sábado, 16 de agosto de 2008

Ruy Espinheira Filho (Manuscrito - Soneto do amor e seus sóis - Poeta em sua Varanda - Soneto do Quintal)

Manuscrito

Manuscrito descoberto entre os papéis do poeta, em envelope lacrado que ele, infelizmente, nunca chegou a abrir

Não queremos, nem de longe,
pensar no que pode haver,
poeta Mário de Andrade,
se um dia você morrer.

Não queremos, porém como
impedir o pensamento
de se pensamentear?
Não morra nunca, poeta,
porque há sombras nas sombras
só esperando a sua morte
para assaltar os jornais,
submeter as revistas
e desterrar os poetas
(perigosos, subversivos,
capazes de qualquer coisa,
de acreditar em talento,
em lirismo, inspiração)
— e tudo será tristeza,
desamparo, solidão.

Eis que estão prontos e indóceis,
só aguardando a sua partida,
parnasianos tardios
armados de metros rijos,
estrofes sisudas (com
ou sem consoantes de apoio),
dicionários de rimas,
disciplina de cesuras,
iniludíveis sinéreses,
impecáveis hemistíquios,
implacáveis sinalefas
— para saltar desse escuro
e a alma nos arrancar!

Ah, não morra, Mário, poeta,
que o Sol pode se apagar!
Porque depois saltarão,
do escuro oculto no escuro,
cáfilas de não-poetas
gritando a morte do verso
em impudente algaravia,
concreção de logogrifos,
insalubres despoéticas
verbi-voco-visuais
contra o sonho e a poesia!

E ainda virão uns outros
em linhas irregulares,
reboantes, pantanosas,
ou em feição de diarréia
— que chamam de verso-livre,
como se o verso não fosse
o rigor que é sua vida!
E ainda virão mais uns
que trarão palavras frias,
sem música, pedregosas,
arquitetos do vazio,
construtivistas de nada.
Não resistiriam, todos,
aos combates de você,
poeta, mas vencerão,
se acaso você morrer!

Poeta Mário de Andrade,
não nos faça esse vexame,
não nos deixe abandonados
a apocalipses que tais,
como é o jargão espesso
dos professores-doutores
grávidos de metaplasmos,
poéticas objetais,
monósticos, semantemas,
afirmações axiais,
topos, vocóides, sememas
e outras disfunções letais!
Que ensinarão ser você
equívocos de você;
que aquilo que você disse,
em prosa ou verso, de fato
não disse; e o que você disse
traz profundas discordâncias
daquilo que você disse;
e, em suma, aquilo que disse
você, você nunca disse;
e o que você nunca disse
é exatamente o que disse,
ou que, ao menos no caso,
você queria dizer;
e muito provavelmente,
o que você disse, disse
porque disse o que não disse
quando dizia o que disse,
se disse mesmo o que disse;
se é que isso se deu — e se
você foi mesmo você
(e eis que, sob aplausos, cai
o pano: Magister dixit!)!

Por esses e outros motivos,
poeta Mário de Andrade,
não morra nunca jamais!
Porque, se você morrer,
será esse horror assim
— e o mundo pode acabar!
E se não se acaba o mundo,
depois que você morrer,
o que nos restar vai ser
bem difícil de agüentar!
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Soneto do amor e seus sóis

Eram teus olhos de água, olhos de água
ensombrada de folhas, eram teus
olhos de água marinha, eram teus olhos
de água límpida, ou turva, eram teus olhos

de água cintilante de tão negra,
eram teus olhos de água luminosa
como só umas raras dessas brisas
chamadas alma, eram os teus olhos

— e eis que teus olhos ainda são, que sempre
outros olhos e os mesmos: o amor
diverso e idêntico no azul do peito

a amanhecer-me, a moldar-me as
asas de mergulhar no chão profundo
e patas de galgar os altos ventos.
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Poeta em sua varanda
a Paulo Henriques Britto

Se ajeita na cadeira reclinável,
entre uma saudade e uma quimera,
sob outono que sabe a primavera
e agora o afaga com a mais amorável

tarde do mês. Aliás, todo ele amável,
este abril, ele pensa, já a quimera
enviando a pastar em outra era,
que à hora basta esta admirável

lembrança que o embala. E eis que seu ser
é como cristalina clarabóia
banhada pelo sol do amanhecer,

enquanto, a essa luz de ouro e jóia,
serenamente ele começa a ler
uma carta de amor vinda de Tróia.
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Soneto do Quintal
para Matilde e Mario,
em Monte Gordo, março de 91


Ao recordar a moça, eu me comparo
ao cão que vejo a interrogar a brisa.
O que é mal comparar: bem mais precisa
é a mensagem de odores que o faro

decifra. E então medito sobre o claro
ser desse cão, e invejo essa precisa
vocação de existir. E ausculto a brisa
e nada nela encontro. Nada. E paro

de lembrar e pensar. Há mais profícuas
ocupações. Exemplo: só olhando
estar. Cão. Nuvens. Ramos. E, dormindo,

um gato. E essas formigas — três — conspícuas,
vestidas a rigor, deliberando
em torno de uma flor de tamarindo.

Fontes:
http://virtualbooks.terra.com.br/
http://www.jornaldepoesia.jor.br/

O Escritor em xeque (entrevista com Ruy Espinheira Filho)

Ruy Espinheira Filho é Jornalista, mestre em Ciências Sociais, doutor em Letras, professor de Literatura Brasileira do Departamento de Letras Vernáculas do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, Ruy Espinheira Filho nasceu em Salvador, Bahia, em 1942. Publicou 11 livros de poemas: Heléboro (1974), Julgado do Vento (1979), As Sombras Luminosas (1981 — Prêmio Nacional de Poesia Cruz e Sousa), Morte Secreta e Poesia Anterior (1984), A Guerra do Gato ( infantil — 1987), A Canção de Beatriz e outros poemas (1990), Antologia Breve (1995), Antologia Poética (1996), Memória da Chuva (1996 — Prêmio Ribeiro Couto, da União Brasileira de Escritores), Livro de Sonetos (1998), Poesia Reunida e Inéditos (1998). Tem ainda publicados vários livros em prosa: Sob o Último Sol de Fevereiro (crônicas, 1975), O Vento no Tamarindeiro (contos, 1981); as novelas O Rei Artur Vai à Guerra (1987), O Fantasma da Delegacia (1988), Os Quatro Mosqueteiros Eram Três (1989); os romances Ângelo Sobral Desce aos Infernos (1986 — Prêmio Rio de Literatura, 1985), Últimos Tempos Heróicos em Manacá da Serra (1991), e o ensaio O Nordeste e o Negro na Poesia de Jorge de Lima (1990).

Rodrigo de Souza Leão entrevista Ruy Espinheira Filho

- Até ver Poesia reunida e Inéditos, seu recente livro, decorrem 32 anos de literatura. Quais foram as pedras, as perdas do caminho?
ESPINHEIRA: - Na verdade, bem mais de 32 anos, pois escrevo desde a infância. De textos que foram incluídos em livro, 33 anos. As pedras do caminho foram muitas, pois ser escritor vivendo no Nordeste não é brincadeira. Digo vivendo porque, ao contrário de muitos, nunca saí da Bahia. Se para autores do eixo Rio-São Paulo é difícil, pois sei que é, imagine para quem vive fora do principal circuito literário — sem contatos, sem editoras, sem divulgação. Mas acabei fazendo contatos, sendo aceito por editores, críticos, outros autores, leitores. Uma boa ajuda: os prêmios literários: ganhei o Cruz e Sousa, de poesia, em 1981, e fui um dos três premiados (2º lugar) no Prêmio Rio de Literatura, de romance, em 1985, além de ter recebido várias outras premiações, sendo a última o Prêmio Ribeiro Couto, da UBE, pelo livro Memória da Chuva, o qual foi adotado no vestibular da Universidade Federal de Goiás, em 1998, e se encontra na terceira edição. Quanto às perdas, creio que tantas quanto as pedras: de oportunidades, um número incalculável. Além daquelas perdas que a vida nos traz com o passar dos anos, as perdas do afeto, do amor, da juventude…

- Em Os Objetos, todos os objetos inanimados receberam a alma da ação. Só o revólver aguarda. O que o poeta deve matar?

ESPINHEIRA:- O que o revólver, dormindo na gaveta sob cartas e poemas, aguarda? É um símbolo da explosão, da violência, da morte. Mas o que significa, mesmo, depende de cada leitor. Talvez a grande solução do suicídio…

- O poeta é um criador de palavras? Há perigo de um neologismo tornar-se um trocadilho bobo?

ESPINHEIRA:- O poeta pode ser, ou não, um criador de palavras. Drummond diz, num poema, ter inventado certas palavras e tornado outras mais belas. Mas o fundamental para o poeta não é criar palavras, mas com elas — de preferência com as palavras mais simples — ser capaz de criar poesia. Quanto ao neologismo, pode, sim, tornar-se um trocadilho bobo — caso o poeta seja, na verdade, um trocadilhista bobo… Em si, os neologismos são enriquecimento da língua. E o trocadilhista bobo, para fazer das suas, não precisa se esforçar para criar neologismos, pode produzir trocadilhagens com as velhas palavras de sempre, inclusive as arcaicas. Aliás, as palavras não podem ser responsabilizadas pela indigência mental de ninguém.

- A sua poesia é uma "ode ao tempo". Muitos poemas tentam a descoberta do tempo perdido. Há uma valorização maior do passado, como terreno da liberdade e da modificação. Só as coisas que passaram podem ser modificadas. Não é o futuro o tempo da mudança?

ESPINHEIRA:- Realmente, vários críticos já me chamaram de "poeta da memória". Mas, então, me caberia perguntar: qual não o é? Vejam Drummond: lá estão Itabira, a infância, a memória familiar, a marca forte de Minas. Vejam Manuel Bandeira: a presença do Recife, da infância, da mocidade de esperança, desesperança e tísica. Vejam Jorge de Lima e sua infância se alastrando por toda a sua obra poética. Aliás, Jorge de Lima disse certa vez que seu único tema era a infância. Até mesmo João Cabral, com toda a sua pose pétrea, é um memorioso: os rios, os engenhos, a caatinga… Falando de mim, o que sei é que a única coisa que possuo é a memória. O presente é o que acabou de passar. O futuro… Bem, o futuro é uma projeção, uma possibilidade. Quando se realiza, não se realiza. Ou seja: deixa de ser futuro. Bandeira escreveu num poema: "O futuro diz o povo que a Deus pertence./ A Deus… Ora, adeus!"

- "No tempo perdido/ recupero, enfim,/ tudo o que perdi/ no meu tempo ganho", em "Tempo Perdido". O passado é o refúgio do poeta que cria realidades?

ESPINHEIRA:- Não sei se o passado é um refúgio, o que sei é que ele se impõe. Está em mim, como creio que está em todo mundo. Há quem considere o passado uma espécie de mundo perdido — quando, na verdade, é o único mundo que realmente se possui, como já disse antes, ao falar da memória. Mas aquele "tempo perdido" a que me refiro no poema citado não pretende ser o do passado — mas aquele outro que "perdemos" no dia-a-dia com nossas distrações, nossos sonhos, nossas vagabundagens de alma… Mas, é claro, o leitor tem direito de ler como quiser, de fazer sua própria leitura.

