Ele apareceu nas areias daquela
pequena praia assim como aparecem e desaparecem tantos veranistas em todos os
verões. Quase ninguém notou aquele homem alto que ocupou uma casinha abandonada
há muito tempo na área da Marinha. O Luís só foi notado e só virou “Luís”
quando todos os veranistas foram embora junto com o verão e os pescadores,
verdadeiros donos da praia, recolocaram as suas grandes redes no mar para
continuar sobrevivendo. Luís estava lá, olhar perdido no horizonte, barba
grande, um toco de cigarro amassado no meio dos dedos, distante de tudo. Não
conhecia ninguém. E ninguém lhe conhecia.
Certo dia, o mar estava muito
violento quando os pescadores tentaram entrar nele para amarrar a corda que
levava a rede numa âncora colocada a cerca de 100 metros dentro das águas,
marcada por uma boia. Três ou quatro tentaram entrar nadando, mas todos desistiram. O
Luís não resistiu. Desceu o cômoro, foi até o grupo de homens que não conhecia
e se ofereceu para entrar nadando no mar para amarrar a corda. Mesmo
desconfiados, os rudes pescadores aceitaram a oferta. E Luís nadou como um
peixe no meio daquelas ameaçadoras ondas. Depois de deixar a corda amarrada na âncora, nadou de volta e foi recebido com
palmas e gritos na beira da praia. A partir daquele dia, passou a fazer parte
da turma, ajudando a colocar e retirar a rede, de manhã bem cedo a no final de
cada tarde.
Ninguém perguntou nada, além do seu
nome. Mas, aos poucos, depois de se entrosar com o grupinho, e nos dias em que
tomava umas pingas além da conta, o Luís foi se abrindo. E contou a sua
história: engenheiro agrônomo, solteiro, filho de um famoso médico de
Fortaleza. Quando mais jovem, uma sede de aventuras levou os seus olhos da cor
do mar até a Serra Pelada. Lá, ele gastou vários anos de vida juntando ouro.
Queria voltar rico e provar para a família que podia dar um rumo para a sua
vida sem precisar sobreviver na sombra do pai. Perdeu o rumo, quando alguém
tentou assaltar o casebre onde dormia, depois de um dia de muito trabalho no
garimpo. A mesma picareta que usava para cavar a pedra na busca de ouro, serviu
de arma para matar o ladrão. E os seus sonhos de riqueza morreram junto com o
desconhecido inimigo. Precisou gastar todo o ouro que já havia conseguido para
não ser preso pela polícia, comprando esconderijos e pagando por uma fuga e a
volta para o Nordeste. A família não perdoou a sua falha. E ele resolveu morar
sozinho na beira do mar, numa praia bem distante, sem ninguém por perto para
ameaçar a sua liberdade. Sua habilidade como nadador e sua educação acima da
média, foram passaportes para ser aceito no grupo. Morreu o Luís engenheiro
agrônomo e nasceu o Luís Pescador.
Hoje o Luís sobrevive dos peixes que
ganha quando ajuda os pescadores e das gorjetas que recebe quando alguém
precisa levar uma corda ou buscar uma rede nas profundezas do mar. Quando bate
a saudade da vida antiga, dos pais ricos e das mordomias que desfrutava, afoga
as mágoas nos tragos e caminha alegre, cantando músicas pelas ruas do vilarejo.
Nas outras horas, é apenas o Luís caladão, que fala pouco, mas ajuda muito, e
que não troca os seus novos amigos pescadores nem por todo o ouro que deixou
para trás no sonho dourado da Serra Pelada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário