sábado, 3 de maio de 2025

Asas da Poesia * 16 *


Trova de
LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI
Bandeirantes/PR

A desesperança e o pranto
não terão vez, nem lugar,
onde existir o acalanto
da mãe protegendo o lar!…
= = = = = = = = =  

Soneto de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

O desfecho

Prometeu sacudiu os braços manietados
E súplice pediu a eterna compaixão,
Ao ver o desfilar dos séculos que vão
Pausadamente, como um dobre de finados.

Mais dez, mais cem, mais mil e mais um bilhão,
Uns cingidos de luz, outros ensanguentados...
Súbito, sacudindo as asas de tufão,
Fita-lhe a águia em cima os olhos espantados.

Pela primeira vez a víscera do herói,
Que a imensa ave do céu perpetuamente rói,
Deixou de renascer às raivas que a consomem.

Uma invisível mão as cadeias dilui;
Frio, inerte, ao abismo um corpo morto rui;
Acabara o suplício e acabara o homem.
= = = = = = = = =  

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Texturas

Aconchega-se
À toalha de seda lilás
Ao bule branco,
Mesclam-se luz e sombra
Em dobras,
Tecidas na delicada seda -
Um labirinto...
Ao toque da porcelana
A sensação
De uma atemporal imagem,
Uma tala, um devaneio -
Saudade.
= = = = = = 

Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI 
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

A existência é definida
não por azar, mas por sorte:
quanto mais cheios da vida,
mais perto estamos da morte.
= = = = = = 

Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Quando as lágrimas caírem do rosto das estátuas
(Narciso Alves Pires, in “Para além do adeus”, p.48)

Quando as lágrimas caírem do rosto
Sereno das estátuas da mansão
Já o tempo terá feito uma invasão
E os dourados umbrais terá transposto.

Decadente, o jardim esteve exposto
Às ervagens da vil degradação
E o teto, na capela e no salão
Tem as rugas abertas de um desgosto,

De pé inda as estátuas permanecem
Velando o pó e a mágoa que adormecem
Vencidos por tão trágica vigília.

O breu vai caindo sobre a memória
Do que resta de alguma ida glória
Que morreu no brasão desta família.
= = = = = = = = = 

Poetrix de
AILA MAGALHÃES
Belém/PA

indigestão

A boca da noite
Mastigou meus sonhos
Sem digerir os pesadelos…
= = = = = = 

Poema de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

O cavaleiro pobre
(Pouchkine)

Ninguém soube quem era o Cavaleiro Pobre,
Que viveu solitário, e morreu sem falar:
Era simples e sóbrio, era valente e nobre,
E pálido como o luar.

Antes de se entregar às fadigas da guerra,
Dizem que um dia viu qualquer coisa do céu:
E achou tudo vazio... e pareceu-lhe a terra
Um vasto e inútil mausoléu.

Desde então, uma atroz devoradora chama
Calcinou-lhe o desejo, e o reduziu a pó.
E nunca mais o Pobre olhou uma só dama,
Nem uma só! nem uma só!

Conservou, desde então, a viseira abaixada:
E, fiel à Visão, e ao seu amor fiel,
Trazia uma inscrição de três letras, gravada
A fogo e sangue no broquel.

Foi aos prélios da Fé. Na Palestina, quando,
No ardor do seu guerreiro e piedoso mister,
Cada filho da Cruz se batia, invocando
Um nome caro de mulher,

Ela rouco, brandindo o pique no ar, clamava:
“Lumen coeli Regina!” e, ao clamor dessa voz,
Nas hostes dos incréus como uma tromba entrava,
Irresistível e feroz.

Mil vezes sem morrer viu a morte de perto,
E negou-lhe o destino outra vida melhor:
Foi viver no deserto... E era imenso o deserto!
Mas o seu Sonho era maior!

E um dia, a se estorcer, aos saltos, desgrenhado,
Louco, velho, feroz, - naquela solidão
Morreu: - mudo, rilhando os dentes, devorado
Pelo seu próprio coração.
= = = = = = 

Trova de 
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN

Lembranças deixam feridas 
que nascem na alma da gente. 
Que tenham elas nascidas
no passado… ou no presente!
= = = = = = 

Poema de
APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA
Vila Velha/ES

Canção Anã

Essa abstração me
acarreta
acanhos e
acabrunhamentos!
Açambarca
anseios,
açoda instintos e
acossa
o CORAÇÃO.

Assalta e açoita a
Inocência
existente em mim...
adultera sonhos,
alucina emoções,
angaria debilidades,
aquece a ilusão, na
amplidão dessa
SAUDADE.

Aquém, vivo e padeço,
apressando os dias,
acelerando as horas,
apregoando frases mortas!
Azedo, arraso o corpo inteiro,
arrefeço o sangue quente, na
agonia de 
amoldar o
amor e a FELICIDADE!...
= = = = = = 

Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Se a gente fosse dar crédito 
ao que diz a maioria,
só de "autor de livro inédito" 
tinha uns mil na Academia!...
= = = = = = 

Poema de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Um dia acordarás

Um dia acordarás num quarto novo
sem saber como fosse para lá
e as vestes que acharás ao pé do leito
de tão estranhas te farão pasmar,

a janela abrirás, devagarinho:
fará nevoeiro e tu nada verás...
Hás de tocar, a medo, a campainha
e, silenciosa, a porta se abrirá.

