada participante poderá:

1) Submeter até 2 (duas) comunicações, desde que seja para Simpósios diferentes. Em caso de trabalhos em co-autoria os dois autores deverão recolher a taxa de inscrição.
(Os interessados em participar do CIELLI, com apresentação de trabalho, deverão escolher os Simpósios em que gostariam de participar e selecionar o simpósio desejado na hora da inscrição.)

2) Se inscrever em 1 (um) Minicurso (no limite das vagas).
(Os interessados em participar de MINICURSOS, deverão selecionar o minicurso desejado no ato da inscrição. Não será permitido se inscrever em nenhum dos minicursos após a efetivação da inscrição.)

Local de Realização

Programa de Pós-Graduação em Letras - Universidade Estadual de Maringá
Av. Colombo 5790 - Jardim Universitário - Maringá - Paraná - Brasil - CEP 87020-900

Período
9, 10,11 de junho de 2010

Carga Horária
40horas

Estrutura do evento
- Conferências
- Mesas-redondas
- Minicursos nas áreas de Estudos Linguísticos e Estudos Literários (ministrantes
convidados pela Comissão)
- Simpósios: - 12 Simpósios na área de Estudos Linguísticos
(mínimo de 12 participantes e máximo de 36)

- 12 Simpósios na área de Estudos Literários
(mínimo de 12 participantes e máximo de 36)

Inscrições
Períodos de pagamento:

valores para o período de 02/01/2010 a 28/02/2010
alunos da graduação com trabalho = R$ 60,00;
alunos da graduação sem trabalho = R$ 40,00;
alunos da pós-graduação sem trabalho = R$ 60,00;
alunos da pós-graduação com trabalho = R$ 80,00;
demais participantes sem trabalhos = R$ 80,00;
demais participantes com trabalhos = R$ 100,00.

valores para o período de 01/03/2010 a 30/03/2010
alunos da graduação com trabalho = R$ 80,00;
alunos da graduação sem trabalho = R$ 60,00;
alunos da pós-graduação sem trabalho = R$ 80,00;
alunos da pós-graduação com trabalho = R$ 100,00;
demais participantes sem trabalhos = R$ 100,00;
demais participantes com trabalhos = R$ 120,00.

valores para período de 01/04/2010 a 30/04/2010
alunos da graduação com trabalho = R$ 100,00;
alunos da graduação sem trabalho = R$ 80,00
alunos da pós-graduação sem trabalho = R$ 100,00;
alunos da pós-graduação com trabalho = R$ 120,00;
demais participantes sem trabalhos = R$ 120,00;
demais participantes com trabalhos = R$ 150,00.

Comitê Científico do Evento

Será constituído pelos membros da comissão organizadora e pelos coordenadores dos Simpósios.

Como participar?

A estrutura do evento prevê duas formas de participação:
- Coordenação de Simpósio
- Comunicação em um dos Simpósios propostos

Os Simpósios são organizados por dois coordenadores. Para encaminhar uma proposta de Simpósio basta acessar o link no menu lateral, selecionar o simpósio desejado e, na página do simpósio, clicar em . O interessado será encaminhado para a página de e deverá preenhcer o formulário de inscriçao, enviar o resumo de sua comunicaçao e gerar o boleto para pagamento.

As propostas de comunicações deverão ser encaminhadas até o dia 22 de fevereiro de 2010, diretamente para os coordenadores dos Simpósios, que terão até o dia 28 de fevereiro de 2010 para analisar as propostas de comunicação oral recebidas e para apresentar a composição final dos seus Simpósios (com a lista de participantes e os resumos aprovados, em ordem de apresentação).

Caberá aos coordenadores dos Simpósios o recebimento dos resumos, a emissão dos pareceres de seleção dos integrantes dos Simpósios (no mínimo 12 e no máximo 36 participantes), bem como a seleção, a avaliação e a revisão dos trabalhos completos submetidos à publicação em forma de Anais.

