quarta-feira, 19 de maio de 2010

Lygia Lopes dos Santos (As Imagens do Ar nos Poemas de Tasso da Silveira)


Oliveira, Roza de. As Imagens do Ar nos Poemas de Tasso da Silveira. Curitiba: SEEC/Imprensa Oficial do Estado do Paraná, 2001.

O livro As Imagens do Ar nos Poemas de Tasso da Silveira foi elaborado a partir de uma dissertação de mestrado de Roza de Oliveira, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A autora faz uma interpretação da obra do poeta paranaense Tasso Azevedo da Silveira, que nasceu em Curitiba, em 1895. O poeta desenvolveu grande atividade intelectual aqui no Paraná, tendo fundado com Andrade Muricy, Oscar Martins Gomes e Lacerda Pinto, a revista " Fanal", em 1911 e mais tarde, em 1914, a revista "Atheneia". No Rio de Janeiro criou as revistas "América Latina", "Terra de Sol" e em 1927 a revista "Festa", que se tornou porta-voz do grupo espiritualista do modernismo brasileiro, por ele dirigido. Seu primeiro livro de versos, "Fio d’Água", foi publicado no Rio de Janeiro, em 1918.

Segundo Roza, foi extensa a atividade criativa de Tasso da Silveira "predominando aí sua produção poética, porém, com variações eventuais para o ensaio, a pregação cívica, a crítica, o ensino em cátedra de literatura, as conferências, os cursos de extensão, o teatro, as traduções de autores famosos, a colaboração na imprensa periódica, a polêmica, inclusive tendo participado de equipes de redação de alguns jornais".

A autora enumera: "A produção poética de Tasso da Silveira consta de 11 livros com 468 poemas, tendo sido alguns traduzidos para o francês, italiano, espanhol, alemão, inglês, húngaro e romeno; outros musicados por compositores de renome como Camargo Guarnieri, Lorenzo Fernandes e Brasílio Itiberê." A sua obra foi apreciada por um número considerável de críticos, como Mário de Andrade, Andrade Murici, Massaud Moisés, Mário da Silva Brito, Leodegário de Azevedo Filho, Alceu Amoroso Lima, e muitos outros.

A Tendência Espiritualista do Grupo Festa

Tasso da Silveira foi condutor e orientador do grupo da Revista "Festa", uma das vertentes do Modernismo Brasileiro. Em seu "espiritualismo", o grupo "Festa" faz a apologia de uma evolução literária mais moderada, que não se desligue das tradições brasileiras e que não se afaste do âmbito universal. Valorizou ainda o misticismo, discutindo temas filosóficos e espirituais, a exemplo dos simbolistas. Sentiu a necessidade de salientar na literatura a característica brasileira, preservando, no entanto, os elementos universalistas, particularmente a influência cristã. O poeta chama esta confluência de forças de "anseio de totalização", que traz para a arte as realidades humanas, transcendentais, materiais e espirituais.

Os 4 Elementos, segundo Gaston Bachelard

A autora se propõe a fazer uma análise da obra do poeta paranaense, seguindo a teoria dos 4 elementos: fogo, água, terra e ar, elaborada pelo filósofo francês Gaston Bachelard. Para ele, todas as imagens poéticas estão vinculadas a um elemento primordial, o que nos proporciona uma nova maneira de abordagem do discurso poético. Partindo da idéia que há um elemento predominante, o filósofo reflete sobre as características inerentes aos quatro elementos, que colocarão ordem no ilusório.

Para esta abordagem, foram escolhidos poemas relacionados ao fogo, à água, ao ar e à terra. Foi percebida na maioria destes versos a presença de dois ou mais elementos. A imaginação não se fixa num único elemento, como a água, porque para o poeta, há também o céu, a terra, o fogo. Mesmo que todos os elementos figurem nas imagens literárias, analisando a obra de um autor, nota-se a sua preferência por um deles. Tasso da Silveira comprovou ter escolhido o ar.

