Ruy Espinheira Filho é Jornalista, mestre em Ciências Sociais, doutor em Letras, professor de Literatura Brasileira do Departamento de Letras Vernáculas do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, Ruy Espinheira Filho nasceu em Salvador, Bahia, em 1942. Publicou 11 livros de poemas: Heléboro (1974), Julgado do Vento (1979), As Sombras Luminosas (1981 — Prêmio Nacional de Poesia Cruz e Sousa), Morte Secreta e Poesia Anterior (1984), A Guerra do Gato ( infantil — 1987), A Canção de Beatriz e outros poemas (1990), Antologia Breve (1995), Antologia Poética (1996), Memória da Chuva (1996 — Prêmio Ribeiro Couto, da União Brasileira de Escritores), Livro de Sonetos (1998), Poesia Reunida e Inéditos (1998). Tem ainda publicados vários livros em prosa: Sob o Último Sol de Fevereiro (crônicas, 1975), O Vento no Tamarindeiro (contos, 1981); as novelas O Rei Artur Vai à Guerra (1987), O Fantasma da Delegacia (1988), Os Quatro Mosqueteiros Eram Três (1989); os romances Ângelo Sobral Desce aos Infernos (1986 — Prêmio Rio de Literatura, 1985), Últimos Tempos Heróicos em Manacá da Serra (1991), e o ensaio O Nordeste e o Negro na Poesia de Jorge de Lima (1990).
Rodrigo de Souza Leão entrevista Ruy Espinheira Filho
- Até ver Poesia reunida e Inéditos, seu recente livro, decorrem 32 anos de literatura. Quais foram as pedras, as perdas do caminho?
ESPINHEIRA: - Na verdade, bem mais de 32 anos, pois escrevo desde a infância. De textos que foram incluídos em livro, 33 anos. As pedras do caminho foram muitas, pois ser escritor vivendo no Nordeste não é brincadeira. Digo vivendo porque, ao contrário de muitos, nunca saí da Bahia. Se para autores do eixo Rio-São Paulo é difícil, pois sei que é, imagine para quem vive fora do principal circuito literário — sem contatos, sem editoras, sem divulgação. Mas acabei fazendo contatos, sendo aceito por editores, críticos, outros autores, leitores. Uma boa ajuda: os prêmios literários: ganhei o Cruz e Sousa, de poesia, em 1981, e fui um dos três premiados (2º lugar) no Prêmio Rio de Literatura, de romance, em 1985, além de ter recebido várias outras premiações, sendo a última o Prêmio Ribeiro Couto, da UBE, pelo livro Memória da Chuva, o qual foi adotado no vestibular da Universidade Federal de Goiás, em 1998, e se encontra na terceira edição. Quanto às perdas, creio que tantas quanto as pedras: de oportunidades, um número incalculável. Além daquelas perdas que a vida nos traz com o passar dos anos, as perdas do afeto, do amor, da juventude…
- Em Os Objetos, todos os objetos inanimados receberam a alma da ação. Só o revólver aguarda. O que o poeta deve matar?
ESPINHEIRA:- O que o revólver, dormindo na gaveta sob cartas e poemas, aguarda? É um símbolo da explosão, da violência, da morte. Mas o que significa, mesmo, depende de cada leitor. Talvez a grande solução do suicídio…
- O poeta é um criador de palavras? Há perigo de um neologismo tornar-se um trocadilho bobo?
ESPINHEIRA:- O poeta pode ser, ou não, um criador de palavras. Drummond diz, num poema, ter inventado certas palavras e tornado outras mais belas. Mas o fundamental para o poeta não é criar palavras, mas com elas — de preferência com as palavras mais simples — ser capaz de criar poesia. Quanto ao neologismo, pode, sim, tornar-se um trocadilho bobo — caso o poeta seja, na verdade, um trocadilhista bobo… Em si, os neologismos são enriquecimento da língua. E o trocadilhista bobo, para fazer das suas, não precisa se esforçar para criar neologismos, pode produzir trocadilhagens com as velhas palavras de sempre, inclusive as arcaicas. Aliás, as palavras não podem ser responsabilizadas pela indigência mental de ninguém.
- A sua poesia é uma "ode ao tempo". Muitos poemas tentam a descoberta do tempo perdido. Há uma valorização maior do passado, como terreno da liberdade e da modificação. Só as coisas que passaram podem ser modificadas. Não é o futuro o tempo da mudança?
ESPINHEIRA:- Realmente, vários críticos já me chamaram de "poeta da memória". Mas, então, me caberia perguntar: qual não o é? Vejam Drummond: lá estão Itabira, a infância, a memória familiar, a marca forte de Minas. Vejam Manuel Bandeira: a presença do Recife, da infância, da mocidade de esperança, desesperança e tísica. Vejam Jorge de Lima e sua infância se alastrando por toda a sua obra poética. Aliás, Jorge de Lima disse certa vez que seu único tema era a infância. Até mesmo João Cabral, com toda a sua pose pétrea, é um memorioso: os rios, os engenhos, a caatinga… Falando de mim, o que sei é que a única coisa que possuo é a memória. O presente é o que acabou de passar. O futuro… Bem, o futuro é uma projeção, uma possibilidade. Quando se realiza, não se realiza. Ou seja: deixa de ser futuro. Bandeira escreveu num poema: "O futuro diz o povo que a Deus pertence./ A Deus… Ora, adeus!"
