sábado, 15 de maio de 2010

Glória Marreiros (Livro de Poesias)

Pintura de J. P. Martins Barata
E DEPOIS DO AMANHÃ?

E depois do amanhã, que se aproxima
em laudes que transmitem minhas rezas,
talvez que eu veja estrelas sempre acesas
na extrema-unção do brilho que me anima…

E seja um campo santo, noutro clima,
onde as palavras se ouçam, sempre ilesas,
e com sons que tilintam sobre as mesas
que citam o sabor da minha rima.

Há esperança, incerteza, no futuro
do meu sonho, que aspira por ser puro
nas cores dum matiz que esmoreceu…

há-de fazer-se luz na minha treva
e o céu dirá ao sol para que escreva
que, depois do amanhã, existo Eu!
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POEMA DOS SONHOS

Olhando o teu rosto, senti que veneras
o sonho perfeito da vida que tenho.
Comandas minha alma, contigo sustenho
os tons anilados que inventam quimeras.

Tapaste os meus seios com mãos de outras eras,
beijaste os meus lábios com força e empenho,
com âmbar e tinta fizeste o desenho
que embala meu corpo com mil primaveras.

E trazes nas veias poder, sedução,
a raça dum povo que tem coração
e crê que a esperança jamais é perdida.

Eu vi que tu eras o elo perfeito
que abraça este rio que corre em teu peito,
poema dos sonhos, que são minha vida!
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DIGNO EXEMPLO
Dedicado aos meus AMIGOS: Drª Maria José Fraqueza e Sr. Rui Fraqueza nas suas Bodas de Ouro. (24 de Janeiro de 2010)

Venero o vosso exemplo, a vossa luz,
e sinto-me pequena, ante a grandeza
do vosso imenso amor e da pureza
que faz lembrar a paz que há em Jesus.

Foi há cinquenta anos. Faz-se jus
à Zezinha e ao Rui que, com firmeza,
puseram suas vidas sobre a mesa,
onde um círio aceso inda reluz.

O céu desceu à terra neste dia,
com lírios de louvor e de magia
e os anjos ajoelham com fervor.

Desfolho o vosso livro, onde contemplo
o sonho de seguir o vosso exemplo,
mas não sei se consigo tanto amor!...
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SONHANDO NATAL

Criança parida do ventre que tenho
tu guardas no peito pedaços de amor,
canções de luar desprovidas de cor,
e beijos que falam na dor que sustenho..

Suplicas Natal com ternura e empenho;
e queres de mim o poder do calor
que exala esperança, emitindo o fulgor
da chama atiçada p’la cruz do meu lenho.

Se um dia soubesses o quanto te amei…
as lágrimas soltas, tombadas, sem lei,
caindo no rosto, formando um caudal…

Dirias: que mãe é ter sempre um sacrário
aberto ao amor, desfiado em rosário,
com filhos lá dentro, sonhando Natal.
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TESTAMENTO

Minha alma morreu. E deixou-me sem trono.
Não teve suspiros de alguém a chorar,
coberta com laivos da luz do luar,
e ungida com óleos das chuvas de Outono.

Eu vi-a partir nas memórias dum sono
profundo e submerso em procelas de mar,
sedenta do fogo que emerge dum lar
que faz da paixão meretriz, sem ter dono.

Agora, sozinha, no átrio do espanto,
apenas matéria me envolve este pranto
que agita pedaços de amor e tormento.

Eu fui ao notário, que às vezes me acalma,
fiel dos haveres que tinha minha alma,
mas ele me disse: Não há testamento!
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ÚLTIMO SONETO

Não forces o soneto, a emoção.
Deixa que saia livre, em fantasia.
A espera, lentamente, o acaricia
como à mais rara flor, ‘inda em botão.

Deixa nascer o sol da inspiração,
abre as asas da alma, em euforia,
e voa sobre o céu que te inebria,
depois, deixa falar o coração.

Teu último soneto será mar
e terra sobre a luz do teu olhar,
no fogo que, em mim, nunca esmoreceu.

Falará de amor, ódio, de vaidade,
da dor e sofrimento que te invade,
no fim, fala da escrava que sou eu!
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A CASA

Desmoronou-se, em dor, aquela casa
que parecia ser antiga e forte.
Agora, ali, prostrada à sua sorte
agoniza no gelo onde se abrasa...

Quem passa não se importa que ela jaza
por terra, espezinhada pela morte.
Ninguém recorda a linha do seu porte,
deixá-la, assim, tombada em campa rasa.

Dos alicerces gritam vozes de alma,
em febril tempestade que se acalma,
querem saber do corpo que era seu.

Agora está no chão, eu sempre soube
que era frágil, erguida só de adobe,
a casa... sombra e cinza que sou eu.
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CONCLUSÃO

Eu procurei o mundo, ao desvario,
na ânsia de encontrá-lo num poema.
Queria que ele fosse a vida, o tema,
a correr no meu peito, como um rio.

Queria-o majestoso, amplo de brio,
anunciando a luz, clara e suprema,
duma paz duradoira, aonde o lema
fosse amor, saciando o meu vazio.

Nesta minha procura desmedida,
teci sonhos e ninhos sobre a vida,
para amparar a dor, em manhã calma…

Mas quando o sol se fez uma ilusão,
cheguei, por fim, à dúctil conclusão
que o mundo trago-o eu dentro da alma!

Fonte:
Varanda das Estrelícias

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