quarta-feira, 18 de julho de 2018

Olivaldo Júnior (Todo trovador que se preze)

         18 de Julho: Dia do Trovador


  Hoje, dezoito de julho, é o Dia do Trovador. Essa data foi escolhida por ser o dia do nascimento de Luiz Otávio, “Príncipe dos Trovadores”, que, em 1966, fundou a União Brasileira de Trovadores (UBT), entidade que busca congregar os trovadores brasileiros e realizar Jogos Florais, como forma de aprimorar o talento desses poetas e divulgar a menor forma poética da Língua Portuguesa, ou seja, a trova, que, aliás, só é ‘mini’ em sua estrutura.

            Falando em trova, todo trovador que se preze deveria ter um cavalo selado à porta de casa, bem à moda dos trovadores medievais, que, de cidade em cidade, cantavam as boas novas da província anterior, tecendo, assim, sua colcha sonora, com muitas redondilhas e muita inspiração, sem abrir mão do poder de síntese, comum aos trovadores. Já pensou que bom seria ouvir um trovador e seu banjo, seu canto ancestral, um ‘buscador’ por excelência?

            Correspondo-me ainda hoje com alguns trovadores da UBT. Porque todo trovador que se preze tem sempre uma trova na manga, uma manga bem larga, de onde os sonhos emergem e ganham o mundo. Assim, nos quatro versos da trova, com sete sons poéticos cada um, em rimas alternadas, trovadores se aliançam e se fundem num só espírito criador, o de manter viva a chama que os nossos irmãos portugueses trouxeram no mastro das caravelas de então.

            Hoje, dezoito de julho, é o Dia do Trovador. O que esperar desse dia? Trova e poesia, talvez. No entanto, todo trovador que se preze pode esperar um lampejo de inspiração, seja do próximo, seja de si, para que a vida se mostre em cores. As mesmas com que Gislaine Canalles, que foi para o céu dos trovadores no último dia treze, viu reveladas em suas trovas e, de modo especial, em suas glosas. Assim, nesse dia, com “Gis” e Luiz, ‘trovemos’ todos!

Fonte: O autor

I Concurso de Trovas da UBT/ES (Trovas Premiadas)


Apoio: AILA – Academia Ibatibense de Letras e Artes - ES
            ALVV – Academia de Letras de Vila Velha - ES

VENCEDORES

TEMA TROPEIRO (Lírica/Filosófica)

1° LUGAR
Qual leito, sob os luzeiros,
durante a longa jornada,
Deus oferece aos tropeiros
o colo da madrugada.
Maurício Cavalheiro
Pindamonhangaba - SP

2° LUGAR
Ao romper os horizontes,
em seus muares cargueiros,
tropeiros teceram pontes
integrando os brasileiros!
Luzia Brisolla Fuim 
São Paulo - SP

3° LUGAR
Tropeiro, a saudade amarga
hoje transporta em vagões
a velha besta de carga,
companheira de emoções.
Daguima Verônica
Santa Juliana – MG

 4° LUGAR
Velho tropeiro de outrora,
levaste o rumo da vida
galopando, mundo afora,
entre o abraço e a despedida...!
Mara Melinni
Caicó - RN

5° LUGAR
Já fui tropeiro criança:
num tempo que longe vai,
eu cavalgava a esperança
na garupa de meu pai.
Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora – MG

MENÇÃO HONROSA

Grandes centros financeiros
brotaram de um arraial,
bem na rota dos tropeiros,
lá, no Brasil Colonial...
Glória Tabet Marson
São José dos Campos - SP

Tropeiros... Quantos tropeiros,
venceram mil desafios...
quais guardiões mensageiros,
rasgando os sertões bravios!
Professor Garcia
Caicó - RN

Nas veredas, pioneiro,
por abrir capões medonhos,
restou ao velho tropeiro 
tanger seu tropel de sonhos.
Marília C Silveira Oliveira
Porto Alegre - RS

MENÇÃO ESPECIAL

Tropa… sertão… lua bela…
um tropeiro e a montaria,
são partes de uma aquarela,
que Deus pintou com poesia.
Francisco Gabriel Ribeiro
Natal - RN

Saga nobre a do tropeiro
para as colonizações:
rasga o solo brasileiro
interligando os rincões.
Dulcidio de Barros Moreira Sobrinho
Juiz de Fora - MG

