quinta-feira, 12 de julho de 2018

Prof. Garcia (Sonetos Avulsos)


CREPÚSCULO E AURORA

Quando a luz do arrebol rasga a cortina,
e o clarão da manhã, o céu decora,
todo o orvalho respinga da campina,
matizando de prata a luz da aurora!

A tristeza do sol se descortina,
ante a tarde que chega, e se apavora:
o crepúsculo triste, na retina,
diz que um velho gigante também chora!

Ao nascer, chega ungido de esplendor,
traz na luz, esperança, paz e amor,
mas, à tarde, começa a entristecer...

Desse jeito caminha o sol do esteta:
De manhã, é feliz por ser poeta,
e à tardinha, é a luz do entardecer!

ANGÚSTIA

Quando tu foste embora, a minha vida
transformou-se em saudade e nostalgia
e a lembrança da triste despedida
é o que mais me tortura e me angustia.

Eu te busco a vagar, qual nau perdida,
mas o amor não responde e silencia:
e a lembrança de ti, nunca esquecida,
é o farol da saudade que me guia.

Eu preciso encontrar-te e tenho pressa,
pois um amor que se vai e não regressa,
deixa marcas profundas de orfandade;

se o meu peito carrega este segredo,
ou tu rasgas os fios deste enredo
ou o meu peito se rasga de saudade!

RETRATO DA VIDA

Já fui moço, seu moço, e não me esqueço
do que fiz na mais tenra mocidade.
Deus, que é pai, me deu tudo que mereço,
neste mundo carente de bondade.

Este dom de poeta eu ofereço
aos amores da eterna flor da idade,
que fizeram de tudo um recomeço,
afastando de mim tanta saudade.

Mas o tempo não para e a vida passa,
e eu me vendo, no espelho, já sem graça,
conto as rugas que aumentam meu desgosto...

E me pondo a pensar no que já fiz,
rogo a Deus, que me faça ser feliz,
abraçando estas rugas do meu rosto!

DOIS DESTINOS

Se o destino cruzou nossos caminhos,
e traçou retilíneas paralelas,
seguiremos nas trilhas dos sozinhos
eu e tu, todos dois, escravos delas.

Nossos sonhos repletos de carinhos,
tantas juras de amor, puras, tão belas,
serão, hoje, contadas noutros ninhos
ou nas telas de lindas aquarelas.

Quando tu me juraste eterno amor,
não pensei que o destino traidor
tinha feito, de nós, dois peregrinos.

Dessas juras de amor que segredamos,
resta apenas, do pouco que guardamos,
a saudade sem fim dos dois destinos.

ETERNO SONHAR

Quem me dera viver a infância linda,
sentir de novo a minha mocidade,
para esquecer a mágoa que não finda,
ao lembrar na velhice, a flor da idade.

Esta lembrança me atormenta ainda,
adormece comigo no meu leito,
apesar da distância, é dor infinda
que desperta a saudade no meu peito.

De saudade em saudade, a vida passa,
deixa o pó da velhice já sem graça,
no lugar dos momentos mais risonhos...

Só não rouba esta minha paz divina,
que a distância me guia e me ilumina,
"a cintilar no espaço dos meus sonhos"!

Fonte:
Francisco Garcia de Araújo. Cantigas do meu cantar. 
1. ed. Natal/RN: CJA Edições, 2017.

Nenhum comentário: