quinta-feira, 20 de maio de 2010

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 4



4. Da arte de dar nome

Está escrito: “Formou Deus da terra toda espécie de animais campestres e de aves do céu, e os conduziu ao homem para ver como ele os chamaria...” (Gên 2,19)

Vê-se, pois, que desde sempre teve o homem por função, entre outras tantas, dar nome a tudo o que diante dele exista. Faz isso geralmente de três formas: a) objetivamente, isto é, considerando as características e finalidades da coisa a ser nominada; b) metaforicamente, isto é, dando a uma coisa [por analogia] um nome antes pertencente a outra (aliquid pro aliquo); c) imitativamente, isto é, dando à coisa um nome cuja pronúncia lembre o som natural dessa coisa (onomatopeia).

Nominação objetiva – Inventado, por exemplo, um aparelho capaz de transportar a voz a lugares distantes, deu-se a esse aparelho o nome de “telefone” (tele = longe + fone = som, voz). Assim também “bicicleta” (bi = dois + ciclo = roda); “periscópio” (peri = em redor + scopio = ver); “termômetro” (termo = calor, temperatura + metro = medida).

Nominação metafórica – Por exemplo: os primeiros anatomistas viram certa semelhança entre o bíceps e o rato (mus, muris em latim), e deram-lhe o nome de “músculo” (diminutivo de mus, ou seja, ratinho). “Tíbia” era o nome de uma espécie de flauta; pela semelhança da forma, um dos ossos da perna (canela) passou a ser “tíbia” também. Quando o ovo cai na gordura quente, toma a forma de uma estrela; daí dizermos “ovos estrelados” (embora alguns prefiram dizer “ovos estalados”, talvez em razão do “estalo” ouvido ao se quebrar a casca). Nessa arte a criatividade popular é realmente inesgotável. Os nomes das partes do corpo humano estão presentes em numerosas catacreses (nomes tomados por empréstimo): barriga da perna, boca da ponte, braço de rio, cabeça de prego, dente de alho, mão de pilão, olho d’água, pé de vento.

Nominação imitativa (onomatopeia) – É provável que seja essa a maneira mais antiga de dar nome às coisas. Alguns exemplos: bem-te-vi, cacarejo, ceceio, clique, cochicho, pingue-pongue, pio, quero-quero, reco-reco, ronco, tintim, tico-tico, tique-taque, uivo, xixi, zunzum. E é também assim que as crianças dão nome aos bichos: au-au, có-có, miau, piu-piu...

Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010

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