sábado, 8 de maio de 2010

Trova 144 - Pedro Ornellas (Marialva/PR)

Barreto Coutinho (Mãe)

Pintura de Sandra Honor (Mãe e Filho)
Eu vi minha mãe rezando
aos pés da Virgem Maria.
Era uma santa escutando
o que outra santa dizia.
*****************
Bendita, bendita seja
a mãe, santa sem altar.
Por isso, em qualquer igreja
a gente a pode adorar.
***
É como um vitral de igreja,
de minha mãe o olhar.
Por mais baixo que ele esteja,
parece no céu brilhar.
***
Farto de minhas quimeras,
quando a saudade em mim dói,
eu sinto, mãe, que tu eras
um sonho bom que se foi.
***
Neste dia em que te invoco,
mãe, invade-me a certeza
de que um dia só é pouco
para louvar-te a grandeza.
***
Quando em criança eu brincava
e minha mãe me sorria,
tanto o seu olhar brilhava
que mesmo à noite era dia.
***
Quando a saudade sufoca,
eu rezo, mãe, como sei:
Deus te dê rosas em troca
dos espinhos que te dei.
***
Quando eu murmuro a palavra
mãe, que é da Língua a mais bela,
sobre a minha língua lavra
toda a doçura que há nela.
***
Um par luminoso arde
no céu, perpétua fogueira:
Esposa, estrela da tarde,
Mãe, astro da vida inteira.
-----------
Fonte:
http://www.parana-online.com.br/editoria/

Nei Garcez (Curitiba Turístico em Trovas)


Conheça nossa cidade,
seus shoppings, parques e praças,
e em Santa Felicidade,
bons vinhos, frangos e massas.

Venha fazer um passeio
na Curitiba sorriso.
Seus parques, sempre em recreio,
são formas de paraíso.

Curitiba te convida,
entre o sol, e sem respingos,
conhecer a mais comprida
feira livre dos domingos.

Se você é enclausurado
por ouvir muitos rumores,
deixe a tristeza de lado...
Venha pra Rua das Flores.

Quando a vontade é viajar,
acompanhado, ou sozinho,
nunca fique a divagar...
Curitiba é um bom caminho.

Se você quer conhecer
o mais lindo paraíso,
Curitiba é um renascer
só por causa do sorriso.

Fonte:
Colaboração do Autor

Sylvia Beirute (Caravelas da Poesia)


AÇÚCAR-MATÉRIA

já ter acontecido:
à falta de um vício, ser-me proposto um exemplo
de não exemplo,
o projeto de ser uma mulher de açúcar,
e reverberar a personagem no meu rosto.
e nos anti-corpos da pré-exibição
ver um piazzolla, um piazzolla também de açúcar
e uma composição instantânea, o tango
de uma escalada em condição de cristal.
sim, já ter acontecido, já ter acontecido muitas vezes:
sermos feitos de açúcar, porque
assim que a dança começa, piazzolla,
sempre os corpos desabam.

CONOSCENZA

{o teu reconhecimento é a tua dependência},
não o deixes passar da fase da costura.
surge. insurge. inespera.
adquire expressões através do
eco difuso dos vegetais, coloca-te
nas ranhuras da madeira.
há uma vida imprópria algures.
pode não ser como aquela que espera
na plumagem de uma memória
por antecipação, mas protege o silêncio
e não deixa coagular o sangue.
{o teu reconhecimento é a tua dependência},
e quanto mais o memorizares
mais afastado estarás
dos lados obtusos de quem te deseja habitar
e da semântica temporal
das pessoas que te pedirão um
poema bonito,
e nada pior do que escrever
um poema bonito.

CIDADE-PONTO

{ao tiago gomes, com amizade}
não escrevi um livro em miniatura sob uma lupa falsa.
não pedi qualidade aos clássicos.
não pretendi reparar a eficácia de qualquer sistema humano.
não endossei poemas porque os poemas não são cartas.
não tenho um cativeiro de poetas.
não visitei cidades-poema.
não segui preceitos que se vejam.
não azuleci por pertencer ao céu.
não tive ilusão e coragem para crer na desistência.
não escrevi que o fingimento pode ser um ódio com casca.
não tenho maneiras puramente estéticas.
não tenho processos literários.
não tenho dois corações.
não li masaoka shiki ou matsuo bashō.
não li a crítica para não perder a liberdade e o meu
dom impreparado.
não peguei no tempo e o atirei para dentro do corpo
como células estaminais.
não escrevi sobre a revolução industrial.
não respeitei o meu passado enquanto índice temático.
não estimulei diagnósticos de subtileza grosseira.
não recuperei emoções com a cabeça.
não coloquei questões delicadas no campo da poesia suprema.
não transferi permissões de mim para mim.
não imaginei versos paralelos para prender significados.

DESENHO
{ao meu namorado}

vieste encorpar uma nuvem fria,
a mais convulsiva,
contar segredos às propensões
do corpo infinito, segredos
que eram como aqueles outros
em que resignei sua exaustividade
para fazer acontecer os braços irregulares
de camaleões semi-calmos de exaustão
até às reticências
das gotas.
vieste chover por baixo da minha
métrica maternal com lineares vindimas,
estrangular o ritmo da limpa concreção,
trepar um sujeito longe de algo
que o predicasse
como a paisagem predica
um dia mudo e maravilhoso, violento e
inesquecível.
nós somos nós, nada mais; quer haja
um prazer muito branco ou uma loucura
muito hábil,
quer haja uma primeira ou segunda
infâncias conscientes,
quer haja amor inconforme
ou um pedaço mútuo de razão
germinando numa nuvem muito alta.

IDIOMA

pedem-me que desperdice, que deixe estar,
que me desnomeie com um defeito do sono,
e que desse início desafie uma erudição
com um incêndio no idioma de dentro.
depois oferecem-me uma porta, uma porta
que quando bate sobrepõe
um silêncio de limão sobre a coxa, que
hetero-consome e auto-escurece. dizem-me:
desperdiça, sylvia, deixa {r}estar, põe
cada pé em cada prato da balança do
inacontecido saudável, prediletiza a partir
desse ponto até à humidez do teu ego de exposição.
por fim, deixam-me uma janela que ensina
o modo como os sujeitos procuram os predicados
que inutilizam, e
mostra explicando
a independência da incompletude
daqueles que crescem como flores.
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Sylvia Beirute (1984) é natural de Faro, Portugal.
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Fontes:
Colaboração da poetisa
http://sylviabeirute.blogspot.com/

Aparecido Raimundo da Souza (Conversa de cavalos)

quadro de David Moraes (Cavalos)
No enorme e luxuoso salão da estrebaria daquele SPA exclusivo para cavalos de fino trato, onde foram deixados, por seus donos, para banho, troca de ferraduras e embelezamento dos pêlos, enquanto esperavam a vez, para regressarem as suas fazendas, dois vistosos quadrúpedes entabulam conversa:

- Desculpe. Ia passando. Conheço o prezado de algum lugar?
- Talvez...
- Como é seu nome?
- Ali.
- Ali aonde?
- Você entendeu errado. Eu sou Ali. Ali de Aculá. E o amigo?

Antes de responder o outro fez uma pose deveras engraçada:

- Bucéfalo VIII. Em romano, esse oitavo. Às suas ordens.

Risos.

- Qual a graça?
- Acaso trabalhou para Alexandre Magno?
- Não tive o prazer. Meu bisavô, Bucéfalo VI deu mais sorte. Chegou a ser o animal predileto dele.

Os dois se voltaram para um terceiro cavalo que, afastado alguns metros, falava e gesticulava ao celular. De vez em quando batia no chão com a pata esquerda, cheio de satisfação.

- E aquele quem é?
- Fale baixo – sussurrou - Ali. - Estamos diante de Rocinante.
- Quem é Rocinante? Nunca ouvi falar, pelo menos até agora. Para mim é um quadrúpede igual ou pior que nós. Olhe para o jeitão dele. Não vejo nada demais nesse sujeitinho. Ao contrário, parece posudo... Meio cheguei, sou o tal...
- Trabalha para Dom Quixote.
- O presidente?
- Seu besta, Rocinante é funcionário de Dom Quixote.
- Confesso que a ferradura não caiu!
- Bucéfalo, você precisa assistir mais televisão. Ler jornais, revistas. Pra ficar inteirado. Cavalo burro, hoje em dia, com toda essa tecnologia de ponta que anda por ai, só serve para puxar carroças. Daqui a alguns anos, até para puxar carroça será preciso fazer um teste de QI.
- Tá. Chega de sermão. Quem é o figuraço?
- O braço direito de Dom Quixote de La mancha.
- Ah! Tô ligado.
- Sabe, ao menos, quem é Dom Quixote?
- Sinceramente? Não!

Ali se preparava para retrucar alguma coisa quando um elegantíssimo manga larga marchador, cheio de medalhas no peito pede licença, interrompendo o bate-papo:
- Perdão, ilustres companheiros: meu nome é Pégaso.

Ali de Aculá se virou para o que acabara de chegar e fez um aceno respeitoso com a cabeça.

- Bem vindo. Em que podemos ajudá-lo?
- Desculpe. Estava ouvindo a conversa de vocês e não pude deixar de perceber que o amigo é bastante esclarecido. Tem "catiguria".
- Faço o possível. Mas espere um minuto: já o vi por aqui, ou em algum outro lugar?
- É possível. Sou muito popular por estas redondezas.

Ali relinchou e sacudiu o rabo para espantar uma mosca chata.

- Lembrei. Claro, como poderia me esquecer?

Bucéfalo, alheio a tudo, o queixo caído, só observava. Não entendia nada de nada do diálogo que seu amigo Ali travava.

- Bucéfalo, meu prezado, este é Pégaso. O famoso Alado da Mitologia Grega.
Pégaso se abriu num sorriso, ao tempo que estendia a pata bem tratada para Bucéfalo.
- Em pessoa. Mil escusas. Em pêlo e presença. Pertenço, com muita honra, a terceira linhagem de excelentes animais de sangue nobre.

Ali também estendeu a pata:

- Bem, amigo Pégaso, eu sou Ali de Aculá. – Bem vindo à roda.
- Então você é o famoso Bucéfalo?
- Na verdade, Bucéfalo VIII. Em romano.
Pégaso relinchou um sorriso maroto:
- Claro, senão ficaria v3.
- Como? V o quê?
- Deixa pra lá. A propósito: Bucéfalo, Bucéfalo... Espere um instante. Meu bisavô, raios, meu bisavô conheceu o seu...
- É?
- Aliás, foram grandes amigos. Para ter uma idéia, pastaram juntos, chegaram a puxar carroças juntos e dividirem a mesma baia. Uma vez, fiquei sabendo, por tio Pangaré Doidão, chegaram a ser flagrados dentro de um paiol de milho...

Ali se interessou pela historia e propôs:

- Por que não nos conta esse fato em detalhes, amigo Pégaso?
- Será um enorme prazer, Ali. Ainda mais agora, que acabo de conhecer dois alazões tão agradáveis.
- E ele ainda está vivo, Pégaso?
- Infelizmente partiu há anos. Contudo, deixou boas recordações à nossa família.

Como integrante dessa terceira geração, me orgulho de fazer parte da linhagem de animais puro sangue.

- Ta legal. Mas e ai?
- Quem me contou, como mencionei a pouco, foi o tio Pangaré Doidão. Bucéfalo - no caso, o seu bisavô, Bucéfalo VI, e o meu, Pégaso I, de certa feita, foram acordados, de supetão, a poder de coices, por nossas bisas.
- E o que eles faziam de errado?
- Estavam, como disse, amoitados num velho paiol de milho.
- Aprontando o quê?
- Dando um trato, numa potranca virgem, que chegara de fora. Bucéfalo VI e, Pégaso I, cansados de transarem com as éguas da fazenda, resolveram partir para cima de uma bela novata que chegara de muito longe. Rapazes deu uma baita de uma confusão. Encrenca das feias, pra ninguém botar defeito. Resumindo, os dois levaram tantas bordoadas, que acabaram no hospital veterinário de um pacato vilarejo de nome Cavalaria. Na confusão, perderam cada um deles, um par de ferraduras novinho em folha.
- Credo-em-cruz! Quem diria!...
- Então, pelo que entendi – os antepassados de vocês dois não eram flores que pudessem ser cheiradas?
- Perfeito, amigo.
- Bem vamos deixar essas coisas de família de lado. Que tal cuidarmos das nossas vidas? Sugiro comemorarmos este encontro. Tem aqui dentro uma lanchonete que serve boa refeição de grama, com folhas verdinhas, sem agrotóxico e água potável geladinha, geladinha.
- Será que eles têm alfafa?
- Tudo o que imaginar meu amigo Bucéfalo. Tudo. Vale à pena conferir. Vamos nessa?

