(Texto baseado no soneto Círculo Vicioso" de Machado de Assis).
Numa densa floresta vivia um vaga-lume que quando a noite caía, ficava pirilampeando pra lá e pra cá em companhia de outros vaga-lumes com suas luzinhas esverdeadas. Mas ele não estava nem um pouco satisfeito com sua vida de pirilampo, vagalumeando livre pelas matas e campos, por isso vivia resmungando para si mesmo:
– Eita, vidinha mais besta e sem graça esta minha!... De que me adianta ter luz própria e liberdade para voar se ninguém me vê no meio desta mata? Bem que eu queria ser uma estrela para ficar piscando no céu e ser visto por todo mundo...
Mal sabia o vaga-lume que na imensidão do céu, uma daquelas estrelas piscava que piscava de descontentamento e tristeza, enquanto pensava:
– Ai de mim... Que sina ingrata a minha: ficar eternamente piscando anonimamente ao lado de zilhões de estrelas. De que me vale ter brilho próprio e ficar aqui no céu se ninguém sequer sabe o meu nome? Feliz, mesmo, é a lua, que além de ter nome próprio e ser a musa dos namorados ainda serve de inspiração para poetas, músicos, pintores...
Enquanto a estrela assim divagava, a lua vagava solitária pelos mares do céu, mergulhada em luares de tédio e melancolia.
– Pobre de mim, como sou infeliz – dizia de si para si a bela Selene – de que adianta ser a musa dos namorados, interferir no ciclo das marés e servir de inspiração para os artistas se nem consigo ser eu mesma o tempo todo, se estou sempre mudando de fase, perambulando de quarto em quarto e nem luz própria eu tenho? Feliz eu seria se fosse o sol, senhor da vida e da morte, o astro-rei a reinar absoluto no céu sobre tudo e sobre todos!...
Não sabiam, entretanto, o vaga-lume, a estrela e a lua, que o sol também não estava satisfeito com o seu destino de astro-rei, que sofria entre o poder e a impotência, matutando sobre seu próprio brilho:
– Como eu gostaria de não ser quem sou!... Como seria bom não viver preso a uma órbita e assim poder ir aonde eu quisesse... Ah, se não pesasse sobre mim a responsabilidade pela vida e a culpa por tanta morte advinda das secas que provoco, mesmo não passando de uma estrela de quinta grandeza... Daria tudo para ser um simples vaga-lume a voar livre, dono tão somente do meu destino, sem levar nas costas o fardo da responsabilidade e do remorso...
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ANTÔNIO JURACI ALMEIDA SIQUEIRA, nasceu em Afuá, no Pará, em 1948). Escreveu diversas obras literárias, entre elas merecem destaque, O Chapéu do Boto (2003), Paca, Tatu; Cutia não! (2008), e Aumentei, Mas Não Menti (2016). Seus poemas, contos e trovas são principalmente inspirados no folclore, nas crenças e saberes populares e pela natureza amazônica. Popularmente ele é conhecido como "o boto" ou o poeta "filho do boto". Em 1978, e foi morar em Belém. cursou Licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal do Pará, atua como instrutor de oficinas literárias, artista performista, contador de histórias, e leciona filosofia na rede pública de educação paraense. É considerado um dos poetas mais prolíferos da região Norte do Brasil. Seus trabalhos variam entre publicações de livros de literatura infantojuvenil, literatura de cordel, livros de poesias, contos, crônicas e textos humorísticos. Todo esse trabalho rendeu-lhe cerca de 200 premiações em concursos literários de diversos gêneros, tanto no âmbito nacional, quanto no estadual.
Fontes:
Antonio Juraci Siqueira. O devorador de metáforas e outras histórias. Belém/PA: 2014.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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