sábado, 28 de julho de 2018

Carolina Ramos (A Chance)


– Meia muzzarela, meia champignon. Das grandes.

Enquanto não servidos, os dois amigos punham os negócios em dia.

– É… os tempos não estão para brincadeira. Viste o que aconteceu com a Companhia onde trabalhava o Neco? Vinha ruim… balançou, balançou e vai mesmo pra cucuia. Nem a concordata deu certo. Não conseguiram se levantar. A falência rondou, rondou que nem mouro na costa até que deu o bote. Não deu jeito mesmo!

- É isso, os negócios não vão bem para ninguém – concordou Marcelo, esmagando a ponta do cigarro no cinzeiro.

A pizza chegou, roubando atenções, fumegante e cheirosa a orégano. O queijo elástico, a escorregar em fios pelas bordas das fatias apetitosas.

Marcelo, armado de garfo e faca, atacou. Detestava falar em negócios durante as refeições. Assunto indigesto! Bastavam as horas intermináveis de um dia de trabalho pouco rentável.

O amigo insistia, entre as garfadas.

– Sabes quem falou em ti, no outro dia?

– Quem?

– O Joel Figueiredo.

– O empresário?

– Esse aí.

– Aquele de Santa Catarina?

– Esse mesmo, cara. Esse mesmo. 

Marcelo interrompeu o ataque à pizza.

– E o que ele queria comigo?! Nem me conhece! E eu só o conheço de nome, é claro!

– Por isso mesmo. Ele quer te conhecer. Tem planos.

– Planos? E eu com isso?!

– Aí é que está. Ele anda à procura de alguém. E este alguém tem as tuas exatas medidas. Pelo menos, foi isso o que o Chefe lhe disse, um dia destes, por telefone. Ao que parece, os dois estão unindo forças e o que vem por aí é coisa de vulto!

– Opa! Nada mau… Minha chance a caminho! Também, já estava mais que na hora de tirar o pé da lama!

O segundo pedaço de pizza ganhou sabor especial.

– Outra cerveja, por favor… e bem geladinha, hein!…

Quando afinal cruzaram os talheres, a hora ia alta e a pizzaria já cerrava portas.

Eufórico, Marcelo fez questão de pagar a despesa. Pelo que soubera, o abastado empresário, em breve, entraria em contato com ele e, possivelmente, sua vida financeira daria aquele salto há muito esperado.

Despediu-se do amigo, grato pela notícia que lhe prenunciava sono relaxante, e uma noite repleta de sonhos bons.

O domingo amanheceu afinado com a disposição e o bom humor de Marcelo. Sol lá fora e sol no interior do pequeno apartamento.

Preparava-se para ir à praia, quando o interfone tocou. Atendeu.

– O senhor Joel está aqui embaixo e quer falar com o senhor.

Pasmo total! Marcelo, perplexo, não acreditava no que ouvira. Poderia esperar por todo mundo, naquele momento. Jamais, pelo famoso empresário, figurão do mundo das finanças! Joel Figueiredo, em pessoa, viera procura-lo em sua casa! Era demais! Isto dava cunho de maior solidez ao projeto, fosse qual fosse!… Inacreditável!

– Por favor, faça-o subir.

Desligou rapidamente o interfone. No espaço de tempo dispendido pelo elevador do térreo ao décimo andar, trocou as bermudas pelas calças novas e os chinelos de praia por sapatos esporte, ainda não usados.

O coração pulsava em ritmo acelerado.

Joel Figueiredo merecia os cuidados extras. Não poderia recebe-lo com tanta informalidade. Afinal, seu futuro ganhava uma chance. Ter o nome ligado à cadeia de empresas lideradas por Joel Figueiredo estava além da imaginação! E a chance literalmente lhe batia à porta! Todo e qualquer esforço para agarra-la seria sempre mínimo.

Quase tenso, abriu a porta no momento exato em que o elevador também se abria, apresentando-o ao recém chegado.

– Senhor Marcelo?

– Sim, sou eu. – gaguejou. – Entre, por favor, a casa é sua, Senhor Joel.

Viu logo que exagerava no trajo, uma vez que o visitante se apresentava completamente despojado de qualquer requinte.

Entendeu, sem esforço: – Gente importante é assim mesmo. Quanto mais poderosa, mais simples e descontraída se apresenta. Estratégia, talvez, para despistar. Aliás, só os inteligente agiam assim. Por conseguinte, sabia-se perante um homem inteligente.

Quebrado o constrangimento inicial, falaram de tudo, menos de negócios. Marcelo não queria ser o primeiro a tocar no assunto chave. Precisava não demonstrar avidez. Era ir com demasiada sede ao pote.

Mais admirou o visitante ao constatar sua absoluta falta de pose, e a descontração com que atacava assuntos, os mais banais, sem a preocupação de intelectualiza-los ou exibir a cultura que naturalmente seria das mais ricas. Isto acentuava a cordialidade entre ambos.

O uísque, ganho de presente, e reservado para as grandes ocasiões, correu farto, animando o diálogo. A hora do almoço se aproximava, e o convite impunha-se, inadiável. Forçou a barra:

– Bem, senhor Joel, ou melhor, Joel – a esta altura as formalidades de tratamento estavam superadas, por iniciativa do próprio visitante. Nada de senhor. Entre amigos, isto não existia.

– Bem, Joel, hoje, almoço em casa de minha noiva. Quer nos dar o prazer da companhia? Sei que sua presença seria muito festejada.

– Agradeço o convite, mas… fica para outra vez. O “papo” está bom, mas, tenho de ir.

Joel ergue-se. Marcelo começou a preocupar-se. Impaciente, arriscou:

– Espere, meu caro. Não se despeça antes de me dizer o porquê da honrosa visita.

– Ah! sim… quase que ia me esquecendo!

Os olhos de Marcelo se iluminaram à espera da revelação.

O visitante prosseguiu, com um sorriso convencional.

– O amigo esteve, ontem, com outro, na Pizzaria Veneza, não foi?

Ávido, Marcelo nem disse coisa alguma, Apenas assentiu com a cabeça, vendo aproximar-se a chance aguardada, e amarelando em seguida ao ouvir, quase incrédulo:

– Pois, é… eu trabalho lá na Veneza e me pediram para dar um pulinho até aqui, porque o amigo esqueceu de assinar o cheque…

Fonte:
Carolina Ramos. Interlúdio: contos. 
São Paulo/SP: EditorAção, abril 1993.

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