Os Simpósios que não receberem o número mínimo de inscrições até a data prevista no cronograma serão cancelados, e os resumos a eles submetidos poderão ser remanejados, a critério da Comissão, para outros Simpósios conforme a temática indicada. A avaliação dos resumos (aprovado/rejeitado) será realizada exclusivamente pelos coordenadores do Simpósio integralmente por meio da página do evento. A divulgação da composição dos Simpósios será feita pela Comissão Organizadora, a partir de 30 de março de 2010.

Publicação dos Trabalhos Apresentados

A Comissão publicará os trabalhos apresentados em forma de Anais por ocasião da realização do evento. Os textos completos deverão ser encaminhados pelos coordenadores dos Simpósios à COMISSÃO até 30 de abril de 2010.

ATENÇÃO:

- A opção para enviar propostas de Comunicações para os Simpósios estará disponível no link , somente após a publicação da lista de Simpósios aprovados.

- Os menus na cor verde da barra lateral estão temporariamente inativos e serão disponibilizados de acordo com as datas previstas no cronograma geral do evento. Solicitamos que visitem o site nas datas previstas, para acompanhar o andamento das propostas e realizar as etapas necessárias para completar a sua inscrição.

Prezados Pesquisadores, Professores e Alunos de Mestrado/Doutorado

Gostaria de informá-los sobre o simpósio que o Dr. Thomas Bonnici (UEM) e o Prof. Sérgio Paulo Adolfo (UEL) estarão coordenando no Primeiro Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários que acontecerá em 9-11 de junho de 2010 na Universidade Estadual de Maringá, Maringá PR.

Quem se interessar em apresentar trabalhos, por favor, consulte o simpósio 28 em "Estudos Literários" (http://www.cielli.com.br/simposio-28), intitulado RETRATOS DA DIÁSPORA AFRICANA NAS LITERATURAS DO SÉCULO 21. Acessando o endereço acima poderá fazer sua inscrição no 1º CIELLI e enviar seu RESUMO aos coordenadores (e-mails embaixo) para fazer parte do SIMPÓSIO 28.

Thomas Bonnici (UEM)
Sérgio Paulo Adolfo (UEL)

RETRATOS DA DIÁSPORA AFRICANA NAS LITERATURAS DO SÉCULO 21

Thomas Bonnici bonnici@wnet.com.br
Sérgio Paulo Adolfo benin69@hotmail.com

Esta proposta de simpósio quer reunir pesquisadores, professores e acadêmicos de programas de pós-graduação, para discutir as situações, tensões, imagens e os desafios da representação ficcional da diáspora africana na primeira década do século 21.

Caracteriza-se este simpósio pela atualização dos temas abaixo mencionados (mas não exclusivamente) nos romances publicados desde 2000. Embora ‘literatura negra’ seja controverso, o termo compreende as vicissitudes de sujeitos africanos e seus descendentes não apenas como objetos temáticos em romances, mas especialmente como enunciadores dos mesmos.

A diáspora africana não se limita somente às circunstâncias atuais na África, mas a todas as migrações, forçosas ou não, pré-transnacionais e transnacionais, que se tornaram objetos de narrativas ficcionais. Portanto, investigação sobre narrativas baseadas em ‘testimonio’ de escravos, especialmente brasileiros, e sobre a repercussão da diáspora atual envolvendo condições de exclusão e inclusão ou negociações de identidade poderá fazer parte deste simpósio.

As narrativas ‘negras’ ou de autoria negra sob análise terão a maior abrangência possível não apenas em seu espaço geográfico (por ex. Angola, Moçambique, Nigéria, Caribe, Estados Unidos e Europa) ou em sua condição histórica (a escravidão, o período pós-Independência; o neocolonialismo, as guerras), mas também nos temas filosóficos e éticos abordados (migração, hibridização/mestiçagem, racismo, políticas de pertenças, multiculturalismo, entremeio, identidade e alienação, transculturação, negociação de identidades, convivialidade, desestabilização do termo ‘nação’ e outros).

