artigo de Semira Adler Vainsencher, da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife, 9 de dezembro de 2003.
Na rua dos Tocos, em Palmares, Pernambuco, na madrugada do dia 9 de maio de 1895, nascia um futuro grande poeta. Seu pai era o comerciante Antônio Carneiro Torres e sua mãe a professora Maria Luísa Gonçalves Ferreira, cujo apelido era Dona Marocas.
Em 1917, aquele menino, que fora registrado como Aníbal Torres, decidia mudar o seu nome para Ascenso Carneiro Gonçalves Ferreira. E, no futuro, ficava conhecido, apenas, como Ascenso Ferreira.
Ascenso passou toda a sua infância em Palmares. Aprendera a ler e a escrever graças aos esforços de Dona Marocas, uma dedicada professora de escola pública, porque aos 6 anos de idade ficara órfão de pai.
Aos 13 anos, devido à carência de recursos materiais, aquele jovem tinha que trabalhar 10 horas por dia: havia se empregado como balconista na loja A Fronteira, de propriedade de Joaquim Ribeiro, seu padrinho de batismo. Aprenderia muito na vida vendendo meias quartas de carne seca, bicadas de aguardente, cuias de farinha e meias garrafas de querosene.
Portanto, foi através do povo que ele adquiria conhecimentos sobre as mulas-sem-cabeças, os lobisomes e demais personagens do folclore do Nordeste do Brasil. Ainda adolescente, Ascenso já publicava as primeiras poesias, onde ressaltava os elementos típicos regionais: a cana-de-açúcar, o carro de boi, os folguedos, as lendas, em suma, a cultura popular. Tornava-se conhecido, então, como "o filho da professora metido a poeta".
No ano de 1916, juntamente com outros poetas, Ascenso fundava a sociedade "Hora Literária". Mas, por defender o abolicionismo, ele passava a ser perseguido politicamente. Mais tarde, sobre essa fase da vida, o poeta escreveria:
Mamãe foi demitida com 25 anos de serviço! Tivemos a casa pichada; fui vaiado um dia na rua; corrido acintosamente pela polícia; ameaçado de prisão... O estabelecimento de meu padrinho, devido a sua morte, entrara em liquidação. Fiquei sem emprego e sem ter ninguém em Palmares que me quisesse aproveitar os serviços, pois todos tinham receio de desagradar os senhores da situação.
Quando veio residir no Recife, aos 24 anos de idade, Ascenso conseguiu um emprego administrativo, indo trabalhar como escriturário do Tesouro do Estado de Pernambuco. Como poeta, entretanto, ele era lançado pelos estudantes da Faculdade de Direito do Recife, que o obrigaram, em certa ocasião, a declamar seus versos no palco do Teatro Santa Isabel.
Ascenso possuía um aguçado sentido de ritmo. Através dos seus poemas, conseguia fazer com que as pessoas ouvissem, por exemplo, o trem de Alagoas correndo sobre os trilhos:
[...] Mangabas maduras,
mamões amarelos,
mamões amarelos
que amostram, molengos,
as mamas macias
pra gente mamar...
Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
com vontade de chegar[...]
Em 1921, no Recife, Ascenso Ferreira se casa com a jovem palmarense Maria Stela de Barros Griz, filha do poeta Fernando Griz. No ano seguinte, publicava seus poemas nos jornais Diario de Pernambuco e A Província. Tornava-se um grande amigo de Luís da Câmara Cascudo, Joaquim Cardozo, Souza Barros e Gouveia de Barros.
Ascenso participava de muitos recitais e escrevia o seu primeiro poema modernista: Lusco-Fusco. Em 1927, incentivado por Manuel Bandeira, ele publicava o seu primeiro livro: Catimbó.
No ano seguinte, saía no Recife a segunda edição do seu livro, que já tinha sido lançado no Rio de Janeiro e em São Paulo. Nesta cidade, o poeta dava um recital no Teatro de Brinquedos, sendo muito aplaudido, e fazia amizade com vários intelectuais e artistas do sul do País: Mário de Andrade, Cassiano Ricardo, Anita Malfatti, Eugênia Alvaro Moreira, Oswald de Andrade, Olívia Penteado, Afonso Arinos de Melo Franco e Tarsila do Amaral.
Ascenso publicava o livro Cana caiana, em 1939, com as ilustrações de Lula Cardoso Ayres. Nessa época, tornara a viajar para o Rio de Janeiro, onde conhecia Cândido Portinari, Sérgio Milliet, Osvaldo Costa, entre outras personalidades.