E um ser, que nunca viste, em um sorriso
triste, te abraçará com seu maior carinho
e há de dizer-te para o teu assombro:

— Não te assustes de mim, que sofro há tanto!
Quero chorar — apenas — no teu ombro
e devorar teus olhos, meu amor...
= = = = = = 

Hino de
AMAPORÃ/ PR

Foi a fibra do valente pioneiro 
Que lutando com audácia e destemor 
Fez surgir neste recanto hospitaleiro 
Esta terra de Paz e Esplendor
Já nascestes com destino grandioso 
E a mais nobre determinação 
Amaporã és torrão generoso 
Onde tudo é labor e união. 

Caminhando pela trilha do sucesso
Com a força do trabalho como lema 
Construindo dia a dia o teu progresso 
Desde o tempo em que te chamavam Jurema 
Nossa Senhora de Fátima querida
Com seu Manto estende sua proteção 
Abençoando para sempre a nossa lida 
E as riquezas que brotarem deste chão. 

Amaporã - chuva bonita, qual cascata.
Despetalando alva espuma no Ivaí 
Irrigando as lavouras e a mata 
No cenário mais lindo que eu já vi 
Eu que sou filho deste recanto 
Com orgulho hei de dizer 
Amaporã: És colmeia de encanto 
Onde sempre haverei de viver. 

Caminhando pela trilha do sucesso
Com a força do trabalho como lema 
Construindo dia a dia o teu progresso 
Desde o tempo em que te chamavam Jurema 
Nossa Senhora de Fátima querida
Com seu Manto estende sua proteção 
Abençoando para sempre a nossa lida 
E as riquezas que brotarem deste chão. 
= = = = = = = = =  

Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

O amor que perdura
 
Nosso primeiro encontro no trabalho;
depois a nossa loja, nossas casas...
Os filhos chegam, como sempre, brasas
aquecidas e boas... Embaralho

das nossas vidas diferentes, asas
ligeiras balançando meu grisalho
amor, ciumento de nós todos, malho
constante dos espíritos. Abrasas

minha existência... Mas te amava tanto
que sublimei por muitos anos teu
precoce encantamento... E tanto quanto

te amei,  passei  a duvidar do amor
de qualquer ser humano... E espero ter
meu encontro contigo  quando eu for.
= = = = = = = = =  = = = = 

Trova Premiada de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/ SP

Ser mãe é perpetuar 
a vida em seu seguimento 
conjugando o verbo AMAR 
seja qual for o momento.
= = = = = = = = = 

Uma Lengalenga de Portugal
HORAS DE SONO

(Esta lengalenga é também provérbio/adágio, cantada no século XVIII)

 Quatro horas dorme o santo,
 Cinco o que não é tanto,
Seis o caminhante
Sete o estudante,
Oito o preguiçoso,
Nove o porco,
Mais só o morto.
= = = = = = = = =  

Quadra Popular de
ANTÓNIO JOSÉ BARRADAS BARROSO
Paredes/ Portugal

Nosso querer tão velhinho,
cheio de ternuras e afetos,
se deu, aos filhos, carinho,
mais ainda deu aos netos.
= = = = = = = = =

Triverso travesso de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Ah, havia o espaço
e no espaço havia ação.
Apertem os cintos.
= = = = = = = = =  

Poema de 
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR

O céu de tão azul
Estava um tipo Mário Quintana
E até a minh'alma mundana
Ganhou uma veste celeste
Mesmo sem saber que era prece
Ver o voar da Tesourinha
Que cortava o céu
E costurava sem linha
Um manto azul,
De um toque quase sagrado
Para aqueles que foram perdoados
E nem perguntaram o porquê.
= = = = = = = = =  

Trova de
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Nós somos duas tipoias
na ajuda às forças escassas
- quando fracasso, me apoias,
te apoio, quando fracassas!…
= = = = = = = = =  

Poema de 
PEDRO DU BOIS
Passo Fundo/RS, 1947 – 2021, Balneário Camboriú/SC

Você 

Rasgo a página não inscrita que da perda
não ficarão registros
do passado lavado
em novos passos imundos
de soberbos ataques
na chuva miúda
intermitente
sobre guarda-chuvas
abertos em proteção
e escudo: raios e trovões
não acontecidos na sequência
do desencontro

sim
você estava ali
seu perfume permanece
sobre o cheiro dos temperos e alguém cita
seu nome
e me volto em incertezas

página rasgada do que não escrevi no dia
que seria da chegada e não houve o tempo
seco das histórias de memórias difundidas
lendas sacramentadas em perdões e profecias

a chuva miúda aos poucos alaga a rua
em descaminhos
como os fins e os meios
repetidos em sangue não doado

sim
você esteve lá
seu perfume oferta
temperados pratos
insossos para sempre.
= = = = = = = = =  

Aldravia de
MARIA BEATRIZ DEL PELOSO RAMOS
Rio de Janeiro/RJ

Saudade
amuleto
líquido
usado
no
peito
= = = = = = = 

Setilha de
ADAUBERTO AMORIM
Crato/CE

Ao som do mar eu relembro
Um momento eternizado,
Um trinta e um de dezembro
Consumido e consumado.
As ondas molhando a areia
E eu beijando uma "sereia"
Num sonho bem acordado.
= = = = = = = 

Epigrama de
ANTÔNIO SALES
Fortaleza/CE, 1868 – 1940

– A fealdade é um direito;
Por isso ninguém a acusa.
Mas ser feia desse jeito…
Perdão: a senhora abusa!
= = = = = =

Lima Barreto (Uma outra)


É um engano supor que o povo nosso só tenha superstições com sapatos virados, cantos de coruja; e que só haja na sua alma crendices em feiticeiros, em cartomantes, em rezadores, etc. Ele tem, além dessas superstições todas, uma outra de natureza singular, partilhada até, como as demais, por pessoas de certo avanço mental.