Um outro aspecto da diáspora africana que poderá ser contemplado no simpósio é a resistência, violenta ou discursiva, do sujeito diaspórico no contexto de sua convivência com a sociedade hegemônica branca. O tema de guerra e de conflitos sociais, respectivamente nas narrativas africanas e da diáspora, acoplado ao tema da legitimidade ética da violência poderão revelar o rompimento com as condições eurocêntricas e o processo de subjetificação do africano ou do negro diaspórico.

As narrativas ficcionais retratando essa negociação cheia de tensões podem representar estratégias de revide violento como também a carnavalização subversiva contra o branco predominante e suas artimanhas para manter-se no poder. O feminismo negro, o qual rompe o essencialismo na narrativa hegemônica branca, é um importante tema que permeia a narrativa do século 21 e revela a extensão do progresso na participação política da mulher negra onde quer que esteja, nas favelas sul-americanas, no sul dos Estados Unidos, nas cidades europeias ou em países pós-coloniais e pós-apartheid.

Os temas deste simpósio, portanto, revelarão a pluralidade e a profundidade da diáspora africana na literatura recente num mundo globalizado e abrirão perspectivas para várias pesquisas e linhas de pesquisas sobre um assunto ou frequentemente relegado ao esquecimento ou minimizado em sua importância devido à escassa conscientização sobre esta dívida que a sociedade ocidentalizada deve ao negro diaspórico.

Palavras-chave: Literatura negra; diáspora africana; narrativa; ficção do século 21.

Apoio
Universidade Estadual de Maringá (UEM)
PLE - Programa de Pós-Graduação em Letras - UEM-PR
DLE - Departamento de Letras - UEM - PR

UEM - Universidade Estadual de Maringá
PLE - G-34 - Câmpus Maringá - Maringá - Paraná - Brasil - CEP 87020-900 - (44) 3261-4830

Fonte:
Colaboração do Dr. Thomas Bonnici(UEM)

Qorpo Santo (Um Assovio,)



Comédia em 3 atos e um quadro

PERSONAGENS:
Fernando Noronha – Gabriel Galdino – Almeida Garrett – Jerônimo Avis – Luduvica – Luduvina – Esméria – Rosinha E Coriolana – Três Tocadores

As cenas passam-se em Paris.

ATO PRIMEIRO

Cena Primeira

FERNANDO (passeando e batendo na testa) – Não sei que diabo tenho nesta cabeça! Nem Cosme, que é da minha particular devoção, é capaz de adivinhar o que se passa dentro deste coco! O que, porém, é verdade é que todos os dias, todas as horas faço novas preces; e todas as horas e todos os dias transgrido os deveres que em tais protestos me imponho! (Chama.) Gabriel, Gabriel, que diabo estás fazendo nesse fogão, em que estás pregando há mais de duas horas! Querem ver que estás a roer os tijolos, julgando serem de goiabada! Cruzes! Cruzes! Que gastrônomo! É capaz... já estou com medo! É capaz de roer até a minha casaca velha! (Pegando de repente no nariz, tira um pedaço; olha e grita,) Oh! Diabo! Até já me roeu um pedaço do nariz, quando eu ontem dormia! Gabriel! Gabriel!

GABRIEL – Pronto! Então (de dentro) que tanto me chama!? Diabos te levem! É o amo mais impertinente que tenho visto! Cruzes! Ave-Maria! Já vou, já vou! Deixe-me tomar o meu quinhão de café; e tomo, porque estou o transido de frio! Estou gelo! Quer derreter-me!? Espere, espere!

FERNANDO – Diabos te levem para as profundas do maior inferno! Está este diabo a tomar
café desde que amanhece, até que anoitece! Vai-te, diabo!

GABRIEL – (aparecendo) – Ora, graças a Deus e a meu amo! – já que com o diabo cortei de
todo as minhas relações. (Apalpando e levantando a barriga.) Tenho esta pança mais pequena que a de um jumento, ou de um boi lavrador! Não é nada (caminhando para o lado do amo), existe aqui... quem sabe já quanto estará! (Rindo-se.) Duas chaleiras de café; quatro libras de açúcar... já se sabe – do mais fino refinado. Três libras, não! Seis livras de pão de rala e duas de fina manteiga inglesa. (Andando para uma e outra parte.) Troleró, troró! Agora sei que sou mesmo um Manuel José Taquarião! Só me faltam as cartas, e as parceiras! (Apalpa as algibeiras e tira um baralho.)

