quarta-feira, 19 de maio de 2010

Antonio Brás Constante (Os Pastéis que Viraram Texto [leia enquanto estão quentes])


Muitas das histórias contadas nos recantos deste gigantesco orbe, salgado e molhado, conhecido como planeta Terra, entram em nosso mundo literário pelas vivências de seus habitantes, que as espalham através da cumplicidade entre a boca de uns e os ouvidos de outros. O texto a seguir é algo neste estilo.

Tudo começa com a viagem de um jovem (nem tão jovem) que poderia ser conhecido como: Evaldo da firma de advocacia, Olinto da clínica dentária, Ricardo da padaria, Jorge da borracharia, entre tantos outros nomes, mas que chamaremos nesta narrativa apenas de Osório.

Osório resolveu passar as férias com sua família (esposa e filha) em algum lugar ao norte do País tupiniquim onde eles viviam. Viajaram para um local recheado de praias paradisíacas que pareciam verdadeiros cartões postais e de onde eram vendidos cartões postais repletos de imagens de praias paradisíacas. Vale lembrar que nas viagens tipicamente de férias, tudo tende a ser uma festa. O relógio é esquecido e o tempo passa a fluir livremente, sem importunar ninguém. A rotina dá lugar à sede de se conhecer novos lugares, bares, pousadas, pontos turísticos e restaurantes.

Em uma destas investidas turísticas Osório e família encontram um pequeno restaurante em um dos lugarejos por onde passavam e passeavam. Era um ambiente bem descontraído e agradável, temperado com um aroma delicioso. Após uma rápida consulta ao cardápio, resolvem pedir uma porção de pastéis, sendo seis de queijo e seis de camarão.

Enquanto esperavam a refeição, os três iam matando o tempo curtindo os sons do lugar e a fragrância da culinária local que se espraiava por todo recinto, vinda das outras mesas e da cozinha. Eles pareciam jogar conversa fora, o que não era totalmente verdade, já que seus ouvidos faziam um certo tipo de reciclagem cerebral dos assuntos ali discutidos, ou seja, os diálogos com pitadas de humor eram armazenados na área mental das “vivencias felizes”, as ponderações sobre as belezas do lugar ficavam no compartimento das “boas lembranças”, e qualquer tipo de comentário sobre política era imediatamente descartado, indo parar diretamente na lata de lixo destinada ao esquecimento, para não estragar o passeio.

Mas bastou passar pouco mais de meia hora de tranqüila espera ociosa e o estômago de nossos personagens já começou a querer entrar na conversa, demonstrando um vazio incômodo, que insistia em ser preenchido. Osório resolve chamar o garçom e perguntar sobre seu pedido, o garçom pede um momento, dizendo que já iria verificar e sai, sumindo por entre as mesas.

Mais meia hora se passa até que o garçom retorne. Ele chega avisando que o pedido não foi ainda entregue porque os camarões estavam em falta, podendo ser feitos apenas pastéis de queijo. O estômago de Osório pareceu não ter gostado muito daquela informação, e fez questão de enfatizar isso com ruídos pouco amigáveis. Em um misto de fome, impaciência e raiva, devidamente reprimidas pela boa educação e pelo clima de férias. Ele pede ao garçom que traga pastéis de queijo. Osório fala em um tom ainda tolerante e tentando, dentro do possível, parecer cordial, mas seus dentes semi-serrados deixavam dúvidas se ele estava esboçando uma tentativa frustrada de sorriso, ou se acabara de ser acometido por uma insuportável dor abdominal, proveniente de um ataque de apendicite aguda e inesperada.

Outra meia hora escorre pelos ponteiros do relógio até o garçom reaparecer com um ar de dúvidas e incertezas em seu semblante, e o que é pior, sem nada de pastéis em sua bandeja. Ele olha para Osório que também olha para ele, um silêncio tenso se forma entre os dois, quebrado pela pergunta derradeira do garçom:

- Moço, desculpe perguntar, mas... Vocês vão querer seis ou doze pastéis de queijo?

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Colaboração do Autor

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