Dizia-me isto, há dias, um meu antigo companheiro de colégio que se fizera engenheiro e andava por estes Brasis todos, vegetando em pequenos empregos subalternos de estudos e construção de estradas de ferro e até aceitara simples trabalhos de agrimensor. Em encontro anterior, ele me dissera: “Antes eu tivesse ficado nos correios, pois ganharia agora mais ou menos aquilo que tenho ganho com o ‘canudo’, e sem canseiras nem maçadas”. Quando se formou já era amanuense postal.

Tendo ele, daquela vez, me falado em superstição nova do nosso povo que observara, não pude conter o meu espanto e perguntei-lhe com pressa:

– Qual é?

– Não sabe?

– Não.

– Pois é a do doutor.

– Como?

– O doutor para a nossa gente não é um profissional desta ou daquela especialidade. É um ser superior, semidivino, de construtora fora do comum, cujo saber não se limita a este ou aquele campo das cogitações intelectuais da humanidade, e cuja autoridade só é valiosa neste ou naquele mister. É omnisciente, senão infalível. É só ver como a gente do mar, do Lloyd, por exemplo, tem em grande conta a competência especial dos seus diretores – doutor. Todos eles são tão marítimos como um nosso qualquer ministro da Marinha nouveau gens*, entretanto, os lobos do mar de todas as categorias não se animam a discutir a capacidade de seu chefe. É doutor e basta, mesmo que seja em filosofia e letras, coisas muito parecidas com comércio e navegação. Há o caso, que tu deves conhecer, daquele matuto que se admirou de ver que o doutor por ele pajeado, não sabia abrir uma porteira do caminho. Lembras-te? Iam a cavalo...

– Pois não! Que doutor é esse que não sabe abrir porteira? Não foi essa a reflexão do caboclo?

– Foi. Comigo, aconteceu-me uma muito boa.

– Qual foi?

– Andava eu perdido numas brenhas com uma turma de exploração. O lugar não era mau e até ali não houvera moléstias de vulto. O pessoal dava-se bem comigo e eu bem com ele. Improvisamos uma aldeia de ranchos e barracas, pois o povoado mais próximo ficava distante umas quatro léguas. Morava eu num rancho de palha com uma espécie de capataz que me era afeiçoado. Dormia cedo e erguia-me cedo, muito de acordo com os preceitos do falecido Bom Homem Ricardo. Uma noite – não devia passar muito das dez – vieram bater-me à porta. 

“Quem é”? perguntei. 

“Somos nós”. 

Reconheci a voz dos meus trabalhadores, saltei da rede, acendi o candeeiro e abri a porta. 

“Que há”? 

“Seu doutô! É u Feliço qui tá cô us óios arrivirados pra riba. Acode que vai morrê... ” 

Contaram-me então todo o caso. O Felício, um trabalhador da turma, tinha tido um ataque, ou acesso, uma súbita moléstia qualquer e eles vinham pedir-me que acudisse o companheiro. 

“Mas”, disse eu, “não sou médico, meus filhos. Não sei receitar”. 

“Quá, seu doutôl Quá! Quem é doutô sabe um pouco de tudo”. 

Quis explicar a diferença que existia entre um engenheiro e um médico. Os caipiras, porém não queriam acreditar. Da mansidão primeira, foram se exaltando, até que um disse a outro um tanto baixo, mas eu ouvi: 

“A minha vontade é aprontá esse marvado! Ele u qui não qué é i. Deixa ele!” 

Ouvindo isto, não tive dúvidas. Fui até ao barracão do Felício, fingi que lhe tomava o pulso, pois nem isso sabia, determinei que lhe dessem um purgante de óleo e...

– Eficaz medicina! refleti.

– ...depois do efeito, umas cápsulas de quinino que sempre tinha comigo.

– O homem curou-se?

– Curou-se.

– Ainda bem que o povo tem razão.
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* Nouveau gens = pessoas recém chegadas

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AFONSO HENRIQUES DE LIMA BARRETO nasceu em 1881, na cidade do Rio de Janeiro. Era negro e de família pobre. Sua mãe era professora primária e morreu de tuberculose quando Lima Barreto tinha 6 anos. Seu pai era tipógrafo, porém sofria de doença mental. Mas tinha um padrinho com posses - o Visconde de Ouro Preto (1836-1912) -, o que permitiu que o escritor estudasse no Colégio Pedro II. Depois, ingressou na Escola Politécnica, mas não concluiu o curso de Engenharia, pois precisava trabalhar. Em 1903, fez concurso e foi aprovado para atuar junto  à Diretoria do Expediente da Secretaria da Guerra. Assim, concomitantemente ao trabalho como funcionário público, escrevia os seus textos literários.  Em 1905, trabalhou como jornalista no Correio da Manhã. Lançou, em 1907, a revista Floreal. Em 1909, o seu primeiro romance foi editado em Portugal: Recordações do escrivão Isaías Caminha. O romance Triste fim de Policarpo Quaresma foi publicado, pela primeira vez, em 1911, no Jornal do Comércio, em forma de folhetim. Em 1914, Lima Barreto foi internado em um hospital psiquiátrico pela primeira vez. Se candidatou três vezes a uma vaga na Academia Brasileira de Letras, recebeu dela, apenas uma menção honrosa em 1921. Morreu em 1922.