Ali de Aculá, Bucéfalo VIII e Pégaso se puseram a caminho da lanchonete, onde fariam a rápida refeição. Ao se colocarem em marcha, precisaram pedir licença a Rocinonte que, incansavelmente, continuava a tagarelar feito um debilóide, no seu telefone celular.

Fonte:
Colaboração do autor

Renald Bujold (Quem Passou Além do Bojador Passou Além da Dor)


Os Descobrimentos Portugueses

Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal!
In A Mensagem de Fernando Pessoa

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M- Então, perguntou o menino: Porque é que Portugal partiu um dia para o mar, velas á solta, em busca do desconhecido ?

A- Quem te contou isso, menino?- respondeu o avô- São visões de poeta! Nunca as coisas se passaram assim.

M- Mas porque? A professora, na aula de Geografia disse que foi o Infante D. Henrique que...Por isso, chamam-no.. o...Gator..., o Aligator!

A- O avô sorriu, acariciando ternamente a cabeleira loura do neto : N-A-V-E-G-A-D-OR, corrigiu-o, e, depois, riu sem se poder conter: o Infante Dom Henrique nunca navegou além de Marrocos e já tinha morrido e os seus ossos estavam mais brancos do que o meu cabelo quando as grandes descobertas tiveram lugar...

M- O menino ficou com os seus olhos enormes, inteligentes, abertos, olhando para o avô com estupefacção.-

A- Se quiseres e se tiveres tempo, vou contar-te a verdade: vou contar-te como tudo sucedeu...

M- Conta, conta, disseram duas vozes em coro, porque, entretanto, a irmã gémea que brincava, ali mesmo, num canto da sala, não tinha perdido pitada sobre o que o avô estava a contar ao irmão e também queria ouvir a história. Na verdade, as histórias do avô eram sempre apaixonantes..., ao ponto de fazer esquecer o cheiro apetitoso da sopa que a avó, a lume brando, confeccionava na cozinha...

Estava um dia frio, de chuva e vento. Sacudiam ambos, ritmicamente, as vidraças. Apesar disso, sentia-se na sala um silêncio de igreja. O momento tinha algo de ritual sagrado.

O avô, sentado na sua antiga poltrona de baloiço com os meninos sentados no chão, cheirou o cachimbo, riscou um fósforo e acendeu lentamente uma boa cachimbada – porque isso acontecia há muito tempo, quando os avôs ainda fumavam o cachimbo, eu era o menino e o avô era o meu avô - , e depois de algumas baforadas que encheram a sala de uma fumaça odorante e ondeante, o avô alisou a barba grisalha e começou a contar a história seguinte com a voz tão forte e grave que se ouvia por toda a casa:

A- Naquele tempo, há muitos muitos anos, até séculos, pouco depois de terem vencido os muçulmanos, os Portugueses não tinham mais nada para fazer, senão coser meias e sonharem, comentou o avô, sem que soubesse muito bem porque estava a distorcer propositadamente a verdade histórica . Tinham ouvido dizer que para o Oriente, numa “das Índias”, porque pensavam que havia várias Índias, vivia um grande imperador cristão, o Preste João, imensamente poderoso e rico, que era ao mesmo tempo preste e rei. Era das Índias donde provinham as cobiçadas especiarias, o marfim, a seda, as pedras preciosas Faziam parte do império do Preste João, toda a espécie de monstros e outros seres lendários...

M- Monstros? exclamaram-se em uníssono os meninos, cujo interesse tinha dobrado O cão que se tinha acostado ao lado das crianças despertou olhando-os com um ar de reprovação. Quanto ao gato, ronronava no tapete em frente à casa.

A- Monstros, sim, repetiu o avô. No entanto, havia mais...Também do lado do poente, os Portugueses daquela época ouviram falar de ilhas, reinos, dioceses lendárias, terras fabulosas, povoadas de bichos monstruosos... no imenso Mar Tenebroso e para além dele.

M- O Mar Tenebroso? Perguntou o neto. E foram eles para lá, para ver?

A- Sentiam-se atraídos, mas contavam-se terríveis histórias com monstros, perigos, obstáculos...O Mar Tenebroso era uma lenda transmitida ou forjada pelos Árabes que descrevia um oceano habitado por seres estranhos e mergulhado numa escuridão constante, onde todos os navios naufragavam nas ondas medonhas ou nas águas ferventes...Além disso muitos estavam convencidos que a terra era plana, um pouco como a parte de cima da mesa redonda da sala de jantar: se viajassem longe de mais encontrariam o fim do mundo e os barcos cairiam num abismo sem fundo. Os amedrontados marinheiros hesitavam pois em ir para Sul ou para Ocidente, por terem medo de não mais voltar. Para Sul, havia como que uma fronteira natural, o Cabo Bojador. A muitos quilómetros de distância do Cabo ouvia-se o rugido das vagas altas que batiam contra os penhascos; a costa era perigosa. Havia nevoeiros espessos...Os marinheiros pensavam que chegavam ao Mar Tenebroso e ao fim do mundo e quando avistavam o longo promontório do Cabo, penetrando com profundidade pelo mar, ficavam convencidos que ali era o limite, a barreira, o fim do mundo, o abismo...

O meninos fixavam o avô com os olhos, como que suspensos nos seus lábios, mas não diziam nada. Lá fora, como que despertando com a história do avô, o vento e a chuva tinham-se intensificado e batiam nas vidraças com mais violência.
O avô como falando a si mesmo recitou com um tom declamatório:
A- “Quem passou além do Bojador passou além do dor”
M- O que é?, perguntaram os meninos em coro.
A- Um poema.
M- Quem o escreveu?
A- Pessoa
M- Pessoa! riram ás gargalhadas as crianças
A- O avô sorriu e prosseguiu, sério: Fernando Pessoa...
M- Então, Pessoa transpôs o Bojador, disse a menina.
A- Não, o poeta Pessoa, viveu muito, muito tempo depois, respondeu o avô sorrindo, nem uma pessoa, mas muitas pessoas transpuseram o Bojador, porque o Bojador como o Mar Tenebroso, era mais ou menos uma coisa na cabeça.., e dizendo isso, o avô coçou a cabeça com o dedo. Na verdade havia ventos muitos perigosos, tempestades, naufrágios, tribos selvagens e ferozes, e até piratas*, mas monstros ou outros seres fabulosos não se vislumbravam. Pouco a pouco, os Portugueses, e outros na Europa daquele tempo, especialmente os comerciantes e os pescadores, movidos por razões fortes, venceram o medo do desconhecido e aventuraram-se cada vez mais longe para sul e para ocidente, amansando pouco a pouco o seu terror aos terríveis Bojador e Mar Tenebroso.
M- Porque? Como foi isso?, perguntou o menino muito admirado. Eu nunca teria podido ser marinheiro: teria tido muito medo dos Monstros ou dos piratas!
A- O ouro, a atracção pelo ouro, repetiu o avô com um ar misterioso. O ouro era o motivo mais poderoso para vencer o medo. As minas de ouro do continente produziam cada vez menos do precioso metal, À Europa faltava-lhe. Precisava-se de ouro, em particular, para comprar as mercadorias preciosas que chegavam do Oriente pelas vias terrestres: especiarias, madeira e pedras preciosas, marfim, seda. O ouro era necessário ao florescimento do comércio.

M- E o ouro encontrava-se no mar? perguntou a menina com a sua ingenuidade habitual, o que pôs o irmão às gargalhadas.

Cortando ao meio as gargalhadas do neto, o avô beliscou ternamente a bochecha da neta e disse-lhe:

A- A ideia não é tão estúpida: o ouro não ficava no mar, mas o mar, o caminho do mar, era a solução.

M- Mas como, avô ?, interrompeu o menino, arrependido, da sua curiosidade natural, superando o seu orgulho varonil.

A- Lembram-se do Preste João e do seu reino fabuloso e riquíssimo? perguntou o avô aos netos, que aprovaram da cabeça. Os Portugueses não sabiam exactamente onde ficava este reino fabuloso mas estavam muito ansiosos e desejosos por encontrar um monarca tão poderoso e rico. Pensavam que o reino ficava numa das Índias, na Ásia, mas não muito longe, porque neste pensava-se que esta parte do norte da África era já a Ásia. Mais tarde soube-se que o lendário reino cristão do Preste João correspondia ao reino da Etiópia e o Preste João foi identificado como o soberano da Etiópia.

Os irmãos intensificaram a atenção quando ouviram o avô falar da África e da Etiópia, porque nas últimas aulas de geografia a professora tinha falado precisamente do continente africano.

A- Além disso, prosseguiu o avô, sentindo a necessidade de acelerar um pouco o ritmo da narração porque o cheiro apetitoso da bela sopa que a sua mulher terminara, era cada vez mais irresistível e já se ouvia na cozinha alguns sons familiares que indicavam que alguém estava a pôr a mesa- os Portugueses pensavam que existia ouro algures em África, e a Sul do reino do Preste João, porque as caravanas árabes ou dominadas pelos Árabes traziam-no para o mundo muçulmano. E isto, porque os Portugueses imaginaram que, percorrendo a costa ocidental da África em direcção ao Sul, os seus navios acabariam por contornar o continente africano e o mundo árabe e encontrariam um caminho para chegarem ás jazidas auríferas e ao reino do Preste João. Mas o continente africano era muito mais extenso do que eles pensavam, e é assim que respondendo ao apelo irresistível do ouro, os Portugueses aventuraram-se, cada vez mais para sul, ultrapassando mesmo o terrível Bojador, até que um dia, em 1488 exactamente, um deles, de seu nome, Bartolomeu Dias dobrou o Cabo da Boa Esperança, contornou a África e assim abriu um caminho marítimo para a Ásia e para as verdadeiras Índias: China, Índia, Japão, etc. Mas isso é outra história.

M- Mas, avô, perguntou, a menina, a quem o ouro havia exercido sempre um grande fascínio: E os Portugueses encontraram o ouro?

A- Encontraram, sim, minha filha. Muito Ouro muitas outras riquezas. Contornando a costa ocidental de África, os Portugueses, como os Espanhóis, tinham encontrado ilhas e arquipélagos, com terras férteis para o cultivo de trigo, de que precisavam também, e particularmente madeira para a construção de barcos e outros usos. Aliás um destes arquipélagos, é hoje uma região autónoma de Portugal que se chama Madeira. Além disso, prosseguiu o avô, com uma certa tristeza na voz, os Portugueses explorando as costas da África e penetrando no interior do continente encontraram outro tipo de ouro: o ouro preto...

M- O ouro preto! exclamaram em uníssono os meninos que nunca tinham ouvido falar nem visto o ouro preto.

A- Isso é uma história muito triste e uma vergonha nacional, comentou o avô, mostrando no tom da voz e na expressão do rosto um real desgosto que os netos perceberam bem. Eu chamo ouro preto, às centenas de milhar, até milhões de Negros, homens jovens, mulheres, crianças, que os Portugueses e outros nações da Europa, arrancaram, com a cumplicidade dos Árabes e também de outros Negros, das costas e do interior de África, para tornarem-nos em escravos para os suas plantações nos arquipélagos e no Brasil, porque, como provavelmente sabem já, outros navegadores tinham viajado para ocidente onde tinham também descoberto terras com muitas riquezas e recursos naturais, e precisava-se de escravos para as explorarem. O transporte dos escravos fazia-se por comerciantes sem escrúpulos e em condições inumanas e terríveis: um grande número deles morria durante a viagem. Os Portugueses usavam os escravos para as suas próprias plantações, mas também as vendiam e isso deu origem a um comércio muito mais lucrativo do que o comércio do ouro. É por isso que de “ouro preto.”