- O presente é o terreno para mudar o passado, como diz em "Revelação": Ai que somos felizes/ agora/ mas não tanto/ como amanhã, no passado?

ESPINHEIRA:- Bom, eu acho é que só nos tornamos conscientes da nossa felicidade depois. Não mudamos propriamente o passado. Há dois versos de Pessoa que põem bem a questão: Eu era feliz? Não sei:/ Fui-o outrora agora. Quer dizer: agora é que ele está sendo feliz outrora. Mas não quer dizer que a nossa felicidade outrora tenha mesmo acontecido. O que importa é que ela tenha acontecido outrora agora. O que importa é o que sentimos, o que consideramos verdade, mesmo que nunca tenha acontecido. A memória é fabulosamente ficcionista, não devemos nos esquecer desta característica, que talvez seja a sua característica principal.

- O azul é uma cor eleita? Como surgiu a "predileção poética" por esta cor que está em muitos poemas? (Alguma influência simbolista?)

ESPINHEIRA:- Nunca me fiz esta pergunta. Penso que o azul é, em minha poesia, menos uma cor do que um símbolo, um meio de expressar, talvez, a paz, a serenidade, a profundidade, algo mais vasto e profundo. Seja como for, talvez eu necessitasse refletir mais sobre o assunto. Quanto a alguma influência simbolista, não sei. Sofri a influência de todo mundo que leio, certamente também alguma dos simbolistas. Mas, é claro, o azul é de todos, não só dos simbolistas… Um poeta cheio de azuis é o Carlos Pena Filho, de Pernambuco, grande sonetista. Outro repleto de cores é o Sosígenes Costa, da Bahia. E eu sempre li bastante estes dois poetas.

- "Cuidadosamente/ o anjo do computador/ enumera/ os meus pecados". Este trecho de "Bilhete a Mário Quintana" anuncia a computação. O que mudaria na Internet? Quais os sites que mais visita? O que a rede dá a um poeta consagrado como Ruy Espinheira Filho?

ESPINHEIRA:- É um poema que está em meu segundo livro, escrito entre 1966 e 1976. Portanto, uns vinte anos antes de eu usar computador. Por que, então, falei em computador? Não sei. Mas tratava-se de um computador especial, pois nele havia um anjo… O que mudou foi a agilidade no trabalho – que se acelerou. A correspondência também ganhou velocidade, assim como os contatos se multiplicaram. Quanto a uma influência na criação literária, acho que não houve. Eu escrevia prosa na máquina de escrever. Poesia, só à mão. Agora, escrevo prosa no teclado do computador, e poesia… à mão. E não sou um navegante da Internet, prefiro ler. No mais, não sou poeta consagrado coisíssima nenhuma! Consagrados eram Bandeira, Drummond, Cabral e uns outros poucos, pouquíssimos.

- Falando de Quintana, quais os poetas que cabem dentro da sua poesia? Quais os poetas que cabem dentro de Ruy Espinheira Filho?

ESPINHEIRA:- Manuel Bandeira, no Itinerário de Pasárgada, diz que sofreu influência de todo mundo. É o que acontece comigo: acho que, de uma forma ou de outra, todas as leituras me influenciam. Até os autores muito ruins, pois com eles aprendo como não escrever… Alguns críticos já aproximaram minha poesia da de Bandeira; outros, de Drummond. Claro que sou leitor constante desses dois grandes, mas sem dúvida bebi em muitas outras fontes – a começar por Camões, passando pelos românticos. Aprendi até mesmo com Olavo Bilac, que considero o nosso maior parnasiano, embora minha poesia não tenha nada de parnasianismo, ao contrário das "vanguardas" que sugiram a partir de 1945 (Geração de 45, concretismo, neoconcretismo, praxismo, poema-processo, construtivismo e que tais, todas hoje – felizmente – devidamente extintas). Enfim, sou herdeiro da tradição da poesia ocidental. Talvez incompetente para administrar tão rica herança…

- Você é um poeta caseiro? O espaço onde os seus poemas ocorrem é o da casa? Fale sobre.

ESPINHEIRA:- Sou um homem caseiro. Mas os poemas me ocorrem em qualquer lugar. O inconsciente não avisa, a criação pode emergir a qualquer momento – ou ficar longo tempo sem dar sinal de nada. Não sou de ficar forçando a barra, o que só produz bobagem. Sigo os conselhos de Drummond: não adulo o poema nem recolho do chão o poema que se perdeu. Na verdade, já era assim mesmo antes de ler Drummond.

- A sua linguagem é simples, sem rococós, hermetismos e firulas. A simplicidade discursiva é uma busca eterna?

ESPINHEIRA:- Escrever com simplicidade é o que há de mais difícil. Não há nada que impeça que algo seja, ao mesmo tempo, simples e profundo. Os grandes poetas são simples, a começar de Homero. As tais "firulas" a que você se refere são coisas de poetastros. E o hermetismo é, quase sempre, malandragem de quem não tem o que dizer. Ou não sabe dizer o pouco que talvez possa ter. Agora, há poetas que são complexos, devido ao seu discurso, mas complexidade é outra coisa, nada tem a ver com "firulas" e hermetismos: apenas exige do leitor mais reflexão, mais apurada sensibilidade, assim como alguma cultura. Eu citaria, para este caso, como exemplo, Eliot.

- No poema "Uma Cidade", tudo contém uma idéia oposta. Também em Inúmero há: "E na origem/ da luz talvez não haja/ senão a ausência da estrela". A dualidade é poesia em estado bruto?

ESPINHEIRA:- Não vejo isto em "Uma Cidade". A imagem que você cita, de "Inúmero", não é, a meu ver, uma colocação de opostos. Arrisco-me a racionalizar um pouco e dizer que procurei aproximar a vida, repleta de ilusões, do fenômeno da luz que continuamos a ver mesmo quando a estrela que a emitia já não existe mais. Ou seja: a estrela que vemos não é estrela, não é mais, é apenas a sua luz, que continua viajando pelo espaço. Se fizéssemos uma viagem através dessa luz, em sua origem já não encontraríamos estrela alguma. Podemos dizer que essa luz não é mais do que uma "memória" da estrela.

- "Eu sou um menino/ contendo um homem que contém/ um menino." O que o poeta tem de lúdico?

ESPINHEIRA:- O Ivan Junqueira, num estudo sobre a minha poesia (incluído no livro O Fio de Dédalo, recentemente lançado pela Record), começa destacando o ludismo. Sim, há algo de lúdico aqui e ali, mas penso que a minha poesia – e o próprio Ivan frisa isto – é muito mais marcantemente melancólica, elegíaca. No meu próximo livro, ainda em preparo, aparecerão, na parte final, alguns poemas bem-humorados, mas a maior parte da obra se caracterizará pelo lirismo elegíaco de que fala o Ivan.

- "Todo amor está perdido/ ao nascer", é o verso de abertura do poema "Do Amor". É possível ser e não ser ao mesmo tempo?

ESPINHEIRA:- Não sei se entendi bem a pergunta. Bom, acho que sim, porque ninguém nos garante que o que julgamos ser é de fato o que é. Somos, sobretudo, o que sonhamos, o que nos transforma parcialmente em sonho. A vida é sonho, disse Calderón, creio que com muitíssima razão. "Todo amor está perdido/ ao nascer…" Na verdade, tudo está perdido desde a sua origem. Tudo caminha para isto: perder-se. Inclusive a vida.

- Ainda neste poema, "Do Amor", o que fica de um amor são destroços e o que não foi dito e o que não foi feito?

ESPINHEIRA:- Somos sempre uns destroçados. E os destroços ficam um pouco, boiando na superfície, depois também desaparecem. Mas só desaparecem, todos esses destroços, quando desaparecemos. Qualquer pessoa que se examine bem só quase vai encontrar destroços.

- Falar do poema no poema é o futuro da poesia?

ESPINHEIRA:- Espero que não. Se for, significa que a poesia não tem futuro… Pode-se tratar da poesia no poema, exercitar a metalinguagem, mas ficar nisto é extrema pobreza. Já pensou se Homero, em lugar de tratar dos deuses, da guerra, de Ulisses e Cia., ficasse falando do seu fazer poético? A poesia, no meu entender – a poesia e toda arte -, deve expressar a vida, a condição humana. Poesia não é truque, não é jeitinho, não é receita. Por falar em receita: quem quiser que leve a sério a Filosofia da Composição, de Poe, e tente fazer seu O Corvo… Nada me irrita mais, hoje, do que pegar num livro de jovem autor e encontrar as lamúrias (porque geralmente estão se lamuriando, impotentes, incapazes de criar) do fazer poético. Ao contrário do que dizem os formalistas, nós não fazemos arte meramente com técnica – mas, sobretudo, com o que somos. A técnica é o que, como dizia Mário de Andrade, pode ser ensinado. Qualquer um pode aprender técnica, mas só faz poesia quem, além de conhecer a técnica, é poeta. E ninguém pode ensinar ninguém a ser poeta.

Alexei Bueno diz que a poesia brasileira é cocô de cabrito: pequena, sequinha e idêntica. Concorda com Alexei?

ESPINHEIRA:- O Alexei não diz isto sobre a poesia brasileira como um todo, mas a respeito de certa poesia, exatamente a poesia dos formalistas: concretistas, neoconcretistas, construtivistas et caterva, que são todos neoparnasianos. Aí, sim, é puro cocô de cabrito. E esses caras ficam produzindo isso e dizem que se trata de rigor. Confundem verso longo com discursivismo e verso (ou que nome tenha) curto com síntese. É a pobreza mental em toda a sua pujança.

- O poema "Aniversário" é sobre a perda: "Perdi colegas, namoradas, cães./ Perdi árvores, perdi um rio/ e eu mesmo nele me banhando". O rio é uma perda eterna, já que, por Heráclito, ninguém passa pelo mesmo rio duas vezes?

ESPINHEIRA:- Pois é, novamente a perda na minha poesia… A imagem do rio é perfeita: ninguém se banha no mesmo rio duas vezes. Tanto por não ser mais o rio o mesmo, porque flui, quanto por também a pessoa fluir, mudar-se continuamente em si. Como vê, minha poesia é mesmo muito melancólica. Não é uma atitude intelectual: é que a vida é assim…

- Tudo o que um bom poeta escreve é pensado, projetado, articulado ou o inconsciente fala mais alto e há uma conexão divina para inspirar o momento de escrever o poema? Como é o seu processo criativo?

ESPINHEIRA:- Sendo um agnóstico, não posso aceitar a conexão divina. Mas sei que Anima canta e que é do seu canto que vem a arte. Que não é só um canto espontâneo, tem que passar pela crítica. Fernando Pessoa fala de harmonia de idéia e emoção. Há um verso dele que expressa perfeitamente a coisa: "O que em mim sente ‘stá pensando". Meu processo criativo é igual ao de todos, em linhas gerais: impulso e crítica. Ninguém consegue fazer arte apenas com o intelecto, com inteligência e técnica, pois assim qualquer pessoa inteligente e culta seria artista. Todo mundo é capaz de aprender o que pode ser ensinado, como dizia Mário, mas só os artistas produzem arte. Só os que atingem aquela harmonia de idéia e emoção. Ninguém decide ser artista: ou se é ou não se é. Não é escolha – é condição. Porque o artista é, ainda lembrando Mário, um fatalizado.