No início da década de 1940, Ascenso se aposentava como diretor da Receita do Tesouro do Estado de Pernambuco e, já um homem maduro, vem a se apaixonar por uma jovem adolescente - Maria de Lourdes Medeiros - indo viver em sua companhia. Em 1948, nasceria a sua filha Maria Luíza. Esta menina foi a sua maior fonte de preocupação na fase final da vida, porque ele temia não viver mais tanto tempo e ter que deixá-la, ainda bem nova, órfã de pai.
Uma outra obra de Ascenso, intitulada Poemas e xenhehém, era lançada em 1951. Dessa vez, ele viajava para o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, por um período de três meses, para realizar conferências, gravações e dar recitais. No Congresso de Escritores, ocorrido em Goiânia, ele se tornava amigo do célebre Pablo Neruda.
O poeta assinava um contrato com José Olympio Editora, em 1956, para uma nova edição dos seus poemas. Pouco tempo depois, lançava um álbum duplo de discos com as suas obras completas "64 poemas escolhidos e 3 historietas populares", com a apresentação de Câmara Cascudo. Além do mais, ele seria o quarto poeta brasileiro a ter a sua voz gravada para a Biblioteca do Congresso, em Washington.
Ascenso tinha quase 2m de altura, usava um chapéu de palha na cabeça, adorava comer e fumava sempre um grande charuto. Um de seus amigos lembrava que, certa tarde, depois de tomar banho no rio Passarinho, o guloso poeta almoçou três pratos fundos de sarapatel, com farinha de mandioca e pimenta malagueta, bebeu um litro de aguardente com mel de abelha, e, de sobremesa, ainda comeu a metade de uma jaca mole. Quando chegara em casa, à noite, disse à esposa que estava sem fome e, por isso, se contentava com um prato de pirão de leite e um pedaço de carne de sol.
Sobre o poeta, Manuel Bandeira escrevia:
Ascenso Ferreira tem uma estatura gigantesca, que, a princípio, assusta. No entanto, basta ele abrir a boca, para dissipar todos os terrores: é um sentimentalão, e sentimentalmente compreendeu e cantou o drama doloroso do matuto a quem ama [...] Os seus poemas são verdadeiras rapsódias nordestinas, onde se espelhou fielmente a alma ora brincalhona, ora pungentemente nostálgica das populações dos engenhos.
Por sua vez, Luís da Câmara Cascudo ressaltava: “Ascenso Ferreira, Ascensão, Ascenso Grandão, voz grossa de sapanta-boiada, chapelão imenso de carro de bois no alto do metro e noventa de estatura, coroando mais de cem quilos bem pesados.”
Transcreve-se a seguir, um dos mais belos poemas criados por Ascenso Ferreira.
História Pátria
Plantando mandioca, plantando feijão,
colhendo café, borracha, cacau,
comendo pamonha, canjica, mingau,
rezando de tarde nossa Ave-Maria,
Negramente...
Caboclamente...
Portuguesamente...
A gente vivia.
De festas no ano só quatro é que havia:
Entrudo e Natal, Quaresma e Sanjoão!
Mas tudo emendava num só carrilhão!
E a gente vadiava, dançava, comia...
Negramente...
Caboclamente...
Portuguesamente...
Todo santo dia!
O Rei, entretanto, não era da terra!
E gente pra Europa mandou-se estudar...
Gentinha idiota que trouxe a mania
de nos transformar
da noite pro dia...
A gente que tão
Negramente...
Caboclamente...
Portuguesamente...
(E foi um dia a nossa civilização tão fácil de criar!)
Passou-se a pensar,
passou-se a cantar,
passou-se a dançar,
passou-se a comer,
passou-se a vestir,
passou-se a viver,
passou-se a sentir,
tal como Paris
pensava,
cantava,
comia,
Sentia...
A gente que tão
Negramente...
Caboclamente...
Portuguesamente...
Vivia!
Em outra poesia, intitulada Filosofia, Ascenso registrava:
Hora de comer – comer!
Hora de dormir – dormir!
Hora de vadiar – vadiar!
Hora de trabalhar?
-Pernas pro ar que ninguém é de ferro!
Uma outra poesia sua que merece ser transcrita é a seguinte:
Minha Escola
A escola que eu freqüentava era cheia de grades como as prisões.
