segunda-feira, 17 de maio de 2010

Raimundo Carrero (Escritor só existe quando publica?)



Não adianta: é o olhar do público que faz uma obra existir

Gaveta de escritor vive entulhada. Isto é, gaveta no sentido tradicional, porque há hoje um arquivo no computador que revela as inquietações, indecisões e acertos de quem ainda espera escrever – ou já escreveu, quem sabe? - uma obra-prima louvada, aclamada, respeitada. Há exemplos históricos de grandes autores que permaneceram anônimos em vida e foram celebrados depois de mortos. É o caso de Kafka. Em vida, publicou apenas um livro – A metamorfose – e pediu ao amigo Max Broad que queimasse os romances, novelas e contos que havia guardado. É claro que ele não atendeu.

Outros escrevem diários que, na verdade, são anotações de leituras, críticas de filme, conversas e, por que não?, insultos. Muitos vêm a público, no caso de Leite Filho, por exemplo, e outros ficam nas gavetas até que sejam transformados em diários. Não foi assim com Pedro Nava. Ele redigiu cadernos inteiros e só depois de 60 anos é que começou a transformá-los em romances. Ou memórias. Aplaudidas e consagradas. E existem aqueles que no fim da vida rasgam tudo, jogam fora ou tocam fogo. Poderia, então, ser chamado de autor aquele que escreve no silêncio da madrugada e depois esconde, alimentando a solidão? Só é autor aquele que publica? A resposta para todos esses casos é positiva: todos são autores, escritores, escrevinhadores. O exercício da escrita independe de divulgação. Mesmo quando não há leitores ou se o leitor exclusivo está ali sempre por perto – a esposa, um filho, um amigo.

No tempo do mimeógrafo, ou até da xérox ,era bem difícil publicar. O ineditismo tornava-se sempre muito grande. O lendário Teatro Popular do Nordeste, de Hermilo Borba Filho, reunia, nos anos 1960, muitos e muitos poetas para espetáculos, recitais, apresentações, mas a maioria era formada de inéditos. Precisavam do teatro e do restaurante para a divulgação dos seus textos políticos, sobretudo. Os tímidos permaneciam silenciosos e, é claro, silenciados. Às vezes pelo medo da exposição, às vezes pela questão política. Muitos deles escreveram centenas de páginas, ardiam de desejo para mostrá-las. Ficavam bêbados, marcavam horário para declamações e sumiam. Sumiam sempre. Ainda hoje esperam por oportunidade.

De uns anos para cá, surgiu a figura do blogueiro – aquele que faz anotações e artigos, além de contos, digamos, breves novelas, que são lidas por milhares e nunca, jamais, chegam a se transformar num livro. Livro? O que é isso mesmo? Ainda que exista o livro de papel, capa , ilustrações, orelhas e tudo, outras formas tecnológicas estão surgindo: o e-book, por exemplo. Editado, o livro eletrônico abre uma dificuldade: para entrar na Academia Brasileira é preciso que o escritor tenha publicado, pelo menos, um livro. E agora? Livro eletrônico é livro mesmo ou apenas um produto técnico, sem possibilidade de julgamento?

Escritor sofre!

Fonte:
Pernambuco. Suplemento Cultural do Diário Oficial do Estado. n. 46

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