O silencio fez-se na sala mais intenso, pesado. Sentia-se que o avô e os dois netos partilhavam uma mesma emoção. Muito profunda, uma mesma indignação, a mesma dor, de gente simples e sensível, face a uma injustiça irreparável. Depois de uma pausa comprida, foi o menino que rompeu o silêncio de uma voz hesitante e trémula:

M- E, avô, o...Infante Henrique..., também ele teve....fez...o comércio do...do ouro preto?

O avô compreendeu, por esta pergunta do neto, que a sua primeira resposta à pergunta do menino sobre o Infante Henrique, dito o Navegador, tinha ferido o neto na admiração que tinha por este herói que toda a nação portuguesa venera, pelo papel que se lhe atribui nos Descobrimentos portugueses. Então o bom avô quis atenuar um pouco a impressão que tinha dado ao neto a de que Henrique o Navegador era mais ou menos um impostor.

A- Não, menino, é provável que o Infante tenha tido escravos, como todas as famílias nobres da época, mas não penso que tenha sido ele mesmo a fazer esse comércio infame...que se desenvolveu sobretudo após a sua morte.. O Infante Dom Henrique foi uma personagem muito influente e importante da sua época, mas não a mais rica ou a mais poderosa Era um dos filhos do rei João I e recebeu de seu pai o governo perpétuo de todo o Algarve e os direitos sobre a pesca em toda a região. Além disso, entrou numa ordem religiosa, a Ordem de Cristo, cujo comando lhe foi entregue em 1420. Essa Ordem não lhe permitia casar-se, mas podia armar uma frota... Como ele geria uma casa opulenta e tinha muitos empreendimentos políticos e militares, precisava de aumentar o seu património e as receitas, constantemente em maré baixa...Mais do que descobrir novas terras, o que interessava ao Infante era a descoberta das minas de ouro de África! Comparado com numerosos outros aristocratas e nobres do seu tempo, o seu interesse pela navegação e os descobrimentos teve mais a ver com uma motivação para o comércio e as necessidades e o enriquecimento da sua casa, do que com o ideal da expansão e do fortalecimento de Portugal. É provável que o Infante Dom Henrique não tenha navegado muito pessoalmente, mas ele fez muito para tornar possível a navegação e o comércio. Em Sagres, reuniu á sua volta estudiosos de matemática, astronomia, ciência náutica, além de físicos hebraicos e peritos comerciais italianos; fez construir no promontório de Sagres a sua famosa escola de navegação que desempenhou um papel essencial no desenvolvimento da capacidade de navegar á distância que permitiu mais tarde as grandes Descobertas.

O menino pareceu ter ficado satisfeito com a comprida explicação do avô, porque embora o mito do herói Infante, o Navegador se tivesse muito esvaído, a figura do Infante Henrique ainda lhe parecia ter tido um papel importante na história do seu país, até lhe parecia agora, sem o lustro do mito, tomar uma dimensão mais humana. Como o irmão guardava o silêncio, foi a menina que o rompeu com uma pergunta que parecia reter desde vários minutos:

M- E...o senhor Rei..., permitia que arrancassem da África os coitados dos escravos negros?

A- Sim, netinha, respondeu o avô sem que tivesse necessidade de lhe esconder a verdade, mas olhando a neta com muita ternura, os reis permitiam-no. Para os reis como para toda a gente da época, os negros eram pagãos, ou “infiéis”, como os muçulmanos, e não tinham direitos; muitos, interrogavam-se até se os negros tinham uma alma, se eram verdadeiros seres humanos e tratavam-nos como animais... Desde os tempos muito recuados em que os muçulmanos do Norte de África tinham invadido e ocupado o território que abarca o Portugal de hoje, todos os descendentes do primeiro rei de Portugal, Afonso Henriques, se queriam investidos da missão divina de combater os infiéis, de repeli-los para fora de Portugal, e até de persegui-los nas suas próprias terras para estender não só o reino de Portugal, mas também o reino de Deus....Eram como os Cruzados que combateram para libertar a Terra Santa do domínio dos Infiéis. Este motivo foi um dos mais poderosos para dar um impulso à expansão e aos Descobrimentos, Por fazerem isso, os Reis de Portugal e dois outros reinos de Europa, obtinham o apoio do Papa que era o monarca mais poderoso da Europa, a quem todos os outros reis dos países católicos prestavam vassalagem.

M- Então porque é, avô, perguntou a menina, depois de uma reflexão profunda, porque é que Portugal ficou sempre tão pobre?....

Neste momento, a porta da cozinha abriu-se e a avó saiu, aureolada por um aroma tão bom que a menina se calou e, voltando-se na sua direcção; dirigiu-se directamente para o grupo, dobrou-se para beijar os netos: Têm fome, não é?, perguntou-lhes, olhando o marido com um olhar cúmplice. Basta de histórias hoje. Vamos comer. E enlaçando os dois netos pelos ombros, a avó seguida do avô, dirigiu-os para a cozinha onde os esperava uma sopa bem quente e bem fumegante.

Fonte:
http://www.teiaportuguesa.com/renaldconto.htm

O Romance ou Conto Policial



O Romance Policial (ou conto policial) é um gênero literário que se caracteriza, em termos de sua estrutura narrativa, pela presença do crime, da investigação e da revelação do malfeitor. Neste tipo do gênero literário, o foco remete para o processo de elucidação do mistério, empreitada geralmente a cargo de um detetive, seja ele profissional ou amador.

O romance policial também demonstra que não pode haver crime perfeito, logo, não há lugar para a impunidade, para o crime sem punição. A principal função ideológica na literatura policial é a demonstração da estranheza do crime, já que o criminoso é apresentado como um ser estranho à razão natural da ordem social.

O universo do romance policial é permeado por vários elementos, como medo, mistério, investigação, curiosidade, espanto e inquietação, que são dosados de acordo com os autores e as épocas.

O romance policial clássico busca a mais completa verossimilhança. Muitos detetives, como por exemplo, Sherlock Holmes, adotam métodos científicos em busca da verdade.

Origem

Acredita-se que o gênero literário conhecido como romance policial começou em abril de 1841, nas colunas de um periódico da Filadélfia, o Graham's Magazine, com a publicação de The Murders in the Rue Morgue (Dois Crimes na Rua Morgue), de Edgar Allan Poe.[1] Nos anos seguintes, mais duas histórias policiais do mesmo autor foram publicadas, The Mistery of Marie Roget (1842-1843) e The Purloined Letter (A Carta Roubada) (1845).

Características do romance policial

O herói do romance, o detetive, sempre sairá vencedor, pois se o contrário acontecer, o fato será atribuído à baixa qualidade da história e, portanto, não haverá suspense, uma solução surpreendente ou uma catarse.

No romance policial não pode haver intriga amorosa, para não atrapalhar o processo intelectual do detetive.

O romance deve ter um cadáver, para causar horror e desejo de vingança.

O culpado deve ser um dos personagens comuns, mas gozar de certa importância e não ser um assassino profissional. Ele nunca poderá ser o detetive, e o crime deve ser cometido por razões pessoais.

A solução do mistério deve estar evidente desde o início, para que uma releitura da obra possa mostrar ao leitor o quanto ele foi desatento.

As pistas devem estar todas presentes no livro, de forma a surpreender o leitor no momento da revelação da identidade secreta do assassino.

Principais autores e seus personagens

Agatha Christie – detetives Hercule Poirot, Miss Marple, Tommy e Tuppence Beresford e Mr. Quin.
Arthur Conan Doyle – detetive Sherlock Holmes
Dashiell Hammett – detetive Sam Spade
E. W. Hornung – detetive Arthur J. Raffles, o ladrão cavalheiro
Edgar Allan Poe – detetive C. Auguste Dupin
Fernando Pessoa - detetive Abílio Quaresma
Gaston Leroux – Joseph Rouletabille
Georges Simenon – detetive comissário Jules Maigret
Maurice Leblanc – detetive Arsène Lupin, ladrão-cavalheiro
Mickey Spillane – detetive Mike Hammer
Raymond Chandler – detetive Philip Marlowe
Rex Stout – detetive Nero Wolfe
S.S.Van Dine – detetive Philo Vance

Autores brasileiros e personagens

Jô Soares – delegado Mello Pimenta e detetive Machado Machado
Luís Fernando Verissimo – detetive particular Ed Mort
Luiz Alfredo Garcia-Roza – delegado Espinosa
Rubem Fonseca – advogado Mandrake
Tony Bellotto – investigador Bellini
Mário Prata - agentes federais Ugo Fioravanti Neto e Darwin Matarazzo

Há algumas características que podem nos ajudar a identificar ou até mesmo a produzir um conto, seja ele de temática policial ou não:

- É uma narrativa linear e curta, tanto em extensão quanto no tempo em que se passa.

- A linguagem é simples e direta, não se utiliza de muitas figuras de linguagem ou de expressões com pluralidade de sentidos.

- Todas as ações se encaminham diretamente para o desfecho.

- Envolve poucas personagens, e as que existem se movimentam em torno de uma única ação.

- As ações se passam em um só espaço, constituem um só eixo temático e um só conflito.

Conselhos" para se escrever um ótimo conto.

Prender o interesse do leitor; evitar ser chato

Pense em Aristóteles, para quem a catarse, enquanto experiência vivida pelo espectador ou ouvinte, é condição fundamental para definir a qualidade de uma obra.

Usar, se possível, frases curtas

A clareza vem do cuidado com a estruturação da frase: as intercalações excessivas prejudicam a compreensão da idéia. Pense em Barthes: “A narrativa é uma grande frase, como toda a frase constitutiva é, de certa forma, o esboço de uma pequena narrativa", (Introdução à análise da narrativa).

Capítulos e parágrafos curtos, para o leitor poder respirar

Evitar muitas personagens, descrições longas, rebuscamentos, adjetivações, clichês, repetir palavras.

Trama/enredo/tema ou estilo, original

Pense em Ricardo Piglia: “Pode-se programar a trama, os personagens, as situações, conhecer o desenlace e o começo, mas o tom em que se vai contar a história é obra de inspiração. Nisso consiste o talento de um narrador”, (O laboratório do escritor).

Se possível usar ironia, humor, graça e ser verossímil

Ser verossímil é importante, mas não devemos confundir verossimilhança com verdade; a história não tem de ser obrigatoriamente verdadeira, mas parecer que o é. Mesmo assim sua importância é discutível. Segundo Álvaro Lins, Graciliano Ramos tem como “defeito” justamente a inverossimilhança que, de acordo com o crítico, é mais “visível” em Vidas secas e São Bernardo, dois clássicos insuspeitos. No Vidas secas esse “defeito” estaria no discurso das personagens (discurso indireto livre), pois tal recurso teria provocado um excesso de introspecção das personagens, tão rústicas e primárias (até Baleia, a cadela do romance, tem seu “monólogo interior”). No São Bernardo o “problema” estaria no fato de um homem rústico, como Paulo Honório, construir uma narrativa tão perfeita em termos literários.

Conta-se que uma vez Matisse mostrou a uma senhora um quadro em que havia pintado uma mulher nua; sua visitante retrucou: “Mas uma mulher nua não é assim”. E Matisse: “Não é uma mulher, minha senhora, é uma pintura”. Será que na sua análise em busca do perfeito, Álvaro Lins (que tinha Graciliano em alta conta) não teria percebido que Paulo Honório não é um homem, mas uma pintura?

Ler, de preferência, os clássicos

Não se é escritor sem ser leitor. Pense em Sartre: “Mas a operação de escrever implica a de ler... e esses dois atos conexos necessitam de dois agentes distintos. É o esforço conjugado do autor com o leitor que fará surgir esse objeto concreto e imaginário que é a obra do espírito”. (op. cit.) Pense também em Faulkner: ler, ler, ler, ler, ler...

