terça-feira, 18 de maio de 2010

Deborah Brennand (Poesias Avulsas)


SÓ ALGUNS CRAVOS

Nada sei de tílias e carvalhos
agapantos, tulipas, jasmins do Cairo.
Conheço bem urtiga, as locas, o mato
algemas de cipós, liana em laços.

Por sorte, só por sorte ainda guardo,
naquele pote a colônia macerada
— dói a alma, dói e não passa —
lembrando a timidez dos bredos
selvagens.

E, agora para enfeitar uma casa
alva casa entre gramas sem trato
vôo pousado, varanda em asas
eu escolhi, só alguns cravos.

Cravos sem sangue, mas... encarnados.


ANJO DA NOITE

Dá-me a ilha de Samos como brinde de noivado
BENGIERD

E sendo o ser todo ser
eu, vetusta ou jovem lusa,
dei o meu olhar de claridade
à vastidão única das brumas
e só no coração uma saudade
era de havidos campos,
campos quase não vistos,
ó enamorado de minha formosura.

Sombria ou ruiva foi a cabeleira
o pouso da coroa em garras.
Abutre no alvor da minha fronte
cravando unhas de diamantes
assim eu disse que as mulheres
não deviam usar trajes escarlates.
Talvez dez dias e oito noites passassem
nas distantes florestas de Lorvão.

E o meu reino era cinzento em culpas,
o meu legado agouro e mal.
Ó enamorado da minha póstuma formosura,
por que de mim tão pouco sabes?

CLARIDADE

Afortunados são os bosques
onde sem bridas
a luz campeia
entre as folhagens

suas crinas douradas

Tão leve se lustra a água
na medida exata
que os rebanhos bebem
junto às raposas

sem temor selvagem.

Por que só a mim discrimina a claridade?

ABRIL

Quem me dera voltar
ao primeiro jardim!
Conduzida por leões
mansos leões em volta
indo e vindo sem as patas
esmagarem as madressilvas.

Depois,

recostada em tronco antigo
da árvore que não existe,
ficar alheia. Esquecida,
até as estrelas surgirem
tal um enxame de abelhas
douradas, picando a sombra.

SEMPRE ALGUMAS LÉGUAS RESTAM

Em todos os sítios
o vento arranca as folhas secas.

Assim, também é certo
a cerca, mesmo caindo, seguir a terra.

Só o rio desata nós de água
em ramalhetes de pedra.

E sempre algumas léguas restam
para chegar ou partir

na claridade dispersa.

DECLARAÇÃO DE AMOR

Ontem disseste
sisudo, como todo saber
— Esta flor é da família das violáceas
o nome correto é — violeta tricolor.

Eu disse — é amor perfeito...

Amarelo e roxo
salpicado de negror
severamente reclamando
gotas de terra nas folhas.

Pensei — será isto perfeito?

SEM PRECONCEITO

Senta no primeiro degrau
o mais baixo, todo esmagado,
onde a pedra se une à terra
sem preconceitos.

Ambas têm veios negros.

E sê atenta aos sinais
a alma é muda. Mas,
o coração entende
e traduz bem

o que ela diz calada.

Escuta e sê atenta
lodo e escorpiões
juntos nas frestas
fingem amorosa inocência.

Sem preconceito, são inocentes?

MEU BEM

A noite não é uma vela
negra e sem lume,
não é um cacho de uvas
sombrio no parreiral.

Não é aquela borboleta
com asas escuras na mata,
menos ainda é um túmulo
com estrelas douradas.

A noite é, meu bem,
só a origem da claridade.

PRISÃO

Vencendo muros de pedras
Flameja do sol o brasão
Ó real castelo em dia aceso,
Ó ruivas folhas do soberano verão
Ó tempo não apertes a corrente
Do meu sonho já agonizante
Crestada é a terra e perto
Deságua um rio de sangue
Na pastagem morta

Do meu coração

CRUEL MENSAGEM

Morto foi o sonho de um jardim
Por um verão servil, de cruel mensagem
E eu vi raízes, a vida agonizando,
Na lâmina acesa de um punhal.

Os musgos, as heras, as papoulas,
Manchavam a grama seca.
E lírios, junto ao sangue das rosas,
Magoados eram o pasto

De cavalos alheios e famintos.

IGUAL A MÃO

Velhas cortinas de renda
Por sonhos bordando brasões
Agulhas trançaram ouro e linha
Em sombras fugazes de flores
Fantasmas de um morto verão.

Cobrindo vidraças, embaçando a vida,
Escondes desvarios, alucinações,
Olhares perdidos de condessas
Caminhos ocultos na distância
E o vento forte, agitando o pano

Com a rudeza de sua mão.

SEMPRE

Assim, além da cerca, eu espero,
O quê? Não sei. Espero.
Embora só o vento chegue
todo arranhado, em gemidos,
caindo e já sem sentidos

Jogue aos meus pés as folhas secas.

DE AMARELO

Hoje devo me vestir de amarelo:
espantar os olhos negros da solidão,
tal a luz do girassol de ouro dourado
que abre pétalas iluminando nuvens.

Quem saberá (nem ela mesma) o artifício
usado para enganá-la? Sonhos? Jardins?
Não digo. Hoje me visto de amarelo
e vou, nos ramos, entoar da ave o canto.

Quero espantar olhos de solidão
que vem das grutas e abandona montes
para comer a relva rubra do meu coração.
Mas hoje, de amarelo, espantarei a fera

Fugindo, à procura de outra vítima:
Quem sabe, a mata?

Fontes:
- Jornal de Poesia.
- Antonio Miranda.

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