- "No tempo perdido/ recupero, enfim,/ tudo o que perdi/ no meu tempo ganho", em "Tempo Perdido". O passado é o refúgio do poeta que cria realidades?
ESPINHEIRA:- Não sei se o passado é um refúgio, o que sei é que ele se impõe. Está em mim, como creio que está em todo mundo. Há quem considere o passado uma espécie de mundo perdido — quando, na verdade, é o único mundo que realmente se possui, como já disse antes, ao falar da memória. Mas aquele "tempo perdido" a que me refiro no poema citado não pretende ser o do passado — mas aquele outro que "perdemos" no dia-a-dia com nossas distrações, nossos sonhos, nossas vagabundagens de alma… Mas, é claro, o leitor tem direito de ler como quiser, de fazer sua própria leitura.
- O presente é o terreno para mudar o passado, como diz em "Revelação": Ai que somos felizes/ agora/ mas não tanto/ como amanhã, no passado?
ESPINHEIRA:- Bom, eu acho é que só nos tornamos conscientes da nossa felicidade depois. Não mudamos propriamente o passado. Há dois versos de Pessoa que põem bem a questão: Eu era feliz? Não sei:/ Fui-o outrora agora. Quer dizer: agora é que ele está sendo feliz outrora. Mas não quer dizer que a nossa felicidade outrora tenha mesmo acontecido. O que importa é que ela tenha acontecido outrora agora. O que importa é o que sentimos, o que consideramos verdade, mesmo que nunca tenha acontecido. A memória é fabulosamente ficcionista, não devemos nos esquecer desta característica, que talvez seja a sua característica principal.
- O azul é uma cor eleita? Como surgiu a "predileção poética" por esta cor que está em muitos poemas? (Alguma influência simbolista?)
ESPINHEIRA:- Nunca me fiz esta pergunta. Penso que o azul é, em minha poesia, menos uma cor do que um símbolo, um meio de expressar, talvez, a paz, a serenidade, a profundidade, algo mais vasto e profundo. Seja como for, talvez eu necessitasse refletir mais sobre o assunto. Quanto a alguma influência simbolista, não sei. Sofri a influência de todo mundo que leio, certamente também alguma dos simbolistas. Mas, é claro, o azul é de todos, não só dos simbolistas… Um poeta cheio de azuis é o Carlos Pena Filho, de Pernambuco, grande sonetista. Outro repleto de cores é o Sosígenes Costa, da Bahia. E eu sempre li bastante estes dois poetas.
- "Cuidadosamente/ o anjo do computador/ enumera/ os meus pecados". Este trecho de "Bilhete a Mário Quintana" anuncia a computação. O que mudaria na Internet? Quais os sites que mais visita? O que a rede dá a um poeta consagrado como Ruy Espinheira Filho?
ESPINHEIRA:- É um poema que está em meu segundo livro, escrito entre 1966 e 1976. Portanto, uns vinte anos antes de eu usar computador. Por que, então, falei em computador? Não sei. Mas tratava-se de um computador especial, pois nele havia um anjo… O que mudou foi a agilidade no trabalho – que se acelerou. A correspondência também ganhou velocidade, assim como os contatos se multiplicaram. Quanto a uma influência na criação literária, acho que não houve. Eu escrevia prosa na máquina de escrever. Poesia, só à mão. Agora, escrevo prosa no teclado do computador, e poesia… à mão. E não sou um navegante da Internet, prefiro ler. No mais, não sou poeta consagrado coisíssima nenhuma! Consagrados eram Bandeira, Drummond, Cabral e uns outros poucos, pouquíssimos.
- Falando de Quintana, quais os poetas que cabem dentro da sua poesia? Quais os poetas que cabem dentro de Ruy Espinheira Filho?
ESPINHEIRA:- Manuel Bandeira, no Itinerário de Pasárgada, diz que sofreu influência de todo mundo. É o que acontece comigo: acho que, de uma forma ou de outra, todas as leituras me influenciam. Até os autores muito ruins, pois com eles aprendo como não escrever… Alguns críticos já aproximaram minha poesia da de Bandeira; outros, de Drummond. Claro que sou leitor constante desses dois grandes, mas sem dúvida bebi em muitas outras fontes – a começar por Camões, passando pelos românticos. Aprendi até mesmo com Olavo Bilac, que considero o nosso maior parnasiano, embora minha poesia não tenha nada de parnasianismo, ao contrário das "vanguardas" que sugiram a partir de 1945 (Geração de 45, concretismo, neoconcretismo, praxismo, poema-processo, construtivismo e que tais, todas hoje – felizmente – devidamente extintas). Enfim, sou herdeiro da tradição da poesia ocidental. Talvez incompetente para administrar tão rica herança…
- Você é um poeta caseiro? O espaço onde os seus poemas ocorrem é o da casa? Fale sobre.