Em Escritores em ação, Georges de Simenon (1903-1989) dá a “fórmula” para se escrever uma boa prosa: “Corte tudo que for literário demais; adjetivos e advérbios e todas as palavras que estão lá só para causar efeito. Escrever é cortar. Escrever não é uma profissão, mas uma vocação para a infelicidade e essa professora é uma **** vadia!

Fonte:
Wikipedia.

Clelia Simeão Pires (A Tipologia do Romance Policial)



O romance policial tem suas normas; fazer “melhor” do que elas pedem é ao mesmo tempo fazer “pior”: quem quer “embelezar” o romance policial faz “literatura”, não romance policial.

Tvetan Todorov. As estruturas narrativas.

Em linhas gerais, o romance policial é um tipo de narrativa que expõe uma investigação fictícia, ou seja, a superação metódica de um enigma ou a identificação de um fato ou pessoa misteriosos. Toda a narrativa policial apresenta um crime e alguém disposto a desvendá-lo, porém nem toda a narrativa em que esses elementos estão presentes pode ser considerada policial. Isto porque além da necessidade de um crime, é preciso também uma forma de articular a narrativa, de estabelecer a relação do detetive com o crime e com a narração.

A figura do detetive na narrativa policial deu-se por acaso, numa estória que não tinha esse cunho; trata-se de Zadig, o herói da estória de Voltaire, que, aproveitando-se de seus dons de observação no episódio do desaparecimento da cadela da rainha e do cavalo do rei, é acusado de saber do paradeiro dos animais reais e, escapa do exílio na Sibéria ao apresentar argumentos dotados de raciocínio lógico bastante convincente para provar ao júri que realmente não os vira, mas, apenas seus rastros deixados pela estrada. A lógica perfeita de Zadig foi apontada pelos historiadores do gênero policial, como a avant-première do espírito de deteção, transformando o personagem, no antecessor de uma galeria de detetives de ficção que viria mais tarde resultar na narrativa policial.

Para tratarmos da classificação dos tipos de narrativa no interior do gênero policial, tomaremos como ponto de partida o romance policial clássico ou romance de enigma. A busca de sua solução será o objetivo do agente responsável pelo esclarecimento do enigma, o detetive. Segundo Tvetan Todorov em “Tipologia do Romance Policial”, a clássica narrativa de enigma oferece sempre duas histórias distintas: a do crime – concluída antes do início da outra – e a do inquérito. Nesta, pouca coisa acontece e os personagens encarregados da descoberta do criminoso, apenas observam e examinam os indícios deixados pelo assassino, não realizando nenhum tipo de ação fora dos limites da racionalização lógica. O relato da investigação geralmente fica a cargo de um companheiro do detetive, como, por exemplo, o Dr.Watson que narra as aventuras do mais famoso detetive de ficção Sherlock Holmes, que só apareceria nos fins do século XIX. Nesse tipo de narrativa, o enredo se arma com base em cenas progressivas de suspense que desencadearão, ao final, na descoberta do criminoso. Durante a investigação, porém, nada que ponha em risco a integridade física do detetive poderá acontecer. Esta é uma das regras do gênero que postula a imunidade do detetive. Uma vez que os personagens nesse momento não agem, mas tiram conclusões sobre uma ação passada, a narrativa é elaborada em forma de memória, diminuindo, em princípio, as possibilidades do detetive ser atacado ou morrer no desenrolar da estória. A estrutura básica de todo romance de enigma clássico serão essas características de cada uma das duas estórias, estrutura esta que enfatizará, não o crime da primeira estória, mas a forma de investigação do detetive sobre a ação passada e a forma de condução do inquérito da segunda estória.

A natureza dos romances policiais está igualmente relacionada às funções da literatura de massa e às forças que operam sob a sociedade burguesa. Os problemas humanos e os crimes transformados em “mistérios” que possam ser solucionados representam uma tendência comportamental e ideológica típica do capitalismo.

O romance policial também demonstra que, não pode haver crime perfeito, logo, ilegalismo sem punição. Na ficção romanesca, não haveria lugar para a impunidade, já que a ordem social concebe o delito como uma anomalia, uma violação da lei. A principal função ideológica na literatura policial é a demonstração da estranheza do crime. Caracterizando o criminoso como um ser estranho à razão natural da ordem social, ela faz parte de uma pedagogia do poder que, através da diferenciação dos ilegalismos, define a delinqüência. O criminoso, geralmente, é alguém que não se enquadra na ordem social, sendo por isto necessário identificá-lo e puni-lo. Com efeito, a narrativa policial segue uma ordem de descoberta, tendo como ponto de partida um fato extraordinário.

O romance de enigma tende assim para a arquitetura de uma dedução perfeita: o Cavalheiro August Dupin, criado por Edgar Allan Poe, o precursor da narrativa policial, em Os crimes da Rua Morgue, após visitar o local onde duas mulheres são assassinadas com requintes de brutalidade num quarto pavimento daquela rua, através de um raciocínio lógico, termina por chegar ao assassino. Dupin não era exatamente um detetive, uma vez que não era um policial e também, a denominação de “detetive” só surgiria mais tarde, mas, era antes de tudo, um herói analista. Contudo, disposto a desvendar aquele enigma que parecia indecifrável, faz justamente o contrário do que as autoridades parisienses fariam. Para ele, a polícia era “apenas astuta e nada mais”. Dupin conclui sobre a solução do crime sem recorrer àquela astúcia, mas sim a um método de trabalho.

Edgar Allan Poe aplicou tal técnica de raciocínio à ficção, estabelecendo várias combinações de elementos que desde então passaram a ser as peças determinantes na cartilha de elaboração dos romances policiais que surgiram em seqüência: além da figura do detetive cerebral, o escritor deve pensar no desfecho de cada estória a priori, para que a lógica seja perfeita, para que cada incidente caminhe em direção ao final previsto. Além desta técnica de, antes de iniciar a narrativa elaborar sua conclusão, também é fundamental que o escritor faça uma consideração prévia acerca do efeito que ele deseja extrair do romance em questão: o medo. Este é o propósito primeiro do romance policial e, para tal, lança-se mão do mistério e das cenas de horror.

O universo do romance policial é permeado por esses vários elementos: medo, mistério, investigação, curiosidade, assombro, inquietação, que são dosados de acordo com os autores e as épocas. Através da palavra, o medo se torna uma tortura da imaginação e estabelece uma relação poética entre narrador e leitor; o mundo é, dessa forma, uma fonte de inspiração literária, visto que, mistérios sempre existiram desde os primórdios da história da humanidade. A raiz metafísica deste gênero está na necessidade humana de eliminar a angústia e o sofrimento que nos domina enquanto não atingimos a compreensão de uma determinada situação de mistério. O temor diante do desconhecido e o espanto como resultado da resolução de um enigma são traços pertinentes à própria psicologia humana. Em toda investigação racionalmente conduzida, há , em germe, traços do romance policial. Haja vista a tragédia de “Édipo Rei”.

O romance policial clássico busca a mais completa verossimilhança trabalhando com índices materiais. Muitos detetives, como por exemplo, Sherlock Holmes, adotam métodos científicos para irem em busca da verdade. Em geral, o narrador lança mão de um mistério tão bem elaborado que o leitor não será capaz de desvendar sozinho. É nesse momento que o detetive entra em ação com o objetivo de resgatar a verdade. O leitor, a essa altura, está preso a narrativa na expectativa de um desfecho que o satisfaça. Como o objetivo da investigação sempre será alcançado, o detetive torna-se uma espécie de herói e o público passa a desejar que ele apareça em outras estórias, garantindo assim, a consagração do personagem.

Com estratégias cada vez mais sofisticadas, o romance policial começa a apresentar charadas com o intuito de aumentar o interesse do leitor a partir do momento em que ele sente-se incapaz de desvendar o mistério sozinho. A partir daí, o romance policial começa a ser tratado como uma espécie de jogo.

Em 1928, S.S.Van Dine, o romancista criador do genial detetive Philo Vance, estabelece as regras de uma boa narrativa policial. Estamos nos referindo ao famoso “As vinte regras do Romance Policial”, artigo do The American Magazine, no qual Van Dine conclui que o escritor deve “jogar limpo” com o leitor. Em outras palavras, a luta de intelectualidade deve acontecer em dois níveis: entre o detetive e o criminoso e entre o autor e o leitor. Nessas duas lutas, a identidade do culpado é o mistério para o qual tanto o detetive quanto o leitor devem ser conduzidos através de um sistemático exame de pistas. Seguem algumas das regras: o leitor e o detetive devem ter as mesmas oportunidades de desvendar o mistério, no entanto, o leitor nunca deverá suplantar o autor; o herói do romance, o detetive, sempre sairá vencedor, pois se o contrário acontecer, o fato será atribuído à baixa qualidade da estória e, portanto, não haverá suspense, uma solução surpreendente ou uma catarse. No romance policial não pode haver intriga amorosa para não atrapalhar o processo intelectual do detetive. O romance deve ter um cadáver para causar horror e desejo de vingança. O culpado deve ser um dos personagens comuns, mas gozar de certa importância e não um assassino profissional. O culpado nunca poderá ser o detetive e o crime deve ser cometido por razões pessoais. A solução do mistério deve estar evidente desde o início para que uma releitura possa mostrar ao leitor o quanto ele foi desatento. As pistas devem estar todas presentes e o leitor deve se surpreender ao saber a identidade secreta do assassino. O romance deve ser verossímil, mas não cheio de descrições já que se trata de um jogo.

De acordo com Van Dine, a arte do romance policial de boa qualidade é atingir estas metas sem recorrer a truques baratos. É claro que sua validade é bastante questionável visto que vários romances policiais clássicos e contemporâneos têm transgredido algumas delas.

Outro gênero no interior do romance policial e, que se opõe ao romance de enigma apresentado anteriormente é o chamado romance negro, que se criou nos Estados Unidos. Nele, as duas estórias se fundem; a narrativa coincide com a ação do crime. Não há narração em forma de memórias, não há mistério a ser desvendado e também não sabemos se o detetive chegará vivo ao final da estória. A arquitetura da narrativa tem dois principais interesses: o de aguçar a curiosidade do leitor garantindo que a estória não seja abandonada no meio do caminho, e o de criar situações de suspense. O crime, o cadáver e certos indícios estarão presentes, mas os motivos pelos quais o assassinato foi praticado será o fio condutor da narrativa que, a partir daí, fará com que o interesse do leitor seja sustentado pela espera do que vai acontecer. Aquela imunidade que garantia a segurança do detetive no romance de enigma não será mais possível; aqui, o detetive se arrisca e tudo pode lhe acontecer.

Já no romance negro moderno, ou “Série Noir”, surgido na década de 20, a narrativa constitui-se em torno dos personagens e de seus temas. Recebem este nome devido ao meio que descrevem. Nele, encontramos a violência no sentido mais brutal, a paixão desenfreada, a imoralidade e o ódio. A segunda estória ocupa lugar central, mas, a omissão da primeira não é um traço obrigatório. Alguns de seus representantes como Dashiell Hammett e Raymond Chandler conservaram o mistério em torno de um crime, embora este não tenha destaque na estória, assumindo uma função secundária. Os detetives dessa época não usavam apenas a cabeça, mas também os punhos. Pela influência da época em que foram criados, durante a tremenda crise financeira gerada pelo crack da Bolsa, e ainda, pela Lei Seca, um novo tipo de detetive surgia num momento propício à exploração da violência. Através da leitura diária dos jornais, o americano tomava conhecimento das “façanhas” dos diversos gangsters, em especial Al Capone e seus asseclas. Com isso, violência conhecida através da leitura dos periódicos, ia se tornado um hábito. Perseguidos sem sucesso pela polícia, essas figuras acabavam sendo transformadas de bandidos em vítimas, ao passo que, as autoridades, ficavam cada vez mais desacreditadas por sua ineficiência. O mesmo público que lia tais notícias nos jornais ansiava por um herói. Este sentimento, talvez, captado pelos criadores da revista Black Mask, conta com a publicação dos primeiros trabalhos de um dos maiores escritores de romances policiais de todos os tempos: Dashiell Hammett. Depois, em 1930, o escritor lança o livro que seria considerado sua obra prima, O Falcão Maltês, um clássico do romance policial. Seu personagem principal é o detetive San Spade, que aparece em várias estórias seguintes. Com ele dois novos elementos são introduzidos na narrativa policial: o sexo e a violência. Antes dele, o que existia essencialmente nas narrativas policiais era o raciocínio puro. Não havia lugar para o amor e muito menos o sexo.