- "Uma vida não dá/ para contar/ uma vida", versos de "Poema de Novembro", mostram a incapacidade humana de abarcar o todo. O poema pode ser considerado mais profundo e autobiográfico do que algumas autobiografias?

ESPINHEIRA:- Como falei antes, escrevo com o que sou. Como todo poeta, ou artista, produz. Posso imitar Bandeira, ou Drummond, mas não posso fazer a poesia deles – simplesmente porque não sou Bandeira nem Drummond. Não vivi a vida deles, não possuo as suas, digamos, idiossincrasias. Repito: não sou eles, sou o que há de mim, apenas. O poema, a meu ver, é sempre, de certa maneira, autobiográfico – porque você o produz com o que você é. Só os imbecis – que, infelizmente, são em grande número – é que podem pensar que a arte se faz com mera aplicação de técnicas. Aristóteles mostrou bem a diferença entre Empédocles, que escrevia ciência em versos, e Homero, que fazia poesia. As técnicas são o meio, mas não a fonte. A fonte é o artista. Quanto às autobiografias intencionais, podem ser menos ou mais sinceras. Mas, como já dissemos, a memória é ficcionista…

- Como foi ser Beatriz dos Anjos Silva?

ESPINHEIRA:- O poema "A Canção de Beatriz" foi deflagrado pelo depoimento de uma prostituta, em entrevista que acompanhei, a uma namorada minha, jornalista. Veio de súbito, dias depois, e foi o único poema que escrevi diretamente à máquina. Saiu de vez, como um jorro. Há quem o estranhe muito. Há quem o julgue prosaico. Há quem o deteste. Mas há também quem goste muito dele. O que posso dizer é que é um poema singular em minha obra. E ser Beatriz dos Anjos Silva foi, sem dúvida, uma forte experiência emocional.

- O que faz nas horas de lazer?

ESPINHEIRA:- Leio. De vez em quando, uma farrinha com amigos, um banho de mar. Mas geralmente leio.

- Como encara a matéria da revista Veja que ridiculariza poetas?

ESPINHEIRA:- Como uma matéria ridícula.

- Tem algum mote que o acompanhe?

ESPINHEIRA: Há muitos motes bons por aí. Lendo Nietzsche, Monteiro Lobato encontrou um que passou a seguir, e do qual sempre me recordo. Disse o filósofo: "Se queres seguir-me, segue-te." Creio que, embora não muito intencionalmente, observo esse mote.

- Qual o papel do escritor na sociedade?

ESPINHEIRA:- É ser escritor. Se possível, bom escritor. Segundo Ezra Pound, os escritores têm um função social definida, a qual é proporcional à sua competência como escritores. Como cidadãos, eles têm inúmeras obrigações e preferências políticas, cada qual com as suas. Mas a principal obrigação como escritor é ser bom e procurar manter viva a sua herança de cultura e o vigor de sua língua. Mesmo porque, como advertia o mesmo Pound, se a literatura de uma nação entra em declínio a nação se atrofia e decai.

Fonte:
http://virtualbooks.terra.com.br/

Nélson Jahr Garcia (Shakespeare: a arte da persuasão)

Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que sonha a tua filosofia ( There are more things in heaven and earth, Horatio, that are dreamt of than in your philosophy)

Muito já se discutiu e se escreveu sobre persuasão. J.A.C. Brown, psicólogo, escreveu "Técnicas de Persuasão". William Sargant, psiquiatra, produziu a obra "Battle for the Mind". sobre conversão religiosa e lavagem cerebral. Serguei Tchakhotine escreveu "Le viol des foules par la propagande politique."

Os estudiosos da Escola de Frankfurt produziram várias obras que envolviam o assunto, principalmente Max Horkheimer, Theodor Adorno e Jürgen Habermas. Infelizmente nenhuma dessas obras trouxe uma explicação satisfatória sobre o processo da comunicação persuasiva.

É que às vezes as respostas não se encontram em cientistas, pesquisadores e doutores, mas com literatos, poetas, dramaturgos; aqueles que observam, sentem e escrevem. Interessante, percebem as coisas da vida sem utilizar metodologias científicas e que tais. Aprende-se Psicologia com Machado de Assis, melhor que em Freud; Sociologia, com Gilberto Freire, se conhece melhor do que em Durkheim.

William Shakespeare produziu uma teoria sobre a persuasão que cientista nenhum desvendou, basta ler com atenção devida.

Iago, com argumentos e artimanhas, convenceu Otelo de que sua esposa, Desdêmona, era infiel. Lady Macbeth persuadiu Lorde Macbeth a matar o rei para tomar-lhe o trono. Próspero, dominou espíritos para que o ajudassem em sua vingança. Cássio convenceu Bruto a matar Júlio César. O fantasma do rei da Dinamarca convenceu Hamlet, o filho, a vingar sua morte. Romeu seduziu Julieta e foi seduzido por ela, a ponto de se suicidarem ambos. Petrucchio domou a megera Catarina, transformando-a em mulher dócil e submissa. Em todas essas obras, e em outras que não mencionei, há uma idéia recorrente: a comunicação persuasiva, para ser eficiente, pressupõe um fator: as fraquezas humanas. As pessoas são mais facilmente persuadidas quando se apela para o egoísmo, ambições, invejas, ciúmes, paixões, dores, arrependimentos.

Esse foi um dos legados que William Shakespeare nos deixou, há quatrocentos anos. Entender o ser humano em suas fraquezas, suas forças, suas felicidades, seus gozos e angústias. Mas não se trata apenas de entender o outro, a nós mesmos também. Somos todos guerreiros, às vezes, políticos, no sentido grego, constantemente. Também somos incapazes. Romeu não conseguiu ser bem sucedido com Julieta, não lhe deram tempo nem oportunidade. Macbeth não pode obter as vantagens do trono, sanguinariamente conquistado.

Quanto ao ser humano, Shakespeare nos ensina algo importante, senão fundamental: o homem não é bom ou mau, apenas homem. Um famoso humorista contestava a história do Chapeuzinho Vermelho. Perguntava: "por que lobo mau, acaso existe lobo congregado mariano ou coroinha de igreja? Lobo é lobo, nem mau nem bom, só lobo". Pois é, o homem é homem, nem bom nem mau, apenas homem.

Shakespeare percebeu, o que os chineses já sabiam há séculos e Marx viria a descobrir mais tarde: o homem é uma unidade de contradições, maldade e bondade as carrega no peito, ao mesmo tempo e em todas as horas.

Frei Lourenço (Romeu e Julieta) em um breve monólogo disse o seguinte: "A terra é a mãe e a tumba da natura; ministra a morte e, assim, apresta a cura. Filhos de vária espécie, no seu seio a mamar encontramos, sem receio; uns por por várias virtudes, excelentes; cada um com a sua, todos diferentes. Oh! é admirável a potente graça que há nas ervas, na flora, na pedra crassa, pois até mesmo o que há de vil na terra algo de bom, influência dela, encerra; nem nada bom existe, que, torcido do uso normal, não se revele infiel à própria natureza e nascimento. Até mesmo a alta virtude, num momento mal aplicada, em vício se transforma, e este, por vezes, ao dever dá a norma. Na corola infantil desta florzinha veneno mora que dá morte asinha, Cheirado, ao corpo todo dá alegria; mas pára o coração no mesmo dia, quando dado a beber. Dois reis potentes nas plantas e nos homens oponentes acampamento têm: a atroz cobiça e a graça benfazeja. Se insubmissa se mostra a pior, então vem logo o verme da morte e rói essa plantinha inerme."

O arrependimento é de constante frequência na obra do dramaturgo, os personagens perpetram as piores crueldades imagináveis, mas acabam sofrendo dores de consciência. Macbeth mandou matar o rei para obter a coroa, mas passou a sofrer amarguras internas. Hamlet estava decidido a vingar o pai assassinado, mas era angustiado pela dúvida: "ser ou não ser, eis a questão".

Os chefes das famílias rivais, Capuleto e Montecchio, após a morte dos filhos, concluem: "CAPULETO: Dá-me tua mão irmão Montecchio; é o dote de minha filha. Mais pedir não posso. MONTECCHIO: Mas eu posso dar mais, pois hei de a estátua dela fazer do mais puro ouro. Enquanto for Verona conhecida, nenhuma imagem terá tanto preço como a da fiel e mui veraz Julieta. CAPULETO: Romeu fama também dará à cidade; vítimas são de nossa inimizade."

Próspero (A Tempestade) depois de dominar espíritos para que o auxiliassem em sua vingança, termina concluindo: "Restou-me o temor escuro; por isso, o auxílio procuro, de vossa prece que assalta até mesmo a Graça mais alta, apagando facilmente as faltas de toda gente. Como quereis ser perdoados de todos vossos pecados, permiti que sem violência me solte vossa indulgência."

Voltemos à teoria da persuasão. A credibilidade de quem assegura a veracidade da afirmação é importante.. Como duvidar da palavra de uma feiticeira. Macbeth ouviu, não de uma, mas de três feiticeiras: "Primeira bruxa: Viva, viva Macbeth! Nós te saudamos, thane de Glamis. Segunda bruxa: Viva, viva Macbeth! Nós te saudamos, thane de Cawdor. Terceira bruxa: Viva Macbeth, que há de ser rei mais tarde!" . Realmente Macbeth se tornou thane de Glamis, depois de Cawdor e afinal rei. Tornou-se thane por merecimento, mas foi induzido pela ambição, que Lady Macbeth soube explorar, a ponto de convencê-lo a matar o rei para tomar-lhe o trono.

A força de um bom argumento, preferencialmente mesclado com sentimento, é decisivo para a persuasão. Julieta, na cena em que está na sacada (antigamente se dizia balcão), pronunciou uma das frases mais célebres da literatura universal: "Meu inimigo é apenas o teu nome. Continuaria sendo o que és, se acaso Montecchio tu não fosses. Que é Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença ao corpo. Sê outro nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição que dele é sem esse título. Romeu risca teu nome e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteiro."

A argumentação, acompanhada de um fato adrede preparado, por menor que seja, tem um incrível poder persuasivo, principalmente quando se explora uma fraqueza como o ciúme. Iago furtou a Desdêmona, um lenço que lhe havia dado Otelo e o deixou às mãos de Cássio. Daí o seguinte diálogo: "IAGO - Sede cauto; ainda não vimos nada; é bem possível que seja honesta. Ora dizei-me apenas o seguinte: não vistes porventura nas mãos de vossa esposa, algumas vezes, um lenço com bordados de morangos? OTELO - Dei-lhe um assim; foi meu primeiro mimo. IAGO - Ignorava esse fato; porém tenho certeza plena de ter hoje visto Cássio passar na barba um lenço desses, que foi de vossa esposa. OTELO - Se era o mesmo... IAGO - O mesmo, ou outro qualquer dos lenços dela, é prova muito forte, ao lado de outras."

Incrível, o patriotismo, o amor à cidade onde se vive podem gerar susceptibilidade à persuasão, Vejam em Júlio César; Bruto orientado pelo patriotismo, e um pouco de ambição, aceita a influência de Cássio; e diz: "Preciso é que ele morra. Eu, por meu lado, razão pessoal não tenho para odiá-lo, afora a do bem público." Matou Júlio César. Fator importante de convencimento é a cobrança por um favor prestado. Próspero (A Tempestade) libertou Ariel do domínio da bruxa Sicorax e, em troca, exigiu apoio para seu desejo de vingança. O diálogo é assim: "PRÓSPERO: Quê! Zangado? Que podes desejar? ARIEL: Lembra-te que te prestei serviços importantes nunca menti, nem descuidei de nada, nem me mostrei queixoso ou rabugento. Prometeste abater-me um ano inteiro. PRÓSPERO: Pareces esquecido do tormento de que te libertei."

O cansaço e o desgaste físico, geralmente, são fatores que aumentam a sugestionabildade em muitas pessoas. Nas forças armadas a leitura da ordem do dia é realizada depois que os soldados foram submetidos a pesados exercícios e longas marchas. Nas academias de artes marciais, os princípios morais e filosóficos são discutidos ao final do treinamento, quando os alunos já se encontram exauridos. Petrucchio (A megera domada) forçou Catarina, imediatamente após o casamento, a viajar sob um inverno rigoroso, ocasião em que ela caiu do cavalo sobre a lama. Já em casa, ralhando com o empregado, alegou que a comida estava ruim jogando-a fora. Com isso deixou Catarina faminta por logo tempo, levando-a quase ao desespero. Não a deixava dormir à noite, fazendo muito barulho e gritando com os empregados. Não a deixava fazer nenhuma afirmação sem contestá-la. Ao cabo de algum tempo a megera hostil transformou-se em mulher gentil, delicada e obediente.

Recurso persuasivo muito utilizado, o apelo à indignação e ao sentimento de revolta, foi empregado por Marx, Lenin, Hitler e tantos outros. Cláudio envenenou seu irmão, rei da Dinamarca, tomou o trono e casou-se com a rainha. O fantasma do rei assassinado apareceu perante seu filho, Hamlet, convencendo-o a vingar-lhe a morte. Seu apelo dizia o seguinte: "Sou a alma de teu pai, por algum tempo condenada a vagar durante a noite, e de dia a jejuar na chama ardente, até que as culpas todas praticadas em meus dias mortais sejam nas chamas, ao fim, purificadas. Se eu pudesse revelar-te os segredos do meu cárcere, as menores palavras dessa história te rasgariam a alma; tornar-te-iam, gelado o sangue juvenil; das órbitas fariam que saltassem, como estrelas, teus olhos; o penteado desfar-te-iam, pondo eriçados, hirtos os cabelos, como cerdas de iroso porco-espinho. Mas essa descrição da eternidade para ouvidos não é de carne e sangue. Escuta, Hamlet. Se algum dia amaste teu carinhoso pai... Vinga o seu assassínio estranho e torpe.

A Shakespare não passou despercebido que os seres humanos muitas vezes, tentam convencer não outros, mas a si próprios, especialmente quando precisam justificar suas atitudes e ações. Edmundo (Rei Lear) registra bem esse aspecto: "Essa é a maravilhosa tolice do mundo: quando as coisas não nos correm bem - muitas vezes por culpa de nossos próprios excessos - pomos a culpa de nossos desastres no sol, na lua e nas estrelas, como se fôssemos celerados por necessidade, tolos por compulsão celeste, velhacos, ladrões e traidores pelo predomínio das esferas; bêbedos, mentirosos e adúlteros, pela obediência forçosa a influências planetárias, sendo toda nossa ruindade atribuída à influência divina... Ótima escapatória para o homem, esse mestre da devassidão, responsabilizar as estrelas por sua natureza de bode. Meu pai se juntou a minha mãe sob a cauda do Dragão e minha natividade se deu sob a Grande Ursa: de onde se segue que eu tenho de ser violento e lascivo. Pelo pé de Deus! Eu teria sido o que sou, ainda que a mais virginal estrela do firmamento houvesse piscado por ocasião de minha bastardização."

As citações mostram que Shakespeare, sem pesquisas e fundamentos científicos, mas com intuição e sensibilidade, percebeu como é frágil a mente humana. Alguns recursos de comunicação podem induzir pessoas a agirem de maneira que elas não fariam em outras condições.

Desconheço o que ocorre no céu, mas na terra há fatos e atos humanos que, com nossos conhecimentos e concepções filosóficas, mal sonhamos explicar.

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Sobre o autor
Nélson Jahr Garcia, que nasceu em São Paulo, formado na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Professor da USP, e de outras Faculdades Particulares. Fez mestrado e doutoramento em Ciências da Comunicação na ECA-USP. Escreve livros, artigos. É webdesigner e ebook-publisher.
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Fontes:
http://virtualbooks.terra.com.br/
Desenho: http://www.mediabistro.com

Gonçalo Júnior (Livros de "fantasia" fascinam britânicos e o mundo )

Ao ser questionado sobre o fascínio dos britânicos pelo que se chama genericamente de livros de fantasia, o escritor inglês Terry Pratchett brinca quando busca uma explicação. O clima no Reino Unido, diz ele, é tão ruim que se faz necessário criar novos mundos para fugir da realidade. Depois, fala sério e explica que a causa pode estar no fato de que os britânicos têm um folclore muito rico graças à maneira curiosa com que o país absorveu a mitologia de outros povos ao longo dos séculos. "Temos elementos dos franceses, dos nórdicos, dos romanos, dos galeses e até dos alemães, nós simplesmente colocamos tudo junto e isso está espalhado por toda parte", observa ele, em entrevista a este jornal. O escritor lembra que, por exemplo, que é comum afirmar que todas as grandes cavernas no Reino Unido pertenceram ao mago Merlin ou a algum poderoso bruxo. "Então, você cresce pensando as coisas de uma certa maneira".

Os romances de fantasia são uma instituição secular no Reino Unido. Dirigidos a princípio a crianças e adolescentes, são vorazmente consumidos por jovens e adultos de todas as idades. Thomas A. Shippey, biógrafo e estudioso da obra de Tolkien, explica que a tradição começou talvez com William Morris, no final de 1880. Existiram, porém, outros autores de fantasia antes de Tolkein, na primeira metade do século XX, como Lord Dunsany, E. R. Eddison e Lewis Carroll, criador dos livros de "Alice". Shippey lembra também o gênero migrou para outros países, como os Estados Unidos, onde destacam-se como principais nomes Robert E. Howard (criador de "Conan, O Bárbaro"), Fritz Leiber e Lion Sprague De Camp.

Tanto Shippey quanto Pratchett lamentam que a crítica continue a subestimar a tradição consagrada por "O Senhor dos Anéis". "Eu acho que os críticos não gostam do gênero e suspeito que é porque eles não têm controle sobre isso. Mas não importa o que eles pensam, os leitores decidem por eles mesmos", avalia Pratchett. Ele observa que todos os autores de fantasia que se lembra foram bons vendedores muito antes de qualquer crítico ter sido "incomodado" com alguma notícia sobre eles. Os críticos, acrescenta Shippey, não apenas subestimam o gênero como também são incapazes de considerá-lo dentro da literatura. Em geral, afirma, eles lidam com isso dizendo que isso "não é literatura". "Se você não pode entender alguma coisa, negue a sua existência...", ironiza.

Shippey vê como positivo para combater esse preconceito o sucesso editorial dos romances de "Harry Potter". Ele os define como de boa qualidade e sinalizadores de abertura de um mercado que se acreditava limitado ou mesmo inexistente. "Tanta aceitação de Harry Potter mostra que crianças estão preparadas para ler ou escutar livros muito longos, desde que elas tenham uma história empolgante para ler". E acrescenta: "Contar história é outra coisa que os críticos não se sentem muito contentes a respeito". Pratchett concorda com ressalvas. Na sua opinião, os livros de Rowling são bons, mas "massivamente falados e insensados". Agora, acrescenta, essa onda está seguindo seu próprio curso. "Os romances de Potter não trazem muita coisa nova, vejo-os como uma receita diferente na qual se usa basicamente os mesmos ingredientes. Mas não há nada errado com isso. Afinal, o mesmo pode ser dito da maioria dos outros gêneros literários".

Para Pratchett, os britânicos realmente gostam de escrever livros de fantasia, mas não tem certeza se gostam de lê-los mais outros povos. E também cutuca a crítica: como os livros de fantasia são muito populares, existe uma "imensa esnobação" contra o gênero por parte dos críticos literários. Ele recomenda cautela ao tentar definir o termo fantasia. "Deixando de lado lendas como a do Rei Arthur, nós não temos uma grande tradição de fantasia heróica. Temos tradicionalmente escrito o que eu chamo de 'doorway fantasies', onde uma porta, uma caverna, um buraco no chão ou mesmo um guarda-roupa são uma porta secreta para um outro mundo o qual possui ecos do nosso próprio". Esse foi o tipo de livro escrito por nomes consagrados como Lewis Carroll, E. Nesbit, John Masefield e Clive Staples Lewis (C.S.) Lewis - considerado um dos influentes autores pela série de sete livros "As Crônicas de Nardia", todos lançados no Brasil pela Martins Fontes. O que é pouco usual sobre o Senhor dos Anéis, acrescenta Pratchett, é que a Terra Média é completamente idealizada e separada do Mundo, não há uma ponte para ela, as pessoas não vão para lá ter aventuras e voltar para casa. É algo dentro dele mesmo.

Terry Pratchett é um fenômeno literário na Inglaterra desde a década de 1980, quando lançou o primeiro dos 26 livros da série "Discworld", com quase 30 milhões de exemplares vendidos somente em seu país. Agora, o leitor brasileiro que curte as aventuras de "Harry Potter" e "O Senhor dos Anéis" tem a oportunidade de conhecer seus livros. A Conrad Editora acaba de publicar o primeiro título, "A Cor da Magia" (232 páginas, R$ 25), e promete lançar mais dois livros até maio. O projeto da editora é ousado pela respeitável tiragem inicial de 25 mil exemplares. A confiança, claro, tem a ver com os 800 mil exemplares de "Harry Potter" comercializados até agora pela Rocco no Brasil.

Os primeiros livros de Diskworld, chamaram a atenção porque, inicialmente, colocaram humor no mundo de fantasia heróica nos anos de 1980. "Sou mais interessado em pessoas do que em dragões". A série de Pratchett já foi publicada em 27 línguas. Uma das peculiaridades da obra está na criação de seu ambiente de fantasia. Pode parecer estranho, mas a intenção é ser engraçado: um mundo em forma de disco - Discworld - com alguns milhares de quilômetros de extensão, suspenso no espaço por quatro elefantes, posicionados sobre uma tartaruga de tamanho descomunal. Seus habitantes são deuses, magos, guerreiros mercenários, duendes e caixas mágicas, mas está longe de ser algo parecido ao universo de Tolken ou Harry Potter. Sobre suas influências, o autor afirma que foram muitos poucos dentro da fantasia. Com exceção, "possivelmente", de G.K. Cheston. "Estilisticamente, eu sou provavelmente influenciado por autores como Mark Twain e Jerome K. Joreme".

De olho no filão, pelo menos mais quatro editoras confirmam lançamentos no gênero nas próximas semanas, com aventuras que têm crianças e adolescentes como protagonistas. A Record investe no potencial do propagado "Artemis Fowl - o menino prodígio do crime", de Eoin Colfer (288 págs, R$ 25,00). Amparado num forte marketing internacional, o livro de Colfer - autor de livros infantis, com seis obras publicadas - também tem um garoto diferente como protagonista e tem tudo para seguir os passos de "Harry Potter". Enquanto escreve o segundo volume, o autor - de origem irlandesa - comemora a estréia promissora da série. Pode parecer pouco, mas "Artemis Fowl" já circula em 25 países e acumula vendas de 350 mil exemplares.