E o meu Mestre, carrancudo como um dicionário;
Complicado como as Matemáticas;
Inacessível como Os Lusíadas de Camões!
À sua porta eu estacava sempre hesitante...
De um lado a vida... – A minha adorável vida de criança:
Pinhões... Papagaios... Carreiras ao sol...
Vôos de trapézio à sombra da mangueira!
Saltos da ingazeira pra dentro do rio...
Jogos de castanhas...
- O meu engenho de barro de fazer mel!
Do outro lado, aquela tortura:
"As armas e os barões assinalados!"
- Quantas orações?
- Qual é o maior rio da China?
- A 2 + 2 A B = quanto?
- Que é curvilíneo, convexo?
- Menino, venha dar sua lição de retórica!
- "Eu começo, atenienses, invocando
a proteção dos deuses do Olimpo
para os destinos da Grécia!"
- Muito bem! Isto é do grande Demóstenes!
- Agora, a de francês:
- "Quand le christianisme avait apparu sur la terre..."
- Basta.
- Hoje temos sabatina...
- O argumento é a bolo!
- Qual é a distância da Terra ao Sol?
- ? !!
- Não sabe? Passe a mão à palmatória!
- Bem, amanhã quero isso de cor...
Felizmente, à boca da noite,
Eu tinha uma velha que me contava histórias...
Lindas histórias do reino da Mãe-d’Água...
E me ensinava a tomar a benção à lua nova.
No dia 5 de maio de 1965, poucos dias antes de completar 70 anos de idade, Ascenso Carneiro Gonçalves Ferreira, o magnífico poeta dos engenhos, das casas-grandes, da cana-de-açúcar, dos vaqueiros, dos cangaceiros, do bumba-meu-boi, do carnaval, dos cegos violeiros, falecia no Hospital Centenário, no Recife.
Para homenageá-lo, a Prefeitura da Cidade mandou colocar seu busto na rua do Apolo, no bairro do Recife, local onde o poeta gostava muito de perambular. E, no pedestal do busto, mais um de seus belos versos foi gravado:
Sozinho, de noite,
nas ruas desertas
do velho Recife, que atrás do arruado
deserto ficou,
criança , de novo,
eu sinto que sou.
Fontes:
Fundação Joaquim Nabuco. http://www.fundaj.gov.br/
Na rua dos Tocos, em Palmares, Pernambuco, na madrugada do dia 9 de maio de 1895, nascia um futuro grande poeta. Seu pai era o comerciante Antônio Carneiro Torres e sua mãe a professora Maria Luísa Gonçalves Ferreira, cujo apelido era Dona Marocas.
Em 1917, aquele menino, que fora registrado como Aníbal Torres, decidia mudar o seu nome para Ascenso Carneiro Gonçalves Ferreira. E, no futuro, ficava conhecido, apenas, como Ascenso Ferreira.
Ascenso passou toda a sua infância em Palmares. Aprendera a ler e a escrever graças aos esforços de Dona Marocas, uma dedicada professora de escola pública, porque aos 6 anos de idade ficara órfão de pai.
Aos 13 anos, devido à carência de recursos materiais, aquele jovem tinha que trabalhar 10 horas por dia: havia se empregado como balconista na loja A Fronteira, de propriedade de Joaquim Ribeiro, seu padrinho de batismo. Aprenderia muito na vida vendendo meias quartas de carne seca, bicadas de aguardente, cuias de farinha e meias garrafas de querosene.
Portanto, foi através do povo que ele adquiria conhecimentos sobre as mulas-sem-cabeças, os lobisomes e demais personagens do folclore do Nordeste do Brasil. Ainda adolescente, Ascenso já publicava as primeiras poesias, onde ressaltava os elementos típicos regionais: a cana-de-açúcar, o carro de boi, os folguedos, as lendas, em suma, a cultura popular. Tornava-se conhecido, então, como "o filho da professora metido a poeta".
No ano de 1916, juntamente com outros poetas, Ascenso fundava a sociedade "Hora Literária". Mas, por defender o abolicionismo, ele passava a ser perseguido politicamente. Mais tarde, sobre essa fase da vida, o poeta escreveria:
Mamãe foi demitida com 25 anos de serviço! Tivemos a casa pichada; fui vaiado um dia na rua; corrido acintosamente pela polícia; ameaçado de prisão... O estabelecimento de meu padrinho, devido a sua morte, entrara em liquidação. Fiquei sem emprego e sem ter ninguém em Palmares que me quisesse aproveitar os serviços, pois todos tinham receio de desagradar os senhores da situação.