Na mesma linha de San Spade há dois detetives muito diferentes entre si, mas dignos de menção: Phillip Marlowe, de Raymond Chandler, e Mike Hammer, de Mickey Spillane. As estórias de Marlowe têm características bem parecidas com as de Spade. Hammer é a representação do exagero. Em suas estórias a inteligência entra em bem menor proporção se comparada às demonstrações de força bruta e sexual que são levadas ao extremo.

O romance negro tem na coleção “Série Noir”, publicada na revista Black Mask seu ápice e reconhecimento de público. As estórias transgridem algumas regras daquelas postuladas por S.S.Van Dine, como, por exemplo: há freqüentemente mais de um detetive e mais de um criminoso; o criminoso é um profissional e não mata por razões pessoais e é com freqüência um policial. Neste tipo de narrativa, há lugar para o amor, de preferência bestial, e o autor não reserva suas surpresas para o final do último capítulo. Exploram-se situações angustiantes em que o detetive pode se envolver. Não há otimismo, a imoralidade ou amoralidade é admitida. Usa-se a linguagem coloquial admitindo ainda palavras de baixo calão e gírias. O detetive também é falível e nem sempre há mistério. Pode ocorrer até que não haja detetive.

Vale ainda ressaltar que o narrador desse tipo de romance, quer seja o próprio detetive ou não, nunca aborda aspectos psicológicos dos personagens de suas narrativas.

Além das duas formas de romance policial já apresentadas, surge ainda uma terceira que combina as propriedades das anteriores: o romance de suspense. Essa forma de romance policial serviu de transição entre o romance de enigma e o romance negro e se desenvolveu ao mesmo tempo em que este. Desses dois períodos correspondem ainda dois subtipos de romance de suspense: o primeiro, chamado de ‘estória de detetive’, é onde as estórias de Hammett e Chandler também podem se encaixar. Assim como no romance de enigma, este, conserva em seu enredo o mistério e as duas estórias. Como no romance negro, a segunda estória (a do inquérito) assume o lugar central na narrativa. O leitor se interessa por interrogar como se explicam os acontecimentos do passado e o que acontecerá no futuro da narrativa. Aqui, as personagens também arriscam constantemente a vida. O mistério, diferente do romance de enigma, é o ponto de partida. O interesse principal está na narrativa do inquérito, que se desenrola no presente.

Há ainda um segundo tipo de romance de suspense, o chamado “estória do suspeito detetive”, que tenta resgatar o crime pessoal do romance de enigma. Nesse caso, um crime é cometido no início do livro e as suspeitas da polícia recaem sobre o personagem principal. Para se inocentar, a pessoa parte para a investigação pessoal a fim de encontrar o verdadeiro culpado, arriscando a própria vida. Nela, o personagem é ao mesmo tempo o detetive, o culpado (para a polícia) e vítima dos verdadeiros assassinos. Representantes desse gênero são Patrik Quentin, Irish e Charles Williams.

Tratamos da classificação de algumas narrativas policiais e como pudemos perceber, o romance policial tem suas normas e, uma obra, para ser considerada como tal, precisa se adaptar a um mínimo das regras do gênero.

Fonte:
http://www.letras.ufrj.br/

Roberto de Sousa Causo (Pelos Dentes da Baleia)


A breve era das Grandes Navegações de Pindorama foi prefigurada pelo encalhe de uma baleia lactante nos sambaquis da aldeia de Tibirá. Uma baleia gigante como nunca antes vista pelos homens, mulheres e crianças da aldeia, que logo reconheceram os mapas de todas as terras e mares do mundo, de vários mundos, riscados em seus dentes, cada um deles mais largo que o peito de um guerreiro.

O xamã Saraí logo ordenou que as tetas do monstro fossem cortadas de sua carne e o leite espremido pelas mãos das meninas pré-púberes da aldeia. Setenta e oito vasos de cerâmica foram cheios até a boca com o leite rosado de sangue, e lacrados para serem no futuro bebidos com ávara parcimônia, apenas pela boca de mulheres adultas que já haviam parido e aleitado.

Então Saraí ordenou que a aldeia fosse transferida para um local distante um dia inteiro de viagem ao norte, junto ao delta do Grande Rio, enquanto por gerações inteiras a carcaça da baleia-mãe era lentamente devorada por um milhão de gaivotas e quatrocentos e vinte e oito milhões de caranguejos. Ocasionalmente uma onça ou um cão-do-mato mordiscava da carcaça, para enlouquecer lentamente nos grotões mais densos da floresta, e deles a nova aldeia de Tibirá era obrigada a se proteger com paliçadas e patrulhas de guerreiros armados de lanças e tacapes. Mesmo a um dia de distância do cadáver gigante da baleia, a aldeia não deixou de ser também empestada pelo cheiro da carne marinha apodrecida, as entranhas mais insuspeitas reveladas pelo tempo e pelo dentes ou garras dos animais que dele se alimentavam.

Na aldeia, durante todo esse tempo, tupiniquins de audácia estudavam os mapas gravados no esmalte dos dentes, e planejavam. O há muito falecido xamã Saraí profetizara que uma nau de proporções descomunais deveria ser construída a partir dos ossos descarnados da baleia-mãe, e a cada ano uma das mães de maior sabedoria da aldeia bebia uma cuia rasa do leite postumamente ordenhado, e dele extraía a confirmação da profecia e outras e novas dádivas proféticas sobre a vida da aldeia e o futuro de Pindorama.

Então, três gerações após o encalhe da baleia-mãe, Mãe-Daidéa bebeu do seu leite e declarou que o esqueleto estava enfim limpo o bastante para que se iniciassem os trabalhos de construção do grande navio.

A aldeia toda mudou-se para o antigo local, depois que os guerreiros e as mulheres adultas passaram várias fases da lua raspando os ossos, enxaguando-os com a água do mar e revirando a areia para afastar os fantasmas do fedor de decomposição e morte. Levaram os moradores da aldeia os dentes-mapas e os vasos com o leite-sangue e todos reconstruíram em torno da oca sagrada que os guardava as suas novas moradas e refizeram à luz de novas fogueiras os planos para a grande investida sobre o Mar-sem-Fim.

Dos ossos arqueados da cabeça foi feita a proa do navio, revestida da mais forte madeira-de-lei selada com coral e com a lama fóssil das pororocas. Das costelas e vértebras montou-se a quilha abaulada. Dos ossos das nadadeiras subiram mastros e suportes e as velas tecidas por duzentas mulheres, meninos e meninas foram erguidas sobre eles, mas antes tingidas com o vermelho do ibira-puitá e com o pó amarelo do ipê. Todos os trabalhos seguiram em boa velocidade, para o seu término próximo à Grande Conjunção. Mãe-Daidéa batizou o navio de Espírito do Mar, derramando sobre a sua proa todo um vaso do precioso leite mágico.

Os sábios da aldeia, no tempo em que era construída a nau, dedicaram-se a escolher capitão e tripulantes. Foi decidido que nove mães estariam sempre a bordo, para beber do leite mágico da baleia e assim antecipar os percalços da viagem. A primeira delas e a sua tenente seria Pitará. O capitão seria o valente Arivaru, que enfrentara mais correntes do Grande Rio e ondas do Mar-sem-Fim do que qualquer outro guerreiro conhecido dos habitantes da nova Tibirá.

Para a primeira viagem escolheram a ilha que foi chamada Jequiraí. Segundo um dos mapas-dentes, ela não distava muito do litoral de Tibirá, comparada a outras terras assinaladas no esmalte já amarelecido.

Quando as três luas entraram em conjunção formando um cacho de bolas prateadas no céu noturno, embarcaram os tripulantes em alegre obediência às profecias, as nove mães despediram-se dos seus filhos e filhas e em terra ficaram todos a ver partir o que restara da baleia-mãe — e o que prometia o futuro de Pindorama.
*
O Espírito do Mar levantou velas à noite, rapidamente deixando para trás as fogueiras da aldeia e penetrando no duplo-luar que iluminava o caminho, mas não ofuscava o brilho efêmero das estrelas cadentes.

Assim que a terra escorreu por trás do horizonte e os pássaros se cansaram de seguir o Espírito do Mar, a nau deparou-se com um cardume de baleias, que borrifava o ar noturno com sua respiração nebulosa. Grandes baleias-mães e filhotes e uns poucos machos nadando exibidos na borda do bando maior. Nenhuma porém grande como a baleia que há tanto tempo havia encalhado nas praias da primeira Tibirá. Sentindo o cheiro familiar ou a forma como cortava as ondas, vieram ter com o navio e saber que estranha criatura, artefato ou aparição era esta.

Acompanhando a aproximação das baleias a partir do estreito passadiço, Arivaru convocou as mães e mandou que uma cuia do leite-sangue fosse servida. Enquanto bebiam as mulheres, juntou-se ao cardume dezenas de outros, vindos de todos os quadrantes do horizonte sem marcas que a todos circundava. Eram muitas baleias, baleias de muitos tipos, todas expirando água e inspirando ar, tanta água borrifada no ar que as muitas baleias em verdade suspiravam uma chuva entre arcos-íris, que vinha banhar os conveses da nau. O agitar dos muitos corpos das baleias balançava o navio, e as baleias mesmas formaram uma intransponível barreira.

Depois de bebida a última gota do leite, todas as mulheres se calaram, enquanto Arivaru esperava delas que falassem. Mas o valente Arivaru conhecia o valor da paciência, e esperou mais.

Antes porém que a primeira palavra saísse dos lábios ainda manchados do leite rosado, o capitão viu o cerco de baleias abrir-se um tanto, e no centro da grande comunhão de animais marinhos emergiu um monstro nunca visto.

Arivaru subiu no mastro mais alto, para reconhecer todo o seu corpanzil azulado semi-submerso na água, e saber se era mesmo uma baleia, como parecia ser e era. Mas nunca uma baleia deste tamanho…

Quando o capitão desceu do mastro por uma corda de cipó, as mulheres o esperavam no convés principal. Pitará, a primeira mãe e a segundo em comando, disse a ele, de olhos muito abertos:

— Fala o monstro, por minha boca: “Quem são vocês, que nadam sobre as águas, nos ossos de minha mãe?”

Arivaru um tanto demorou, para entender. Poderia ser, que a gigante-baleia fosse cria da Baleia-Mãe que deitara à praia de Pindorama, há tantas estações passadas?

— Ouve o monstro, por seus ouvidos, Pitará? — perguntou o capitão.

— Sim, Arivaru. Mas fale rápido, pois o gigante é impaciente.

— Somos homens e mulheres da terra antiga de Pindorama, da aldeia de Tibirá — explicou o capitão —, onde há muito uma baleia encalhada trouxe ao nosso povo o presente de muitos mapas de terras distantes, cravados em seus dentes. Foi dito que de seus ossos deveríamos fazer um navio capaz de cruzar o grande mar, até uma das terras descritas a riscos, nos dentes da baleia.

— E o leite de minha mãe, que ainda muito haveria de alimentar a mim? — perguntou o monstro, pelos lábios salivosos de Pitará.

— Sim — Arivaru admitiu —, pois o leite é mágico e permitiria a nós encontrar o caminho com maior facilidade.

