domingo, 2 de maio de 2010

Pedro Du Bois (Antologia Poética)


TODOS

Senhora de todas as horas,
refrão e canto; silêncio e hora
decorrida; na apresentação
mesquinha se diga revelada.

Em todos os balcões de bares,
senhora, em todos os caixas
de supermercados e nas filas
de ônibus, induza o espírito
ao retorno: como alimentar
corpos naturalmente expostos?

Senhora de todos os gostos, na hora
que é nossa em pertencer ao estado,
observe à sua volta e se revolte.

PODERES

Subverto o poder, condicionado ao mito,
retiro da força o apego ao gênio
literário; esmoreço o começo e me arrojo
ao mundo abaixo das vistas, entrevejo
a glória incensada das orquídeas, símbolos
e dogmas repisados ao orgulho determinado
do poder – agora subvertido – ocultado.

Reafirmo a crença no vazio
da pedra concreta da inação
do tempo: a temporalidade
do minério escavado ao corpo

despreparado, escuto gritos reais
de descobertas: o encoberto jogo
do poder sacralizado ao todo.

MÁCULA

Desprovido de mácula mancho o passo
com sangue: acetinado preço
do inocente declarado; o pecado
urdido em mortes se rebela
contra o antagonismo da verdade;
o sangue jorra minha vida esvaída
ao sentido de me dizer libertado;
maculo histórias em interpretações
despropositadas, reinvento atos
de coragem em paródias
prosódias

sarcasmo
desprovido em mácula.

O sangue cessa o alvor
do corpo despropositado.

FABULAR

No final resta a história mal contada
e a moral recusada:
amadureço as uvas
as colho
e as uso como instrumento
cortante da verdade

(recolho a raposa à cela
irrecuperável da palavra:
a fera cala
e ordena
em silêncio
a continuação
do ato)

avisto formigas carregando folhas
em pedaços. Piso a desnecessidade
do inverno.

DUPLICAR

Na duplicação defino a imagem
reapresentada: o corpo carcaça invólucro
depositado aos pés da terra:
segue na permanência
da lembrança
até que a luz
seja apagada.

Sou jovem
e velho: adulto
e criança: ator
e personagem.

Imagem centuplicada do corpo
na perda da identidade.

DIZER

Se disserem para se diferenciar
ao tocar as flores, recomende
ao aviso,
cautela:

flores se fazem
descompromissadas
e ao toque
despetalam
vidas inacabadas

o talo permanece
com os pés dentro d’água.

CLASSIFICAR

Avento farinhas de mesmos sacos,
desfaço o bolo ainda quente, minhas mãos
crispam a forma na fornalha
da ignorância: não aprendo a lição
da humanidade no esforço de me lançar
ao centro da controvérsia; sou o resumo
do jornal de domingo em cadernos
imensuráveis; talvez me anuncie
em econômicos classificados: terça-feira
estou ofertado ao nada. Compareçam.

PAIXÃO

Apaixonei-me pela luz e a persegui
em beira mares, tive com a areia
atritos indesejáveis: a luz
e os pés molhados; perdi
a batalha, meu refúgio é o escuro
vão da escada, onde guardo
tralhas desconsideradas: rabisco
a poeira com palavras versejadas:
poderia anotar os dias.

FLOR

A flor
colhida
no frescor
da manhã

amanhece
em vaso d’água
afogada
sem razão
e dor

a flor oferecida
fenece
em desencontro.

RESTRIÇÕES

Restrito: peça invadida
em móveis: cadeiras
dispostas
em volta
da mesa
posta: a disposição
da fome, o engulho
da comida requentada
no esbulho; cortinas
encerradas na artificialidade
das luzes decompõem
a imagem; o armário
alto de copos e pratos;

o vidro quebrado no canto
inferior direito: a restrição.

AMOR

Ao amor, como ao pássaro, ao caminhar
junto às águas, ao prender os cabelos
da mulher com gestos de amizade,
cabe sensações de arrebatamento

estar em algum lugar e encontrar
o sentido de estar presente: não a necessidade
que se utiliza de artimanhas
para nos manter vivos, não a lealdade
que nos conduz à unicidade dos caminhos

não a felicidade que é predisposta
ao encurvamento: o arrebatamento
de não haver sentido quando a vida
se resume em estarmos juntos.

Fonte:
Colaboração do Autor

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