FERNANDO (à parte) – Estou otimamente servido de criado e companheiro! Não tenho, sinto – um guindaste para lhe suspender a pança!

GABRIEL (depois de haver examinado o baralho com atenção; para o amo) – Pensei que não
tinha trazido. Está ótimo! Vamos a uma primeirinha? (Batendo no baralho.) Hem? Hem?

(Tocando-lhe no braço.) Então? Vamos, ou não vamos!?

FERNANDO – Tu és o diabo em figura de bicho. (Batendo-lhe na pança.)

GABRIEL – Ai! não me fures, que eu tenho um filho de seis meses arranjado pela Sra. D.
Luduvina, aquela célebre parceira que o Sr. meu amo melhor que eu conhece ... visto que passou as mais apreciáveis noites com... ou... etc. etc.

FERNANDO (batendo-lhe na boca) – Ó diabo! Não descubras esse segredo! Senão, são capazes os amigos dela de me porem na cadeia!

GABRIEL (à parte) – Por isso é que muitas vezes eu chupo-lhe o dinheiro, faço d’amo! Tem
segredos, que eu sei; e que ele não quer que sejam revelados!

FERNANDO – Então, Galdino! Encheste o teu pandulho desde ( bate-lhe na bunda, que é
tão bem formidável, e na barriga) esta extremidade até esta...!

GABRIEL – Ai! ai! seu diabo! Não sabes que ainda não botei as páreas do que pari por aqui!...

(Apalpa a bunda).

FERNANDO – E entretanto, de mim não te lembraste, judeu! Vai me buscar uma chícara, anda!

GABRIEL _ Oh! Pois não! (pulando; e dando voltas.) O meu amo sabe dançar a chula? (Olha para os calcanhares.) E ainda faltam-me as esporas; senão, havia eu de fazer o papel mais interessante que se tem visto! Nem o Juca Fumaça era capaz de me ganhar em levianeza e linda graça! (Continua a dançar a chula.)

FERNANDO - Este diabo (à parte ou para um lado ) não vai me buscar café! Então? Vais ou
não vais!?

GABRIEL – Ah! quer café! Já vou! (Dá mais duas ou três voltas, e entra por uma porta, pela qual torna a vir logo depois.)

FERNANDO – Que tal estará o café deste judeu?

GABRIEL – Eis aqui! Está melhor que o chocolate da velha Teresa lá do Caminho Novo em que não há senão velhas tabaqueiras ou espirradeiras, que na frase dos rapazes são tudo e a mesma cousa!

FERNANDO (pagando a chícara e levando-a aos lábios) Fum!... Fede a rato podre! E tem
gosto de macaco são! Que porcaria! Pega; pega! (Atira-lhe com o café à cara.)

GABRIEL (limpando-se todo) – Não precisava fazer-me beber pelos olhos! Já estava farto de
derrama-lo pela cara. Agora arrumo a xícara.

FERNANDO – Quem sabe se o fétido e o gosto proveem da xícara!? Pode ser! Para não tornar a ter destes prazeres... (atirando) quebrarei as pernas deste pançudo! (Atira xícara e pires pernas do criado.)

GABRIEL –Ó diabo! Quase me quebras as pernas! Mas ficou sem o casal da xícara! O que me vale (à parte) é que por eu há muito já o conhecer, mandei o ano passado forrá-las de aço no ferreiro das encomendas, que mora lá por trás das vendas, na rua das contendas!

ATO SEGUNDO

Cena Primeira

LUDUVINA (mulher de Gabriel Galdino, velha feia e com presunções e ares de feiticeira) –
Graças a Deus que já se pode vir a esta sala (Olhando para o chão.) Oh! Cacos! Que barulho haveria aqui! Quem quebraria esta louça! Querem ver que meu marido, o Sr. barrigudo e bundudo, que pelas nádegas (e se espera que faça o mesmo pelo umbigo) andou brigando com o amo, que uma outra das mais raras esquisitices que se há visto sobre a Terra! Nem foi outra cousa! Deixem-nos por minha conta; hein de pôr-lhes freios e lei, e em toda a sua grei!