Fontes:
Publicado na Revista Careta, Rio de Janeiro, em 06 de março de 1920. Disponível em Domínio Público.  
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Edgar Allan Poe (Morela)

Ele mesmo, por si mesmo unicamente, eternamente Um e único 
PLATÃO
ERA COM SENTIMENTOS de profunda embora singularíssima afeição que eu encarava minha amiga Morela. Levado a conhecê-la por acaso, há muitos anos, minha alma, desde nosso primeiro encontro ardeu em chamas que nunca antes conhecera; não eram, porém as chamas de Eros, e foi amarga e atormentadora para meu espírito a convicção crescente de que eu não podia, de modo algum, duvidar de sua incomum significação, ou regular-lhe a vaga intensidade. Conhecem-nos, porém, e o destino conduziu-nos juntos ao altar; mas nunca falei de paixão ou pensei em amor. Ela, contudo, evitava companhias e, ligando-se só a mim, fazia-me feliz. Maravilhar-se é uma felicidade; e é uma felicidade sonhar.

A erudição de Morela era profunda. Asseguro que seus talentos não eram de ordem comum, sua força de espírito era gigantesca. Senti-a e, em muitos assuntos, tornei-me seu aluno. Logo, porque verifiquei que, talvez por causa de sua educação, feita em Presburgo, ela me apresentava numerosos desses escritos místicos que usualmente são considerados como o simples sedimento da primitiva literatura germânica. Por motivos que eu não podia imaginar eram essas obras o seu estudo favorito e constante. E o fato que, com o correr do tempo, se tornassem elas também o meu, pode ser atribuído à simples mas eficaz influência do costume do exemplo.

Em tudo isso, se não me engano, minha razão tinha pouco a fazer. Minhas convicções, ou me desconheço, de modo algum eram conformes a um ideal, nem se podia descobrir qualquer tintura das coisas místicas que eu lia, a menos que esteja grandemente enganado nos meus atos ou nos meus pensamentos.

Persuadido disso, abandonei-me implicitamente à direção de minha esposa e penetrei, de coração resoluto, no labirinto de seus estudos então... então, quando, mergulhado nas páginas nefastas senti um espírito nefasto acender-se dentro de mim. Morela colocava a mão fria sobre a minha e extraía das cinzas de uma filosofia morta algumas palavras profundas e singulares, cujo estranho sentido as gravava a fogo em minha memória.

« Santa Maria! Volve o teu olhar tão belo, de lá dos altos céus, do teu trono sagrado, para a prece fervente e para o amor singelo que te oferta, da terra, o filho do pecado. Se é manhã, meio-dia, ou sombrio poente, meu hino em teu louvor tens ouvido, Maria! Sê, pois, comigo, ó Mãe de Deus, eternamente, quer no bem ou no mal, na dor ou na alegria! No tempo que passou, veloz, brilhante, quando nunca nuvem qualquer meu céu escureceu, temeste que me fosse a inconstância empolgando e guiaste minha alma a ti, para o que é teu. Hoje, que o temporal do destino ao passado e sobre o meu presente espessas sombras lança, fulgure ao menos meu futuro, iluminado por ti, pelo que é teu, na mais doce esperança! »

E então, hora após hora, eu me estendia a seu lado, imergindo-me na música de sua voz, até que, afinal, essa melodia se maculasse de terror; então caía uma sombra sobre minha alma, eu empalidecia, tremia internamente àqueles sons que não eram da terra. Assim a alegria subitamente se desvanecia no horror e o mais belo se transformava no mais hediondo, como o Hinnon se transformou em Geena.

É necessário fixar o caráter exato dessas inquisições que, irrompendo dos volumes mencionados, formaram, por longo tempo, quase que único objeto de conversação entre mim e Morela. Mas os instruídos no que se pode denominar moralidade teológica facilmente o conceberão e os leigos, de qualquer modo, não o poderiam entender. O extravagante panteísmo de Fichte; a palingenésia* modificada de Pitágoras; e, acima de tudo, as doutrinas de Identidade, como as impõe Schelling, eram esses geralmente os assuntos de discussão que mais beleza apresentavam à imaginativa Morela .

Aquela identidade que se chama pessoal, Locke, penso, define-a com realismo, como consistindo na conservação do ser racional. E que por pessoa compreendemos uma essência inteligente dotada de razão, e desde que há uma consciência que sempre acompanha o pensamento, é ela que nos faz, a todos, sermos o que chamamos nós mesmos, distinguindo-nos por isso de outros pensamentos e dando-nos nossa identidade pessoal. Mas o indivíduationis*, a noção daquela identidade que, com a morte está ou não perdida para sempre, foi para mim, em todos os tempo questão de intenso interesse, não só por causa da natureza embaraçosa e excitante de suas consequências como pela maneira acentuada e agitada com que Morela as mencionava.

Na verdade, porém, chegara o tempo em que o mistério da conduta de minha esposa me oprimia como um encantamento. Eu não podia suportar mais o contato de seus dedos lívidos, nem o grave de sua fala musical, nem o brilho de seus olhos melancólicos. E ela sabia de tudo isso, porém não me repreendia; consciente de minha fraqueza ou de minha loucura, e, a sorrir chamava-a Destino.

Parecia também consciente de uma causa, para mim ignota, do crescente alheamento de minha amizade; me dava sinal ou mostra da natureza disso. Era, contudo, mulher e fenecia dia a dia. Por fim, uma rubra mancha se fixou, firmemente, na sua face e as veias azuis de sua fronte pálida se tornaram proeminentes; por instantes minha natureza se fundia em piedade mas, a seguir, meu olhar encontrava o brilho de seus olhos significativos e minha alma enfermava e entontecia, com a vertigem de quem olhasse para dentro de qualquer horrível e insondável abismo.

Poderei dizer então que ansiava, com desejo intenso e devorador pelo momento da morte de Morela? Ansiei; mas o frágil espírito agarrou-se à sua mansão de argila por muitos dias, por muitas semanas, por meses penosos, até que meus nervos torturados obtiveram domínio sobre meu cérebro e me tornei furioso com a com demora e com o coração de um inimigo, amaldiçoei os dias, as horas e os amargos momentos que pareciam ampliar-se cada vez mais, à medida que sua delicada vida declinava como as sombras ao do morrer do dia.

Numa tarde de outono, porém, quando os ventos silenciavam nos céus, Morela chamou-me a seu leito. Sombria névoa cobria a terra e um resplendor ardia sobre as águas e entre as bastas folhas de outubro na floresta, como se um arco-íris tivesse caído do firmamento.

- Este é o dia dos dias - disse ela, quando me aproximei. O mais belo dos dias para viver ou para morrer. É um belo dia para os filhos da terra e da vida... ah, e mais belo ainda para as do céu e da morte!

Beijei-lhe a fronte, e ela continuou:

- Vou morrer e, no entanto, viverei.

- Morela !

- Jamais existiram esses dias em que podias amar-me… mas aquela a quem na vida aborreceste, depois de morta a adorarás.

- Morela !

- Repito que vou morrer. Mas dentro de mim há um penhor desta afeição - ah, quão pequena! - que deveste sentir por mim, Morela . E quando meu espírito partir, a criança viverá - teu filho e meu filho, o filho de Morela. Mas os teus dias serão dias de pesar, que é a mais duradoura das impressões, do mesmo modo que o cipreste é a mais resistente das árvores. Porque as horas da tua felicidade passaram e alegria não se colhe duas vezes numa vida, como as rosas de Paesturo duas vezes num ano. Não jogarás mais, com o tempo o jogo do homem de Teos, mas, não conhecendo o mirto e a vinha, levarás contigo, por toda parte, a tua mortalha como o muçulmano a sua em Meca.

- Morela! - exclamei. Morela! Como sabes disto?

Ela, porém, voltou o rosto sobre o travesseiro. Leve tremor agitou-lhe os membros e assim ela morreu, não mais ouvindo eu a sua voz. Entretanto, como o predissera ela, seu filho, a quem, ao morrer, dera a vida, que só respirou quando a mãe deixou de respirar, seu filho, uma menina, sobreviveu. E, estranhamente, cresceu em estatura e inteligência, vindo a tornar-se a semelhança perfeita daquela que se fora. E eu a amava com um amor mais fervoroso acreditava fosse possível sentir por qualquer criatura terrestre.

Mas dentro em pouco o céu dessa pura afeição se enegreceu e melancolia, o horror, e a angústia nele se acastelaram como nuvens. Disse que a criança crescia, estranhamente, em estatura e inteligência. Estranho na verdade, foi o rápido crescimento de seu tamanho corporal, mas terríveis, oh! Terríveis eram os tumultuosos pensamentos que sobre mim se amontoaram, enquanto observava o desenvolvimento de sua mentalidade. Poderia ser de outra forma, diariamente, descobria eu nas concepções da criança as energias adultas e as faculdades da mulher? Quando as lições da experiência brotavam dos lábios da infância? E quando eu via a sabedoria ou as paixões da maturidade cintilarem a cada instante nos olhos grandes e meditativos? Quando, repito, quando tudo se tornou evidente aos meus sentidos aterrados, quando não o pude ocultar à minha alma nem repeli-lo dessas percepções, tremiam ao recebê-lo, há de que admirar-se que suspeitas de natureza terrível e excitante se introduzissem no meu espírito, ou que meus pensamentos se tenham reportado, com horror, às estórias espantosas e às arrepiantes teorias da falecida Morela?

Arranquei à curiosidade do mundo uma criatura a quem o destino me compeliu a adorar e, na rigorosa reclusão de meu lar, velava com agoniante ansiedade tudo quanto concernia à bem-amada.

E enquanto rolavam os anos e eu contemplava, dia a dia, o seu rosto santo, suave e eloquente, e estudava-lhe as formas maturescentes, dia após dia descobria novos pontos de semelhança entre a criança e sua mãe, a melancólica e a morta. E a todo instante se tornavam mais negras aquelas sombras de semelhança e mais completas, mais definidas, mais inquietantes e mais terrivelmente espantosas no seu aspecto. Porque não podia deixar de admitir que o sorriso era igual ao de sua mãe; mas essa identidade demasiado feita fazia-me estremecer; não podia deixar de tolerar que seus olhos fossem como os de Morela; mas eles também penetravam vezes nas profundezas de minha alma com a mesma intensa e desnorteante expressividade dos de Morela . E no contorno de sua fronte elevada, nos cachos de seu cabelo sedoso, nos seus dedos pálidos que nele mergulhavam, no timbre musical e triste de sua fala e sobretudo oh! Acima de tudo, nas frases e expressões da morta sobre os lábios da amada e da viva, encontrava eu alimento, um pensamento horrendo e devorador - para um verme que não queria morrer.

Assim se passaram dois lustros de sua vida, e, contudo, permanecia minha filha sem nome sobre a terra. "Minha filha" e “meu amor" eram os apelativos usualmente ditados por minha afeição de pai, e a severa reclusão de sua vida impedia qualquer outra relação.

