domingo, 15 de julho de 2018

Ulysses Lins de Albuquerque (Cristais Poéticos)


QUADRAS

1
Quando na Terra surgias,
Cobriu-se o Espaço de um véu...
Vênus disse às Três-Marias:
"Falta uma estrela no Céu!"
2
Toda de branco, cismando, 
Pareces-me (e ver suponho) 
Uma garça se banhando
No lago azul do meu Sonho.
3
No deserto que me oprime, -  
 − Beduíno da Ilusão, −
És a miragem sublime
Que me deslumbra a visão.
4
Se ela sorrindo me fita,
Eu penso, e sei que é certeza:
Não há obra mais bonita
Nos reinos da Natureza.
5
Os amores que eternizam 
Lauras, Beatrizes, Leonores,
− Os que não se realizam −
São sempre os grandes amores.
6
Quando eu a vejo, tão bela, 
Fico logo sem ação,
Pois leio nos olhos dela 
Meu mandato de prisão.

POEMAS

ADEUS

Ah, para que falar na linda história
De um amor que talvez nem chegue ao fim!
Não. Vou guardá-la a um canto da memória,
Como um segredo a sepultar-se em mim.

Esse amor foi talvez a maior glória
Que em altos sonhos aspirei; e, enfim,
Não passa de miragem transitória...
— Para o poeta, quase tudo é assim!

Quero apenas dizer-te na hora extrema
Da despedida, neste pobre poema,
Uma palavra simplesmente: Adeus.

Mas neste Adeus minha alma, te enlaçando,
Ficará junto a ti, talvez — bailando,
Qual doida abelha — à flor dos lábios teus.

À MARGEM DE UM POEMA OLEGARIANO 
à minha neta Maria Regina

A cigarra cantou, cantou... e um dia,
Lá da ingazeira em flor, rolava ao chão.
As formigas cercaram-na. Caía
Ali perto, uma flor, na ocasião.

Delas, um bando diligente agia.
E uma pétala à flor colhendo, então,
Nela posta a boêmia, lá saía
O enterro... — Parecia procissão!

As que carpiam, longe, a companheira,
Foram pousar na copa da ingazeira
Que, a estremecer, deixando cair flor,

Salvava — junto às aves em cantigas —
O carinho, a nobreza das formigas,
Carregando a cigarra... num andor.

FALANDO AO CORAÇÃO 
a meu neto Rogério

Alto lá, coração! Refreia as ânsias
Que estão — eu sinto — a fermentar no peito.
Recorda bem aquelas circunstâncias
Em que me embaracei por teu respeito.

Vê que as águas dos rios às distâncias,
Nas margens, vão; mas retornando ao leito,
No húmus que espalham, cheio de fragrâncias
O vale, empós, lembra um jardim perfeito.

Segue esse exemplo, e escuta, velho amigo:
Já me impeliste às bordas do perigo
E hoje, à voz da razão subordinado,

Só me resta conter os teus arrancos.
Por ti, ganhei muitos cabelos brancos...
Tem paciência: ficas enjaulado!

NATAL 
a José Wamberto

Natal da minha infância! — Lá na aldeia,
Badala o sino. A celebrar em frente
Da ermida, o Padre Colombet folheia
O Missal... ergue os braços lentamente...

De em meio à multidão surge a voz cheia
De Joaquim Padre — o preto alto, imponente, —
E o som do seu Bendito empolga e enleia
A alma cristã daquela boa gente.

A casa de meu pai era um cortiço.
Até de madrugada em rebuliço
O pobre lugarejo (hoje é cidade...).

E agora eu, a evocar aquilo tudo,
Quando chega o Natal, — assisto, mudo,
Rolar a minha noite de saudade!

NINHO ABANDONADO 
a João Torres Bandeira

Que és hoje, peito meu? — Casa vazia,
Onde no entanto, as ilusões, outrora,
Ofertavam-me o vinho da Poesia,
Embalando-me aos cânticos da aurora.

Mas — por culpa, de quem? Nem sei! — um dia,
Todas, bailando, a rir, foram-se embora;
E desde então, na angústia que a excrucia,
Minha alma — esta alma de criança — chora.

E nunca mais um riso, um canto, um hino,
Foi quebrar o silêncio impressionante
Do ninho abandonado ao seu destino.

Apenas, alta noite, às gargalhadas,
Dele em redor, o vento frio, uivante,
Lembra um triste clamor de almas penadas.

PANTEÍSMO 
às minhas netas Ângela e Sílvia

Vinde, ó poetas, músicos, pintores,
Ver e ouvir o conjunto de beleza,
— O verde, sombra e luz, gorjeios, flores, —
Que em seu seio nos mostra a Natureza!

Quando, em êxtase, admiro esses primores
De harmonia, de graça, de pureza,
Vejo o mundo sorrir-me em róseas cores,
A vida para mim tem mais grandeza.

Quanto me empolga esse esplendor selvagem
Da floresta, e — um encanto na paisagem —
Da canafístula os festões de flor!

E eu sonhando em gravar tanta magia,
Numa tela, na pauta ou na poesia,
Sem ser poeta, músico ou pintor!

ROSA MURCHA

Como outrora eu te vi, graciosa e bela,
— Rosa humana de sonhos orvalhada!
Eras um misto, assim, de flor e estrela,
Irradiando o esplendor de uma alvorada.

Foram os anos perseguindo aquela
Rara beleza, aos poucos desgastada;
E à ação do tempo o encanto se esfacela
— Ah, murcha rosa! — e tudo em breve é nada!

Perfumaste de amor o meu caminho,
Na rósea quadra em que era um sonho a vida,
Para mim, junto a ti, Flor sem espinho!

— Ilusão da perdida mocidade!
Minha alma ainda te beija, enternecida,
E hoje sente um espinho: — é o da saudade.

VELHA MUSA 
à minha neta Maria Cristina

A velha Musa, há tempos escondida
De mim, volta de manso ao meu casebre,
Onde, por vezes, eu ardendo em febre,
Tive-a a velar-me — terna irmã querida.

Em alto canto o trovador celebre
A sua vinda. E a dar-me alento à vida,
Ela demore até que, desprendida
De minhas mãos, a harpa, a cair, se quebre.

Tendo-a a meu lado, não me atemorizo,
Mesmo quando entre sombras já diviso
A funérea visão que, em hora morta,

Ao redor dos enfermos baila e ronda...
Não estou só. Se ela me espreita e sonda,
Durmo tranquilo. Deixo aberta a porta.

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