Quando veio residir no Recife, aos 24 anos de idade, Ascenso conseguiu um emprego administrativo, indo trabalhar como escriturário do Tesouro do Estado de Pernambuco. Como poeta, entretanto, ele era lançado pelos estudantes da Faculdade de Direito do Recife, que o obrigaram, em certa ocasião, a declamar seus versos no palco do Teatro Santa Isabel.
Ascenso possuía um aguçado sentido de ritmo. Através dos seus poemas, conseguia fazer com que as pessoas ouvissem, por exemplo, o trem de Alagoas correndo sobre os trilhos:
[...] Mangabas maduras,
mamões amarelos,
mamões amarelos
que amostram, molengos,
as mamas macias
pra gente mamar...
Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
com vontade de chegar[...]
Em 1921, no Recife, Ascenso Ferreira se casa com a jovem palmarense Maria Stela de Barros Griz, filha do poeta Fernando Griz. No ano seguinte, publicava seus poemas nos jornais Diario de Pernambuco e A Província. Tornava-se um grande amigo de Luís da Câmara Cascudo, Joaquim Cardozo, Souza Barros e Gouveia de Barros.
Ascenso participava de muitos recitais e escrevia o seu primeiro poema modernista: Lusco-Fusco. Em 1927, incentivado por Manuel Bandeira, ele publicava o seu primeiro livro: Catimbó.
No ano seguinte, saía no Recife a segunda edição do seu livro, que já tinha sido lançado no Rio de Janeiro e em São Paulo. Nesta cidade, o poeta dava um recital no Teatro de Brinquedos, sendo muito aplaudido, e fazia amizade com vários intelectuais e artistas do sul do País: Mário de Andrade, Cassiano Ricardo, Anita Malfatti, Eugênia Alvaro Moreira, Oswald de Andrade, Olívia Penteado, Afonso Arinos de Melo Franco e Tarsila do Amaral.
Ascenso publicava o livro Cana caiana, em 1939, com as ilustrações de Lula Cardoso Ayres. Nessa época, tornara a viajar para o Rio de Janeiro, onde conhecia Cândido Portinari, Sérgio Milliet, Osvaldo Costa, entre outras personalidades.
No início da década de 1940, Ascenso se aposentava como diretor da Receita do Tesouro do Estado de Pernambuco e, já um homem maduro, vem a se apaixonar por uma jovem adolescente - Maria de Lourdes Medeiros - indo viver em sua companhia. Em 1948, nasceria a sua filha Maria Luíza. Esta menina foi a sua maior fonte de preocupação na fase final da vida, porque ele temia não viver mais tanto tempo e ter que deixá-la, ainda bem nova, órfã de pai.
Uma outra obra de Ascenso, intitulada Poemas e xenhehém, era lançada em 1951. Dessa vez, ele viajava para o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, por um período de três meses, para realizar conferências, gravações e dar recitais. No Congresso de Escritores, ocorrido em Goiânia, ele se tornava amigo do célebre Pablo Neruda.
O poeta assinava um contrato com José Olympio Editora, em 1956, para uma nova edição dos seus poemas. Pouco tempo depois, lançava um álbum duplo de discos com as suas obras completas "64 poemas escolhidos e 3 historietas populares", com a apresentação de Câmara Cascudo. Além do mais, ele seria o quarto poeta brasileiro a ter a sua voz gravada para a Biblioteca do Congresso, em Washington.
Ascenso tinha quase 2m de altura, usava um chapéu de palha na cabeça, adorava comer e fumava sempre um grande charuto. Um de seus amigos lembrava que, certa tarde, depois de tomar banho no rio Passarinho, o guloso poeta almoçou três pratos fundos de sarapatel, com farinha de mandioca e pimenta malagueta, bebeu um litro de aguardente com mel de abelha, e, de sobremesa, ainda comeu a metade de uma jaca mole. Quando chegara em casa, à noite, disse à esposa que estava sem fome e, por isso, se contentava com um prato de pirão de leite e um pedaço de carne de sol.
Sobre o poeta, Manuel Bandeira escrevia:
Ascenso Ferreira tem uma estatura gigantesca, que, a princípio, assusta. No entanto, basta ele abrir a boca, para dissipar todos os terrores: é um sentimentalão, e sentimentalmente compreendeu e cantou o drama doloroso do matuto a quem ama [...] Os seus poemas são verdadeiras rapsódias nordestinas, onde se espelhou fielmente a alma ora brincalhona, ora pungentemente nostálgica das populações dos engenhos.