Meu destino traiçoeiro
castigou-me a vida inteira:
quis que eu nascesse tropeiro,
mas não me abriu a porteira.
Luiz Gonzaga da Silva
Natal - RN

TEMA: TROPA (Humorística)

VENCEDORES

1° LUGAR
– Tropa de choque! Socorro! –
grita o genro, em faniquito,
 ao chegar sogra, cachorro,
 papagaio e periquito!
Wanda  de Paula Mourthé
Belo Horizonte – MG

2° LUGAR
Nesta época aloprada,
não duvido que apareça
alguma tropa formada
só de mulas sem cabeça!...
A. A. de Assis
Maringá – PR

3° LUGAR
Sem a tropa e sem o guia,
foge o burro rabugento;
só podia ser a cria
de uma égua com jumento!
Glória Tabet Marson
São José dos Campos - SP

4° LUGAR
Se a linda sargento Guerra
se inclina e exercício faz,
não há força nesta Terra
que mantenha a tropa em paz...
João Paulo Ouverney
Pindamonhangaba - SP

5° LUGAR
Quando ela passa charmosa,
até a tropa troca o passo,
mas... a fama da dengosa
passo a passo... ganha espaço!
Carolina Ramos
Santos –SP

NOVOS TROVADORES 

TEMA TROPEIRO (Lírica/Filosófica)

1° LUGAR
Lá no passado ficou
a importância do tropeiro
que com garra trabalhou
pelo solo brasileiro.
Claudia Vanessa Bergamini
Londrina – PR

 2° LUGAR
Oh, tropeiro! Peregrino!
Eu resgato a tua história,
pois a rédea do destino
puxa o freio da memória.
José Almir Loures
Astolfo Dutra – MG

3° LUGAR
E o tropeiro vai silente
conduzindo à dura lida,
seu passado, seu presente,
pelo caminho da vida…
Paulo Maurício Gomes da Silva
Teresópolis – RJ

3°  LUGAR
Já quase doura paisagem
o pó da estrada ligeiro,
desperto com a passagem
silenciosa do tropeiro...
Paulo Maurício Gomes da Silva
Teresópolis – RJ

4°  LUGAR
Mal sabia o bom tropeiro,
que ao cumprir sua missão,
levando o '"pão" ao mineiro,
integrava o nosso chão.
Ariete Regina Fernandes Correia
Rio de Janeiro - RJ

5°  LUGAR
Hoje sou caminhoneiro,
mas a saudade não vai,
de quando eu era tropeiro
carreando com meu pai.
Genival Silva de Souza
Ibatiba - ES

Pedro Du Bois (Poemas Escolhidos) II


AFASTAMENTO

Posso escutar a sua voz
mas a conversa repete
chavões esmaecidos

posso ler as suas palavras
mas o texto repete
fórmulas amarelecidas

posso ver as suas feições
mas a face repete
esgares esquecidos

posso tomar a sua mão
mas o contato repete
gestos entorpecidos

sigo outros caminhos
diversos
   dispersos
        ásperos
            amadurecidos.

HUMANO

Espreita a caça
          sorrateiro
          aguarda o momento
                        para atacar

esquece

a caça espreita o caçador
           ligeira
           busca o momento
                     para escapar

esquece

quem de longe olha
aponta a arma
                 mira
                    atira
                    para todos os lados.

NADA VALEM

Nada valem as conquistas
          viagens de descobertas
          passado revisitado
          em cada caverna
          reaberta

nada valem as guerras
         rudes palavras
         presente reprimido
         em cada alarme
         disparado

nada valem as lágrimas
         derramadas pelos pais
         futuro encardido
         em cada situação
         desesperada.

QUANDO TERMINA

Onde o gosto
        desgosta

onde o ódio
         apaixona

onde a amizade
vai embora

o lugar vazio
espera preencherem as vagas
por todos os sozinhos imersos
em vidas mesquinhas
                  desgostosas
                            odiosas

solitárias.

QUEM NÃO FOI

Teve o tempo que quis
para fazer o que era preciso

pouco fez

teve o tempo que quis
para traçar o seu caminho

pouco traçou

teve o tempo que quis
para dizer a que veio

pouco disse

agora
   exige
     do outro
          o que deixou pelo caminho

- melhor sair de fininho
               e sumir no ar.