— Não o seu caminho, porém — o monstro disse. — Sei que desejam o destino da ilha de Jequiraí, mas devem ir ao invés até a mágica terra de Ó-Brasih, terra-irmã de Pindorama e destino verdadeiro de minha mãe. Ela enganou-se, tomando uma pela outra após perder-se de mim em uma tempestade, mas agora cabe ao povo de Pindorama navegando em seus ossos levá-los ao descanso a ela prometido. Seu destino é Ó-Brasih.

Arivaru ponderou. Pela primeira vez, desviou os olhos da bela Pitará e os dirigiu à baleia gigante.

— Preferiria então retornar à nossa terra de Pindorama, se o caminho a Jequiraí proibido está — disse.

O monstro soergueu a metade dianteira do seu corpanzil imenso e o deixou deitar-se novamente contra a água, levantando uma onda que fez correr para o alto e para o baixo outras baleias menores que o circundavam — e que fez gemer as estruturas do Espírito do Mar, atirando tripulantes aos conveses e Pitará aos braços de Arivaru.

— Seu destino é Ó-Brasih — ela cochichou a ele. — E nenhum outro. Nunca mais retornarão a Pindorama, não na mesma nau em que agora viajam, pois os ossos de minha mãe devem repousar, no lugar prometido.

Arivaru endireitou-se e se separou devagar de Pitará.

— Mas que caminho seguir?

— Pelo dente maior da frente — disse o monstro, pela voz da mulher.
*
A gigante-baleia, filho da baleia-mãe, agora já seu cortejo de baleias menores, guiou o Espírito do Mar por várias léguas da jornada, e apontou o caminho, antes de despedir-se novamente falando pela boca espumosa de leite-sangue, de Pitará.

— Deste ponto em diante, o dente os guiará. A mim mesmo as águas de Ó-Brasih e a visão de suas terras são proibidas. Vocês mesmos lá viverão em paz e na prosperidade da terra, se ficarem apenas nas praias e junto aos rios. Nunca entrem na floresta, pois ela é guardada por um jaguar de grande ferocidade, que de vocês faria alimento.

— É injusto de você fazer com que nunca mais vejamos a nossa Pindorama — Arivaru tomou coragem de dizer.

— Vocês viajaram mais longe do que qualquer homem e mulher de antes — disse a baleia. — Contentem-se com isso. Se tentarem o retorno, saibam que todas as baleias do grande mar estão avisadas de dar de vocês o alerta, e eu virei com todas elas, para enviá-los todos às profundezas.

E então ordenou que todo o leite fosse deitado ao mar, no rastro do navio, por todo um dia. À noite os tripulantes ainda ouviam o monstro a nadar e a suspirar como o vento nas árvores, enquanto bebia o gole derradeiro do leite que dizia lhe ter sido roubado.

Pitará, que ainda tinha o líquido mágico em seus intestinos, contava a Arivaru e às mulheres-de-visão que a gigante-baleia sonhava com o espírito da mãe e com terras ainda mais distantes, destinos longínquos prefigurados nos cascos das tartarugas, sugeridos nas correntes mais profundas do Mar-sem-Fim, e que um dia ele ainda iria percorrer em sua vida de centenas de estações.
*
Mas a verdade é que Arivaru mentiu e esperto foi. Enquanto a baleia-monstro embriagava-se de visões, ele escondeu e sonegou um último barril do leite-sangue, por valorizar o seu poder de dar informação, que tão necessário seria, ao chegarem a Ó-Brasih. E como o dente maior da frente afiançara em seu desenho, seguindo a ordem das correntes traçadas e o desfile de recifes apontados, o Espírito do Mar encontrou de velas altas e cheias o caminho, e após muitos dias e noites, conforme o prometido a nau foi de propósito encalhada na praia da terra mágica. Tudo o que era dos homens e mulheres desceu de seus ossos, que ficaram a amarelar ao sol, também conforme o prometido, símbolo de começo e fim para os que neles navegaram.

Nas praias e ao longo dos rios de Ó-Brasih viveram os homens e mulheres, e tiveram filhos, e saudades tiveram da aldeia deixada para trás. Arivaru tomou Pitará por sua, e Pitará o tomou por dela, e os dois fizeram muitos curumins, a quem contaram sua aventura pelo Mar-sem-Fim, por vezes infinitas.

Um dia porém Arivaru cansou-se da fácil vida que o mar e os rios proviam. Foi tomado de curiosidade pelo que havia no coração da floresta que a todos cercava. Aventura, ele queria, pois já também se cansara de viver apenas as aventuras do passado.

Então Arivaru e Pitará beberam os dois o leite oculto, esperando assim antecipar o que haveria em seu caminho. De mãos dadas penetraram os dois na floresta e diante de sua visão tornada mágica pela bebida desfilavam todos os detalhes mágicos testemunhados pelas árvores de muitos mil anos, das pedras de muitos milhões de anos, das criaturas que por ali viviam e para a floresta traziam a sua contribuição de nova magia.

E por isso apenas — por estarem tão somente atentos à visão das muitas eras e das muitas mágicas — não viram a fera-jaguar, que, escura como a noite, sorrateira como um deus, fez dos dois enfim alimento.
*
Comeu muito, o jaguar, e por muitos dias. Devorou a carne, mastigou os ossos e lambeu as vísceras ainda empapadas do leite mágico, que também a ele trouxe visões mágicas. O jaguar contudo nada viu de outras terras e das rotas que a elas levavam. Nada viu de tempos passados ou futuros. Viu apenas do interior do homem e da mulher que havia comido. Viu mais — do interior dos homens e das mulheres que eles dois haviam antes conhecido e amado, pois o amor é como os veios de metal que, sob a terra, mantém-na unida. Viu das coisas que os homens e mulheres de Pindorama tocaram e construíram com amor nas mãos, e delas todas tornou-se amante.

Desses restos que eram maiores do que o todo, o grande jaguar negro soube dos homens e mulheres e crianças a sua linguagem e os seus pensamentos. Devagar, ele caminhou até as margens de Ó-Brasih, ele mesmo noite em busca das margens do alvorecer, e ali falou a todos os que haviam chegado nos ossos da baleia, guiados pelos dentes da baleia, e aos seus filhos.

E a eles ofereceu o coração misterioso de Ó-Brasih.

Eles viveriam e prósperos seriam, sem limites, sem fronteiras. Juntos, o jaguar e o seu povo viveriam todas as aventuras desejadas, ocupariam toda a terra mágica sob o duplo luar, e por todo o tempo vindouro, enquanto os ossos amarelavam nas areias do seu destino.

Fonte:
http://rscauso.tripod.com/id14.html

Gian Danton (As fronteiras da ficção científica)


O livro Os melhores contos brasileiros de ficção científica foi uma das publicações do gênero mais comentadas do ano de 2008. Uma das questões polêmicas foi a inclusão do conto "O imortal", de Machado de Assis, na coletânea. Segundo alguns críticos, o texto estava deslocado, já que não se tratava de FC. A polêmica levou o organizador, Roberto de Souza Causo, a produzir mais uma publicação, focada exatamente em textos que testam as fronteiras do gênero.

A discussão sobre o "O imortal", inclusive, ocupa a maior parte da introdução. "A ousadia não pretendia, porém, afirmar Machado como autor de FC propriamente dita, mas como um escritor que, à parte suas tendências principais, teve contato com ideias, estilos e temas que iam além". Causo contesta também os que argumentaram que o texto de Machado era fantasia, e não FC, denunciando uma espécie de elitismo: "Se 'O Imortal' é um conto fantástico, mantém-se a aura literária de prestígio; porém, se é um conto de ficção científica, supostamente há um enfraquecimento dessa aura".

A discussão sobre a relevância literária da FC parece ultrapassada em vista dos grandes escritores que já se dedicaram ao tema, de Edgar Allan Poe a Ray Bradbury, passando por Monteiro Lobato e Isaac Asimov. Mas a discussão sobre as fronteiras do gênero é rica e pertinente. Causo argumenta que "a ficção científica é ampla o bastante para incorporar características de outros gêneros, sem necessariamente deixar de ser FC".

Os melhores contos brasileiros de ficção científica ― Fronteiras (Devir, 2010, 192 págs.) foi organizado justamente para provar essa tese. São 14 textos tanto de autores tradicionalmente ligados à FC, como Bráulio Tavares, quanto de outros inesperados, como Lima Barreto.

Aliás, Lima Barreto abre o volume, com "A nova Califórnia". No conto, um químico de renome internacional se estabelece na pequena cidade de Tubiacanga e se esmera em conseguir alcançar o objetivo da alquimia: a produção de ouro. Sua pesquisa irá colocar a cidade em polvorosa. Trata-se de uma fábula sobre a ganância humana. Embora não seja uma FC clássica, o conto traz um dos temas prediletos desse gênero: o estudo do impacto da ciência sobre o comportamento das pessoas. Ademais, a prosa deliciosa de Barreto já vale a leitura.

Outra alegoria que se destaca no livro é "A vingança de Mendelejeff", de Berilo Neves, o primeiro escritor brasileiro a se dedicar sistematicamente à FC, com ênfase na sátira social. O conto dialoga com os pulp fiction ao mostrar o vilão como um cientista ensandecido que inventa uma máquina capaz de tirar o oxigênio do ar. Embora tenha um ar "pulp", a história vai além ao fazer referência à corrente determinística segundo a qual somos vítimas de nossos impulsos.

Outro pioneiro da ficção de gênero brasileira que se destaca é Afonso Schmidt, autor de "Delírio". Muito popular em sua época, Schimidt flertava com o espiritismo e a teosofia, uma relação que se reflete no conto escolhido para a coletânea. Em "Delírio", três homens estão morrendo em um hospital. A história, que começa no plano físico, termina no plano espiritual. A prosa poética vai muito além do comum em histórias em ficção científica e parece uma antecipação do estilo Bradbury. Sem dúvida um dos grandes momentos do livro.

Outro clássico da FC nacional, André Carneiro, comparece na coletânea com o conto "O homem que hipnotizava". Por suas características, a ficção científica é perfeita para textos que queiram trabalhar os limites da realidade. Várias obras tratam do assunto, entre elas os filmes da série Matrix. O conto de Carneiro segue essa linha e não decepciona. No final, o leitor se pergunta que realidade é mais concreta: a dos objetos físicos ou a mental, uma questão que já é levantada por cientistas como o chileno Humberto Maturana.

Entre os clássicos, o de maior destaque sem dúvida é Jerônymo Monteiro. Pioneiro da FC no Brasil, Monteiro passou pela radionovela e pela ficção policial. Quando, na década de 1990, a revista Isaac Asimov Magazine resolveu criar um concurso de contos de ficção científica, o nome óbvio para o prêmio foi o de Jerônymo. Só pelas credenciais, esse autor já merecia presença obrigatória no volume, mas o conto "Um braço na quarta dimensão", publicado originalmente no único de livro de contos do autor, Tangentes da realidade, de 1969, é leitura deliciosa e intrigante. Escrito de forma coloquial e sem artificialismos, parece que estamos ouvindo o narrador contar um caso real de um homem dotado de um poder que acaba se revelando uma maldição.

Fugindo do estilo mais característico da FC, Marien Calixte fez um conto poético em "O visitante", que mistura discos voadores com erotismo num resultado interessante. Roberto Causo, na apresentação do autor, aponta que "ele tem uma das prosas mais elegantes dentro os nossos escritores de ficção científica", o que é ratificado por "O visitante".

Jorge Luiz Calife e Bráulio Tavares, dois dos mais badalados autores de FC do Brasil, colaboram com os melhores contos do livro. Em "Uma semana na vida de Fernando Alonso Filho", Calife mostra as atribulações de um brasileiro em Vênus enquanto o planeta é transformado em uma nova Terra, para recebimento de colonos. Adepto da FC hard, o autor usa o conhecimento científico atual para compor o cenário de sua história. O plano de terraformização, inclusive é chamado de Projeto de Sagan, em homenagem ao famoso astrônomo e divulgador científico Carl Sagan. Mas o texto vai além da questão puramente científica, adentrando no impacto psicológico que condições extremas provocam no protagonista.

