Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que sonha a tua filosofia ( There are more things in heaven and earth, Horatio, that are dreamt of than in your philosophy)
Muito já se discutiu e se escreveu sobre persuasão. J.A.C. Brown, psicólogo, escreveu "Técnicas de Persuasão". William Sargant, psiquiatra, produziu a obra "Battle for the Mind". sobre conversão religiosa e lavagem cerebral. Serguei Tchakhotine escreveu "Le viol des foules par la propagande politique."
Os estudiosos da Escola de Frankfurt produziram várias obras que envolviam o assunto, principalmente Max Horkheimer, Theodor Adorno e Jürgen Habermas. Infelizmente nenhuma dessas obras trouxe uma explicação satisfatória sobre o processo da comunicação persuasiva.
É que às vezes as respostas não se encontram em cientistas, pesquisadores e doutores, mas com literatos, poetas, dramaturgos; aqueles que observam, sentem e escrevem. Interessante, percebem as coisas da vida sem utilizar metodologias científicas e que tais. Aprende-se Psicologia com Machado de Assis, melhor que em Freud; Sociologia, com Gilberto Freire, se conhece melhor do que em Durkheim.
William Shakespeare produziu uma teoria sobre a persuasão que cientista nenhum desvendou, basta ler com atenção devida.
Iago, com argumentos e artimanhas, convenceu Otelo de que sua esposa, Desdêmona, era infiel. Lady Macbeth persuadiu Lorde Macbeth a matar o rei para tomar-lhe o trono. Próspero, dominou espíritos para que o ajudassem em sua vingança. Cássio convenceu Bruto a matar Júlio César. O fantasma do rei da Dinamarca convenceu Hamlet, o filho, a vingar sua morte. Romeu seduziu Julieta e foi seduzido por ela, a ponto de se suicidarem ambos. Petrucchio domou a megera Catarina, transformando-a em mulher dócil e submissa. Em todas essas obras, e em outras que não mencionei, há uma idéia recorrente: a comunicação persuasiva, para ser eficiente, pressupõe um fator: as fraquezas humanas. As pessoas são mais facilmente persuadidas quando se apela para o egoísmo, ambições, invejas, ciúmes, paixões, dores, arrependimentos.
Esse foi um dos legados que William Shakespeare nos deixou, há quatrocentos anos. Entender o ser humano em suas fraquezas, suas forças, suas felicidades, seus gozos e angústias. Mas não se trata apenas de entender o outro, a nós mesmos também. Somos todos guerreiros, às vezes, políticos, no sentido grego, constantemente. Também somos incapazes. Romeu não conseguiu ser bem sucedido com Julieta, não lhe deram tempo nem oportunidade. Macbeth não pode obter as vantagens do trono, sanguinariamente conquistado.
Quanto ao ser humano, Shakespeare nos ensina algo importante, senão fundamental: o homem não é bom ou mau, apenas homem. Um famoso humorista contestava a história do Chapeuzinho Vermelho. Perguntava: "por que lobo mau, acaso existe lobo congregado mariano ou coroinha de igreja? Lobo é lobo, nem mau nem bom, só lobo". Pois é, o homem é homem, nem bom nem mau, apenas homem.
Shakespeare percebeu, o que os chineses já sabiam há séculos e Marx viria a descobrir mais tarde: o homem é uma unidade de contradições, maldade e bondade as carrega no peito, ao mesmo tempo e em todas as horas.
Frei Lourenço (Romeu e Julieta) em um breve monólogo disse o seguinte: "A terra é a mãe e a tumba da natura; ministra a morte e, assim, apresta a cura. Filhos de vária espécie, no seu seio a mamar encontramos, sem receio; uns por por várias virtudes, excelentes; cada um com a sua, todos diferentes. Oh! é admirável a potente graça que há nas ervas, na flora, na pedra crassa, pois até mesmo o que há de vil na terra algo de bom, influência dela, encerra; nem nada bom existe, que, torcido do uso normal, não se revele infiel à própria natureza e nascimento. Até mesmo a alta virtude, num momento mal aplicada, em vício se transforma, e este, por vezes, ao dever dá a norma. Na corola infantil desta florzinha veneno mora que dá morte asinha, Cheirado, ao corpo todo dá alegria; mas pára o coração no mesmo dia, quando dado a beber. Dois reis potentes nas plantas e nos homens oponentes acampamento têm: a atroz cobiça e a graça benfazeja. Se insubmissa se mostra a pior, então vem logo o verme da morte e rói essa plantinha inerme."
O arrependimento é de constante frequência na obra do dramaturgo, os personagens perpetram as piores crueldades imagináveis, mas acabam sofrendo dores de consciência. Macbeth mandou matar o rei para obter a coroa, mas passou a sofrer amarguras internas. Hamlet estava decidido a vingar o pai assassinado, mas era angustiado pela dúvida: "ser ou não ser, eis a questão".