ESPINHEIRA:- Sou um homem caseiro. Mas os poemas me ocorrem em qualquer lugar. O inconsciente não avisa, a criação pode emergir a qualquer momento – ou ficar longo tempo sem dar sinal de nada. Não sou de ficar forçando a barra, o que só produz bobagem. Sigo os conselhos de Drummond: não adulo o poema nem recolho do chão o poema que se perdeu. Na verdade, já era assim mesmo antes de ler Drummond.
- A sua linguagem é simples, sem rococós, hermetismos e firulas. A simplicidade discursiva é uma busca eterna?
ESPINHEIRA:- Escrever com simplicidade é o que há de mais difícil. Não há nada que impeça que algo seja, ao mesmo tempo, simples e profundo. Os grandes poetas são simples, a começar de Homero. As tais "firulas" a que você se refere são coisas de poetastros. E o hermetismo é, quase sempre, malandragem de quem não tem o que dizer. Ou não sabe dizer o pouco que talvez possa ter. Agora, há poetas que são complexos, devido ao seu discurso, mas complexidade é outra coisa, nada tem a ver com "firulas" e hermetismos: apenas exige do leitor mais reflexão, mais apurada sensibilidade, assim como alguma cultura. Eu citaria, para este caso, como exemplo, Eliot.
- No poema "Uma Cidade", tudo contém uma idéia oposta. Também em Inúmero há: "E na origem/ da luz talvez não haja/ senão a ausência da estrela". A dualidade é poesia em estado bruto?
ESPINHEIRA:- Não vejo isto em "Uma Cidade". A imagem que você cita, de "Inúmero", não é, a meu ver, uma colocação de opostos. Arrisco-me a racionalizar um pouco e dizer que procurei aproximar a vida, repleta de ilusões, do fenômeno da luz que continuamos a ver mesmo quando a estrela que a emitia já não existe mais. Ou seja: a estrela que vemos não é estrela, não é mais, é apenas a sua luz, que continua viajando pelo espaço. Se fizéssemos uma viagem através dessa luz, em sua origem já não encontraríamos estrela alguma. Podemos dizer que essa luz não é mais do que uma "memória" da estrela.
- "Eu sou um menino/ contendo um homem que contém/ um menino." O que o poeta tem de lúdico?
ESPINHEIRA:- O Ivan Junqueira, num estudo sobre a minha poesia (incluído no livro O Fio de Dédalo, recentemente lançado pela Record), começa destacando o ludismo. Sim, há algo de lúdico aqui e ali, mas penso que a minha poesia – e o próprio Ivan frisa isto – é muito mais marcantemente melancólica, elegíaca. No meu próximo livro, ainda em preparo, aparecerão, na parte final, alguns poemas bem-humorados, mas a maior parte da obra se caracterizará pelo lirismo elegíaco de que fala o Ivan.
- "Todo amor está perdido/ ao nascer", é o verso de abertura do poema "Do Amor". É possível ser e não ser ao mesmo tempo?
ESPINHEIRA:- Não sei se entendi bem a pergunta. Bom, acho que sim, porque ninguém nos garante que o que julgamos ser é de fato o que é. Somos, sobretudo, o que sonhamos, o que nos transforma parcialmente em sonho. A vida é sonho, disse Calderón, creio que com muitíssima razão. "Todo amor está perdido/ ao nascer…" Na verdade, tudo está perdido desde a sua origem. Tudo caminha para isto: perder-se. Inclusive a vida.
- Ainda neste poema, "Do Amor", o que fica de um amor são destroços e o que não foi dito e o que não foi feito?
ESPINHEIRA:- Somos sempre uns destroçados. E os destroços ficam um pouco, boiando na superfície, depois também desaparecem. Mas só desaparecem, todos esses destroços, quando desaparecemos. Qualquer pessoa que se examine bem só quase vai encontrar destroços.
- Falar do poema no poema é o futuro da poesia?
ESPINHEIRA:- Espero que não. Se for, significa que a poesia não tem futuro… Pode-se tratar da poesia no poema, exercitar a metalinguagem, mas ficar nisto é extrema pobreza. Já pensou se Homero, em lugar de tratar dos deuses, da guerra, de Ulisses e Cia., ficasse falando do seu fazer poético? A poesia, no meu entender – a poesia e toda arte -, deve expressar a vida, a condição humana. Poesia não é truque, não é jeitinho, não é receita. Por falar em receita: quem quiser que leve a sério a Filosofia da Composição, de Poe, e tente fazer seu O Corvo… Nada me irrita mais, hoje, do que pegar num livro de jovem autor e encontrar as lamúrias (porque geralmente estão se lamuriando, impotentes, incapazes de criar) do fazer poético. Ao contrário do que dizem os formalistas, nós não fazemos arte meramente com técnica – mas, sobretudo, com o que somos. A técnica é o que, como dizia Mário de Andrade, pode ser ensinado. Qualquer um pode aprender técnica, mas só faz poesia quem, além de conhecer a técnica, é poeta. E ninguém pode ensinar ninguém a ser poeta.