GABRIEL (entrando) - Oh! Minha querida Luduvina! Levantei-me a sonhar como um
sonâmbulo. Agarrei-me primeiro a uma janela, pensando que era a Sr.! Depois a uma talha, ainda com a mesma ilusão! E ultimamente a uma música chamada cavatina, pensando sempre que era a Sra. D. Luduvina!

LUDUVINA – O Sr. é muito gracejador! Quem o manda dormir tanto! Por que não faz como eu, que atiro-me do mar, ponho-me no ar!? Sabe que mais? (Pondo o dedo em frente ao rosto dele, como ameaçado.) Se quiser continuar a ser meu, há de primeiro: Levantar-se de madrugada, senão à do galo primeira cantada! Segundo; banhar-se dos pés à cabeça, e esfregar-se com fino sabão inglês ou sabonete. Terceiro; alimentar-se três vezes ao dia; e de comidas simples e brandas; como por exemplo: uma xícara de chocolate para almoço com uma fatia ou alguma massa fina torrada ou não; um ou dous pedacinhos de galinha ou cousa idêntica, para o jantar, e quando muito mais (o que não julgo necessário) – um cálice de vinho superior, ou uma xícara de café, ou de chá. À noite – qualquer líquido destes como ceia. O melhor de tudo é tomar uma só bebida para almoço, e para ceia; e para o jantar tão bem um só pratinho com um calice de vinho, ou uma xícara de café, no primeiro caso se for com carne, no segundo se for...

GABRIEL – Agora acabe! Depois da ceia, diga O que havemos de fazer? Em que me hei de
entender!?

LUDUVINA – De noite, depois do chá... já se sabe (abraçando-o), vamos para a cama dormir
quentinhos! Fazer alguns... alguns filhinhos. Sabe, não? Entende o que eu quero dizer? Entende; entende; o Sr. não é nenhum ignorante.

GABRIEL – Estás gaiata; gaiatíssima. Pois não basta a nossa filha Esméria para nos entreter!?
Ainda queres mais filhinhas!?

LUDUVINA – É porque eu sempre gostei...

GABRIEL – Mas isso era no tempo de moça; agora estamos velhos...

LUDUVINA – A mulher nunca é velha! E o homem sempre é moço.

GABRIEL – Ora explique-me Sra. Pulquéria, a sua asserção; eu não entendo bem.

LUDUVINA – Visto que me troca o nome, eu lhe trocarei o chapéu. Tira o que ele tem na cabeça e põe-lhe outro mais esquisito.) O nome que me deu, regula com o chapéu, que eu lhe – ponho: e dê graças a Deus não o deixei com a calva à mostra!

GABRIEL – Já agora estarei por tudo. Casei-me de fato com a Sra.; não há remédio (à parte)
senão aturá-la...

Cena Segunda

FERNANDO (entrando) – Oh! Que é isto? O Sr. acompanhado aqui desta dama!

GABRIEL – Pois quem tem? Sim; sabe... o meu casamento...sim; o Sr. ignora! Tem razão!

FERNANDO – Pois o Sr. é casado!?

GABRIEL – E até tenho uma filha chamada Esméria.

FERNANDO (olhando para um lado) – E esta! O meu criado; e já com uma filha.

GABRIEL – Sim, Sr. Sim, Sr. E por isso mesmo far-lhe-ei em breve as minhas despedidas!

FERNANDO – Ainda mais esta! Fala-me em despedida! (Pausa.) E depois quem me há de
servir, se me faltar este pançudo barrigudo!

ESMÉRIA (entrando) – Sua bênção, meu pai.

GABRIEL – Oh! Bem-vinda, minha querida!