Braulio Tavares, autor, entre outros livros importantes, do volume Ficção Científica da coleção Primeiros Passos, mostra uma realidade em que o ser humano alcançou o espaço, mas apenas para entrar em uma guerra perpétua com outra raça. O texto "Mestre-de-armas" lembra "O Jogo do exterminador", de Orson Scott Card, na visão crua da guerra.

No geral, os contos da coletânea foram muito bem escolhidos e dão uma visão abrangente da FC nacional em suas várias fronteiras. Um livro que interessa aos fãs e não fãs.

Fonte:
Digestivo Cultural

Carlos Leite Ribeiro (O Avô Guido - Parte 3) Novela em 4 partes


Poucos segundos depois, dava entrada na sala de jantar, uma nova personagem…

- Clara: - Boas noites a todos! Fizeram muito bem em sentarem-se à mesa sem esperar por mim. A culpa do meu atraso foi, a maldita modista. Olá "maridinho", meu querido Nandinho!...Olá "filhinho " querido, luz dos meus olhos! Olá Avôzinho, um beijo muito grande; Vá lá, outro beijinho querido avozinho! Quantos desejos tinha em conhecê-lo, mas finalmente hoje, é o grande momento! O Fernando estava sempre a falar-me de si. Até começava a sentir ciúmes do Avôzinho…
- Avô Guido: - Mas quem é esta menina, Fernando?
- Fernando : - É...é...é... anda querida, apresenta-a tu…
- Margarida: - Eu?!...eeeuuuu?!...
- Augusto: - Ponho outro talher para a "irmã da senhora"?...
- Fernando: - Sim, sim...pois claro... Avô, apresento-te a minha cunhadinha. Vive aqui conosco…
- Margarida: - É minha irmã, a minha irmã Clara! Ela desejava muito conhecer o avô....senta-te, querida, pois, estás muito cansadinha. Trabalhas demasiado...
- Clara: - Não estou a perceber nada disto… O criado só sabe falar por meio de sinais, será que seja mudo?
- Augusto - A menina Clara, por acaso não quer tirar o casaco?...
- Avô Guido: - Tua cunhada, Fernando?! Então ela não tinha morrido de uma pneumonia?....
- Clara: - Não diga isso! Lagarto, lagarto, lagarto! Morrido, eu..., belisquem-me por favor, para ter a certeza de estar vivinha!
- Avô Guido: - Mas lembro-me que tu escreveste a dizer-me que ela tinha morrido, há cerca de três anos. Até me lembro que te enviei, mil e quinhentos euros para pagares o hospital e despesas com o enterro. A carta em que nos descrevias os seus últimos angustiosos momentos fez-nos chorar a mim e ao Augusto. Não é assim, Augusto?
- Augusto: - É verdade, senhor Guido. Mas tratava-se da morte da irmã mais nova da senhora. Esta é a irmã mais "velha"…
- Margarida: - Sim, é isso tudo, a Clarita é a mais velha de todas. Foi a nossa mãezinha, conseguiu livrar-nos da miséria, com o seu trabalho, quando ficámos órfãs. É uma mulher exemplar...
- Fernando: - Um autêntico anjo de bondade…
- Avô Guido: - Tudo isso a honra muito. E em que trabalhas, minha filha?...
- Clara: - Eu?! Eu... sou Corista e Bailarina…
- Avô Guido: - Corista?... Em que coro, minha filha?
- Margarida: - Sabe avô, a Clara tem boa voz (e também dança muito bem), é vocalista do...do...do Coro Universal para Ajudar Pessoas Carenciadas. É isso…
- Avô Guido: - Então, esse meritório trabalho dá-lhe muitas horas de ocupação?
- Clara: - Nem imagina! Todo o dia a cantar e a dançar. Então, hoje, foi demais. Por isso é que cheguei tão atrasada!
- Fernando: - Pobrezinha! Essas danças cansam-te tanto...
- Clara: - Lá isso é verdade...maldito número desta revista…
- Sandro: - Mamã, mamã, espero que "esta"não coma agora os pudins todos!
- Margarida: - Não querido “filho”, bem sabes que a tia Clara, não gosta nem pode comer doces...
- Avô Guido: - Pois estou muito impressionada consigo, Clara. Mas diga-me, em que consiste esse grupo "Universal para Ajudar Pessoas Carenciadas"?
- Clara: - Ah...dão festas...cantam...dançam...
- Fernando: - Em benefício, principalmente, das crianças pobres...
- Avô Guido: - Sinto muito que a minha surdez não me permita apreciar o seu timbre de voz, mas gostava de a ver dançar...
- Clara: - Se tem muito empenho disso, dançarei.
- Sandro : - Dance...dance...Farça a vontade ao « meu » avô !
- Fernando: - Basta, querida, não te canses mais. O avô já apreciou tua arte.
- Sandro: – Continue, continue, "tiazinha", que essa dança é muito gira!
- Margarida: - Não, não. A tia Clara está fatigadíssima e, além disso, é muito tarde para o avô. Não é verdade, Augusto?...
- Augusto: - Tem razão, o senhor já devia de estar a descansar. Precisamos de voltar para o hotel, senhor Gildo...
- Avô Guido: - Estás sempre a enfastiar-me, maçador... Parece que sou um menino irrequieto. Estava agora a divertir-me bastante... em outro dia dançará mais para mim, filhinha. Hás-de ir a Trás-os-Montes, quando os meus pequenos forem. Tive muito prazer em conhecer-te. Continua a trabalhar. Consentes que te entregue um donativozinho para esse Grupo, a que pertences?
- Clara: - Aceito e com muito prazer!
- Avô Guido: - Augusto, dá duzentos euros a esta menina. O Augusto é quem traz sempre a minha carteira, pois, estou muito velho, e perco tudo…
- Augusto: - Tome lá, menina Clara...
- Clara: - Mas estão aqui só cento e cinquenta “amigo”, e o avô disse para me dar duzentos. Caridade é caridade...
- Augusto: - Tem razão, desculpe e tome lá o resto.
- Avô Guido: - Não me vem acompanhar, Márcia?
- Margarida: - Eu?! Sim, sim vou. Preciso certificar-me de que o senhor vai para a sua caminha. Não lhe permito que vá para a pândega, para a farra!
- Avô Guido: - És muito querida, filhinha!
- Fernando: - Fica tu com o Sandro, Clarinha. Voltaremos rapidamente... onde se meteu o avô?
- Margarida: - Ele já vem, espere um pouco.
- Fernando: - Sinto que se incomode, acompanhando-nos. Ou prefere que a desculpe junto ao avô, dizendo que tem de deitar o Sandrito?
- Margarida: - Não, obrigado mas irei com ele até ao hotel. Pobre velhote! Cumprirei até ao fim a minha missão.
- Fernando: - Você é a pessoa mais encantadora que...
- Margarida: - Basta, por favor. Deixe os cumprimentos para quando tiver findado a comédia que, por sorte, só tem um acto. Caso contrário, o desastre seria inevitável. As minhas aptidões dramáticas, não chegariam para mais!

- Fernando: - Neste caso, todo o êxito se deve à primeira actriz...

O ar fresco da noite, aliviou-lhe os nervos, postos rudemente à prova. Suspiraram ambos depois de terem deixado o avô, instalado nos seus aposentos, entregues aos cuidados do Augusto.

- Margarida: - Até que enfim que acabou esta comédia (suspirou profundamente)

As despedidas tinham-se realizado sem contratempo algum, e o ancião contava com a promessa de que iriam visitá-lo nas próximas férias. Até lá. Josué, teria tempo de inventar um pretexto qualquer, isto, no caso da abalada saúde do velho, se manter incólume. Mas, Josué tinha poucas ilusões, pois, a vida do avô Guido, parecia uma chama prestes a apagar-se.

- Fernando: - Margarida, está contente por tudo ter findado?
- Margarida: - Estou. E felizmente com êxito. Mas, quer crer que me comoveu a despedida do avozinho?
- Fernando: - Acredito que sim. Nunca mais voltarei a pôr em dúvida a bondade do seu coraçãozinho. Você é a mais adorável criatura que... Bom, não sei que dizer-lhe... estou completamente desconcertado, além de comovido.
- Margarida: - Porquê?
- Fernando: - Como poderei agradecer-lhe quanto fez por mim?
- Margarida: - Não seja presunçoso...
- Fernando: - Porquê presunçoso?...
- Margarida: - O que eu fiz, foi por causa do avô. Os velhinhos enternecem-me... adoro-os...
- Fernando: - Felizes os que têm a barba branca...mas enfim, seja como for, muito obrigado. Você tirou-me de uma grande dificuldade e, quisera que houvesse algum meio humano de lhe manifestar a minha gratidão. Mas não... não cometerei a tolice de lhe enviar um ramo de flores ou uma caixa de bombons. A única coisa que posso lhe oferecer, é a minha incondicional amizade...
- Margarida: - Bom, aprecio-o pelo que vale. Mas não se mortifique mais. Deixemos de lado as difíceis manifestações de agradecimentos. E agora, adeus e passe muito bem.
- Fernando: - Como?! Não a quer que a leve a casa de carro a casa?
- Margarida: - Não é necessário. Fica perto e, um passeio a pé, aliviar-me á a cabeça ...
-Fernando: - Você é que sabe…
- Margarida: - Por outro lado, o Josué tem os minutos contados, pois, ainda terá que ir a casa vestir o trajo de cerimónia, antes de começar o concerto…
- Fernando: - Você revoluciona todas as minhas anteriores opiniões a respeito das mulheres. Jamais, conheci outra que fosse tão razoável. Mas, de qualquer modo, não julgue que a deixarei ir sozinha. Vá...suba para o meu carro...
- Margarida: - Você, ignora que eu sou a teimosia personalizada. Não perca mais tempo...Adeus, diremos que, foi o fim da Comédia!
- Fernando: - Será capaz de afastar-se sem ao menos me dizer o seu verdadeiro nome?
- Margarida: - Para quê?... Agrada-me isto de desaparecer da sua vida, tal como nela me introduzi: repentinamente!
- Fernando: - Mas é que, não posso permitir…
- Margarida: - O que não é que pode permitir?...
- Fernando: - Disse há pouco que aceitava a minha amizade, e, agora, pretende deixar-me sem a esperança de tornar a vê-la. Não seja assim...
- Margarida: - É melhor assim. Pela terceira vez, adeus, senhor Josué Teixeira. Desejo-lhe um grande êxito esta noite.
- Fernando: - Escute, porque não vem ao meu concerto? …estou certo de que me traria sorte.
- Margarida: - Agradeço-lhe, mas não é possível. Lembre-se de que cheguei de Lisboa ainda há poucas horas. Devo de ir dormir, pois, amanhã espera-me um dia de grandes comoções...
-Fernando: - Que espécie de comoções?
- Margarida: - É assunto privado…
-Fernando: - Perdão, já sei que não tenho o direito de dirigir-lhe perguntas. Bem...apesar de tudo, não lhe digo adeus, mas sim até à vista. Encontrar-nos-emos muito em breve, asseguro-lhe…
- Margarida: - Quem sabe?... A vida é uma surpresa contínua...
- Fernando: - Boas noites, desconhecida "esposa". Que Deus a abençoe pelo bem que me fez...
- Margarida: - Boas noites “esposo". Que as Musas o coroem de louros!...

Ao afastar-se, Margarida começou a trautear, em voz baixa, uma canção e tratou de apagar do pensamento a imagem de Josué Teixeira, como quem passa uma esponja pelo quadro preto de uma sala de aula. Contudo, ao entrar de novo na confortável casa de Isabel, a imagem voltou a sair-lhe ao caminho. Mais precisa e insistente do que nunca...