Os chefes das famílias rivais, Capuleto e Montecchio, após a morte dos filhos, concluem: "CAPULETO: Dá-me tua mão irmão Montecchio; é o dote de minha filha. Mais pedir não posso. MONTECCHIO: Mas eu posso dar mais, pois hei de a estátua dela fazer do mais puro ouro. Enquanto for Verona conhecida, nenhuma imagem terá tanto preço como a da fiel e mui veraz Julieta. CAPULETO: Romeu fama também dará à cidade; vítimas são de nossa inimizade."
Próspero (A Tempestade) depois de dominar espíritos para que o auxiliassem em sua vingança, termina concluindo: "Restou-me o temor escuro; por isso, o auxílio procuro, de vossa prece que assalta até mesmo a Graça mais alta, apagando facilmente as faltas de toda gente. Como quereis ser perdoados de todos vossos pecados, permiti que sem violência me solte vossa indulgência."
Voltemos à teoria da persuasão. A credibilidade de quem assegura a veracidade da afirmação é importante.. Como duvidar da palavra de uma feiticeira. Macbeth ouviu, não de uma, mas de três feiticeiras: "Primeira bruxa: Viva, viva Macbeth! Nós te saudamos, thane de Glamis. Segunda bruxa: Viva, viva Macbeth! Nós te saudamos, thane de Cawdor. Terceira bruxa: Viva Macbeth, que há de ser rei mais tarde!" . Realmente Macbeth se tornou thane de Glamis, depois de Cawdor e afinal rei. Tornou-se thane por merecimento, mas foi induzido pela ambição, que Lady Macbeth soube explorar, a ponto de convencê-lo a matar o rei para tomar-lhe o trono.
A força de um bom argumento, preferencialmente mesclado com sentimento, é decisivo para a persuasão. Julieta, na cena em que está na sacada (antigamente se dizia balcão), pronunciou uma das frases mais célebres da literatura universal: "Meu inimigo é apenas o teu nome. Continuaria sendo o que és, se acaso Montecchio tu não fosses. Que é Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença ao corpo. Sê outro nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição que dele é sem esse título. Romeu risca teu nome e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteiro."
A argumentação, acompanhada de um fato adrede preparado, por menor que seja, tem um incrível poder persuasivo, principalmente quando se explora uma fraqueza como o ciúme. Iago furtou a Desdêmona, um lenço que lhe havia dado Otelo e o deixou às mãos de Cássio. Daí o seguinte diálogo: "IAGO - Sede cauto; ainda não vimos nada; é bem possível que seja honesta. Ora dizei-me apenas o seguinte: não vistes porventura nas mãos de vossa esposa, algumas vezes, um lenço com bordados de morangos? OTELO - Dei-lhe um assim; foi meu primeiro mimo. IAGO - Ignorava esse fato; porém tenho certeza plena de ter hoje visto Cássio passar na barba um lenço desses, que foi de vossa esposa. OTELO - Se era o mesmo... IAGO - O mesmo, ou outro qualquer dos lenços dela, é prova muito forte, ao lado de outras."
Incrível, o patriotismo, o amor à cidade onde se vive podem gerar susceptibilidade à persuasão, Vejam em Júlio César; Bruto orientado pelo patriotismo, e um pouco de ambição, aceita a influência de Cássio; e diz: "Preciso é que ele morra. Eu, por meu lado, razão pessoal não tenho para odiá-lo, afora a do bem público." Matou Júlio César. Fator importante de convencimento é a cobrança por um favor prestado. Próspero (A Tempestade) libertou Ariel do domínio da bruxa Sicorax e, em troca, exigiu apoio para seu desejo de vingança. O diálogo é assim: "PRÓSPERO: Quê! Zangado? Que podes desejar? ARIEL: Lembra-te que te prestei serviços importantes nunca menti, nem descuidei de nada, nem me mostrei queixoso ou rabugento. Prometeste abater-me um ano inteiro. PRÓSPERO: Pareces esquecido do tormento de que te libertei."
O cansaço e o desgaste físico, geralmente, são fatores que aumentam a sugestionabildade em muitas pessoas. Nas forças armadas a leitura da ordem do dia é realizada depois que os soldados foram submetidos a pesados exercícios e longas marchas. Nas academias de artes marciais, os princípios morais e filosóficos são discutidos ao final do treinamento, quando os alunos já se encontram exauridos. Petrucchio (A megera domada) forçou Catarina, imediatamente após o casamento, a viajar sob um inverno rigoroso, ocasião em que ela caiu do cavalo sobre a lama. Já em casa, ralhando com o empregado, alegou que a comida estava ruim jogando-a fora. Com isso deixou Catarina faminta por logo tempo, levando-a quase ao desespero. Não a deixava dormir à noite, fazendo muito barulho e gritando com os empregados. Não a deixava fazer nenhuma afirmação sem contestá-la. Ao cabo de algum tempo a megera hostil transformou-se em mulher gentil, delicada e obediente.