A receita do personagem se concentra no fato de que o herói mirim não se encaixa no perfil dos personagens infanto-juvenis convencionais. Fowl é um pessimista e mal humorado que é um gênio do crime. Suas aventuras bem moderninhas combinam ação, Internet e magia - sim, isso é possível. Ele é o herdeiro do clã dos Fowl, uma lendária família de personagens do submundo, célebres na arte da trapaça. Para tentar recuperar a fortuna de sua família, após o desaparecimento misterioso de seu pai, ele bola um plano mirabolante que pode levar seu planeta a guerra entre espécies. Para colocá-lo em prática, chantageia e rouba com o propósito de desvendar os segredos do Povo das Fadas e descobrir onde esse povo guarda uma enorme reserva de ouro. Os direitos do livro, claro, já foram vendidos para a Miramax, que já confirmou até Cameron Diaz no papel da fada Holly.

A Geração Editorial aposta em "Os Mundos de Crestomanci", da veterana Diana Wynne Jones (253 págs, R$ 18,90). Não é preciso ir além de duas páginas de "Os Mundos de Crestomanci" para perceber o quanto o livro de Diana Wynne Jones lembra "Harry Potter". Com uma diferença: foi publicado quase 20 anos antes, em 1977. A estória começa com o naufrágio de um navio, do qual poucos escapam. Entre estes, o garoto Gato Chant e sua irmã mais velha, Gwendolen, com poderes de bruxaria. Órfãos, os dois sensibilizam os governantes de Wolvercote, que pagam uma bruxa para educá-los. A menina doa as cartas trocadas entre seu pai e o misterioso Crestomanci por aulas de bruxaria. Jones escreve com simplicidade envolvente e é indicado para quem gosta ou odeia "Harry Potter".

A coleção de Jones é composta de cinco títulos. O volume de estréia já vendeu mais de um milhão de exemplares em mais de uma dezena de países. Somente do ano passado para cá, somente na Inglaterra e nos Estados Unidos a tiragem passou de 700 mil cópias.

A Objetiva finaliza em janeiro a publicação em português da elogiada trilogia de Philip Pullman, "Fronteiras do Universo" - formada pelos livros "A Bússola Dourada", "A Faca Sutil" e "A Luneta de Ambar" (número de páginas e preço não definidos). Consagrados pela crítica especializada inglesa como uma das melhores obras da fantasia atual, os dois primeiros volumes lamentavelmente não decolaram no Brasil e ficaram longe de corresponder às expectativas do editor. Cada livro não passou da primeira tiragem (esgotada) de 2 mil exemplares. Mesmo assim, a Objetiva promete para janeiro o terceiro volume e estuda a possibilidade de relançar os dois primeiros livros com novas capas - talvez o principal problema das duas edições brasileiras.

Os dois primeiros livros foram traduzidos para 18 línguas e já são considerados um clássico da literatura. "A Bússola Dourada" recebeu a medalha Carnegie, o Prêmio de Ficção do Guardian e foi eleito o Livro do Ano na Grã-Bretanha em 1996. "A Faca Sutil" recebeu o Prêmio de Melhor Seqüência - 1997 Cuffies, da Publisher's Weekly. A trilogia de Pullman também foi citada como a obra mais inventiva desde "O Senhor dos Anéis". Seus livros conquistaram leitores e a crítica especializada de vários países e ele chegou a ser comparado ao impacto de autores como Lewis Carroll, E. Nesbit, C.S. Lewis e Tolkien. Pullman mistura em suas aventuras infanto-juvenis religião, criação, evolução, morte, física cósmica, pecado, autoridade e liberdade a serviço da imaginação, da educação e da literatura de qualidade A série conta a história de Will, um garoto de 12 anos que, após assassinar um homem, sai à procura da verdade sobre o desaparecimento de seu pai. Num passe de mágica, ele passa por um portal que o leva a um mundo habitado por espectros letais, devoradores de almas e outras criaturas aterradoras que disputam com todas as forças um talismã capaz de cortar o nada e abrir passagens para outros universos: a faca sutil. Nesse mundo, conhece Lyra, com quem enfrenta mil perigos.

E quanto a Harry Potter? Vai bem, obrigado. Tanto que, a Rocco acaba de mandar para as livrarias dois aparentes caça níqueis, escritos por J. K. Howling, a autora de "Harry Potter": "Animais Fantásticos & Onde Habitam", de Newt Scamander (64 págs, R$ 12) e "Quadribol através dos séculos", de Kennilworthy Whisp (64 págs, R$ 12). Os dois títulos foram escritos supostamente para atender ao apelo de seus fãs. No primeiro, Rowling escreveu um histórico completo sobre o esporte típico dos bruxos, o "Quadribol". "Animais Fantásticos & Onde Habitam" é outra citação frequente em seus romances - trata-se de livro fictício adotado pelos professores da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts.

Em entrevista distribuída pela assessoria de imprensa da editora brasileira, Rowlling conta que os livretos nasceram de um pedido do fundador da ONG Comic Relief, Richard Curtis. A escritora já colaborava com a entidade e decidiu participar do projeto. As vendas no Reino Unido - mais de 80% do valor da capa - foram para a instituição que desenvolve projetos humanitários na África. O percentual só foi possível graças à participação de livreiros, fornecedores de papel e cessão de direitos autorais. A venda internacional das duas publicações será doado para ajudar crianças pobres de todo o mundo.

Os livretos têm um apelo irresistível para os fãs de Harry Potter. Primeiro, porque poderá consultar informações recorrentes em todos os romances, mas não detalhadas. Depois, trazem rabiscos escolares de Harry e Rony - feitos pela própria autora na edição original inglesa. O livro sobre quadribol traz até pesquisa histórica. O jogo teria surgido no século XI, como um esporte rústico, jogado com vassouras caseiras. Nos dois séculos seguintes, os bruxos acrescentaram mais bolas e ficaram com o formato como é conhecido hoje. Vale pela causa.

Fontes:
InvestNews/ Gazeta Mercantil Sexta, 30 de novembro de 2001
http://www.terra.com.br/diversao/2001/11/30/012.htm
Foto: Ilustração do Livro Crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis

Como "não se deve" fazer trovas

(o bom humor é meu, a interpretação é sua)

Muitos especialistas na matéria vivem ensinando como fazer trovas, orientando-se, é claro, pelos princípios básicos da UBT.

Pois hoje eu quero ensinar-lhe "como não se deve fazer trovas". E garanto-lhe, de antemão, que é muito mais fácil e, de quebra, com toda certeza irá lhe render muitos troféus na estante. Se amanhã ninguém se lembrar de alguma trova sua, o que importa? Ali estarão seus troféus, como testemunhas palpáveis e permanentes de suas conquistas.

Bom, comecemos pelas "lírico/filosóficas". Independente de qual seja o tema, sua trova deve conter a palavra "saudade". Em torno dela tente compor as demais 25 ou 26 sílabas poéticas que irão coroar sua obra de arte. E tente ser o mais convincente possível. Porque se o julgador perceber que você está "forçando a barra", isso poderá lhe ocasionar uma desclassificação, o que seria lamentável para suas pretensões. Se ainda assim tiver dúvidas, pegue qualquer livro de resultados e dê uma geral. Você irá se surpreender com a lógica destas afirmações...

O termo que concorre quase em plano de igualdade com "saudade" é "sonho". Use e abuse do seu direito de sonhar. Também não corre risco de despencar no IBOPE. Caso queira variar, então você pode utilizar "solidão", "esperança", "tristeza" (eu conheço uma certa "a tristeza que me invade" que é recordista em galardões!)... Mas faça sempre uma referência, mesmo que de forma velada, ao "amor", que é o carro-chefe de toda a guarnição. Mas "desamor" também é bom. Para concluir, veja se ficou parecida com alguma trova famosa que você já conhece. Se ficou, melhor ainda: o sucesso está garantido!

E resta ainda a alternativa das frases, que podem ser provérbios ou mesmo citações bíblicas e filosóficas. Não vá se distrair e colocar o nome do verdadeiro autor, porque esse descuido também gera desclassificação. Para todos os efeitos é uma criação sua. Muito bem, passemos agora às trovas humorísticas. Continua valendo o exemplo anterior: independente do tema, seu único trabalho será escolher um personagem: "vizinho" tem boa cotação; "português" também é ótimo aperitivo mas o alvo preferido (porque o retorno é garantido) é "sogra". Fora isso tem "amante", "corno", viúva", "gordo"... Porém o que nos últimos anos vem fazendo um estrondoso sucesso, com efeitos "magníficos", é adaptar piadas do anedotário, transformando-as em trovas. Digo e explico: a maioria das pessoas encarregadas de votar não costuma ler almanaques de piadas e também não sabe que os princípios básicos que regem a UBT recomendam que se evite essa tática. Isso virou "uma mina de ouro". Pode fazer, que dá certo. Ultimamente até aquelas piadas mais manjadas estão sendo aproveitadas. Como se diz na minha terra: é "mamão com açúcar"!

Agora, um último recurso: se mesmo assim, depois de esgotadas todas as tentativas, você continuar na galeria dos que nunca conseguem perfilar entre os laureados, só resta uma saída: pegue aquelas trovas com as quais você premiou há muito tempo atrás, lembra-se? Dê uma boa requentada nelas ou então troque apenas umas palavras, incluindo a palavra-tema (tem gente que não troca nada mas é muito arriscado) e pronto: ei-lo de volta ao pódio. Com o mesmo glamour de outrora.

Não se preocupe, já sei o que você quer me perguntar: é claro que várias pessoas irão perceber o que está acontecendo mas ficarão com pena de você e apenas farão aquela familiar expressão de "não vi nada, não sei de nada", "tô nem aí", etc. E você continuará sendo amado e festejado. E desta vez também será aplaudido. Chega de aplaudir, somente.

Não me agradeça, por favor, se ocorrer essa mudança em sua vida trovadoresca. Afinal, "se não vivemos para servir, não servimos para viver". OBS: essa frase é minha, mas pode encaixá-la numa trova, se assim o desejar.

E, encerrando, há as trovas religiosas: mesmo que você não creia em Deus, use-o em seus trabalhos, porque a comissão julgadora crê, e irá levar muito a sério as suas palavras. Quando você morrer, e for por Deus cobrado, diga que "foi só uma brincadeirinha, magina"! Que você não tinha intenção!...

Fonte:
Portal Movimento das Artes
http://www.movimentodasartes.com.br/trovador/pop_081/080420a.htm

Paraná em Trovas

Paquerador, mas casado,
da aliança faz segredo.
Sai por aí, o safado,
com um “bandeide” no dedo...
Adilson de Paula (Joaquim Távora)

Embora nos cause mágoa,
a lágrima é um grande bem.
– Nada fazemos sem água,
e é dela que tudo vem!
Antonio Facci (Maringá)

"Guardai-vos!", diz o bom senso;
"Namorai!", diz a paixão.
- Cada vez mais me convenço
de quão sábio é o coração!
A. A. de Assis (Maringá)

Se vais namorar, não leves
relógio nem celular...
São bons momentos tão breves,
que exigem total vagar.
A. A. de Assis (Maringá)

Nas costas, leva a criança
seus livros, numa sacola;
nos olhos leva a esperança
como colega de escola!
A. A. de Assis (Maringá)

Regai o amor e a alegria
no coração das crianças.
- É ali que a cidadania
se abastece de esperanças!
A. A. de Assis (Maringá)

A mágoa sufoca, aperta,
traz doença, mal-estar.
Desse mal só se liberta
quem aprende a perdoar.
Arlene Lima (Maringá)

O amor, para muita gente,
é diversão perigosa.
Quem não sabe ser prudente
transforma em espinho a rosa.
Arlene Lima (Maringá)

A sorte tem seus encantos,
seus agrados, seus engodos;
às vezes agrada a tantos,
mas jamais agrada a todos!
Amália Max (Ponta Grossa)

Se me deixas por vontade...
se vais para não voltar...
O que é que eu digo à saudade
amanhã, quando acordar?
Amália Max (Ponta Grossa)

Relógio, fique parado!
Não deixe o tempo passar...
Eu quero ser enganado
quando a velhice chegar!
Amália Max (Ponta Grossa)

Nas noites de paz eterna,
vigiando a escuridão,
toda estrela é uma lanterna
que um anjo leva na mão!
Amália Max (Ponta Grossa)

Laranjais de minha infância,
frutos que alegre colhi,
hoje olho para a distância
e choro porque cresci!
Amália Max (Ponta Grossa)

A ermida à beira da estrada
plange seu sino de um jeito,
que eu sinto a corda amarrada
na saudade do meu peito...
Amália Max (Ponta Grossa)

Depois do enxerto a coitada,
que quis o rosto alisar,
agora vive assustada...
Seu rosto só quer sentar!
Amália Max (Ponta Grossa)

Qualquer destroço encontrado
numa estrada percorrida,
são restos do meu passado;
ruínas da minha vida!
Alberto Pacco (Maringá)

Pobre sogra... pobre luso...
pobre vizinho... Eles são
pobres vítimas do abuso
dos pobres de inspiração!
Antônio da Serra

A pecar não me provoque
nem destrua o que semeio.
Não se atreva àquele toque,
pois desejo não tem freio
Cecim Calixto (Tomazina) +

Mesmo tachado de antigo,
ainda espalho esperança
ao mundo sincero e amigo
do coração da criança.
Dari Pereira (Maringá)

O tempo passa, e as lembranças
dos sonhos da mocidade
vão transformando esperanças
em desengano e saudade...
Déspina Athanásio Perusso (Londrina)

Sei que os motivos são poucos,
sei que as razões também são,
mas este amor nos põe loucos
e os loucos não têm razão!
Gerson Cesar Souza (São Mateus do Sul)

A espera é aquele momento
em que a saudade dispara
e o relógio fica lento,
fica lento e quase pára...
Gerson Cesar Souza (São Mateus do Sul)

O perdão, embora escasso,
é a cola mais indicada
para unir cada pedaço
de uma promessa quebrada.
Gerson Cesar Souza (São Mateus do Sul)

Sou feliz por um segundo
quando o amor encurta espaços
e a fronteira do meu mundo
toma a forma dos teus braços.
Gerson Cesar Souza (São Mateus do Sul)

As lembranças de nós dois
fui guardando nas caixinhas...
para descobrir, depois,
que em verdade...eram só minhas!
Istela Marina Lima (Bandeirantes)

Na resposta, que não veio,
certeza e desilusão;
você não quis que o correio
fosse cúmplice de um não!
Istela Marina Lima (Bandeirantes)

Se a resposta à sua prece
demora tanto a chegar,
não pense que Deus esquece,
tudo tem tempo e lugar!
Istela Marina Lima (Bandeirantes)

Do trem-fantasma descendo,
o luso muito espantado,
pra cachopa sai dizendo:
Pegamos o bonde errado!"
Istela Marina Lima (Bandeirantes)

Ante o fogo, até me exponho
e, se eu perder a batalha,
há de nascer outro sonho
das cinzas que o vento espalha!
Janete de Azevedo Guerra (Bandeirantes)

Voltei. Cabisbaixa eu vinha,
com o orgulho lá no chão...
Melhor do que estar sozinha
e coberta de razão!
Jeanette de Cnopp (Maringá)

Nem sempre a felicidade
vem da vitória ou da fama:
pode estar numa saudade
ou nos sonhos de quem ama!
Jeanette de Cnopp (Maringá)

Tu fazes lindos castelos
com areia do jardim.
-- Criança, os sonhos mais belos
são feitos também assim!
Jeanette de Cnopp (Maringá)

O tempo, veloz, avança,
consumindo nossos anos.
Vamos perdendo esperança
e colhendo desenganos...
José Corrêa Francisco (Ponta Grossa)
.
Tantos passos caminhei
por labirintos incertos.
Hoje com a trova achei,
como vencer os desertos.
José Feldman (Ubiratã)
.
No teu corpo perfumado,
no brilho de teu olhar,
têm um castelo encantado,
Castelo do eterno amar.
José Feldman (Ubiratã)
.
No Dia dos Namorados,
tenho saudade no peito
daqueles tempos passados
de tanto amor e respeito.
Lairton Trovão de Andrade (Pinhalão)

Num certo 12 de junho,
vi caracteres gravados:
Meu nome escrito em teu punho,
pois, éramos namorados!
Lairton Trovão de Andrade (Pinhalão)

Os abraços das chegadas
e os abraços das partidas,
com tantas datas marcadas,
vão marcando as nossas vidas!
Lucília Ap. T. De Carli (Bandeirantes)

Nem sempre vamos vencer
nessa ou naquela disputa...
O que importa é não perder
a coragem para a luta!
Lucília Ap. T. De Carli (Bandeirantes)

De volta, naquela viagem,
carregando o olhar tristonho,
via de perto a paisagem,
mas bem distante o meu sonho...
Lucília Ap. T. De Carli (Bandeirantes)

O amor, atrás das vidraças,
num peito que não se cansa,
faz descerrar, quando passas,
as cortinas da esperança...
Maria Helena Oliveira Costa (Ponta Grossa)

Mais que ouro, fama, respeito...
Mais que honraria, abastança,
é trazer dentro do peito
simplesmente uma esperança!
Maria Farias Inocêncio (União da Vitória)

Naquela mesa de bar,
nem nos tocamos, por medo...
Mas o amor em nosso olhar
era maior... que o segredo!
Maria Lúcia Daloce Castanho (Bandeirantes)

De ilusões eu fui vivendo...
e a esperança, disfarçada,
via os meus sonhos morrendo,
mas nunca me disse nada!
Maria Lúcia Daloce Castanho (Bandeirantes)

Sempre voltas... E eu, magoada,
querendo dizer-te não,
enfeito a porta da entrada
com as flores... do perdão!
Maria Lúcia Daloce Castanho (Bandeirantes)

Na altivez deste meu porte,
de rainha em pedestal...
existe a mulher que é forte
e a outra... que é de cristal!
Maria Lúcia Daloce Castanho (Bandeirantes)

Jovem, se você me ouvisse,
daria aos velhos bom trato...
por entender que a velhice
é o seu futuro retrato!
Maria Lúcia Daloce Castanho (Bandeirantes)

Lavrador, por tuas mãos,
que Deus dotou de magia,
faz-se o milagre dos grãos,
dando o pão de cada dia!
Maria Lúcia Daloce Castanho (Bandeirantes)

Minha vida hoje é um legado
de sonhos, renúncia... enfim,
por eu ter acreditado
mais nos outros... do que em mim!
Maria Lúcia Daloce Castanho (Bandeirantes)

Os meus natais de criança,
hoje eu sei, tinham magia.
Tios, pais, avós, festança...
tinham tudo e eu não sabia!
Maria Lúcia Daloce Castanho (Bandeirantes)

Saudade, esperança morta,
que ao coração não dá trelas...
Se a gente lhe fecha a porta,
ela arrebenta as janelas!
Maria Lúcia Daloce Castanho (Bandeirantes)

No meu velho travesseiro,
com as nossas iniciais,
teu amor breve e fagueiro
bordou lembranças... demais!
Maria Lúcia Daloce Castanho (Bandeirantes)

Quem sofre uma desventura
não pode deixar de crer
que, após uma noite escura,
brilha a luz do alvorecer!
Maria Lúcia Daloce Castanho (Bandeirantes)

Jovens estão temerosos?
Estimule-os a aprender,
tornando-os bem poderosos
com o domínio do saber.
Maria Stinglin (Curitiba)

Trovadores... luz... ribalta!
No cenário: a poesia.
Trova nasce... verso salta...
na maior coreografia.
Maria Stinglin (Curitiba)

Vem na natureza... em cota!
O dom de ser escritor...
Muitas vezes ninguém nota,
e o texto está numa flor!
Maria Stinglin (Curitiba)

Lá fora, nada me importa
e esqueço da vida ingrata,
quando você fecha a porta
... e tira o nó da gravata!
Neide Rocha Portugal (Bandeirantes)

Sorrateiro, sem fumaça,
arrasador, inclemente,
é aquele fogo que passa...
queimando os sonhos da gente!
Neide Rocha Portugal (Bandeirantes)

Não tema os dias futuros,
pise firme e siga adiante;
olhe a praia, que, sem muros,
escora o mar, que é gigante!
Neide Rocha Portugal (Bandeirantes)

Esperança é um galho torto
numa floresta esquecida:
por fora, parece morto;
por dentro, cheio de vida!
Neide Rocha Portugal (Bandeirantes)

Quanta energia perdida
ao longo de uma jornada,
de quem passou pela vida,
teve tempo... e não fez nada!
Neide Rocha Portugal (Bandeirantes)

Na igrejinha abandonada,
Deus não se sente sozinho:
nas mãos da imagem quebrada
um sabiá fez o ninho!
Neide Rocha Portugal (Bandeirantes)

Os agrados de verdade
que você me prometeu
me fazem sentir saudade
do que não aconteceu!...
Neide Rocha Portugal (Bandeirantes)

A esperança que castiga,
por mais distante que esteja,
é qual cirurgia antiga:
-- de vez em quando... lateja!
Neide Rocha Portugal (Bandeirantes)

O caixão do aposentado
era curto, e ele, comprido:
na vida... foi "apertado";
na morte... foi "espremido"!
Neide Rocha Portugal (Bandeirantes)

Nossa mesa, lá na roça,
fica cheia de requintes
quando o rádio, na palhoça,
diz: "Bom-Dia, Meus Ouvintes"!
Neide Rocha Portugal (Bandeirantes)

Neste frio, os namorados,
já reunidos "tete a tete",
cada vez mais agarrados...
Este inverno compromete!
Nei Garcez (Curitiba)

O namoro é uma viagem
que nos leva ao paraíso,
mas quem for comprar passagem...
Na bagagem leve juízo.
Nei Garcez (Curitiba)

Todo dia um novo amor
é tão fácil de encontrar.
O difícil, sim senhor,
... sempre o mesmo conquistar!
Nei Garcez (Curitiba)

No meu tempo de namoro
compromisso era casar.
Hoje, rindo ou com um choro,
compromisso é só ficar.
Nei Garcez (Curitiba)

Quem namora a vida inteira,
com a mesma namorada,
numa mão tem a bandeira
e na outra a sua amada.
Nei Garcez (Curitiba)