- Clara: - Já de volta?! Não a ouvi entrar...
- Margarida: - Ah, é você... Não toquei a campainha, porque a Isabel emprestou-me uma chave. Já deixámos o avô no hotel...
- Clara: - E o Josué Teixeira?
- Margarida: - Seguiu a toda a pressa para o seu concerto...
- Clara: - É verdade, já nem me lembrava. Bom, você quer explicar-me o que aconteceu.?!... Suponho que, por ter chegado um pouco tarde, não vai reclamar os quinhentos euros?...
- Margarida: - Os quinhentos euros?...oh, não. Não de preocupe, pois, procedi desinteressadamente...
- Clara: - Agradeço-lhe muito que não peça o dinheiro. Não pode imaginar quanto preciso dele. Trabalho numa companhia de Teatro. Calcule a minha aflição, ao ver que se fazia tarde...
- Margarida: - A sua “entrada”, é que ia estragando tudo!
- Clara: - Compreendo que a minha "entrada"foi bastante inoportuna. Desculpe...
- Margarida: - Não tenha nada a desculpar...
- Clara: - Por sorte, o velho deu-me mais duzentos euros!
- Margarida: - O avô gostou de si.
- Clara: - Esse pobre avô é uma calamidade! sentia pena ao enganá-lo. Porque fará Josué Teixeira, isso ao velhote, será por causa da herança?
- Margarida: - Por causa da herança?... Não! Bem, lamento deixá-la sozinha, mas vou deitar-me, pois, tenho de me levantar cedo.
- Clara: - Ouça, ouça, não se vá ainda...que vamos fazer com o "demônio”?
- Margarida: - Com o "Demônio"?
- Clara: - Sim, esse endemoninhado rapaz...
- Margarida: - O Paulo (ou o Sandro)?... É verdade. Tinha-me esquecido dele. Onde é que ele está?
- Clara: - Na cozinha. Estragou o aparelho da televisão, e, agora procura fazer o mesmo ao frigorífico. Não consigo que ele me obedeça…
- Margarida: - Vamos ver o que o "demônio", como você diz, está a fazer?...
- Sandro: - Já chegou?... Que há?... Não olhe assim para mim que me põe nervoso…
- Margarida: - Nada...larga já esses bolos, e, Também não me olhes com essa cara!
- Sandro: - Que tem a minha cara, que é tão lindinha? Além disso não tenho outra.
- Margarida: - O que é uma pena…
- Sandro: - Que rica "mamã", que você me saiu!
- Margarida: - Manchaste-me a bata. Está cheia de nódoas. És um verdadeiro"demónio"!
- Sandro: - Melhor para mim, eu até me considero um “demônio”!
- Margarida: - Parece-me que vou dar-te uma bofetada…
- Sandro: - Se me bater, mordo-te toda...Toda… Toda… Todinha!
- Margarida: - Você, Clara, devia levá-lo a casa. É filho da empregada do Josué…
- Clara: - E aonde mora o Josué Teixeira?
- Margarida: - Não sei!
- Clara: - Também não sei. Onde moras tu, Paulo?
- Sandro: - Não te digo. Não vou sair daqui sem ordem do senhor Josué…
- Margarida: - O senhor Josué, não virá esta noite…
- Sandro: - Nesse caso, ficarei aqui até ele aparecer. Ainda há muitos doces!
- Margarida: - Desinteresso-me deste assunto. Você é que ganhou o dinheiro, portanto, tome conta deste "anjinho". Boas noites.
- Clara: - Está bem, deixe-o comigo. Esta noite não tenho espetáculo. Se este "demônio"se tornar demasiadamente intratável, meto-o no frigorífico, ou mesmo na arca frigorífica!
- Margarida: - E guarde-me o que restar da minha bata!

Ao entrar no quarto que a sua amiga lhe tinha emprestado, Margarida, lembrou-se que se encontrava na cidade de Leiria, não em viagem de recreio, mas sim com uma missão da agência de que era funcionária.

A sua missão era acompanhar um casal de americanos, que desejavam passar férias na Rota do Sol. Ligou então para o Hotel do Parque, e de lá lhe disseram que o avião em que viajava o casal americano, ainda não tinha aterrado em Monte Real.

Ainda tinha umas horas de descanso, que as ia aproveitar…

Foi quando a campainha do telefone tocou, e, do outro lado do fio, apareceu-lhe a voz aflita do Augusto, o criado do avô Guido...
- Augusto: - Ah, é a menina, ainda bem. O menino Josué, por acaso por está aí?
- Margarida: - Não, não está, Augusto. O senhor Josué Teixeira, ainda deve de estar no Conserto. Mas o que se passa, Augusto?... Passa-se alguma coisa com o avô Guido?
- Augusto: - Pois é, o senhor Guido quer regressar a esta hora, a casa em Trás-os-Montes. Já tentei telefonar para o teatro, onde está a actuar o menino Josué, mas ninguém atende o telefone...Se a menina pudesse vir cá ter connosco…
- Margarida: - Mas o avô, a mim, não deve atender. Sabe...
- Augusto: - Por aquilo que conheço do senhor Guido, estou convencido que a ia atender muito bem, pois, pois ele gostou muito, mas muito da menina.
- Margarida: - Então, vou tentar ir para aí...o mais rápido possível...
- Augusto: - Muito obrigado...!!!... Sabia que podia contar consigo...

Voltou a vestir-se, lançando um triste olhar para a cama...

Guardou, precipitadamente as suas coisas, e, fechou a mala de viagem. Na cozinha encontrou o Sandro (o terrível Paulo) a dormir de bruços sobre a mesa, enquanto a Clara saboreava, entusiasmada, o resto dos bolos. Esbugalhou os grandes olhos pintados, e...

- Clara: - Vai-se já embora?!
- Margarida: - Não tenho outro remédio. Acabam de avisar-me pelo telefone, que o avô Guido não está a passar muito bem…
- Clara: - Mas...mas vai deixar-me aqui sozinha com esta "fera"?
- Margarida: - Mas que posso eu fazer? Procure não o contrariar. Se ele voltar a portar-se mal, telefone para o senhor Josué Teixeira, para o teatro. Ele dar-lhe-á instruções. Eu vou a São Pedro de Moel, ter com o avô Guido. Boa Noite!

Sem esperar pelo ascensorista, desceu a dois a dois os degraus da escada. Viu-se outra vez junto do portão, e, daí chamou um táxi.

- Margarida: - Hotel São Pedro de Moel…
- Margarida: - Como?... Mas o avô não está doente?
- Avô Guido: - Olá, minha querida filha, que faz você aqui a estas horas?... Augusto, estão a tocar novamente à campainha, vai abrir…
- Augusto: - É o menino Fernando!
- Fernando: - O avô, Augusto?... Que se passa, Augusto?!...
- Avô Guido: - Tu também vieste, meu filho?!
- Fernando: - Naturalmente que vim logo que pude, logo que terminei o Conserto. O Augusto telefonou-me, a dizer que…
- Margarida: - A mim também me telefonou a dizer que o avô estava doente…
- Avô Guido: - Com que então, doente?! Isto é tudo obra deste desmiolado Augusto, que está sempre com as suas manias... Eu, doente?... Lá por eu ter adormecido numa cadeira, já imaginava que tinha perdido os sentidos. Não velho impertinente, ainda não te darei o prazer de morrer, pois, tu hás-de morrer primeiro. És capaz de alarmar toda a gente, sem o menor motivo. Mas, eu não estou doente…
- Augusto: - Acalme-se, senhor Guido, não se excite.
- Avô Guido: - Estou nervoso, porque não posso dormir nesta maldita cama de hotel. Dei mil voltas e, tive que me levantar, cheio de dores nos rins. Porque motivo hei-de ser obrigado a passar a noite em claro, em vez de ir para casa, dormir na minha cama?!
- Fernando: - Mas é só esta noite, avô. Amanhã já vai para sua casa.
- Avô Guido: - Há mais de quinze anos seguidos, que durmo na mesma cama, e, não posso descansar noutra. Vou, vou agora mesmo para a minha casa, e está tudo dito!
- Fernando: - Mas, avô, não podemos permitir que vás por essas estradas fora, a estas horas da noite!
- Avô Guido: - Permitir-me?! Julgas que vou te pedir autorização para voltar para minha casa?... Já sou de maioridade e, posso dispor de mim, como melhor me parecer!
- Margarida: - Mas isso seria um verdadeiro disparate. Daqui até a Trás-os-Montes, são mais de três horas de caminho...
- Avô Guido: - E isso que tem?... Se ficar aqui, não passarei apenas um par de horas mal, mas muitas mais. Augusto, vai buscar o automóvel a fim de partirmos.
- Fernando: - Se persistes em te ires nessa louca aventura, acompanhar-te-ei. Não ficarei tranquilo de outra maneira.
- Avô Guido: - Não é preciso que te incomodes, meu filho. As estradas estão boas e, o Augusto conduz muito bem. É das poucas coisas que ele sabe fazer (mais ou menos) bem…
- Fernando: - É inútil teimares, avô. Irei contigo.
- Avô Guido: - Muito bem, faz como quiseres. E tu vens também, Márcia?
- Margarida: - Não…Não me é possível acompanhar o avô...Sabe, tenho que ficar com o Sandrito…
- Fernando: - Levá-la-ei a casa em cinco minutos e, voltarei para te acompanhar, avô. Espera-me, está bem?...
- Avô Guido: - está bem, está bem... tu já viste o que fizeste, Augusto? Hás-de ser sempre um mexeriqueiro. Que necessidade tinhas tu de incomodá-los a estas horas?!... Adeus, Márcia, gostei muito de ti; hás-de ir visitar-me, o mais breve possível, sim? Muito em breve, não te esqueças!
- Margarida: - Assim que for possível, irei logo ter com o avô. Não me esquecerei, não.
- Avô Guido: - Não te demores, Fernando... Estou ansioso de me ver na minha cama, com os meus três colchões e almofadas de penas. Vão indo, vão indo...o Augusto acompanhar-vos-á à porta...vão indo...
- Margarida: - Que estranho o avô querer ir a estas hora da noite para Trás-os-Montes!
- Fernando: - Caprichos de velho. Acompanhá-la-ei até à casa da Georgina... Mas, olhe quem está aqui?!... Que fazes tu aqui Paulo (Sandro) à porta do hotel, não me dizes?...
- Margarida: - Como é que viste para São Pedro de Moel?
- Sandro: - Olá,"mamã"!...Olá,"papá"! Estou aqui!... Esperava-os ansiosamente.
- Fernando: - E quem te autorizou a vires aqui!
- Sandro. - A “querida tia Teresa” trouxe-me de táxi e, depois foi-se embora…
- Fernando: - Foi-se embora?! Isso não, não é possível!
- Margarida: - E olha lá Sandro, o que é que tu lhe fizeste, para ela se zangar tanto contigo?
- Sandro: - Ela excedeu-se, e eu tive que me defender!
- Margarida: - Vamos, Paulo (Sandro), conta toda a verdade: que lhe fizeste?
- Sandro: - Não lhe fiz nada de especial. Foi ela que me bateu...e eu...então mordi-lhe num braço…
- Fernando: - E o que lhe fizeste para ela te bater?
- Sandro: - Nada... Ela é uma estúpida…
- Fernando: - Que maneira é essa de falares da tua "tia"? Parece-te bem o que fizeste ao mordê-la?
- Margarida: - Com que então "mordeste"à tia Clara e, ela foi-se embora. Bonito rapaz.
- Sandro: - Pois mordi! Ela ficou tão furiosa que, até disse que nem por outros quinhentos euros, me aturaria nem mais um minuto sequer.
- Fernando: - E porque não foste para tua casa? A tua mãe está à tua espera.
- Sandro: - Porque me dói muito a barriga. Os doces fizeram-me muito mal.
- Margarida: - Eu bem te avisei…
- Sandro: - E a "tia"Clara, ia fazer queixa à minha mãe…
- Margarida: - O que seria muito bem feito!
- Sandro: - Além disso, o "papá" ainda não deu cá ao "filhinho",o dinheiro que prometeu. Não se esqueceu, pois não?...
- Margarida: - Pobre pequeno, na verdade, e bem no fundo, até é engraçado...
- Fernando: - Sim, é muito divertido, mas este diabo está sempre a arranjar-me sarilhos.
- Sandro: - Que vamos fazer agora? Para onde vamos?...

(continua...)

Fonte:
Colaboração do autor.