O nome de Morela acompanhara-a na morte. Da mãe falara à filha; era impossível falar. De fato, durante o breve de sua existência, não recebera esta última impressões do mundo exterior, exceto as que lhe puderam ser proporcionadas pelos estreitos limites de seu retiro. Mas afinal a cerimônia do batismo sentou-se a meu espírito, naquele estado de agitação e enervamento como uma libertação imediata dos terrores do meu destino. E na fonte batismal hesitei na escolha de um nome. E numerosas denominações de sabedoria e de beleza, de tempos antigos e modernos, de minha e de terras estrangeiras, vieram amontoar-se nos meus com outras tantas lindas denominações, de nobreza, de ventura, de bondade. Quem me impeliu então a perturbar a memória da sepultada? Que demônio me incitou a suspirar aquele som e simples lembrança sempre fazia fluir, em torrentes, o sangue das fontes do coração? Que espírito maligno falou dos recessos minha alma quando, entre aquelas sombrias naves e no silêncio da noite, eu sussurrei aos ouvidos do santo homem as sílabas "Morela? Quem, senão o demônio, convulsionou as feições de minha filha e sobre elas espalhou tons de morte, quando, estremecendo ao aquele som quase inaudível, volveu os olhos límpidos da terra para o céu e, caindo prostrada sobre as negras lajes de nosso mausoléu de família, respondeu: "Estou aqui!"?

Distinta, fria e calmamente precisos, esses tão poucos e tão simples sons penetraram-me nos ouvidos e, depois, como chumbo retido, rolaram, sibilantes, dentro do meu cérebro. Anos e anos podem-se passar, mas a lembrança daquela época, nunca. Desconhecia eu de fato as flores e a vinha, mas o acônito e o cipreste ensombraram-me noite e dia. E não guardei memória de tempo ou de lugar, e as estrelas da minha sorte sumiram do céu e desde então a terra se tornou tenebrosa e suas figuras passaram perto de mim como sombras esvoaçantes, e entre elas só uma vislumbrava: Morela. Os ventos do firmamento somente um nome murmuravam aos meus ouvidos e o marulho das ondas sussurra "Morela!" Ela, porém, morreu e com minhas próprias mãos levei-a ao túmulo. E ri, uma risada longa e amarga, quando não achei traços da primeira Morela no sepulcro em que depositei a segunda.
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* Vocabulário
Indivíduationis = é a forma do conhecimento do indivíduo, ou o princípio de razão.
Palingenesia = é um conceito de renascimento ou recriação, usado em vários contextos em filosofia, teologia, política, e biologia. Eterno retorno. Renascimento.

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EDGAR ALLAN POE nasceu em 1809, em Boston, Massachusetts, e morreu em 1849, em Baltimore, Maryland. Ele foi um poeta, contista, editor e crítico literário, amplamente reconhecido como um dos pioneiros do conto de terror e do gênero policial. Poe teve uma infância difícil, perdendo os pais ainda muito jovem. Foi criado por uma família adotiva, os Allan, mas nunca teve uma relação próxima com eles. Estudou na Universidade da Virgínia, mas abandonou os estudos devido a problemas financeiros e pessoais. Sua obra mais conhecida inclui contos como "O Corvo," "A Queda da Casa de Usher" e "O Gato Preto," que exploram temas de morte, loucura e a condição humana. Além disso, ele foi um dos primeiros a desenvolver o gênero do mistério e do suspense, influenciando gerações de escritores. Teve uma vida marcada por dificuldades, incluindo a luta contra a pobreza e problemas de saúde. Sua morte prematura, em circunstâncias misteriosas, contribuiu para o seu status de ícone literário. Hoje, ele é celebrado como um dos grandes mestres da literatura americana e um precursor do horror psicológico. 

Fontes:
Edgar Allan Poe. Histórias do Grotesco e do Arabesco. Publicado originalmente em 1835. Disponível em Domínio Público.
Imagem criada por JFeldman com Microsoft Bing

quinta-feira, 1 de maio de 2025

Asas da Poesia * 15 *


 Soneto de 
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

E o carnaval começa

Rompem-se os diques da alma. Nas retinas,
confundem-se as visões do Bem e o Mal.
Momo sacode os guizos! Nas esquinas
e nos salões, estronda a bacanal!

No entanto, há mais Pierrôs e Colombinas,
Palhaços e Arlequins, na vida real,
que os que atiram confetes... serpentinas,
alegria a fingir no Carnaval!

Cinzas! Máscaras rolam! Mas... só a morte,
a derradeira máscara é quem tira.
Momo sorri - talvez da própria sorte!

E o amargor numa dúvida se expressa:
- O Carnaval findou?! - Cruel mentira!
– A vida marcha... E o Carnaval começa!...
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Soneto de 
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA

Se quiseres

Se quiseres palmilhar o meu caminho
abandona tuas asas e teu ninho
que impedem teu livre caminhar.

Se quiseres pernoitar na minha tenda
retira, antes de entrar, a venda
que não te deixa ver a estrela-guia.

Se quiseres repousar na minha cama
remove do teu corpo a lama
comprada no igapó das ilusões.

Se quiseres meu amor, rasga teu peito
e arranca dele o preconceito
que não te deixa ver-me como sou.

E se afinal quiseres decifrar meu canto,
destrói na sarça ardente o cetro e o manto
e só então verás a essência do meu ser.
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Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES

O meu sertão IV

O meu sertão virou quase cidade:
as terras divididas em herança
vão partindo os talhões pela metade 
e aproximando, assim, a vizinhança.

Ganhou a noite tanta claridade
e incrivelmente chega a insegurança,
na gente que era só simplicidade
e sofre o destempero da mudança.