Alexei Bueno diz que a poesia brasileira é cocô de cabrito: pequena, sequinha e idêntica. Concorda com Alexei?
ESPINHEIRA:- O Alexei não diz isto sobre a poesia brasileira como um todo, mas a respeito de certa poesia, exatamente a poesia dos formalistas: concretistas, neoconcretistas, construtivistas et caterva, que são todos neoparnasianos. Aí, sim, é puro cocô de cabrito. E esses caras ficam produzindo isso e dizem que se trata de rigor. Confundem verso longo com discursivismo e verso (ou que nome tenha) curto com síntese. É a pobreza mental em toda a sua pujança.
- O poema "Aniversário" é sobre a perda: "Perdi colegas, namoradas, cães./ Perdi árvores, perdi um rio/ e eu mesmo nele me banhando". O rio é uma perda eterna, já que, por Heráclito, ninguém passa pelo mesmo rio duas vezes?
ESPINHEIRA:- Pois é, novamente a perda na minha poesia… A imagem do rio é perfeita: ninguém se banha no mesmo rio duas vezes. Tanto por não ser mais o rio o mesmo, porque flui, quanto por também a pessoa fluir, mudar-se continuamente em si. Como vê, minha poesia é mesmo muito melancólica. Não é uma atitude intelectual: é que a vida é assim…
- Tudo o que um bom poeta escreve é pensado, projetado, articulado ou o inconsciente fala mais alto e há uma conexão divina para inspirar o momento de escrever o poema? Como é o seu processo criativo?
ESPINHEIRA:- Sendo um agnóstico, não posso aceitar a conexão divina. Mas sei que Anima canta e que é do seu canto que vem a arte. Que não é só um canto espontâneo, tem que passar pela crítica. Fernando Pessoa fala de harmonia de idéia e emoção. Há um verso dele que expressa perfeitamente a coisa: "O que em mim sente ‘stá pensando". Meu processo criativo é igual ao de todos, em linhas gerais: impulso e crítica. Ninguém consegue fazer arte apenas com o intelecto, com inteligência e técnica, pois assim qualquer pessoa inteligente e culta seria artista. Todo mundo é capaz de aprender o que pode ser ensinado, como dizia Mário, mas só os artistas produzem arte. Só os que atingem aquela harmonia de idéia e emoção. Ninguém decide ser artista: ou se é ou não se é. Não é escolha – é condição. Porque o artista é, ainda lembrando Mário, um fatalizado.
- "Uma vida não dá/ para contar/ uma vida", versos de "Poema de Novembro", mostram a incapacidade humana de abarcar o todo. O poema pode ser considerado mais profundo e autobiográfico do que algumas autobiografias?
ESPINHEIRA:- Como falei antes, escrevo com o que sou. Como todo poeta, ou artista, produz. Posso imitar Bandeira, ou Drummond, mas não posso fazer a poesia deles – simplesmente porque não sou Bandeira nem Drummond. Não vivi a vida deles, não possuo as suas, digamos, idiossincrasias. Repito: não sou eles, sou o que há de mim, apenas. O poema, a meu ver, é sempre, de certa maneira, autobiográfico – porque você o produz com o que você é. Só os imbecis – que, infelizmente, são em grande número – é que podem pensar que a arte se faz com mera aplicação de técnicas. Aristóteles mostrou bem a diferença entre Empédocles, que escrevia ciência em versos, e Homero, que fazia poesia. As técnicas são o meio, mas não a fonte. A fonte é o artista. Quanto às autobiografias intencionais, podem ser menos ou mais sinceras. Mas, como já dissemos, a memória é ficcionista…
- Como foi ser Beatriz dos Anjos Silva?
ESPINHEIRA:- O poema "A Canção de Beatriz" foi deflagrado pelo depoimento de uma prostituta, em entrevista que acompanhei, a uma namorada minha, jornalista. Veio de súbito, dias depois, e foi o único poema que escrevi diretamente à máquina. Saiu de vez, como um jorro. Há quem o estranhe muito. Há quem o julgue prosaico. Há quem o deteste. Mas há também quem goste muito dele. O que posso dizer é que é um poema singular em minha obra. E ser Beatriz dos Anjos Silva foi, sem dúvida, uma forte experiência emocional.
- O que faz nas horas de lazer?
ESPINHEIRA:- Leio. De vez em quando, uma farrinha com amigos, um banho de mar. Mas geralmente leio.
- Como encara a matéria da revista Veja que ridiculariza poetas?
ESPINHEIRA:- Como uma matéria ridícula.
- Tem algum mote que o acompanhe?
ESPINHEIRA: Há muitos motes bons por aí. Lendo Nietzsche, Monteiro Lobato encontrou um que passou a seguir, e do qual sempre me recordo. Disse o filósofo: "Se queres seguir-me, segue-te." Creio que, embora não muito intencionalmente, observo esse mote.
