segunda-feira, 5 de maio de 2025

Renato Frata (À Sombra da Estrela)


Sei que parece contrassenso botar esse título numa crônica sabendo que a estrela que se pendura nos céus é um astro iluminado e luminescente que não faz sombra, mas nos causa emoção a inspirar poesia. Todavia, é assim que se dá.

À sombra da Estrela, na concepção estrita, não se refere à de plasma que tem a própria gravidade, emite luz e calor e radiações diversas liberando quantidade enorme de energia ao universo, ao tempo que lhe dá vida. Não. Falo de uma Estrela especial que atiça a imaginação, digamos um anjo encarnado de quem me aproximei com paixão e fiquei, assim, tomado, porque suas medidas de amar são as minhas, e se encaixam nos meus caprichos, nas minhas dificuldades, nos meus revezes, e me põem á frente.

Digamos que seja meu empurrão!

É a Estrela que dorme comigo, que se aninha no meu colo e que oferece o seu macio e quente de companheira, para me aninhar. Essa Estrela de que falo pisa a mesma terra que eu, sua o meu suor, pena os meus pesares, ri o meu riso e chora meu choro. Essa, me espera ansiosa quando saio, e me agasalha quando sente que uma leve mudança de tempo se aproxima. É previdente e que me ensinou a não deixar toalha molhada sobre o colchão, chinelos pela sala, nem o guardanapo jogado a um canto depois de abrigar o pastel, e muito menos a cueca usada fora do cesto. Que me ensinou - vejam que despropósito - que não se deve enxugar os pés na cortina e nem escarrar na pia. A bem da verdade, ensinou-me a ser marido sem precisar emporcalhar a casa, sem transformar o lar num bar onde os homens de todas as idades e estado de sobriedade, urinam de porta aberta a cantar tangos envelhecidos nos mesmos tonéis dos vinhos dos quais beberam. A isso dou o nome de compostura. Com postura! Ou civilidade. Sabe aquela história de polimento da pedra bruta? Pois é... Ela começou com o malho e cinzel; hoje, só utiliza a flanela.

Falo da Estrela que, por mais de cinquenta anos junta comigo na mesma gaveta do meu o seu salário, para que juntos e misturados gastemos por igual e nas necessidades, sem régua de medir dificuldade ou perdularidade. 

Da Estrela que suportou por mais de trinta anos o amparo à sogra viúva e seus perrengues até seu último suspiro, depois de um banho da tarde com ela em seu colo a receber curativos, confidências e carinho. 

Dessa Estrela, às vezes autoritária e compassiva em outras, companheira íntegra e decente nos costumes, linda na maneira de ser, que sabe se vestir sem se empavonar, ela cujas mãos de professora ao tempo de magistério, fizeram das barras de giz, do gestual e da compostura, um alisar de caminhos a mais de muitos alunos. Hoje, aposentada, usa suas mãos buliçosas a burilarem panos e linhas nos trabalhos espetaculares de patchwork e bordados, quando não se enfia na cozinha como prendada expert a coser saborosos pratos; dotada de ideias próprias (muitas contrárias às minhas, mas legítimas); de personalidade ímpar e sóbria que se impõe sobre o que pensa e fala; altiva nas palavras e gestos e que nos deu duas filhas que, por sua vez, trouxeram dois genros e Tom neto a engrandecer o esplendor da família.

Ela é digna de brios e de benquereres.

Falo da Estrela Helena Maria, a quem dedico há mais de cinquenta anos a história de nossas vidas construídas a quatro mãos, que às vezes se transformam em oito, em quatorze, coisas que a necessidade obriga.

Pois nesse seu aniversário de setenta e seis, o presente que ofereço é essa inspiração que me leva a botar no papel a contraprova dos meus sentimentos, reconhecimento e gratidão; afinal, quem se deu ao luxo de ter consigo uma estrela, só lhe pode agradecer a claridade!

Vê-se, assim, que o atributo de inspirar paixão e poesia não é somente da estrela do céu. A minha da terra, comprova isso.

Obrigado por me abrigar em sua sombra.
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Renato Benvindo Frata nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs:  Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.

Fontes:
Renato Benvindo Frata. Crepúsculos outonais: contos e crônicas.  Editora EGPACK Embalagens, 2024. Enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

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