FERNANDO – Onde diabo, em que casa tinhas tu metido a mulher, e este anjo de bondade!?
Tão escondidos ou bem guardados, que eu nunca pude saber que existiam!?

GABRIEL – Não me convinha; porque sei quanto o Sr. é amigo de alheias mulheres! E se a
minha Esméria é um anjo de bondade, a minha Luduvina é uma santa de maldade!

FERNANDO ( muito zangado) - Todos têm mulher. (Puxando os cabelos.) Isto é o diabo! É o diabo! E é o diabo. Onde irei eu buscar, achar uma que me agrade! (De repente, para Gabriel Galdino :)Amigo, dás-me a tua filha em casamento!? (Pondo-lhe a mão no peito.) Se
má dás, hoje mesmo, meu caro, ela será minha mulher!

GABRIEL – A minha Esméria é um anjo de bondade; só se o Sr. se sujeitar a todos os preceitos que ela lhe impuser!

FERNANDO – Mas que diabos de preceitos são esses!? Pois tu não me conheces? Não sabes
quanto eu sou franco e generoso; cavalheiro e...

GABRIEL – Sei; sei de tudo isso! Mas eu não quero fazê-la infeliz! O Ilmo. Sr. Dr. Fernando há de ser uma espécie, ou um verdadeiro criado fiel de minha filha; e há de declará-lo em uma folha de papel, escrita por tabelião e assinada pelo juiz competente; o dos casamento ou dos negócios civis. Etc. etc. e etc. Com a satisfação de todas estas condições, ou seu preenchimento, a minha muito querida filha, se quiser, será sua mulher. Fora delas, ou sem elas, não falaremos, não trocaremos mais sobre tão melindroso assunto.

FERNANDO (à parte) – E o caso não julgado é verdade – que estou pela menina apaixonado; e que por isso mesmo não terá remédio o Sr. Fernando, senão a tudo se ir sujeitando. Assim é que servia-me o meu futuro sogro; há mais de seis meses sem que eu soubesse que era casado, e que tinha filha! Foi realmente um mistério. E dizem-me que não aparecem ou não se vêem milagres no tempo presente.

ATO TERCEIRO

Cena Primeira

LUDUVICA ( criada da Almeida Garrett) - Depois Que este meu amo se associou ao Sr. Fernando de Noronha que este se casou com Sra. D. Esméria, filha de um velho criado deste; e finalmente, depois que se juntou certa camaraótica de maridos, mulheres, genros, criados ou quiabos, anda esta casa sempre assim! Ninguém os entende! Se vai servir à Sra. D. Luduvina, eis que se ouve a voz do Sr. Fernando de Noronha, gritando _ Luduvica! Luduvica! Traz-me as botas! Se se está servindo ao Sr. Dr. Fernando, eis que me chama a Sra. D. Esméria: “- Luduvica! Luduvica! Toma este recado e vai levá-lo à casa de minha prima Hermenêutica”. Finalmente, se estou servido a qualquer destes, eis que o Sr. Gabriel Galdino, criado outrora malcriado, barrigudo, bundudo, grita: “Dá cá de lá os chinelos, que estou com os óculos na cabeça! ”Enfim, é o diabo! É o diabo! Muito desejo ver-me livre desta casa, em que seis ou oito meses de serviço já me fedem! Ainda que me não queiram pagar, quando não o pensarem hão de me ver raspar! (Entra Almeida Garrett, Gabriel Galdino e Fernando de Noronha.)

GABRIEL GALDINO – Com todos os diabos! Estou hoje com tais disposições de avançar a
corações, que se tu não fosses casada (pondo a mão em Luduvica), protesto que não escaparias!

LUDUVICA – Como o Sr. está engraçado! Pensa que mesmo sendo, e que mesmo não sendo, eu havia de ceder aos seus desejos brutais, sabendo principalmente que é casado, atoleimado, foi criado e que tem filhos!? Está; está – muito e muito enganado!