- Qual o papel do escritor na sociedade?
ESPINHEIRA:- É ser escritor. Se possível, bom escritor. Segundo Ezra Pound, os escritores têm um função social definida, a qual é proporcional à sua competência como escritores. Como cidadãos, eles têm inúmeras obrigações e preferências políticas, cada qual com as suas. Mas a principal obrigação como escritor é ser bom e procurar manter viva a sua herança de cultura e o vigor de sua língua. Mesmo porque, como advertia o mesmo Pound, se a literatura de uma nação entra em declínio a nação se atrofia e decai.
Fonte:
http://virtualbooks.terra.com.br/
Rodrigo de Souza Leão entrevista Ruy Espinheira Filho
- Até ver Poesia reunida e Inéditos, seu recente livro, decorrem 32 anos de literatura. Quais foram as pedras, as perdas do caminho?
ESPINHEIRA: - Na verdade, bem mais de 32 anos, pois escrevo desde a infância. De textos que foram incluídos em livro, 33 anos. As pedras do caminho foram muitas, pois ser escritor vivendo no Nordeste não é brincadeira. Digo vivendo porque, ao contrário de muitos, nunca saí da Bahia. Se para autores do eixo Rio-São Paulo é difícil, pois sei que é, imagine para quem vive fora do principal circuito literário — sem contatos, sem editoras, sem divulgação. Mas acabei fazendo contatos, sendo aceito por editores, críticos, outros autores, leitores. Uma boa ajuda: os prêmios literários: ganhei o Cruz e Sousa, de poesia, em 1981, e fui um dos três premiados (2º lugar) no Prêmio Rio de Literatura, de romance, em 1985, além de ter recebido várias outras premiações, sendo a última o Prêmio Ribeiro Couto, da UBE, pelo livro Memória da Chuva, o qual foi adotado no vestibular da Universidade Federal de Goiás, em 1998, e se encontra na terceira edição. Quanto às perdas, creio que tantas quanto as pedras: de oportunidades, um número incalculável. Além daquelas perdas que a vida nos traz com o passar dos anos, as perdas do afeto, do amor, da juventude…
- Em Os Objetos, todos os objetos inanimados receberam a alma da ação. Só o revólver aguarda. O que o poeta deve matar?
ESPINHEIRA:- O que o revólver, dormindo na gaveta sob cartas e poemas, aguarda? É um símbolo da explosão, da violência, da morte. Mas o que significa, mesmo, depende de cada leitor. Talvez a grande solução do suicídio…
- O poeta é um criador de palavras? Há perigo de um neologismo tornar-se um trocadilho bobo?
ESPINHEIRA:- O poeta pode ser, ou não, um criador de palavras. Drummond diz, num poema, ter inventado certas palavras e tornado outras mais belas. Mas o fundamental para o poeta não é criar palavras, mas com elas — de preferência com as palavras mais simples — ser capaz de criar poesia. Quanto ao neologismo, pode, sim, tornar-se um trocadilho bobo — caso o poeta seja, na verdade, um trocadilhista bobo… Em si, os neologismos são enriquecimento da língua. E o trocadilhista bobo, para fazer das suas, não precisa se esforçar para criar neologismos, pode produzir trocadilhagens com as velhas palavras de sempre, inclusive as arcaicas. Aliás, as palavras não podem ser responsabilizadas pela indigência mental de ninguém.
- A sua poesia é uma "ode ao tempo". Muitos poemas tentam a descoberta do tempo perdido. Há uma valorização maior do passado, como terreno da liberdade e da modificação. Só as coisas que passaram podem ser modificadas. Não é o futuro o tempo da mudança?
ESPINHEIRA:- Realmente, vários críticos já me chamaram de "poeta da memória". Mas, então, me caberia perguntar: qual não o é? Vejam Drummond: lá estão Itabira, a infância, a memória familiar, a marca forte de Minas. Vejam Manuel Bandeira: a presença do Recife, da infância, da mocidade de esperança, desesperança e tísica. Vejam Jorge de Lima e sua infância se alastrando por toda a sua obra poética. Aliás, Jorge de Lima disse certa vez que seu único tema era a infância. Até mesmo João Cabral, com toda a sua pose pétrea, é um memorioso: os rios, os engenhos, a caatinga… Falando de mim, o que sei é que a única coisa que possuo é a memória. O presente é o que acabou de passar. O futuro… Bem, o futuro é uma projeção, uma possibilidade. Quando se realiza, não se realiza. Ou seja: deixa de ser futuro. Bandeira escreveu num poema: "O futuro diz o povo que a Deus pertence./ A Deus… Ora, adeus!"
- "No tempo perdido/ recupero, enfim,/ tudo o que perdi/ no meu tempo ganho", em "Tempo Perdido". O passado é o refúgio do poeta que cria realidades?