Por sua vez, Luís da Câmara Cascudo ressaltava: “Ascenso Ferreira, Ascensão, Ascenso Grandão, voz grossa de sapanta-boiada, chapelão imenso de carro de bois no alto do metro e noventa de estatura, coroando mais de cem quilos bem pesados.”
Transcreve-se a seguir, um dos mais belos poemas criados por Ascenso Ferreira.
História Pátria
Plantando mandioca, plantando feijão,
colhendo café, borracha, cacau,
comendo pamonha, canjica, mingau,
rezando de tarde nossa Ave-Maria,
Negramente...
Caboclamente...
Portuguesamente...
A gente vivia.
De festas no ano só quatro é que havia:
Entrudo e Natal, Quaresma e Sanjoão!
Mas tudo emendava num só carrilhão!
E a gente vadiava, dançava, comia...
Negramente...
Caboclamente...
Portuguesamente...
Todo santo dia!
O Rei, entretanto, não era da terra!
E gente pra Europa mandou-se estudar...
Gentinha idiota que trouxe a mania
de nos transformar
da noite pro dia...
A gente que tão
Negramente...
Caboclamente...
Portuguesamente...
(E foi um dia a nossa civilização tão fácil de criar!)
Passou-se a pensar,
passou-se a cantar,
passou-se a dançar,
passou-se a comer,
passou-se a vestir,
passou-se a viver,
passou-se a sentir,
tal como Paris
pensava,
cantava,
comia,
Sentia...
A gente que tão
Negramente...
Caboclamente...
Portuguesamente...
Vivia!
Em outra poesia, intitulada Filosofia, Ascenso registrava:
Hora de comer – comer!
Hora de dormir – dormir!
Hora de vadiar – vadiar!
Hora de trabalhar?
-Pernas pro ar que ninguém é de ferro!
Uma outra poesia sua que merece ser transcrita é a seguinte:
Minha Escola
A escola que eu freqüentava era cheia de grades como as prisões.
E o meu Mestre, carrancudo como um dicionário;
Complicado como as Matemáticas;
Inacessível como Os Lusíadas de Camões!
À sua porta eu estacava sempre hesitante...
De um lado a vida... – A minha adorável vida de criança:
Pinhões... Papagaios... Carreiras ao sol...
Vôos de trapézio à sombra da mangueira!
Saltos da ingazeira pra dentro do rio...
Jogos de castanhas...
- O meu engenho de barro de fazer mel!
Do outro lado, aquela tortura:
"As armas e os barões assinalados!"
- Quantas orações?
- Qual é o maior rio da China?
- A 2 + 2 A B = quanto?
- Que é curvilíneo, convexo?
- Menino, venha dar sua lição de retórica!
- "Eu começo, atenienses, invocando
a proteção dos deuses do Olimpo
para os destinos da Grécia!"
- Muito bem! Isto é do grande Demóstenes!
- Agora, a de francês:
- "Quand le christianisme avait apparu sur la terre..."
- Basta.
- Hoje temos sabatina...
- O argumento é a bolo!
- Qual é a distância da Terra ao Sol?
- ? !!
- Não sabe? Passe a mão à palmatória!
- Bem, amanhã quero isso de cor...
Felizmente, à boca da noite,
Eu tinha uma velha que me contava histórias...
Lindas histórias do reino da Mãe-d’Água...
E me ensinava a tomar a benção à lua nova.
No dia 5 de maio de 1965, poucos dias antes de completar 70 anos de idade, Ascenso Carneiro Gonçalves Ferreira, o magnífico poeta dos engenhos, das casas-grandes, da cana-de-açúcar, dos vaqueiros, dos cangaceiros, do bumba-meu-boi, do carnaval, dos cegos violeiros, falecia no Hospital Centenário, no Recife.
Para homenageá-lo, a Prefeitura da Cidade mandou colocar seu busto na rua do Apolo, no bairro do Recife, local onde o poeta gostava muito de perambular. E, no pedestal do busto, mais um de seus belos versos foi gravado:
Sozinho, de noite,
nas ruas desertas
do velho Recife, que atrás do arruado
deserto ficou,
criança , de novo,
eu sinto que sou.
Fontes:
Fundação Joaquim Nabuco. http://www.fundaj.gov.br/
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