Quando o amor fica em ruína,
sem chão, paredes... ou teto,
o alicerce nos ensina
que só o carinho é concreto.
Olga Agulhon (Maringá)

As dores e os desencantos,
lancem ao pó das estradas...
– Façam dos lares recantos
que lembrem contos de fadas!
Olga Agulhon (Maringá)

No colo do solo bruto,
se a semente é bem tratada,
por prêmio colhe-se o fruto
da esperança ali plantada.
Olga Agulhon (Maringá)

Mira a “boneca” o “pendão”
que a contempla lá de cima...
– É o milho em fecundação
pra safra que se aproxima!
Olga Agulhon (Maringá)

Não há fronteira na vida
que separe um grande amor,
quando a ponte foi erguida
pelas mãos do Criador.
Olga Agulhon (Maringá)

De nada vale uma imagem
de Cristo em sua parede,
se você nem tem coragem
de dar água a quem tem sede.
Olga Agulhon (Maringá)

De viver, não tenha medo;
todo receio é bobagem...
Dessa receita, o segredo
é a pitada de coragem.
Olga Agulhon (Maringá)

Coragem: medo vencido...
Fé em Deus, em nós, na lida.
Nunca nada está perdido,
se há amor em nossa vida.
Olga Agulhon (Maringá)

Fechamos o coração
por medos e razões várias,
sem percebermos que são
barreiras imaginárias.
Olga Agulhon (Maringá)

O homem do barro nasceu...
A mulher, de uma costela.
Mas ele sobreviveu
porque estava ao lado dela.
Olga Agulhon (Maringá)

A chuva benze a semente,
que o homem planta no chão;
e Deus permite que a gente
transforme o trigo no pão.
Olga Agulhon (Maringá)

Era uma estrada deserta,
com muito barro... atolamos.
Não me lembro a data certa;
lembro o quanto nos amamos!
Olga Agulhon (Maringá)

Resisti enquanto pude,
mas não houve solução...
-- Abandonando a virtude,
entreguei... o coração!
Olga Agulhon (Maringá)

Nessa entrega louca, insana,
descobri que sou assim:
-- Tenho a alma de cigana
e fogo dentro de mim.
Olga Agulhon (Maringá)

Confessar? Não sei se devo,
tenho muito o que contar...
Mas prefiro quando escrevo,
sem ver censura no olhar!
Olga Agulhon (Maringá)

No coração trago a estrada
e, no olhar, terras sem fim...
Mas a rotina, malvada,
fez cercas no meu jardim.
Olga Agulhon (Maringá)

Companheiro, estenda a mão,
que nem um bom cavalheiro,
ao colega, amigo, irmão...
porém lave a mão primeiro!
Oswaldo Reis (Maringá)

“Tem quantas partes o crânio?”,
pergunta a mestra à piazada.
Responde unzinho, instantâneo:
“Depende da cacetada!”
Oswaldo Reis (Maringá)

Menininha no quintal,
tadinha, brincando só,
faz algo que lhe faz mal:
cata cocô de cocó...
Oswaldo Reis (Maringá)

Mostra o sábio, o que destaca
do burro a paca, e sussurra:
- é que o burro sempre empaca
e a paca jamais emburra...
Oswaldo Reis (Maringá)

Se a fé em Deus te acompanha
na andança de déu em déu,
podem barrar-te na Espanha,
nunca na porta do céu!
Oswaldo Reis (Maringá)

Nos mistérios deste outono,
as folhas caindo ao chão,
tecem colchas de abandono
que envolvem minha ilusão! ...
Sônia Mª. Ditzel Martelo (Ponta Grossa)

Que imenso mundo se esconde
na pena de intenso brilho
que torna em sábio Visconde
um sabuguinho de milho...
Vanda Fagundes Queiroz (Curitiba)


Velha torre escura, ao longe...
O seu perfil me insinua
a idéia de um velho monge
tomando conta da lua.
Vanda Fagundes Queiroz (Curitiba)

Num dos lances mais astutos
que a vida tem me inspirado,
eu mostro os olhos enxutos
e escondo o lenço molhado...
Vanda Fagundes Queiroz (Curitiba)

Quem crê não teme o fracasso
e nunca segue sozinho,
pois, quando quer dar um passo,
Deus já prepara o caminho.
Vanda Fagundes Queiroz (Curitiba)

O pinheiro nas encostas,
galhos erguidos ao léu,
lembra um homem de mãos postas,
em silencio, olhando o céu.
Vanda Fagundes Queiroz (Curitiba)

Na fantasia que usava,
de "Brasil", no Carnaval,
volta e meia ela mostrava
o "distrito federal".
Vanda Fagundes Queiroz (Curitiba)

Amor, um santo remédio,
que revitaliza e cura.
Livra-nos de qualquer tédio,
também nos leva à loucura.
Vânia Ennes (Curitiba)

Meu jogo, audaz e exigente,
encara a carta que der,
mas com você, frente a frente...
jogo charme de mulher!
Vânia Ennes (Curitiba)

Causador da minha insônia,
motivo do meu sorriso,
sem nenhuma cerimônia,
vou contigo ao paraíso!
Vânia Ennes (Curitiba)

Fazer da vida uma festa
é atitude que fascina.
Vamos rir! A hora é esta!
O bom humor contamina.
Vânia Ennes (Curitiba)

Eu não mudo de país,
nem de cidade ou estado,
porque aqui sou bem feliz...
exatamente... ao teu lado!!!
Vânia Ennes (Curitiba)

Dormi... e sonhei contigo
na praia, com lua cheia!
Foi delírio, hoje prossigo
te procurando na areia!
Vânia Ennes (Curitiba)

Reconheço que a razão
me exerce extremo fascínio,
mas, se acerta o coração...
perco o rumo e o raciocínio!
Vânia Ennes (Curitiba)

Afinal, eis a questão:
achei um rico alimento...
Somos gêmeos na emoção:
teu amor é o meu sustento.
Vânia Ennes (Curitiba)

Um mar de esperanças novas
magicamente brotou
na ternura dessas trovas
que o teu carinho inspirou!
Victorina Sagboni (Curitiba)

Depois de uma aurora linda,
sigo o momento que avança
e, quando a tarde se finda,
renovo minha esperança!
Wanda Rossi de Carvalho (Bandeirantes)

Usando o adubo da fé
em Vila Capivari,
o povo, ao plantar "café",
fez nascer "Jambeiro" ali!
Wandira Fagundes Queiroz (Curitiba)

O jambo é tão brasileiro,
não por seu sabor apenas:
deu também nome a Jambeiro
e "cor" às nossas morenas!
Wandira Fagundes Queiroz (Curitiba)

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

A. A. de Assis (Estudar é Preciso)

O poeta nasce feito?...Quase. Nasce com uma competência natural, o que geralmente chamamos "dom". Esse "dom" distingue-o como uma pessoa especial, criativa, capaz de utilizar a palavra como matéria-prima da arte. O poeta precisa, entretanto, ajudar a natureza, complementando o "dom" com as ferramentas proporcionadas pelo estudo e pelo treinamento. O estudo lhe fornece a indispensável bagagem cultural; o treinamento lhe permite aprimorar a técnica. Isso siginifica que ninguém fará poesia de boa qualidade sem que se empenhe num constante e diciplinado exercício de aprendizagem.

Consulta freqüente a bons manuais de linguagem e de versificação, leitura de livros e mais livros de poemas (principalmente livros e mais livros de Trovas); aprofundamento na história da literatura; participação em oficinas, seminários, congressos, concursos, festas literárias, etc; permanente troca de idéias com outros poetas, sobretudo produção intensa de poesia. Porque o poeta ou se entrega para valer, e apaixonadamente, à sua arte, ou jamais passará de um fazedor de versinhos. Toda arte exige dedicação. A poesia mais do que qualquer outra, e mais ainda a poesia na modalidade Trova. Muito estudo. Treinamento incessante. "Dom", cultura e técnica somados.

Se você aceita o desafio, parabéns para todos nós, candidatos que somos a leitores dos seus belos versos.

Fonte:
Boletim Nacional da União Brasileira dos Trovadores
Agosto 2008 - numero 481. p.1.

Rafael Castellar das Neves (Era uma vez uma Novidade)

Ah, como é delicioso o sabor de uma novidade! Aquela novidade de algo surpreendente introduzido em nossas vidas e que nos rouba toda a atenção. Que nos faz dedicarmo-nos de maneiras improváveis e questionáveis. Que derruba valores, conceitos e definições. Que nos faz agir como inconseqüentes, passando por cima de tudo, de todos e até de nós mesmos, apenas para estarmos próximos. Que nos tira a concentração de todo um dia. Que não sai dos pensamentos, ou melhor, que é nossos pensamentos, e exige nossas presenças, ações e olhares. Como é bom viver a novidade, carregá-la no bolso do paletó, para cima e para baixo, exibindo-a a todos, com orgulho e arrogância. Aquela novidade que nos faz rever todos nossos conceitos, nossas atitudes, nossos sentimentos, nossos objetivos, nós mesmos.

Novidades assim nos fazem mudar, construir, destruir e, inclusive, nos enganar, simplesmente para tê-las plenamente em nossas entranhas. Dão-nos razão para um despertar alegre, para um dia entusiasmado, para um adormecer pueril. Fazem com que nossos corações batam empolgados, com que tenhamos o corpo inquieto por sentimentos intensos, com que as rédeas da razão sejam soltas para que possamos sentir o vento tocando nossos rostos enquanto somos tomados por uma sensação de paz em um galope sem destino, em uma praia qualquer, de braços abertos e peitos cheios.

Ah, melhor ainda é ser novidade! Ser desejado, ser perseguido, ser cobrado pela ausência, ser quisto no amanhecer, durante o dia, no tarde da noite. Ser pensamento de quem busca inutilmente o sono. Ser mantido no coração, ser fonte se sonhos de uma vida, ser motivo de felicidade buscada, ser alvo de destino manipulado, ser tido como o escolhido que nunca foi achado. Como é bom ser especial, ser buscado, ser cuidado, ser porto-seguro, ser afago, receber sorrisos de bom-dia.


É, mas a vida tem um senso de humor doente. Brinca conosco de forma cruel: sem que ao menos percebamos, transforma a novidade em algo comum. Aquela novidade se transforma em algo corriqueiro que não merece mais tanta atenção, dedicação e, nem ao menos, desperta aquela inquietude que tanto nos motivara. Desvaloriza-se e perde a prioridade em nossas vidas. Sai do bolso e vai para a estante, onde será vista vez ou outra quando passarmos sem pressa e, talvez, vez ou outra, trará aos nossos pensamentos algumas lembranças ternas do tempo em que ainda era novidade, mas sem aquela intensidade com que foi concebida. Na estante, faz parte da nossa paisagem, estará sempre lá e acreditamos que isso é suficiente. Que nada necessita ser feito, pois, se preciso for, basta apenas esticar os braços para ter a antiga novidade – novo algo comum.

Dizem que é assim que caminham as vidas. Que assim são as coisas. Mas não posso admitir isso, não posso admitir a estante. Não posso admitir que tenhamos o direito de tornar comum algo que nos faz incomum. Deixar de lado, sem mais nem menos apenas acreditando que está intrínseco e dispensa afagos. Uma planta que não é regada cuidadosamente todos os dias não nos mostra suas flores; ela seca!