ESPINHEIRA:- Não sei se o passado é um refúgio, o que sei é que ele se impõe. Está em mim, como creio que está em todo mundo. Há quem considere o passado uma espécie de mundo perdido — quando, na verdade, é o único mundo que realmente se possui, como já disse antes, ao falar da memória. Mas aquele "tempo perdido" a que me refiro no poema citado não pretende ser o do passado — mas aquele outro que "perdemos" no dia-a-dia com nossas distrações, nossos sonhos, nossas vagabundagens de alma… Mas, é claro, o leitor tem direito de ler como quiser, de fazer sua própria leitura.
- O presente é o terreno para mudar o passado, como diz em "Revelação": Ai que somos felizes/ agora/ mas não tanto/ como amanhã, no passado?
ESPINHEIRA:- Bom, eu acho é que só nos tornamos conscientes da nossa felicidade depois. Não mudamos propriamente o passado. Há dois versos de Pessoa que põem bem a questão: Eu era feliz? Não sei:/ Fui-o outrora agora. Quer dizer: agora é que ele está sendo feliz outrora. Mas não quer dizer que a nossa felicidade outrora tenha mesmo acontecido. O que importa é que ela tenha acontecido outrora agora. O que importa é o que sentimos, o que consideramos verdade, mesmo que nunca tenha acontecido. A memória é fabulosamente ficcionista, não devemos nos esquecer desta característica, que talvez seja a sua característica principal.
- O azul é uma cor eleita? Como surgiu a "predileção poética" por esta cor que está em muitos poemas? (Alguma influência simbolista?)
ESPINHEIRA:- Nunca me fiz esta pergunta. Penso que o azul é, em minha poesia, menos uma cor do que um símbolo, um meio de expressar, talvez, a paz, a serenidade, a profundidade, algo mais vasto e profundo. Seja como for, talvez eu necessitasse refletir mais sobre o assunto. Quanto a alguma influência simbolista, não sei. Sofri a influência de todo mundo que leio, certamente também alguma dos simbolistas. Mas, é claro, o azul é de todos, não só dos simbolistas… Um poeta cheio de azuis é o Carlos Pena Filho, de Pernambuco, grande sonetista. Outro repleto de cores é o Sosígenes Costa, da Bahia. E eu sempre li bastante estes dois poetas.
- "Cuidadosamente/ o anjo do computador/ enumera/ os meus pecados". Este trecho de "Bilhete a Mário Quintana" anuncia a computação. O que mudaria na Internet? Quais os sites que mais visita? O que a rede dá a um poeta consagrado como Ruy Espinheira Filho?
ESPINHEIRA:- É um poema que está em meu segundo livro, escrito entre 1966 e 1976. Portanto, uns vinte anos antes de eu usar computador. Por que, então, falei em computador? Não sei. Mas tratava-se de um computador especial, pois nele havia um anjo… O que mudou foi a agilidade no trabalho – que se acelerou. A correspondência também ganhou velocidade, assim como os contatos se multiplicaram. Quanto a uma influência na criação literária, acho que não houve. Eu escrevia prosa na máquina de escrever. Poesia, só à mão. Agora, escrevo prosa no teclado do computador, e poesia… à mão. E não sou um navegante da Internet, prefiro ler. No mais, não sou poeta consagrado coisíssima nenhuma! Consagrados eram Bandeira, Drummond, Cabral e uns outros poucos, pouquíssimos.
- Falando de Quintana, quais os poetas que cabem dentro da sua poesia? Quais os poetas que cabem dentro de Ruy Espinheira Filho?
ESPINHEIRA:- Manuel Bandeira, no Itinerário de Pasárgada, diz que sofreu influência de todo mundo. É o que acontece comigo: acho que, de uma forma ou de outra, todas as leituras me influenciam. Até os autores muito ruins, pois com eles aprendo como não escrever… Alguns críticos já aproximaram minha poesia da de Bandeira; outros, de Drummond. Claro que sou leitor constante desses dois grandes, mas sem dúvida bebi em muitas outras fontes – a começar por Camões, passando pelos românticos. Aprendi até mesmo com Olavo Bilac, que considero o nosso maior parnasiano, embora minha poesia não tenha nada de parnasianismo, ao contrário das "vanguardas" que sugiram a partir de 1945 (Geração de 45, concretismo, neoconcretismo, praxismo, poema-processo, construtivismo e que tais, todas hoje – felizmente – devidamente extintas). Enfim, sou herdeiro da tradição da poesia ocidental. Talvez incompetente para administrar tão rica herança…
- Você é um poeta caseiro? O espaço onde os seus poemas ocorrem é o da casa? Fale sobre.
ESPINHEIRA:- Sou um homem caseiro. Mas os poemas me ocorrem em qualquer lugar. O inconsciente não avisa, a criação pode emergir a qualquer momento – ou ficar longo tempo sem dar sinal de nada. Não sou de ficar forçando a barra, o que só produz bobagem. Sigo os conselhos de Drummond: não adulo o poema nem recolho do chão o poema que se perdeu. Na verdade, já era assim mesmo antes de ler Drummond.