Os vagalumes, feito lamparinas,
faziam noites tão mais genuínas,
o céu mais parecia um véu de estrelas…

Mas já não vejo tantas qual outrora,
com tanta luz, eu acho, vão-se embora…
e eu olho o céu e não  consigo vê-las!
= = = = = = = = =  

Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Coração de pedra dura,
da mais dura que houver;
eu jurei de te amar,
enquanto vida tiver.
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Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

Canção do boêmio

Que noite fria! Na deserta rua
Tremem de medo os lampiões sombrios.
Densa garoa faz fumar a lua,
Ladram de tédio vinte cães vadios.

Nini formosa! por que assim fugiste?
Embalde o tempo à tua espera conto.
Não vês, não vós?... Meu coração é triste
Como um calouro quando leva ponto.
A passos largos eu percorro a sala
Fumo um cigarro, que filei na escola...

Tudo no quarto de Nini me fala
Embalde fumo... tudo aqui me amola.
Diz-me o relógio cinicando a um canto
"Onde está ela que não veio ainda?"
Diz-me a poltrona "por que tardas tanto?
Quero aquecer-te rapariga linda."

Em vão a luz da crepitante vela
De Hugo Garcia uma canção ardente;
Tens um idílio — em tua fronte bela...
Um ditirambo— no teu seio quente...
Pego o compêndio... inspiração sublime
Pra adormecer... inquietações tamanhas...

Violei à noite o domicílio, ó crime!
Onde dormia uma nação... de aranhas...
Morrer de frio quando o peito é brasa...
Quando a paixão no coração se aninha!?...
Vós todos, todos, que dormis em casa,

Dizei se há dor, que se compare à minha!...
Nini! o horror deste sofrer pungente
Só teu sorriso neste mundo acalma...
Vem aquecer-me em teu olhar ardente...
Nini! tu és o cache-nez dest'alma.
Deus do Boêmio!... São da mesma raça

As andorinhas e o meu anjo louro...
Fogem de mim se a primavera passa
Se já nos campos não há flores de ouro...
E tu fugiste, pressentindo o inverno.
Mensal inverno do viver boêmio...
Sem te lembrar que por um riso terno

Mesmo eu tomara a primavera a prêmio..
No entanto ainda do Xerez fogoso
Duas garrafas guardo ali... Que minas!
Além de um lado o violão saudoso
Guarda no seio inspirações divinas...
Se tu viesses... de meus lábios tristes

Rompera o canto... Que esperança inglória...
Ela esqueceu o que jurar lhe vistes
Ó Paulicéia, ó Ponte-grande' ó Glória!...
Batem!... que vejo! Ei-la afinal comigo...
Foram-se as trevas... fabricou-se a luz...
Nini! pequei... dá-me exemplar castigo!

Sejam teus braços... do martírio a cruz!…
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Poema de
APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA
Vila Velha/ES

Desespero inevitável

Queria fugir de mim,
dos meus desencantos,
e não consigo...
Melhor seria assim
Do que viver pelos cantos
na triste espera do fim.
= = = = = = = = =  

Poema de
CRIS ANVAGO
Setúbal/ Portugal

A música faz sonhar
Lembrar, sorrir
Ficar sentada
Fluir no oceano
Que nos acolhe
E escolhe o que merecemos
E queremos tudo de bom
Porque queremos
Ser como somos
Ser nós!

Com os abraços amigos
Sem estarmos sós
Queremos o som
E, na madrugada
Saborear fruto bom
Antes de irmos para a estrada
Somos quem somos
E, não temos de ser mais nada!

Chegamos, partimos
Andamos a deambular pela estrada
Sempre pensamos em quem nos ama
Sempre somos acarinhados pelos amigos
Somos nós 
Com todas as imperfeições
e. se não estivermos sós
somos bons nas nossas relações
de amizade, da amor e carinho
assim vamos caminhando
nesta estrada dura do destino!
= = = = = = = = =  

Haicai do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Aquele sem teto,
que tem a noite por leito,
precisa de afeto! 
= = = = = = = = =

Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Dos gestos com que amor se manifeste
(Maria Amélia de Carvalho e Almeida in "Ao Sabor das Marés" p. 206)

Dos gestos com que Amor se manifeste
De todos o sorriso é tão primeiro
Que sendo puro, aberto e verdadeiro
Parece a luz que vem do azul celeste.

Se de um sorriso o olhar se enfeita e veste
O nosso coração bate ligeiro
Parece o peito ser quente braseiro
E de rubor o rosto se reveste.

Quando o sorriso nasce nada é feio
E as almas ficam presas nesse enleio
Que tanta coisa diz sem dizer nada.

Ficam palavras presas na garganta
E aquela que de todas mais encanta
É no fundo da alma que é guardada.
= = = = = = = = = 

Soneto de
AMAURY NICOLINI
Rio de Janeiro/RJ

Tente mais tarde

O destino, às vezes, contraria
aquilo que imaginamos ser o certo
e transfere sempre para outro dia
tudo que imaginávamos estar perto.

Achamos que é defeito do destino,
mas no final as coisas vão mostrando
que nos faltava o principal: o tino
para saber o quê, o onde e o quando.

O que termina foi melhor assim,
e  sábio, o destino armou o fim
que de algum jeito foi anunciado.

Veja o exemplo que ocorre a mim,
que tento te ligar e ouço enfim
que está fora do ar ou desligado.
= = = = = = 

Poema de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

Persistência

Sou persistente como o garimpeiro
que busca a joia rara e deslumbrante,
cavando a terra, construindo aceiro,
para encontrar, altivo, o diamante.