FERNANDO DE NORONHA – Oh! Sr. Gabriel Galdino, isso não é cousa que se faça às
escondidas de alguém. Eis porque não há criados que queiram servi-nos (Com força.) Isto envergonha! Envergonha, e faz afastar de nós todos os criados e criadas que há em toda esta cidade! É esta a décima oitava que para aqui vem; e que não tardará a deixar-nos! Se o Sr. não mudar de comportamento, estamos todos perdidos! Teremos em breve de nos servimos com as nossas próprias mãos!

GARRETT – Ainda será bom se nos servimos só com as nossas mãos! Se nos for necessário
servimo-nos com os nossos pés!

GABRIEL GALDINO – Não – toleirões! Eu estava apenas brincando. Queria ver a que ponto chegava a pudicícia da nossa encantadora e amável servidora – Luduvica Antônia da Porciúncula. (Fazendo menção de abraça-la, ela afasta-se um pouco como receosa.) Não receies, minha Menina; se voz desse um abraço – seria de amizade, ou igual àqueles que os Pais dão nos filhos; as mães nas filhas; etc. etc.

FERNANDO – Luduvica, já preparaste o que te disse de manhã que queria?

LUDUVICA – Como havia de preparar, se eu não me posso voltar nem mexer-me para lado
algum!? Se me volto para direita, sou chamada da esquerda; se para a esquerda, incomodada pela direita; e finalmente pelos flancos, retaguarda e vanguarda; sempre e sempre chamada, incomodada e flagelada!

FERNANDO – Em vista disso, irei eu mesmo preparar! (Sai muito zangado, mas pára-se na
porta.)

GARRETT – e as minhas camisas, calças e ceroulas – já aprontaste?

LUDUVICA – Não tenho tido tempo nem para coser os meus vestidos, quanto mais a sua roupa!

GARRETT_ Um criada assim, não sei para que diabo pode servir! (Vai a sair e esbarra-se com Fernando de Noronha, que até então se acha sério e firme, como um soldado de sentinela em frente do inimigo.)

FERNANDO – Alto lá! Aqui ninguém passa. Ponha-se aí ao lado, e firme como um soldado.
Quero ver até ponto chega a audácia desta criada! (Garrett perfila-se ao lado direito.)

GABRIEL GALDINO ( com palavras muito ternas ou açucaradas) – Então, minha queridinha?

(Aproxima-se a ela..) Nem beijinho me dás, nem uma boquinha, nem um abracinho, nem ao menos um volver desses olhos estrelados!

LUDUVICA (sorrindo-se) – Ora, nunca pensei que o Sr. fosse tão audaz!

GABRIEL – Pois é audácia pedir-se aquilo de que se tem necessidade!?

LUDUVICA – Vá procurar a sua mulher, e com ela faça o que quiser!

GABRIEL – E se ela não quiser, o que hei de eu fazer!?

LUDUVICA – Ter paciência , fazer-lhe continência!

GABRIEL – Então além de me negar aquilo que me deve dar, ainda hei de Ter paciência e fazer-lhe continência!?

LUDUVICA – E que remédio o Sr. terá, senão assim proceder, ou humilhar-se!? Se o não fizer, ela o ferirá; o Sr. há de morrer, ou ela se matar!

GABRIEL – Em vista disso, adeus minha queridinha; adeus! (Vai a sair e encontra o mesmo
obstáculo como Garrett.)

FERNANDO ( para Gabriel Galdino ) – Alto, frente! Tome a esquerda e perfile-se!

(Desembainhando a espada por detrás.) (Gabriel toma a esquerda e perfila-se.)

