sexta-feira, 23 de maio de 2025

Laé de Souza (Padrinho de casamento)


Estranhei ao atender à porta. A moça, conhecia de vista, mas o rapaz era o Antero, filho do seu Guilhermindo. Cochichei para a mulher: “Decerto que hoje tem velório. O Mindo morreu e o filho veio avisar.” Mas como cumprimentou e não deu nenhuma notícia, descartei. Educadamente convidei-os para entrar, embora não fosse muito com a cara do garoto que sempre foi meio esnobe e quando nos cruzamos na rua faz que não me conhece.

Entraram e ficaram por uns trinta minutos assistindo também ao Silvio Santos sem dizer uma palavra. Naquele mutismo eu matutava, que diabos fizera aquele casal vir até aqui. Pigarreava e suava, enquanto observava que a barriga da moça parecia estar um pouco espremida por um cinto.

Finalmente, depois de tomarem um café, o rapaz desembuchou. Viera fazer um convite para que fôssemos padrinhos de casamento. Escolhera em consideração à amizade antiga com seu pai. Eu recordava vagamente e maldizia ter conhecido o Mindo nos tempos de garoto. Mas não tinha aquela amizade toda que o rapaz apregoava. Minha mulher teve um acesso de tosse, que foi curada com um copo d’água. Eu fixei os olhos na barriga da moça, ela encabulada enrubesceu, o que me convenceu que estava mesmo crescidinha. O rapaz, já dando como aceito o convite, tirou um papel do bolso e disse: “Seu Zunga, para não ter repetição de presentes, o padrinho já pode escolher aqui na lista o que quer dar.” 

Olhei de soslaio e li nas primeiras linhas freezer, conjunto de fogão com micro-ondas, TV com vídeo, telefone celular, sendo interrompido na leitura pela moça que lhe tirou das mãos o papel: “Já disse para pedir os móveis da sala”, falou brava ao rapaz. “É melhor o celular”, respondeu ele com a voz alterada. 

Minha mulher, que não tem papas na língua, esbravejou: “Quer dizer que uma televisão nova, você não compra, mas celular para afilhado, numa boa!” 

Sem qualquer cerimônia arrastou a moça para a cozinha e lhe mostrou a geladeira com a porta emperrada, o fogão com algumas partes oxidadas, que eu relutava em trocar. A garota esperneava. Tentava soltar-se das mãos que a arrastavam pelos cantos. 

Na inquietação, segurei a moça, arranquei meu chinelo e dei-lhe nas nádegas levemente, em respeito à sua gravidez, falando: “Afilhada minha tem de aprender a respeitar os padrinhos. E como castigo, não vai ganhar presente nenhum.” 

Saíram quietinhos.

No dia do casamento, para mostrar que sou de coragem, me apresentei no altar e não estava nem aí com a cara virada dos noivos e o rabo de olho do Mindo. E muito menos com os comentários maldosos dos convidados.
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Laé de Souza é cronista, poeta, articulista, dramaturgo, palestrante, produtor cultural e autor de vários projetos de incentivo à leitura. Bacharel em Direito e Administração de Empresas, Laé de Souza, 55 anos, unifica sua vivência em direito, literatura e teatro (como ator, diretor e dramaturgo) para desenvolver seus textos utilizando uma narrativa envolvente, bem-humorada e crítica. Nos campos da poesia e crônica iniciou sua carreira em 1971, tendo escrito para "O Labor"(Jequié, BA), "A Cidade" (Olímpia, SP), "O Tatuapé" (São Paulo, SP), "Nossa Terra" (Itapetininga, SP); como colaborador no "Diário de Sorocaba", O "Avaré" (Avaré, SP) e o "Periscópio" (Itu, SP). Obras de sua autoria: Acontece, Acredite se Quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher, Espiando o Mundo pela Fechadura, Nos Bastidores do Cotidiano (impressão regular e em braille) e o infantil Quinho e o seu cãozinho - Um cãozinho especial. Projetos: "Encontro com o Escritor", "Ler É Bom, Experimente!", "Lendo na Escola", "Minha Escola Lê", "Viajando na Leitura", "Leitura no Parque", "Dose de Leitura", "Caravana da Leitura”, “Livro na Cesta”, "Minha Cidade Lê", "Dia do Livro" e "Leitura não tem idade". Ministrou palestras em mais de 300 escolas de todo o Brasil, cujo foco é o incentivo à leitura. "A importância da Leitura no Desenvolvimento do Ser Humano", dirigida a estudantes e "Como formar leitores", voltada para professores são alguns dos temas abordados nessas palestras. Com estilo cômico e mantendo a leveza em temas fortes, escreveu as peças "Noite de Variedades" (1972), "Casa dos Conflitos" (1974/75) e "Minha Linda Ró" (1976). Iniciou no teatro aos 17 anos, participou de festivais de teatro amador e filiou-se à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Criou o jornal "O Casca" e grupos de teatro no Colégio Tuiuti e na Universidade Camilo Castelo Branco.

Fonte:
Laé de Souza. Nos bastidores do cotidiano. SP: Ecoarte, 2018.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

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