Quero descobrir como se faz para passar por entre os acontecimentos rotineiros, os problemas, as prioridades, as dificuldades e sair do outro lado ainda como uma novidade. Mesmo não sendo uma novidade nova, mas que ainda seja novidade, eterna. Quero aprender como regar minhas plantas todos os dias para que, ao invés de secarem, continuem a florir minha vida.

Não quero ser paisagem, me nego a terminar em uma estante, empoeirado.

Fonte:
http://descemaisuma.blogspot.com

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Ascenso Ferreira (1895 - 1965)

artigo de Semira Adler Vainsencher, da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife, 9 de dezembro de 2003.

Na rua dos Tocos, em Palmares, Pernambuco, na madrugada do dia 9 de maio de 1895, nascia um futuro grande poeta. Seu pai era o comerciante Antônio Carneiro Torres e sua mãe a professora Maria Luísa Gonçalves Ferreira, cujo apelido era Dona Marocas.

Em 1917, aquele menino, que fora registrado como Aníbal Torres, decidia mudar o seu nome para Ascenso Carneiro Gonçalves Ferreira. E, no futuro, ficava conhecido, apenas, como Ascenso Ferreira.

Ascenso passou toda a sua infância em Palmares. Aprendera a ler e a escrever graças aos esforços de Dona Marocas, uma dedicada professora de escola pública, porque aos 6 anos de idade ficara órfão de pai.

Aos 13 anos, devido à carência de recursos materiais, aquele jovem tinha que trabalhar 10 horas por dia: havia se empregado como balconista na loja A Fronteira, de propriedade de Joaquim Ribeiro, seu padrinho de batismo. Aprenderia muito na vida vendendo meias quartas de carne seca, bicadas de aguardente, cuias de farinha e meias garrafas de querosene.

Portanto, foi através do povo que ele adquiria conhecimentos sobre as mulas-sem-cabeças, os lobisomes e demais personagens do folclore do Nordeste do Brasil. Ainda adolescente, Ascenso já publicava as primeiras poesias, onde ressaltava os elementos típicos regionais: a cana-de-açúcar, o carro de boi, os folguedos, as lendas, em suma, a cultura popular. Tornava-se conhecido, então, como "o filho da professora metido a poeta".

No ano de 1916, juntamente com outros poetas, Ascenso fundava a sociedade "Hora Literária". Mas, por defender o abolicionismo, ele passava a ser perseguido politicamente. Mais tarde, sobre essa fase da vida, o poeta escreveria:

Mamãe foi demitida com 25 anos de serviço! Tivemos a casa pichada; fui vaiado um dia na rua; corrido acintosamente pela polícia; ameaçado de prisão... O estabelecimento de meu padrinho, devido a sua morte, entrara em liquidação. Fiquei sem emprego e sem ter ninguém em Palmares que me quisesse aproveitar os serviços, pois todos tinham receio de desagradar os senhores da situação.

Quando veio residir no Recife, aos 24 anos de idade, Ascenso conseguiu um emprego administrativo, indo trabalhar como escriturário do Tesouro do Estado de Pernambuco. Como poeta, entretanto, ele era lançado pelos estudantes da Faculdade de Direito do Recife, que o obrigaram, em certa ocasião, a declamar seus versos no palco do Teatro Santa Isabel.

Ascenso possuía um aguçado sentido de ritmo. Através dos seus poemas, conseguia fazer com que as pessoas ouvissem, por exemplo, o trem de Alagoas correndo sobre os trilhos:

[...] Mangabas maduras,
mamões amarelos,
mamões amarelos
que amostram, molengos,
as mamas macias
pra gente mamar...
Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
com vontade de chegar[...]

Em 1921, no Recife, Ascenso Ferreira se casa com a jovem palmarense Maria Stela de Barros Griz, filha do poeta Fernando Griz. No ano seguinte, publicava seus poemas nos jornais Diario de Pernambuco e A Província. Tornava-se um grande amigo de Luís da Câmara Cascudo, Joaquim Cardozo, Souza Barros e Gouveia de Barros.

Ascenso participava de muitos recitais e escrevia o seu primeiro poema modernista: Lusco-Fusco. Em 1927, incentivado por Manuel Bandeira, ele publicava o seu primeiro livro: Catimbó.

No ano seguinte, saía no Recife a segunda edição do seu livro, que já tinha sido lançado no Rio de Janeiro e em São Paulo. Nesta cidade, o poeta dava um recital no Teatro de Brinquedos, sendo muito aplaudido, e fazia amizade com vários intelectuais e artistas do sul do País: Mário de Andrade, Cassiano Ricardo, Anita Malfatti, Eugênia Alvaro Moreira, Oswald de Andrade, Olívia Penteado, Afonso Arinos de Melo Franco e Tarsila do Amaral.

Ascenso publicava o livro Cana caiana, em 1939, com as ilustrações de Lula Cardoso Ayres. Nessa época, tornara a viajar para o Rio de Janeiro, onde conhecia Cândido Portinari, Sérgio Milliet, Osvaldo Costa, entre outras personalidades.

No início da década de 1940, Ascenso se aposentava como diretor da Receita do Tesouro do Estado de Pernambuco e, já um homem maduro, vem a se apaixonar por uma jovem adolescente - Maria de Lourdes Medeiros - indo viver em sua companhia. Em 1948, nasceria a sua filha Maria Luíza. Esta menina foi a sua maior fonte de preocupação na fase final da vida, porque ele temia não viver mais tanto tempo e ter que deixá-la, ainda bem nova, órfã de pai.

Uma outra obra de Ascenso, intitulada Poemas e xenhehém, era lançada em 1951. Dessa vez, ele viajava para o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, por um período de três meses, para realizar conferências, gravações e dar recitais. No Congresso de Escritores, ocorrido em Goiânia, ele se tornava amigo do célebre Pablo Neruda.

O poeta assinava um contrato com José Olympio Editora, em 1956, para uma nova edição dos seus poemas. Pouco tempo depois, lançava um álbum duplo de discos com as suas obras completas "64 poemas escolhidos e 3 historietas populares", com a apresentação de Câmara Cascudo. Além do mais, ele seria o quarto poeta brasileiro a ter a sua voz gravada para a Biblioteca do Congresso, em Washington.

Ascenso tinha quase 2m de altura, usava um chapéu de palha na cabeça, adorava comer e fumava sempre um grande charuto. Um de seus amigos lembrava que, certa tarde, depois de tomar banho no rio Passarinho, o guloso poeta almoçou três pratos fundos de sarapatel, com farinha de mandioca e pimenta malagueta, bebeu um litro de aguardente com mel de abelha, e, de sobremesa, ainda comeu a metade de uma jaca mole. Quando chegara em casa, à noite, disse à esposa que estava sem fome e, por isso, se contentava com um prato de pirão de leite e um pedaço de carne de sol.

Sobre o poeta, Manuel Bandeira escrevia:

Ascenso Ferreira tem uma estatura gigantesca, que, a princípio, assusta. No entanto, basta ele abrir a boca, para dissipar todos os terrores: é um sentimentalão, e sentimentalmente compreendeu e cantou o drama doloroso do matuto a quem ama [...] Os seus poemas são verdadeiras rapsódias nordestinas, onde se espelhou fielmente a alma ora brincalhona, ora pungentemente nostálgica das populações dos engenhos.

Por sua vez, Luís da Câmara Cascudo ressaltava: “Ascenso Ferreira, Ascensão, Ascenso Grandão, voz grossa de sapanta-boiada, chapelão imenso de carro de bois no alto do metro e noventa de estatura, coroando mais de cem quilos bem pesados.”

Transcreve-se a seguir, um dos mais belos poemas criados por Ascenso Ferreira.

História Pátria

Plantando mandioca, plantando feijão,
colhendo café, borracha, cacau,
comendo pamonha, canjica, mingau,
rezando de tarde nossa Ave-Maria,
Negramente...
Caboclamente...
Portuguesamente...
A gente vivia.
De festas no ano só quatro é que havia:
Entrudo e Natal, Quaresma e Sanjoão!
Mas tudo emendava num só carrilhão!
E a gente vadiava, dançava, comia...
Negramente...
Caboclamente...
Portuguesamente...
Todo santo dia!
O Rei, entretanto, não era da terra!
E gente pra Europa mandou-se estudar...
Gentinha idiota que trouxe a mania
de nos transformar
da noite pro dia...
A gente que tão
Negramente...
Caboclamente...
Portuguesamente...
(E foi um dia a nossa civilização tão fácil de criar!)
Passou-se a pensar,
passou-se a cantar,
passou-se a dançar,
passou-se a comer,
passou-se a vestir,
passou-se a viver,
passou-se a sentir,
tal como Paris
pensava,
cantava,
comia,
Sentia...
A gente que tão
Negramente...
Caboclamente...
Portuguesamente...
Vivia!

Em outra poesia, intitulada Filosofia, Ascenso registrava:

Hora de comer – comer!
Hora de dormir – dormir!
Hora de vadiar – vadiar!
Hora de trabalhar?
-Pernas pro ar que ninguém é de ferro!


Uma outra poesia sua que merece ser transcrita é a seguinte:

Minha Escola

A escola que eu freqüentava era cheia de grades como as prisões.
E o meu Mestre, carrancudo como um dicionário;
Complicado como as Matemáticas;
Inacessível como Os Lusíadas de Camões!
À sua porta eu estacava sempre hesitante...
De um lado a vida... – A minha adorável vida de criança:
Pinhões... Papagaios... Carreiras ao sol...
Vôos de trapézio à sombra da mangueira!
Saltos da ingazeira pra dentro do rio...
Jogos de castanhas...
- O meu engenho de barro de fazer mel!
Do outro lado, aquela tortura:
"As armas e os barões assinalados!"
- Quantas orações?
- Qual é o maior rio da China?
- A 2 + 2 A B = quanto?
- Que é curvilíneo, convexo?
- Menino, venha dar sua lição de retórica!
- "Eu começo, atenienses, invocando
a proteção dos deuses do Olimpo
para os destinos da Grécia!"
- Muito bem! Isto é do grande Demóstenes!
- Agora, a de francês:
- "Quand le christianisme avait apparu sur la terre..."
- Basta.
- Hoje temos sabatina...
- O argumento é a bolo!
- Qual é a distância da Terra ao Sol?
- ? !!
- Não sabe? Passe a mão à palmatória!
- Bem, amanhã quero isso de cor...
Felizmente, à boca da noite,
Eu tinha uma velha que me contava histórias...
Lindas histórias do reino da Mãe-d’Água...
E me ensinava a tomar a benção à lua nova.

No dia 5 de maio de 1965, poucos dias antes de completar 70 anos de idade, Ascenso Carneiro Gonçalves Ferreira, o magnífico poeta dos engenhos, das casas-grandes, da cana-de-açúcar, dos vaqueiros, dos cangaceiros, do bumba-meu-boi, do carnaval, dos cegos violeiros, falecia no Hospital Centenário, no Recife.

Para homenageá-lo, a Prefeitura da Cidade mandou colocar seu busto na rua do Apolo, no bairro do Recife, local onde o poeta gostava muito de perambular. E, no pedestal do busto, mais um de seus belos versos foi gravado:

Sozinho, de noite,
nas ruas desertas
do velho Recife, que atrás do arruado
deserto ficou,
criança , de novo,
eu sinto que sou.

Fontes:
Fundação Joaquim Nabuco.
http://www.fundaj.gov.br/