Filho de um construtor de pontes de madeiras que ajudou o rodoviarismo no Paraná no início do século, o velho Paulo Scherner, e de uma filha de italianos, dona Conscia - aparentada aos Groff, da família do pioneiro de cinematografia paranaense João Baptista - Leopoldo é de uma família de 12 irmãos, todos nascidos em São José dos Pinhais/PR.
Aluno de colégios em que havia uma sólida formação - inicialmente no Divina Providência, depois no Serafico, em Rio Negro - "num período em que, naquele colégio, orientado pelos padres franciscanos, tudo me levava a seguir a carreira religiosa" - no início dos anos 30, o ainda adolescente Leopoldo encontrava-se no Colégio D. Pedro II, no Rio de Janeiro - um centro de excelência do ensino brasileiro que tinha, na época, os melhores professores do Brasil. Daí passou para a então recém instalada Faculdade de Filosofia do Rio de Janeiro, outro núcleo que reunia, então, um corpo docente de primeiríssima linha, com professores como Alceu Amoroso Lima, Cleonice Berardinelli e, especialmente, Manuel Bandeira.
Do poeta pernambucano, Leopoldo guardaria as lembranças não só do grande mestre de Literatura Hispano-Americana, mas também do homem afável, elegante, "no qual percebia-se a grandeza desde quando ele entrava no elevador". Manuel Bandeira (1886-1968) foi uma personalidade decisiva em sua formação, embora recorde que "jamais tive coragem de lhe mostrar meus primeiros poemas". Um aspecto do autor de "Estrela da Manhã", lembrado por Scherner:
- "Ele gostava muito de ser fotografado. Estava sempre rodeado de pessoas. Lamento que, por timidez, não tivesse estado mais vezes ao seu lado, quando as imagens eram feitas. Assim mesmo ainda guardo algumas fotos em sua companhia".
Casado com uma fluminense, Alice, Leopoldo retornaria no final dos anos 40 para Curitiba. Aqui faria simultaneamente concurso para as cadeiras de Literatura Portuguesa no Colégio Estadual do Paraná e Instituto de Educação, estabelecimentos padrões de ensino na época, ambos também com excelentes quadros de professores - a maioria hoje nomes de ruas de Curitiba. Uma época de grande dignidade do ensino, com alto nível das aulas e que os professores também tinham um padrão elevado.
- "Não saberia precisar em cifras, mas recordo-me que um professor de carreira no Colégio Estadual recebia quase tanto quanto um desembargador. O que eu não sei é se o professor é que ganhava bem ou os desembargadores eram menos remunerados".
O fato é que, recorda Leopoldo, "era possível aos professores com dois padrões possuírem uma digna residência, um veículo e se dedicarem à sua profissão, com total dignidade. Não se falava em greves, exigia-se aproveitamento e os alunos dos colégios oficiais - especialmente o do Estadual do Paraná - podiam, tranqüilamente, enfrentar os vestibulares com chances de aprovação".
- "Era uma época em que havia tanta valorização ao professor do ensino médio que, na primeira vez que fui convidado para lecionar na Universidade Federal do Paraná, após dar algumas aulas, acabei desistindo e preferindo ficar só no Estado, que pagava melhor". Mais tarde, Scherner voltaria a Universidade, na cadeira de Laertes Munhoz.
Na metade dos anos 50, o antigo ginásio fundado pelo velho professor Costa Viana, em São José dos Pinhais - um dos poucos da Região Metropolitana, que oferecia o curso médio - entrou em crise. Sob riscos de ser fechado, o então deputado Ernesto Moro Redeschi, cunhado de Scherner, propôs sua estadualização e coube a ele reestruturar o estabelecimento - cargo em que permaneceria por mais de dez anos. Nesta época, transferiu seus padrões do Instituto de Educação e, posteriormente, do Colégio Estadual, para dedicar-se exclusivamente ao novo colégio.
Voltando a São José dos Pinhais, sua terra natal, não mais sairia. Mesmo quando, já aposentado, voltaria ao ensino superior, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Nos anos 60 começou a publicar seus livros - "honestamente, nem sei quantos são, sem uma consulta detalhada" - e sua poesia, a partir de "O Dia Anterior ao Primeiro Dia da Criação" refletiria um poeta que, como se define, "é exatamente lírico no que faz e só escreve após muito auto-observação". O que explica sua produção lenta, extremamente cuidada - e que, nestes últimos anos, tem sido econômica, pela impossibilidade de se dedicar mais tempo a esta produção. Na identificação com os jovens, estimulando talentos, Scherner vem sendo, desde os anos 60, uma mola propulsora para que jovens acorajem-se a mostrarem suas produções literárias. Assim era nos tempos em que lecionava nas antigas instalações do Curso de Comunicação da Universidade Católica - do chamado movimento "Close" e que se repetiria, mais tarde, na "Sala 17", resultando, inclusive, uma robusta antologia, "entre os quais estão alguns poetas que seguiram seus passos com segurança".