SEU OLHAR

Seu olhar expressa
sentimentos impressos
de longa duração

                 a piscadela marota
                 imprime rápida
                 mudança comportamental

(eu)
cúmplice confesso
do crime previsto
na última estação

                  seu olhar imprime
                  sedução e sexo
                  em visão espiritual.

SOL A SOL

Desencontrados caminhos
                           peregrinos
                   savanas compostas
                   selvas decompostas

areia poluída
         óleos de bronzear
         cremes protetores

desencontrados peregrinos
           apregoam produtos
           embalam preguiças.

Sol a sol.

terça-feira, 17 de julho de 2018

18 de Julho - Dia do Trovador


Trovas de Luiz Otávio

1
A Trova definitiva,
ideal do Trovador,
por mais que eu padeça e viva
eu jamais hei de compor…
2
Dura menos que um suspiro
ou como a folha que cai…
Mas quando penetra na alma,
a Trova fica… Não sai…
3
Enfrentando tantas provas,
ao desenrolar dos anos,
vou tirando da alma Trovas,
e enchendo-a de desenganos…
4
Estas Trovas foram sonhos
que um trovador já sonhou…
São uns farrapos tristonhos
de um grande amor que passou…
5
Este doce e grande amor,
esta saudade indiscreta,
fizeram de um trovador
o mais tristonho poeta…
6
É um prazer bem diferente
e de sabor sempre novo,
ouvir a trova da gente
andar na boca do povo!…
7
Há trovas, ricas, sonoras,
tem brilho, cintilação…
Lembram “foguetes de lágrimas”
nas noites de São João…
8
Longe de ti, triste eu passo,
se vivo mesmo, nem sei…
E, cada trova que faço
um beijo que não te dei…
9
Louvo a Deus por me ter dado
a sorte de trovador,
pois o mal quando é cantado,
diminui o seu rigor…
10
Mediunidade esquisita
de duração muito breve:
– a Trova – é o povo quem dita,
o trovador… só escreve…
11
Meus sentimentos diversos
prendo em poemas tão pequenos.
Quem na vida deixa versos,
parece que morre menos ...
12
Não desejo nem capela
nem mármore em minha cova…
Apenas escrevam nela
pequenina e humilde Trova…
13
Não digo não: “minha” Trova
quando faço um verso novo:
– não é minha e nem é nova
quando cai na alma do povo…
14
Nem sempre nós conseguimos
traduzir as nossas dores…
Quantas trovas ficam mortas
nas almas dos trovadores…
15
Nesta trova pequenina,
quero deixar o sabor,
do beijo que ainda há pouco
eu roubei do meu amor…
16
Ó trovas — simples quadrinhas
que têm sempre um quê de novo...
— Como podem quatro linhas
trazer toda alma de um povo?!
17
Pelo tamanho não deves
medir valor de ninguém.
Sendo quatro versos breves
como a trova nos faz bem.
18
“Pequena” – dizem zangados,
muitas vezes com desdém.
Jamais saberão, coitados,
que grandeza a trova tem!
19
Por estar em solidão
tu de mim não tenhas dó.
Com Trovas no coração,
eu nunca me sinto só!
20
Quando a Trova é mesmo boa,
é sempre assim que acontece:
– o dono fica esquecido,
mas a Trova não se esquece…
21
Saudade – brisa tristonha…
e o meu coração magoado
desprende Trovas… e sonha…
é um rosal despetalado…
22
Sou devoto, sou um crente!
Não zombes, não rias não…
Trago um rosário de Trovas
no fundo do coração…
23
Tão pequenina... parece
humilde e distante estrela...
porém, como a Trova cresce
quando alguém sabe entende-la!
24
Tirem-me tudo o que tenho
neguem-me todo o valor!
Numa glória só me empenho:
– a de humilde trovador!
25
Toda noite ao me deitar
(por certo você reprova),
eu me esqueço de rezar
e fico fazendo trova.
26
Toda trova herdou o espírito
navegante português…
Nasce…foge… corre o mundo
e abandona quem a fez…
27
Toma cuidado, poeta
com teu sentir mais profundo;
a trova é muito discreta:
– conta tudo a todo mundo…
28
Trovador, grande que seja,
tem esta mágoa a esconder:
a trova que mais deseja
jamais consegue escrever ...
29
Uma trova pequenina,
tão modesta, tão sem glória,
bem pouca gente imagina,
que também tem sua história.
30
Um trovador veterano
concorre e zomba: - é "barbada"!
Depois de entrar pelo cano,
bronqueia: foi marmelada!...