- A sua linguagem é simples, sem rococós, hermetismos e firulas. A simplicidade discursiva é uma busca eterna?
ESPINHEIRA:- Escrever com simplicidade é o que há de mais difícil. Não há nada que impeça que algo seja, ao mesmo tempo, simples e profundo. Os grandes poetas são simples, a começar de Homero. As tais "firulas" a que você se refere são coisas de poetastros. E o hermetismo é, quase sempre, malandragem de quem não tem o que dizer. Ou não sabe dizer o pouco que talvez possa ter. Agora, há poetas que são complexos, devido ao seu discurso, mas complexidade é outra coisa, nada tem a ver com "firulas" e hermetismos: apenas exige do leitor mais reflexão, mais apurada sensibilidade, assim como alguma cultura. Eu citaria, para este caso, como exemplo, Eliot.
- No poema "Uma Cidade", tudo contém uma idéia oposta. Também em Inúmero há: "E na origem/ da luz talvez não haja/ senão a ausência da estrela". A dualidade é poesia em estado bruto?
ESPINHEIRA:- Não vejo isto em "Uma Cidade". A imagem que você cita, de "Inúmero", não é, a meu ver, uma colocação de opostos. Arrisco-me a racionalizar um pouco e dizer que procurei aproximar a vida, repleta de ilusões, do fenômeno da luz que continuamos a ver mesmo quando a estrela que a emitia já não existe mais. Ou seja: a estrela que vemos não é estrela, não é mais, é apenas a sua luz, que continua viajando pelo espaço. Se fizéssemos uma viagem através dessa luz, em sua origem já não encontraríamos estrela alguma. Podemos dizer que essa luz não é mais do que uma "memória" da estrela.
- "Eu sou um menino/ contendo um homem que contém/ um menino." O que o poeta tem de lúdico?
ESPINHEIRA:- O Ivan Junqueira, num estudo sobre a minha poesia (incluído no livro O Fio de Dédalo, recentemente lançado pela Record), começa destacando o ludismo. Sim, há algo de lúdico aqui e ali, mas penso que a minha poesia – e o próprio Ivan frisa isto – é muito mais marcantemente melancólica, elegíaca. No meu próximo livro, ainda em preparo, aparecerão, na parte final, alguns poemas bem-humorados, mas a maior parte da obra se caracterizará pelo lirismo elegíaco de que fala o Ivan.
- "Todo amor está perdido/ ao nascer", é o verso de abertura do poema "Do Amor". É possível ser e não ser ao mesmo tempo?
ESPINHEIRA:- Não sei se entendi bem a pergunta. Bom, acho que sim, porque ninguém nos garante que o que julgamos ser é de fato o que é. Somos, sobretudo, o que sonhamos, o que nos transforma parcialmente em sonho. A vida é sonho, disse Calderón, creio que com muitíssima razão. "Todo amor está perdido/ ao nascer…" Na verdade, tudo está perdido desde a sua origem. Tudo caminha para isto: perder-se. Inclusive a vida.
- Ainda neste poema, "Do Amor", o que fica de um amor são destroços e o que não foi dito e o que não foi feito?
ESPINHEIRA:- Somos sempre uns destroçados. E os destroços ficam um pouco, boiando na superfície, depois também desaparecem. Mas só desaparecem, todos esses destroços, quando desaparecemos. Qualquer pessoa que se examine bem só quase vai encontrar destroços.
- Falar do poema no poema é o futuro da poesia?
ESPINHEIRA:- Espero que não. Se for, significa que a poesia não tem futuro… Pode-se tratar da poesia no poema, exercitar a metalinguagem, mas ficar nisto é extrema pobreza. Já pensou se Homero, em lugar de tratar dos deuses, da guerra, de Ulisses e Cia., ficasse falando do seu fazer poético? A poesia, no meu entender – a poesia e toda arte -, deve expressar a vida, a condição humana. Poesia não é truque, não é jeitinho, não é receita. Por falar em receita: quem quiser que leve a sério a Filosofia da Composição, de Poe, e tente fazer seu O Corvo… Nada me irrita mais, hoje, do que pegar num livro de jovem autor e encontrar as lamúrias (porque geralmente estão se lamuriando, impotentes, incapazes de criar) do fazer poético. Ao contrário do que dizem os formalistas, nós não fazemos arte meramente com técnica – mas, sobretudo, com o que somos. A técnica é o que, como dizia Mário de Andrade, pode ser ensinado. Qualquer um pode aprender técnica, mas só faz poesia quem, além de conhecer a técnica, é poeta. E ninguém pode ensinar ninguém a ser poeta.
Alexei Bueno diz que a poesia brasileira é cocô de cabrito: pequena, sequinha e idêntica. Concorda com Alexei?
ESPINHEIRA:- O Alexei não diz isto sobre a poesia brasileira como um todo, mas a respeito de certa poesia, exatamente a poesia dos formalistas: concretistas, neoconcretistas, construtivistas et caterva, que são todos neoparnasianos. Aí, sim, é puro cocô de cabrito. E esses caras ficam produzindo isso e dizem que se trata de rigor. Confundem verso longo com discursivismo e verso (ou que nome tenha) curto com síntese. É a pobreza mental em toda a sua pujança.
