sexta-feira, 6 de julho de 2018

Caldeirão Poético 13


ISMÁLIA 

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvairo seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar…


NOTURNO 

Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento...
Como um canto longínquo - triste e lento -
Que voga e sutilmente se insinua,
Sobre o meu coração que tumultua,
Tu vestes pouco a pouco o esquecimento...

A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando. entre visões, o eterno Bem.

E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Gênio da Noite, e mais ninguém!


AMOR PROIBIDO

Foi num segundo... foi surpresa...foi paixão...
o meu olhar colheu ternura em teu olhar...
a vida... o mundo - tudo em volta - disse “não”,
meu coração quis dizer “sim”, sem escutar...

E eu me entreguei nessa loucura de te amar,
mesmo sabendo que não vai ter solução;
cada carinho que consigo te roubar
é um diamante que guardo no coração...

Nós temos vidas totalmente diferentes,
mas nossas almas são iguais... e tão carentes
que até a tristeza não quer mais nos visitar.

Por isso aposto na paixão que me devora,
não tem futuro, mas tem hoje, aqui e agora,
nada no mundo vai me fazer te deixar !!!


O CÉU DE TODOS OS INVERNOS

O céu de todos os invernos 
Cobre em meu ser todo o verão... 
Vai p'ras profundas dos infernos 
E deixa em paz meu coração! 
Por ti meu pensamento é triste, 
Meu sentimento anda estrangeiro; 
A tua ideia em mim insiste 
Como uma falta de dinheiro.

Não posso dominar meu sonho. 
Não te posso obrigar a amar. 
Que hei de fazer? Fico tristonho. 
Mas a tristeza há de acabar. 
Bem sei, bem sei... A dor de corno 
Mas não fui eu que lho chamei. 
Amar-te causa-me transtorno, 
Lá que transtorno é que não sei...

Ridículo? É claro. E todos? 
Mas a consciência de o ser, 
fiz-a bastante clara deitando-a a rodos 
Em cinco quadras de oito sílabas.


SEXTILHAS

Amo o cantor solitário
Que chora no campanário
Do mosteiro abandonado,
E a trepadeira espinhosa
Que se abraça caprichosa
À forca do condenado

Amo os noturnos lampírios
Que giram, errantes círios,
Sobre o chão dos cemitérios,
E ao clarão das tredas luzes
Fazem destacar as cruzes
De seu fundo de mistérios

Amo as tímidas aranhas
Que lacerando as entranhas
Fabricam dourados fios
E com seus leves tecidos
Dos tugúrios esquecidos
Cobrem os muros sombrios

Amo a lagarta que dorme,
Nojenta, lânguida, informe,
Por entre as ervas rasteiras
E as rãs que os pauis habitam
E os moluscos que palpitam
Sob as vagas altaneiras

Amo-os, porque todo o mundo
Lhes vota um ódio profundo,
Despreza-os sem compaixão
Porque todos desconhecem
As dores que eles padecem
No meio da criação.


SONETO XXVIII

Faz a imaginação de um bem amado, 
Que nele se transforme o peito amante; 
Daqui vem, que a minha alma delirante 
Se não distingue já do meu cuidado.

Nesta doce loucura arrebatado 
Anarda cuido ver, bem que distante; 
Mas ao passo, que a busco neste instante 
Me vejo no meu mal desenganado.

Pois se Anarda em mim vive, e eu nela vivo, 
E por força da ideia me converto 
Na bela causa de meu fogo ativo;

Como nas tristes lágrimas, que verto, 
Ao querer contrastar seu gênio esquivo, 
Tão longe dela estou, e estou tão perto.


SONETO V

Ao templo do Destino fui levado: 
Sobre o altar num cofre se firmava, 
Em cujo seio cada qual buscava, 
Tremendo, anúncio do futuro estado. 

Tiro um papel e lio - céu sagrado, 
Com quanta causa o coração pulsava! 
Este duro decreto escrito estava 
Com negra tinta pela mão do fado: 

"Adore Polidoro a bela Ormia, 
sem dela conseguir a recompensa, 
nem quebrar-lhe os grilhões a tirania." 

Dar mãos Amor mo arranca, e sem detença, 
Três vezes o levando à boca ímpia, 
Jurou cumprir à risca a tal sentença.


NOITE

As casas fecham as pálpebras das janelas e dormem. 
Todos os rumores são postos em surdina, 
todas as luzes se apagam. 

Há um grande aparato de câmara funerária 
na paisagem do mundo.

Os homens ficam rígidos, 
tomam a posição horizontal 
e ensaiam o próprio cadáver.

Cada leito é a maquete de um túmulo. 
Cada sono em ensaio de morte.

No cemitério da treva 
tudo morre provisoriamente.

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