Segundo a autora "Tal princípio de ordenação das imagens desenvolve-se a partir:

de uma tendência psíquica implícita no elemento Ar que é a de se elevar, tendo como imagem arquetípica o sonho do vôo.

Do arquétipo aéreo – o Vento e sua ambivalência.

Da qualidade mais característica do Ar que é a de ser uma matéria sem matéria, isto é, imaterial."

Procura evidenciar que "o elemento Ar fornece ao sonhador a via para a atualização da viagem onírica na qual os termos leveza, ascensão, misticismo e, principalmente o silêncio, participam do lirismo de Tasso da Silveira numa espécie de comunicação com Deus."

O Fogo

O fogo, como realidade evidente, destaca-se como uma das mais repletas de sonho e de humanidade. Nós o encontramos na lareira, no fogão, na vida cotidiana, no brilho dos olhos, no nosso sangue, ilumina a inteligência, impulsiona a nossa vida com o calor dos nossos corpos. Em sua face metafísica, é muitas vezes encontrado no Novo Testamento em várias revelações de Deus.

Vejamos um trecho do poema de Tasso, A CRUZ:

"Das mãos do Senhor erguiam-se labaredas,
Dos pés do Senhor erguiam-se labaredas,
Dos flancos do Senhor erguiam-se labaredas
De dor..."

A Água

A água tende a aparecer nas imagens delicadas, suaves, límpidas, às vezes profundas, femininas, doces; mas também aparece quando a natureza se revolta, nas tempestades, nos cataclismas, no mar enfurecido. A água é bela tanto na suavidade, quanto na turbulência.

A seguir, vemos um trecho do poema FIO D’ÁGUA:

"Fio d’água humilde e brando,
da transparência dos cristais:
tão claro e límpido vais
cantarolando,
que deixas ver lá no fundo,
a areia fina alvejando..."

A Terra

Para Bachelard, a matéria está carregada de experiências positivas, a sua forma é evidente, a sua realidade é impossível de camuflar, porque é areia, húmus, limo, cascalho, rocha, metal, madeira, borracha, montanhas, cavernas, labirintos, raízes, serpentes, etc.

Vejamos a realidade como a viu Tasso em GÊNESE:

O pedreiro preparou a argamassa
E foi juntando pedra a pedra
E erguendo o muro.

Foi lentamente criando
A realidade concreta do muro alto.

Foi lentamente criando
Em gestos essenciais
E em silêncio
Perdido no infinito de si mesmo
Como um Deus!

O Ar

Com a âncora fixada na filosofia de Bachelard, Roza reconheceu o ar, fluido, móvel, leve, reinando nos cumes, nos picos, levando o nosso imaginário a divagar, suave, indistinto, a elevar-se, a desmaterializar-se. "O sonhador aéreo vive intensamente o desejo de se lançar para o alto, isto é, para a luz, para a pureza, para a espiritualidade, adequando-se a uma filosofia do total vir-a-ser..."

Vamos encontrar a leveza do ar no poema A DANÇA DE EROS VOLÚSIA:

O corpo frágil surgiu
De uma névoa longínqua,
Diáfano, leve, imaterial:
No ar sereno traçou um ritmo de encanto,
E tudo em torno
Se imaterializou.

O corpo frágil surgiu
De distâncias ignotas
E ao nosso olhar parado
Abriu-se como uma flor misteriosa
E os pés ágeis criaram
No chão
arabescos inéditos

asas de ave
bêbadas de infinito
debatendo-se tontas
no espaço azul.

Comunhão de idéias

A autora navega através da poesia de Tasso da Silveira, pelo mundo interior do artista, com grande segurança. Há uma grande comunhão de idéias entre o filósofo Gaston Bachelard, Roza de Oliveira e o poeta estudado, o que resultou neste trabalho de alta qualidade. Com sua sensibilidade, a autora conseguiu penetrar no mundo metafísico, astral, atemporal e sublime do artista, interpretando com maestria a filigrana de sua poesia.

Curitiba, outubro de 2001

Fonte:
http://www.utp.br/eletras/ea/eletras3/rese03.htm

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