domingo, 16 de maio de 2010

Ademir Demarchi (Livro de Poesias)


NIETZSCHE POR UM ÁTIMO

nietzsche por um átimo
do alto da escarpa mirando as pedras
encobertas pela névoa
mais uma vez desgarrou-se do mundo
e sentiu-se pegureiro de nuvens
pastando no ar do abismo

tal como ele, o pastor lá embaixo
sentado na grama mas com o olhar
atravessado etéreo seus pequenos animais,
teve deles a visão de serem nuvens,
pequenas nuvens no pasto ôntico e ótico

ORIENTE PRÓXIMO

após a senha a sanha do prover vizir
e suas mônadas páginas nômades
o deserto eternamente móvel
eletroniza-se nos grãos/bits de areia
miragens informacionais
dunas moventes de dados gélidos
oásis-sites
cameloe-mails
cimitarras in time
incenses tolos
vestais virtuais
e sedutores portais

O HIPOGRIFO SOBRE O TÚMULO

o hipogrifo súbito agitou as asas
alçando vôo de sobre o túmulo
em direção ao céu desejando-o seu

abaixo de seu corpo, apontando pelas garras
uma imensa calma de lápide
vasta manta no horizonte visto e vasto

não aceita a sina de triste monumento
voando tenta libertar-se de seu jugo de ornamento

determinado em vão em vôo persiste
imagem que paira presa sobre outra ampliada
imantando todos os túmulos num único espanto

A RÃ DE BASHÔ

velha lagoa cristalizada
de bashô salta a rã
na paisagem estilhaçada

AMAZÔNIA
in memoriam

descansa em paz
no chão
e nos móveis da sala

MISSA

morto presente
vivos ausentes

POR ENTRE OS TÚMULOS

passeio
distraído
por entre os túmulos

às vezes noto perdido
alguém que carrega
o próprio corpo
por sobre os ossos
de todos os mortos

AFINAL, MAIS UM NEGÓCIO

o homem
é o único animal
que armazena seus mortos

e faz disso um negócio
======

Fontes:
Demarchi, Ademir. Passeios na floresta. Porto Alegre: Ébilis, 2008
Demarchi, Ademir. Os mortos na sala de jantar. Santos, SP: Realejo Livros & Edições, 2007

Nenhum comentário: