terça-feira, 31 de julho de 2018

Prof. Garcia (Trovas do Meu Cantar) I


1
A infância, já tão distante,
não me angustia a distância,
ao reviver cada instante
da primavera da infância!
2
Algo que em ti, me seduz,
que às vezes, me faz sonhar,
são ternas gotas de luz
que há na luz do teu olhar!
3
Em meio a tantas esperas
e esse silêncio dos sós…
Vi passar muitas quimeras,
dizendo adeus entre nós!
4
Em tons vermelhos, me acena
o sol da tarde morrente,
mostrando a pele morena
do entardecer do poente!
5
Enquanto a mamãe cantava,
a rabeca, por magia…
Nas mãos do cego chorava,
com dó do cego de guia!
6
Essa luz enfraquecida
que, ao pôr do sol, ainda aquece,
tem a cor da despedida,
mas o fervor de uma prece!
7
Nada tem mais luz, mais brilho…
Dos dois, não sei quem mais ama:
Se a mãe que amamenta o filho
ou o filho amado que mama!
8
Não lamente por ser pobre,
quem ama, não se maldiz…
Ser feliz não é ser nobre;
nobre é ser pobre e feliz!
9
Numa foto, em preto e branco,
tão antiga!… E, mesmo assim…
Mamãe, teu sorriso franco,
é fonte de amor sem fim!
10
Num mundo de desiguais
onde há tantos desenganos…
Perdem-se, cada vez mais,
os sentimentos humanos!
11
O pão, sem amor, não cura,
nem mata a fome e o cansaço!…
Melhor que o pão, sem ternura,
é a ternura de um abraço!
12
O poeta encontra meios
de ser feliz onde for!…
Quem planta o bem, sem receios,
enche os celeiros de amor!
13
O rancor sempre me diz,
num tom de quem não caçoa:
Se quem se vinga é feliz,
mais feliz é quem perdoa!
14
Plantei, no lar onde eu vivo,
tua semente!… Ó, Senhor!
E até hoje, ainda cultivo
esta semente de amor!
15
Quando um jardim perde as flores,
a mão de Deus recupera…
Pintando as mais lindas cores
nas flores da primavera!
16
Quantas lições primorosas,
num pequeno beija-flor,
que oscula todas as rosas
com, beijos puros de amor!
17
Que tristeza e desencanto,
naquele instante do adeus:
Ao ver dobrado o meu pranto,
no pranto dos olhos teus!
18
Se há uma luz que se defende,
que te ilumina e te afaga,
é a luz que o destino acende
e o próprio destino apaga!
19
Se o destino deu-me as costas,
resoluto, eu me defino,
mesmo não tendo as respostas
para o meu próprio destino!
20
Sinto-Te tanto, ó, meu Deus,
na fé, no sinal da cruz…
Que as sombras dos dias meus
têm ternas gotas de luz!
21
Suspira a fonte sofrida,
já sem voz, ao pé do monte!
Que pena!… A musa da vida,
chorando a morte da fonte!
22
Tatuei com tintas da alma,
nas cordas do coração…
Teu olhar, mãe!… Que me acalma,
nas horas de solidão!

Fonte:
Francisco Garcia de Araújo. Cantigas do meu cantar.
Natal/RN: CJA Edições, 2017.

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