Olivaldo Júnior (Três Microcontos sobre Ausência)


O  DISCO 

Maria  era uma jovem senhora de cinquenta anos. Havia curtido sua juventude  com tudo a que tinha direito: música, festa e muitos amigos. Saudade!... 

Desse  tempo inesquecível, ficaram-lhe todos os discos de seu irmão, um mochileiro que não parava por mais de dois dias no mesmo lugar. Onde andará?... 

Um  dia, bateu-lhe uma vontade de escutar o compacto com a canção Vapor Barato. Por ironia, entre inúmeros “bolachões”,  foi o único que jamais encontrou. 

A  ESTRADA 

João  gostava mesmo era de estar na estrada. Homem de espírito livre, tinha cunhado suas asas à custa  de muito trabalho e, hoje, aos sessenta anos, voava. 

O  problema era a saudade que ia sentindo de tantas pessoas maravilhosas que conhecia pela estrada. Dizem que o mundo não tem fim. Pagaria para saber. 

Por  vezes, pedia carona, dormia em albergues, comia o que dava, não o que queria. Quem sai na estrada é pra caminhar! Morreu esta noite. Voou para o céu. 

O  CÉU 

São  Pedro tinha aberto a porta do céu, mas só o espírito de um cão sem dono que morrera atropelado entrou no Éden. É, o cão queria os ossos mais celestiais. 

O  céu ficou aberto, e isso causou um frio danado na Terra. “Será que ninguém quer vir para cá?” - pensou São Pedro, com seus botões. Seria preciso fazer algo. 

Assim,  pediu aos anjos que fizessem tabuletas, luminosos e um sem-número de cartazes indicando o caminho. Ninguém apareceu. Só mesmo o tal cachorro... 

Fonte: O Autor 

Alexei Bueno Finato (Poemas Avulsos)


DE TANTO VER

De tanto ver o que se perde e ser assim
O meu olhar é o se lembrar seco de um lago
Onde este quarto e este meu ser afundo e apago
No haver dos mortos feitos tela e próprio fim.

E o vento leva em meu armário o que há de mim,
O que nas roupas do que é morto sou um vago
Rosto de bronze que vomita um mar aziago
No qual me esqueço de onde vou pelo que vim.

Taça de vinho sem o vinho e sem a taça,
Segunda sombra que não vibra mas me vela
Quando em memória até o haver de hoje se passa...

E como um louco lembro ser o que é agora
Igual aos mortos recordando-me na tela
Em seu silêncio que é o meu Deus e a nossa hora.

LEVANTO-ME EM MEU QUARTO

Levanto-me em meu quarto, escuto as teias
Soprando, e abro a janela num impulso...
Lá embaixo a lua estranha toma o pulso
Do lago que tem febre em suas veias...

O vento então abraça-me as candeias,
E as chamas a chorar um choro insulso
Transformam-me as paredes num convulso
Festim de mais de mil sombras alheias.

Jamais eu fui tão só! Em torno a mim
Vultos riem e bebem, mas nas águas
Cabelos vão ao fundo, e tudo rui!

Barcos choram rondando o próprio fim.
Oh! lua! Oh! meu festim de tantas mágoas!
Ah! sombras dos luzeiros que eu não fui!

O MAGO

Eu amo os bosques e as ruínas e os conventos
E toda parte onde o mistério nos destrua,
Pois nada vale ir decifrar com gestos lentos
A mão sem causa que fez tudo e a tudo estua.

Era impossível que algo houvesse, e tais tormentos
Vêm de ainda assim este algo haver, enquanto a lua
Que por verdade não nascera assopra os ventos
Aos nossos olhos também falsos desta rua.

Oh! alamedas, catedrais, sombras pendentes,
Por ser sem fruto ainda buscar nos entregamos
De uma só vez a este mistério que encarnamos,

Numa volúpia de esquecer, da noite ausentes,
Como o mendigo que sem forças para a sorte
Se entrega inteiro à sua garrafa e à sua morte!