LUDUVICA – Que farão os três pandorgas (Passando e vigiando-os ora com o rabo de um, ora com o rabo de outro olho.) Que esperarão eles! Pensarão mesmo que me hão de continuar a massar!? Estão bem servidos! Eu componho; eu agora mostro-lhes o que é a força de uma mulher, quando esta está a tudo resolvida, ou mesmo quando apenas quer mangar com algum homem! (Puxa, passeando, um punhal que ocultava no seio e conserva-o escondido na manga do vestido.) Estes (à parte) meus amos são uns poltrões; eu faço daqui carreira, faço brilhar o punhal; eles. Ou me hão deixar passar livremente, ou caem por terra mortos de terror; e não só por serem uns comilões, uns poltrões, também porque... não direi mas o farei! (Volta-se repentinamente; faz brilhar o punhal; avança-se para eles; os dos lados caem cada qual para seu lado, e o do centro para diante; ela salta em cima deste, volta-se para o público e grita levantando o punhal!) Eis-me pisando um homem, como um caruncho [a] um cavalo morto! Quando a força da razão, do direito e da justiça, empregada por atos e por palavras, não for bastante para triunfar, lançai mão do punhal... e lançai por terra os vossos indignos inimigos, como fiz e vedes a estes três algozes! (Desce o pano, passados alguns minutos. E assim finda o terceiro Ato.)

ENTREATO

JERÔNIMO DE AVIS (entrando com flauta e três tocadores, com vários instrumentos) – Lá
vai! (Sopra a flauta; e esta não dá mais que um assovio destemperado; sopra com mais força, - sucede o mesmo, ou ainda pior. Muito ansiado, querendo desculpar-se: ) Senhores, deu o tétano na minha flauta! Desculpem; desculpem!

OS OUTROS – Qual desculpa, nem desculpa! Embaçou-nos, agora há de aprender a tocar todos os instrumentos. ( Caem-lhe em cima com eles; ele defende-se com a flauta; de uns e de outros; e assim que pode corre a safa-se. Os outros fingem persegui-lo; ele procura escapar-se e não pode, dando também em uns e em outros com a flauta, dizendo-lhes:)

JERÔNIMO DE AVIS – Paguem as lições que lhe dei ensinando-os a tocar flauta. (Neste ato e barulho, deve pouco a pouco ir descendo o pano.)

QUADRO

Aparecem todos; cantam – e daçam mascarados; de violas, tambores, flautas, rabecas e violões – os seguintes versinhos:

Minha Musa está vazia,
De tanto haver dado à tia!
Minha rabeca não canta,
Nem o violão descanta!

Trai, larai; tri, lari,
Lari; trai, larai, tri lari
Larou...

(Repete-se.)
Minha viola ‘stá zangada,
Por não Ter mais uma corda;
Dela a flauta discorda;
E assim – só desagrada!

Trai, lari; tri, lari,
Lari; trai, larai, tri lari
Larou...

Minha rabeca assovia;
Com esse rouco violão,
Não faz boa harmonia:
Hei de ver melhor baixão!

Trom larom,
Larom larom larom;
Trom larom larom
Larau lau lau...
(Repete-se.)

Meus tambores estão rotos!
Que fazer deles – não sei!
Hei de vendê-los ao Rei,
Cobertos de peles d’escrotos!

Trom, larom, larom,
Larau lau lau; trom, larom,
Larau, larau, lau lau!...
(Repete-se.)

Minha flauta já não toca,
Mas apenas – assovia!
Se não melhorar na pia,
Hei de mandá-la à taboca!

Drom, larom, larom,
Larim lau lau, drom,
Larom. Lari, lari, larom!
(Repete-se)

Cantados e repetidos estes versos por duas ou mais vozes, daçando-se e tocando-se chóteze, cada um canta os que dizem respeito ao instrumento que toca.

Termina o Quadro; e com ele a Comédia, do seguinte modo:

O FLAUTISTA (Para os outros) – Srs.! Silêncio! O mais profundo silêncio! Vou tocar a mais agradável peça, e de minha composição, que se possa Ter ouvido no planeta que habitamos! Ouçam! Ouçam! (Todos ficam silenciosos; e põem os instrumentos debaixo do braço esquerdo. O Flautista, levando a flauta à boca : )

Fi......... u.........

(Desce o pano)

Fim do Quadro e da Comédia.

Porto Alegre, junho 6 de 1866.

Fonte:
LEÃO, José Joaquim de Campos (Qorpo Santo). "Um Assovio". Teatro Completo, Guilhermino César (org). Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro/Fundação Nacional de Arte, 1980. p. 147-161 (Clássicos do Teatro Brasileiro, 4).