Tradutor de algumas obras importantes - como intelectual que domina vários idiomas, inclusive o alemão - poeta, lingüista, Scherner cultiva o bom humor. Tanto é que em sua última viagem a Portugal, numa pequena aldeia, um cigano dirigiu-se a ele chamando-o de "Zeca Diabo", por achá-lo parecido com o personagem que Lima Duarte criou na telenovela "O Bem Amado", sucesso na época em Portugal.
"E eu afinal não sou tão parecido assim com Lima Duarte".
Ao contrário de muitos poetas, o professor Leopoldo Scherner não tem gavetas repletas de originais inéditos a espera de um editor. Seu processo de criação é lento, demoradamente pensado e, nestes últimos anos, tem sido bissexto, "especialmente devido a meus múltiplos encargos universitários". Aos 70 anos, completados no dia 22 de julho do ano passado, mas sentindo-se "como um jovem de 25 ou 30 anos", este mestre de tantas gerações está mais ocupado do que nunca. Professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, responde interinamente pela direção do Departamento de Comunicação - no decorrer desta semana deverá ser definido o nome do novo titular desta área - e é também assessor especial do reitor Euro Brandão. Com a viagem do professor Brandão, que na tarde de sexta-feira embarcou para o Japão, suas responsabilidades aumentaram ainda mais.
Organizado ao extremo, com o vigor de quem sempre esteve "próximo, muito próximo dos jovens" - só os cabelos brancos e uma calvície natural em escalada, podem denunciar a idade, pois no mais, há o mesmo entusiasmo e alegria que o caracterizam há mais de quatro décadas como um dos mais respeitados e estimados professores de português, latim e, especialmente, literatura portuguesa.
Reunindo suados dólares para, em julho, comemorar a entrada em seus 71 anos, em Portugal - país que já visitou inúmeras vezes - Scherner comentava ao gravar seu depoimento para a série Memória Histórica do Paraná:
"Os portugueses, gente tão querida, às vezes surpreendem-se porque um professor do Brasil, de sobrenome germânico, tem tanta paixão pela cultura de seu país." Para eles, seria natural, se o meu nome fosse lusitano, mas para um Scherner, interessar-se tanto na língua e literatura de Camões, não deixa de ser surpreendente.
Fonte:
http://www.millarch.org/artigo/scherner-quando-o-ensino-era-risonho-de-muita-competencia
Aluno de colégios em que havia uma sólida formação - inicialmente no Divina Providência, depois no Serafico, em Rio Negro - "num período em que, naquele colégio, orientado pelos padres franciscanos, tudo me levava a seguir a carreira religiosa" - no início dos anos 30, o ainda adolescente Leopoldo encontrava-se no Colégio D. Pedro II, no Rio de Janeiro - um centro de excelência do ensino brasileiro que tinha, na época, os melhores professores do Brasil. Daí passou para a então recém instalada Faculdade de Filosofia do Rio de Janeiro, outro núcleo que reunia, então, um corpo docente de primeiríssima linha, com professores como Alceu Amoroso Lima, Cleonice Berardinelli e, especialmente, Manuel Bandeira.
Do poeta pernambucano, Leopoldo guardaria as lembranças não só do grande mestre de Literatura Hispano-Americana, mas também do homem afável, elegante, "no qual percebia-se a grandeza desde quando ele entrava no elevador". Manuel Bandeira (1886-1968) foi uma personalidade decisiva em sua formação, embora recorde que "jamais tive coragem de lhe mostrar meus primeiros poemas". Um aspecto do autor de "Estrela da Manhã", lembrado por Scherner:
- "Ele gostava muito de ser fotografado. Estava sempre rodeado de pessoas. Lamento que, por timidez, não tivesse estado mais vezes ao seu lado, quando as imagens eram feitas. Assim mesmo ainda guardo algumas fotos em sua companhia".
Casado com uma fluminense, Alice, Leopoldo retornaria no final dos anos 40 para Curitiba. Aqui faria simultaneamente concurso para as cadeiras de Literatura Portuguesa no Colégio Estadual do Paraná e Instituto de Educação, estabelecimentos padrões de ensino na época, ambos também com excelentes quadros de professores - a maioria hoje nomes de ruas de Curitiba. Uma época de grande dignidade do ensino, com alto nível das aulas e que os professores também tinham um padrão elevado.
- "Não saberia precisar em cifras, mas recordo-me que um professor de carreira no Colégio Estadual recebia quase tanto quanto um desembargador. O que eu não sei é se o professor é que ganhava bem ou os desembargadores eram menos remunerados".