ORGULHO

De entre essas tantas faces cruas
Que nunca viste e nem te viram,
Desses pés todos que feriram
Num sonho oculto as pedras tuas,

Dessas mil mãos que à luz das luas
Atrás de alguém por ti seguiram
E em ti com outras mãos fremiram
Por sob os magros tetos, nuas,

Desses milhões de olhos sem brilho
Apenas eu, teu mais vil filho,
Fui quem te ergueu, Cidade informe,

Porque és em mim, enquanto afundas
Junto às legiões de que te inundas,
Morta, vivente, eterna, enorme!

O VENTO E AS ERVAS

O vento e as ervas que não sonham nunca,
Que há anos se encontram, mas não se conhecem;
O vento e as ervas que jamais se esquecem
Pois nem recordam do que o chão se junca;

O vento e as ervas que há um milênio tecem
Em se enfrentando uma imutável voz
Sem nunca ouvi-la, e que dão medo aos pós
Com gestos vãos que nem lhes obedecem,

A eles pertence a glória e o reino eterno
Pois não são nada, e nada dói ao nada,
Nem vão tão longe as maldições do inferno...

Rindo entre os gritos, se enforcando ao chão
Como bufões cuja alma foi roubada...
O vento e as ervas permanecerão.

POBRES PORTAS

Pobres portas negras das carpintarias
Recendendo a cedro... portas das quitandas
Pondo sacos sujos no ar entre as lavandas
Que sobem das portas das perfumarias...

Cheiros a sangrar tão cedo quanto os dias
Das portas dos talhos, a alma das viandas,
Perfumes de pães se erguendo em nuvens brandas
Lácteas quais lençóis, portas das leiterias

Com o odor da aurora, portas dos bazares
A barbante e a pano, dedos dos manjares
Nas portas de pasto, anônimas fragrâncias

De outro mundo e mofo a vir dos antiquários,
Portas do além, velas, cera, e sob os vários
Umbrais, o ar do porto, a porta das distâncias!

QUANDO A MANHÃ

Quando a manhã traspassa os ventres dos vitrais
Reis e rainhas de ninguém, sangrando as bocas,
Lembram com sede das suas taças... sons, cristais...
Onde o vazio é hoje o licor das cortes ocas.

Mas estas que ardem num museu, nem sabem mais
Dos seus senhores que não são, mas que usam toucas,
Pois, vinho ou vida, o nada é um só, a estranha paz
Que causa espanto nos cadáveres das loucas.

Ah! condenados a fingir... quando anoitece
Vítrea e menor uma outra morte apaga a dor
Dos seus semblantes de detrás, nunca esquecidos...

As mesmas faces onde um ódio enorme cresce
Se sopra alguma tempestade, e têm no alvor
Débeis sorrisos sem depois, desiludidos.

Alexei Bueno (1963)

Alexei Bueno Finato nasceu no Rio de Janeiro/RJ, em 1963. Poeta, tradutor, ensaísta e crítico literário. Entre os 16 e 19 anos, escreve os poemas publicados em seu primeiro livro, As Escadas da Torre, de 1981. Em seguida lança o livro Poemas Gregos e, em 1988, uma edição corrigida das duas obras anteriores com o título Poemas, e a obra Nuctemeron, de poemas em prosa escritos em 1982. A partir de 1994 trabalha como editor e crítico organizando as obras de escritores como Olavo Bilac (1865 - 1918), Jorge de Lima (1895 - 1953), Vinicius de Moraes (1913 - 1980), entre outros, para a editora Nova Aguilar. Como tradutor destacam-se os trabalhos O Corvo, do poeta Edgar Allan Poe (1809 - 1849), e Quimeras, de Gérard de Nerval (1808 -1855). 

Fonte:

Vinicius de Moraes (O Casamento da Lua)


O que me contaram não foi nada disso. A mim, contaram-me o seguinte: que um grupo de bons e velhos sábios, de mãos enferrujadas, rostos cheios de rugas e pequenos olhos sorridentes, começaram a reunir-se de todas as noites para olhar a Lua, pois andavam dizendo que nos últimos cinco séculos sua palidez tinha aumentado consideravelmente. E de tanto olharem através de seus telescópios, os bons e velhos sábios foram assumindo um ar preocupado e seus olhos já não sorriam mais; puseram-se, antes, melancólicos. E contaram-me ainda que não era incomum vê-los, peripatéticos, a conversar em voz baixa enquanto balançavam gravemente a cabeça. 