- O poema "Aniversário" é sobre a perda: "Perdi colegas, namoradas, cães./ Perdi árvores, perdi um rio/ e eu mesmo nele me banhando". O rio é uma perda eterna, já que, por Heráclito, ninguém passa pelo mesmo rio duas vezes?
ESPINHEIRA:- Pois é, novamente a perda na minha poesia… A imagem do rio é perfeita: ninguém se banha no mesmo rio duas vezes. Tanto por não ser mais o rio o mesmo, porque flui, quanto por também a pessoa fluir, mudar-se continuamente em si. Como vê, minha poesia é mesmo muito melancólica. Não é uma atitude intelectual: é que a vida é assim…
- Tudo o que um bom poeta escreve é pensado, projetado, articulado ou o inconsciente fala mais alto e há uma conexão divina para inspirar o momento de escrever o poema? Como é o seu processo criativo?
ESPINHEIRA:- Sendo um agnóstico, não posso aceitar a conexão divina. Mas sei que Anima canta e que é do seu canto que vem a arte. Que não é só um canto espontâneo, tem que passar pela crítica. Fernando Pessoa fala de harmonia de idéia e emoção. Há um verso dele que expressa perfeitamente a coisa: "O que em mim sente ‘stá pensando". Meu processo criativo é igual ao de todos, em linhas gerais: impulso e crítica. Ninguém consegue fazer arte apenas com o intelecto, com inteligência e técnica, pois assim qualquer pessoa inteligente e culta seria artista. Todo mundo é capaz de aprender o que pode ser ensinado, como dizia Mário, mas só os artistas produzem arte. Só os que atingem aquela harmonia de idéia e emoção. Ninguém decide ser artista: ou se é ou não se é. Não é escolha – é condição. Porque o artista é, ainda lembrando Mário, um fatalizado.
- "Uma vida não dá/ para contar/ uma vida", versos de "Poema de Novembro", mostram a incapacidade humana de abarcar o todo. O poema pode ser considerado mais profundo e autobiográfico do que algumas autobiografias?
ESPINHEIRA:- Como falei antes, escrevo com o que sou. Como todo poeta, ou artista, produz. Posso imitar Bandeira, ou Drummond, mas não posso fazer a poesia deles – simplesmente porque não sou Bandeira nem Drummond. Não vivi a vida deles, não possuo as suas, digamos, idiossincrasias. Repito: não sou eles, sou o que há de mim, apenas. O poema, a meu ver, é sempre, de certa maneira, autobiográfico – porque você o produz com o que você é. Só os imbecis – que, infelizmente, são em grande número – é que podem pensar que a arte se faz com mera aplicação de técnicas. Aristóteles mostrou bem a diferença entre Empédocles, que escrevia ciência em versos, e Homero, que fazia poesia. As técnicas são o meio, mas não a fonte. A fonte é o artista. Quanto às autobiografias intencionais, podem ser menos ou mais sinceras. Mas, como já dissemos, a memória é ficcionista…
- Como foi ser Beatriz dos Anjos Silva?
ESPINHEIRA:- O poema "A Canção de Beatriz" foi deflagrado pelo depoimento de uma prostituta, em entrevista que acompanhei, a uma namorada minha, jornalista. Veio de súbito, dias depois, e foi o único poema que escrevi diretamente à máquina. Saiu de vez, como um jorro. Há quem o estranhe muito. Há quem o julgue prosaico. Há quem o deteste. Mas há também quem goste muito dele. O que posso dizer é que é um poema singular em minha obra. E ser Beatriz dos Anjos Silva foi, sem dúvida, uma forte experiência emocional.
- O que faz nas horas de lazer?
ESPINHEIRA:- Leio. De vez em quando, uma farrinha com amigos, um banho de mar. Mas geralmente leio.
- Como encara a matéria da revista Veja que ridiculariza poetas?
ESPINHEIRA:- Como uma matéria ridícula.
- Tem algum mote que o acompanhe?
ESPINHEIRA: Há muitos motes bons por aí. Lendo Nietzsche, Monteiro Lobato encontrou um que passou a seguir, e do qual sempre me recordo. Disse o filósofo: "Se queres seguir-me, segue-te." Creio que, embora não muito intencionalmente, observo esse mote.
- Qual o papel do escritor na sociedade?
ESPINHEIRA:- É ser escritor. Se possível, bom escritor. Segundo Ezra Pound, os escritores têm um função social definida, a qual é proporcional à sua competência como escritores. Como cidadãos, eles têm inúmeras obrigações e preferências políticas, cada qual com as suas. Mas a principal obrigação como escritor é ser bom e procurar manter viva a sua herança de cultura e o vigor de sua língua. Mesmo porque, como advertia o mesmo Pound, se a literatura de uma nação entra em declínio a nação se atrofia e decai.
Fonte:
http://virtualbooks.terra.com.br/
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