Sou incansável pelo tempo inteiro,
busco a palavra e o brilho fascinante
do verso ardente, puro e verdadeiro
que brilha como o sol, inebriante.

Ninguém me deterá neste garimpo,
irei, se for preciso até o Olimpo
buscar minha divina inspiração.

E nestes versos pobres, mas floridos
meus sonhos ficarão mais coloridos,
oriundos do Amor, do coração!
= = = = = = = = =  

Poeminha de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Ninguém é grande
sozinho.
Mesmo o Amazonas,
gigante,
de afluentes precisou. 
= = = = = = = = =  

Poema de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

Herança poética
(Homenagem a Mário Quintana)

Pede cautela a razão,
no labirinto da vida...
mas, sei que o meu coração
também conhece a saída.
* * *
Na sua ruazinha sonolenta,
a velha casa, onde nasceu, resiste.
Da porta aberta quando à noite, venta
do "catavento" eu ouço o canto triste.

Sua "cadeira de balanço" tenta
ninar meus sonhos... quanto pede e insiste!
Mas, a saudade chega e ciumenta
ocupa o seu lugar e não desiste.

Abro o "baú de espantos", comovida!...
Seu "sapato florido", ao ganhar vida,
vai procurar seu dono... e, por instinto,

eu levo o seu "espelho com magia",
que me fará cativo da poesia
e hei de encontrar você no "labirinto".
= = = = = = = = =  

Poema de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/ RO

Plangência

Disseste adeus, pereci nesse instante,
Faltou-me o chão, foi-se o brilho da vida,
Senti cravado um punhal lacerante,
Resta aqui dentro a saudade doída.

Os arrebóis não mais têm formosura,
Lágrimas rubras me escorrem na face
Extravasando a perversa tristura,
Sofro lembrando o cruel desenlace.

Sem teus afagos decerto definho,
Prevejo ser a ruína completa,
Um negro manto recobre o caminho
Em que vagueio, princesa dileta.

Eis o meu brado plangente, sincero
Se decidires voltar, inda espero.
= = = = = = = = =  

Poema de
MILTON S. SOUZA
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018, Cachoeirinha/RS

Nem sei porque sou assim

Nem sei porque sou assim:
Cada sonho que acalento
Se agarra tanto aqui dentro
Que vira parte de mim.

Fui assim desde criança
Sonhadora incorrigível
Procurando no impossível
Uma luz ... uma esperança.
Pareço pombinha mansa
Mar não gosto de enganar
Se um sonho me faz voa
Nem um corisco me alcança.

O sonho nos assegura
Que o céu não é tão distante
Ele grita... e nos garante
Que vale a pena a procura.
Quem sonha se transfigura
Mudando o brilho do olhar,
Que sonha pode mudar
Qualquer sorte... por mais dura.

Nem sei porque sou assim:
cada sonho que acalento
se agarra tanto aqui dentro
que vira parte de mim.

Por isso é que choro tanto
Ao ver um sonho morrer
Sonhar é mais que viver:
É da vida ter o encanto.
Cada sonho é um acalanto
Que embala nossa alma...E traz
Um misto de guerra e paz
No feitiço do seu canto.

Um sonho pode fazer
O inverno virar verão,
Pode entrar num coração
Quietinho...sem ninguém ver
Pode até mesmo acender
Alguma estrela apagada,
E as vezes, sem trazer nada
Enche a gente de prazer.

Sonhar é uma forma bonita
De atender o que a alma exige
Somente um sonho corrige
qualquer vida mal escrita.
E quando agente acredita
Torna reto o rumo torto
E até mesmo um sonho morto
Muitas vezes ressuscita.

Se sonhando eu sempre vim
Porque é assim meu coração,
Pouco me importa a razão
Desse meu sonhar sem fim.
Nem sei porque sou assim:
cada sonho que acalento
se agarra tanto aqui dentro
que vira parte de mim.
= = = = = = = = =  

Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Serenando tua dor

Tu serenas, quando o verso que tu traças, 
descompassa tua dor e harmoniza 
todo amor que ainda tens e que suaviza 
teu silêncio, pois desfaz tuas mordaças.

E são  tantas... tantas vezes te calaste
ante cada infeliz perspectiva
de viver uma aventura expressiva,
quando nela, muito mais te aprofundaste.

O nostálgico  sentir te dissocia 
do amor que tu precisas despertar.
mas se a dor é a artéria da poesia,

tua doce fantasia há de mostrar 
o caminho que produz toda magia 
que conjuga, na poesia, o verbo... amar.
= = = = = = = = =  

Poema de 
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP

Estanca teu pranto!

Não!... Não chores, estanca teu pranto;
Doutro Plano, não sejas omisso!
Tinhas que sofrer o desencanto
Pra quitar, de vez, um compromisso.

Nesta tão prematura partida
De alguém muito querido em teu lar,
Não te olvides, é etapa vencida
De um pretérito a se resgatar.

Apesar de profunda essa dor
Do trespasse de um filho querido,
Agradece aos Céus, ao Criador,
O ditoso resgate assumido.

A agonia que sentes agora
Não é síndrome que te convém.
Calma, pois o ser que foi embora
Certamente te espera no Além!

A presente Passagem é acúmulo
De um saber tal que se perpetua.
E ele mostra que além do vil túmulo,
Nossa vida, por Deus, continua...
= = = = = = = = =

Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964

Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
= = = = = = = = =

Sextilha de
GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

Podemos trocar carinhos
por e-mails todo dia,
e podemos divulgar
mensagens, versos, poesia,
repartindo com o mundo
a nossa eterna alegria!
= = = = = = = = = = =