É que os bons e velhos sábios haviam constatado que a Lua estava não só muito pálida, como envolta num permanente halo de tristeza. E que mirava o Mundo com olhos de um tal langor e dava tão fundos suspiros - ela que por milênios mantivera a mais virginal reserva - que não havia como duvidar: a Lua estava pura e simplesmente apaixonada. Sua crescente palidez, aliada a uma minguante serenidade e compostura no seu noturno nicho, induzia uma só conclusão: tratava-se de uma Lua nova, de uma Lua cheia de amor, de uma Lua que precisava dar. E a Lua queria dar-se justamente àquele de quem era a única escrava e que, com desdenhosa gravidade, mantinha-a confinada em seu espaço próprio, usufruindo apenas de sua luz e dando azo a que ela fosse motivo constante de poemas e canções de seus menestréis, e até mesmo de ditos e graças de seus bufões, para distraí-lo em suas periódicas hipocondrias de madurez. 

Pois não é que ao descobrirem que era o Mundo a causa do sofrimento da Lua, puseram-se os bons velhos sábios a dar gritos de júbilo e a esfregar as mãos, piscando-se os olhos e dizendo-se chistes que, com toda franqueza, não ficam nada bem em homens de saber... Mas o que se há de fazer? Frequentemente, a velhice, mesmo sábia, não tem nenhuma noção do ridículo nos momentos de alegria, podendo mesmo chegar a dançar rodas e sarabandas, numa curiosa volta à infância. Por isso perdoemos aos bons e velhos sábios, que se assim faziam é porque tinham descoberto os males da Lua, que eram males de amor. E males de amor curam-se com o próprio amor - eis o axioma científico a que chegaram os eruditos anciãos, e que escreveram no final de um longo pergaminho crivado de números e equações, no qual fora estudado o problema da crescente palidez da Lua. 

Virgens apaixonadas, disseram-se eles, precisam casar-se urgentemente com o objeto de sua paixão. Mas, disseram-se eles ainda, o que pensaria disso o desdenhoso Mundo, preocupado com as suas habituais conquistas? O problema era dos mais delicados, pois não se inculca tão facilmente, em seres soberanos, a ideia de desposarem suas escravas. Todavia, como havia precedentes, a única coisa a fazer era tentar. Do contrário operar-se-ia uma partenogênese na Lua, o que seria em extremo humilhante e sem graça para ela. Não. Proceder-se-ia a uma inseminação artificial e, uma vez o fato consumado, por força haveria de se abrandar o coração do Mundo. 

E assim se fez. Durante meses estudaram os homens de saber, entre seus cadinhos e retortas, e com grande gasto de papel e tinta, o projeto de um lindo corpúsculo seminal que pudesse fecundar a Lua. Um belo dia ei-lo que fica pronto, para gáudio dos bons e velhos sábios, que o festejaram profusamente com danças e bebidas tendo havido mesmo alguns que, de tão incontinentes, deixaram-se a dormir no chão de seus laboratórios, a roncar como pagãos. Chamaram-no Lunik, como devia ser. E uma noite, em que o Mundo agitado pôs-se a sonhar sonhos eróticos, subitamente partiu ele, o lindo corpúsculo seminal, sequioso e certeiro em direção à Lua, que, em sua emoção pré-nupcial, mostrava com um despudor desconhecido nela as manchas mais capitosas de seu branco corpo à espera. Foi preciso que o Vento, seu antigo guardião, escandalizado, se pusesse a soprar nuvens por todos os lados, com toda a força de suas bochechas, para encobrir o firmamento com véus de bruma, de modo a ocultar a volúpia da Lua expectante, a altear os quartos nas mais provocadoras posições. 

Hoje, fecundada, ela voltou finalmente ao céu, serena e radiosa como nunca a vira dantes. Pela expressão com que me olhou, penso que já está grávida. Ou muito me engano, ou amanhã deve estar cheia.

Fonte:
Vinicius de Moraes. Para viver um grande amor.