quarta-feira, 7 de maio de 2025

Luís da Câmara Cascudo (O Papagaio Real)


Duas moças moravam juntas e eram irmãs, uma muito boa e outra maldizente e preguiçosa. Cada uma tinha seu quarto. 

A mais velha começou a notar um barulho de asa e depois fala de homem no quarto da irmã. Ficou desconfiada e foi olhar pelo buraco da fechadura. Viu uma bacia cheia d’água no meio do quarto. Quando deu meia-noite chegou na janela um papagaio enorme, muito bonito e voou para dentro, metendo-se na bacia, sacudindo-se todo, espalhando água para todos os lados. Cada gota d’água virava ouro, e o papagaio, quando saiu do banho, foi um príncipe mais formoso do mundo. Sentou-se ao lado da irmã e ficaram a conversar animados como noivos.

A irmã ficou roxa de inveja. No outro dia, de tarde, encheu o peitoril da janela de cacos de vidro, assim como a bacia. Nas horas da noite o papagaio chegou e, batendo no peitoril, cortou-se todo. Voou para a bacia e cortou-se ainda mais. Arrastando-se, o papagaio não virou príncipe, mas chegou até a janela e disse para a moça, que estava assombrada com o que sucedera:

– Ai, ingrata! Dobraste-me os encantos! Se me quiseres ver, só no reino de Acelóis.

E, batendo asas, desapareceu. A moça quase se acaba de chorar e de se lastimar. Brigou muito com a irmã e deixou a casa, procurando o noivo pelo mundo. Ia andando, empregando-se como criada nas casas só para perguntar onde ficava o reino de Acelóis. Ninguém sabia ensinar e a moça ia ficando desanimada.

Uma noite, depois de muito viajar, já cansada, ficou com medo dos animais ferozes e subiu em uma árvore, escondendo-se bem nas folhas. Estava amoquecada quando diversos bichos esquisitos chegaram para baixo do pé de pau e pegaram a conversar.

– De onde chegou você?

– Do reino da Lua!

– E você?

– Do reino do Sol!

– E você?

– Do reino dos Ventos!

A moça prestou atenção. No primeiro cantar dos galos sumiram-se todos, e ela desceu e continuou a marcha. Andou, andou, até que chegou em outra mata e, para não ser devorada, trepou numa árvore. Lá em cima, quando a noite ficou bem fechada, chegaram umas vozes no pé do pau.

– De onde veio?

– Do reino da Estrela!

– De onde veio?

– Do reino de Acelóis!

– Que novidades me traz?

– O príncipe está doente e ninguém sabe como tratar dele...

A moça botou reparo e na madrugada seguiu no mesmo rumo pois as vozes já tratavam do reino de Acelóis. Andou, andou, andou. Finalmente, quando anoiteceu, estava dentro de uma floresta. Subiu em um pau e ficou quieta, lá em cima. Mais tarde as vozes começaram na falaria:

– De onde vem você?

– Do reino de Acelóis!

– Como vai o príncipe?

– Vai mal, coitado, não tem remédio!

– Ora não tem! Tem! O remédio é ele beber três gotas de sangue do dedo mindinho de uma moça donzela que queria morrer por ele!

Quando amanheceu o dia, a moça colocou-se na estrada. Ia o sol se sumindo quando ela avistou o reinado de Acelóis. Entrou no reinado e pediu agasalho numa casa. Na hora da ceia perguntou o que havia e disseram que o assunto da terra era a doença do príncipe. 

A moça, no outro dia, mudou os trajes, foi ao palácio e pediu para falar com o rei.

– Rei Senhor! Atrevo-me a dizer que ponho o príncipe bonzinho se Rei Senhor me der, de tinta e papel, a metade do reinado e de tudo quanto lhe pertencer.

O rei deu, de tinta e papel, a metade de tudo quanto possuía. A moça foi para o quarto, meou um copo d’água, furou o dedo mindinho, botou três gotas de sangue dentro, misturou e mandou ele beber. Assim que o príncipe engoliu, foi abrindo os olhos, levantando-se da cama e abraçando a moça, numa alegria por demais.

O rei ficou muito satisfeito e quando o príncipe disse que aquela era a sua verdadeira noiva desde o tempo em que ele estava encantado em um papagaio real, o rei não quis dar consentimento porque a moça não era princesa. A moça então falou:

– Rei Senhor! Tenho por tinta e papel a metade de tudo quanto é do rei senhor neste reinado. O príncipe é do rei senhor e eu tenho por minha a metade dele. Se rei senhor não quiser que eu case com ele, inteiro, levarei para casa uma banda.

Ao ouvir falar em cortar o príncipe pelo meio, como a um porco, o rei chegou-se às boas e deu o consentimento. 

Foram três dias de festas e danças e até eu me meti no meio, trazendo uma latinha de doce, mas na ladeira do Encontrão, dei uma queda e ela, paf! – no chão!...
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Luís da Câmara Cascudo nasceu em Natal/RN, em 1898 falecendo na mesma cidade em 1986. Foi um historiador, sociólogo, musicólogo, antropólogo, etnógrafo, folclorista, poeta, cronista, professor, advogado, jornalista e escritor brasileiro. Passou toda a sua vida em Natal e dedicou-se ao estudo do folclore e da cultura brasileira. Foi professor da Faculdade de Direito de Natal, hoje Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), cujo Instituto de Antropologia leva seu nome. Deixou obra volumosa e de grande relevância, em particular sobre história, folclore e cultura popular. Recebeu o Prêmio Machado de Assis pela Academia Brasileira de Letras, em 1956, pelo conjunto de sua obra.

Fontes:
Luís da Câmara Cascudo. Contos Tradicionais do Brasil. Publicado originalmente em 1946. Disponível em Domínio Público.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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