O fato é que, recorda Leopoldo, "era possível aos professores com dois padrões possuírem uma digna residência, um veículo e se dedicarem à sua profissão, com total dignidade. Não se falava em greves, exigia-se aproveitamento e os alunos dos colégios oficiais - especialmente o do Estadual do Paraná - podiam, tranqüilamente, enfrentar os vestibulares com chances de aprovação".
- "Era uma época em que havia tanta valorização ao professor do ensino médio que, na primeira vez que fui convidado para lecionar na Universidade Federal do Paraná, após dar algumas aulas, acabei desistindo e preferindo ficar só no Estado, que pagava melhor". Mais tarde, Scherner voltaria a Universidade, na cadeira de Laertes Munhoz.
Na metade dos anos 50, o antigo ginásio fundado pelo velho professor Costa Viana, em São José dos Pinhais - um dos poucos da Região Metropolitana, que oferecia o curso médio - entrou em crise. Sob riscos de ser fechado, o então deputado Ernesto Moro Redeschi, cunhado de Scherner, propôs sua estadualização e coube a ele reestruturar o estabelecimento - cargo em que permaneceria por mais de dez anos. Nesta época, transferiu seus padrões do Instituto de Educação e, posteriormente, do Colégio Estadual, para dedicar-se exclusivamente ao novo colégio.
Voltando a São José dos Pinhais, sua terra natal, não mais sairia. Mesmo quando, já aposentado, voltaria ao ensino superior, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Nos anos 60 começou a publicar seus livros - "honestamente, nem sei quantos são, sem uma consulta detalhada" - e sua poesia, a partir de "O Dia Anterior ao Primeiro Dia da Criação" refletiria um poeta que, como se define, "é exatamente lírico no que faz e só escreve após muito auto-observação". O que explica sua produção lenta, extremamente cuidada - e que, nestes últimos anos, tem sido econômica, pela impossibilidade de se dedicar mais tempo a esta produção. Na identificação com os jovens, estimulando talentos, Scherner vem sendo, desde os anos 60, uma mola propulsora para que jovens acorajem-se a mostrarem suas produções literárias. Assim era nos tempos em que lecionava nas antigas instalações do Curso de Comunicação da Universidade Católica - do chamado movimento "Close" e que se repetiria, mais tarde, na "Sala 17", resultando, inclusive, uma robusta antologia, "entre os quais estão alguns poetas que seguiram seus passos com segurança".
Tradutor de algumas obras importantes - como intelectual que domina vários idiomas, inclusive o alemão - poeta, lingüista, Scherner cultiva o bom humor. Tanto é que em sua última viagem a Portugal, numa pequena aldeia, um cigano dirigiu-se a ele chamando-o de "Zeca Diabo", por achá-lo parecido com o personagem que Lima Duarte criou na telenovela "O Bem Amado", sucesso na época em Portugal.
"E eu afinal não sou tão parecido assim com Lima Duarte".
Ao contrário de muitos poetas, o professor Leopoldo Scherner não tem gavetas repletas de originais inéditos a espera de um editor. Seu processo de criação é lento, demoradamente pensado e, nestes últimos anos, tem sido bissexto, "especialmente devido a meus múltiplos encargos universitários". Aos 70 anos, completados no dia 22 de julho do ano passado, mas sentindo-se "como um jovem de 25 ou 30 anos", este mestre de tantas gerações está mais ocupado do que nunca. Professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, responde interinamente pela direção do Departamento de Comunicação - no decorrer desta semana deverá ser definido o nome do novo titular desta área - e é também assessor especial do reitor Euro Brandão. Com a viagem do professor Brandão, que na tarde de sexta-feira embarcou para o Japão, suas responsabilidades aumentaram ainda mais.
Organizado ao extremo, com o vigor de quem sempre esteve "próximo, muito próximo dos jovens" - só os cabelos brancos e uma calvície natural em escalada, podem denunciar a idade, pois no mais, há o mesmo entusiasmo e alegria que o caracterizam há mais de quatro décadas como um dos mais respeitados e estimados professores de português, latim e, especialmente, literatura portuguesa.
Reunindo suados dólares para, em julho, comemorar a entrada em seus 71 anos, em Portugal - país que já visitou inúmeras vezes - Scherner comentava ao gravar seu depoimento para a série Memória Histórica do Paraná:
"Os portugueses, gente tão querida, às vezes surpreendem-se porque um professor do Brasil, de sobrenome germânico, tem tanta paixão pela cultura de seu país." Para eles, seria natural, se o meu nome fosse lusitano, mas para um Scherner, interessar-se tanto na língua e literatura de Camões, não deixa de ser surpreendente.
Fonte:
http://www.millarch.org/artigo/scherner-quando-o-ensino-era-risonho-de-muita-competencia
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