Recurso persuasivo muito utilizado, o apelo à indignação e ao sentimento de revolta, foi empregado por Marx, Lenin, Hitler e tantos outros. Cláudio envenenou seu irmão, rei da Dinamarca, tomou o trono e casou-se com a rainha. O fantasma do rei assassinado apareceu perante seu filho, Hamlet, convencendo-o a vingar-lhe a morte. Seu apelo dizia o seguinte: "Sou a alma de teu pai, por algum tempo condenada a vagar durante a noite, e de dia a jejuar na chama ardente, até que as culpas todas praticadas em meus dias mortais sejam nas chamas, ao fim, purificadas. Se eu pudesse revelar-te os segredos do meu cárcere, as menores palavras dessa história te rasgariam a alma; tornar-te-iam, gelado o sangue juvenil; das órbitas fariam que saltassem, como estrelas, teus olhos; o penteado desfar-te-iam, pondo eriçados, hirtos os cabelos, como cerdas de iroso porco-espinho. Mas essa descrição da eternidade para ouvidos não é de carne e sangue. Escuta, Hamlet. Se algum dia amaste teu carinhoso pai... Vinga o seu assassínio estranho e torpe.
A Shakespare não passou despercebido que os seres humanos muitas vezes, tentam convencer não outros, mas a si próprios, especialmente quando precisam justificar suas atitudes e ações. Edmundo (Rei Lear) registra bem esse aspecto: "Essa é a maravilhosa tolice do mundo: quando as coisas não nos correm bem - muitas vezes por culpa de nossos próprios excessos - pomos a culpa de nossos desastres no sol, na lua e nas estrelas, como se fôssemos celerados por necessidade, tolos por compulsão celeste, velhacos, ladrões e traidores pelo predomínio das esferas; bêbedos, mentirosos e adúlteros, pela obediência forçosa a influências planetárias, sendo toda nossa ruindade atribuída à influência divina... Ótima escapatória para o homem, esse mestre da devassidão, responsabilizar as estrelas por sua natureza de bode. Meu pai se juntou a minha mãe sob a cauda do Dragão e minha natividade se deu sob a Grande Ursa: de onde se segue que eu tenho de ser violento e lascivo. Pelo pé de Deus! Eu teria sido o que sou, ainda que a mais virginal estrela do firmamento houvesse piscado por ocasião de minha bastardização."
As citações mostram que Shakespeare, sem pesquisas e fundamentos científicos, mas com intuição e sensibilidade, percebeu como é frágil a mente humana. Alguns recursos de comunicação podem induzir pessoas a agirem de maneira que elas não fariam em outras condições.
Desconheço o que ocorre no céu, mas na terra há fatos e atos humanos que, com nossos conhecimentos e concepções filosóficas, mal sonhamos explicar.
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Sobre o autor
Nélson Jahr Garcia, que nasceu em São Paulo, formado na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Professor da USP, e de outras Faculdades Particulares. Fez mestrado e doutoramento em Ciências da Comunicação na ECA-USP. Escreve livros, artigos. É webdesigner e ebook-publisher.
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Fontes:
http://virtualbooks.terra.com.br/
Desenho: http://www.mediabistro.com
Muito já se discutiu e se escreveu sobre persuasão. J.A.C. Brown, psicólogo, escreveu "Técnicas de Persuasão". William Sargant, psiquiatra, produziu a obra "Battle for the Mind". sobre conversão religiosa e lavagem cerebral. Serguei Tchakhotine escreveu "Le viol des foules par la propagande politique."
Os estudiosos da Escola de Frankfurt produziram várias obras que envolviam o assunto, principalmente Max Horkheimer, Theodor Adorno e Jürgen Habermas. Infelizmente nenhuma dessas obras trouxe uma explicação satisfatória sobre o processo da comunicação persuasiva.
É que às vezes as respostas não se encontram em cientistas, pesquisadores e doutores, mas com literatos, poetas, dramaturgos; aqueles que observam, sentem e escrevem. Interessante, percebem as coisas da vida sem utilizar metodologias científicas e que tais. Aprende-se Psicologia com Machado de Assis, melhor que em Freud; Sociologia, com Gilberto Freire, se conhece melhor do que em Durkheim.
William Shakespeare produziu uma teoria sobre a persuasão que cientista nenhum desvendou, basta ler com atenção devida.
Iago, com argumentos e artimanhas, convenceu Otelo de que sua esposa, Desdêmona, era infiel. Lady Macbeth persuadiu Lorde Macbeth a matar o rei para tomar-lhe o trono. Próspero, dominou espíritos para que o ajudassem em sua vingança. Cássio convenceu Bruto a matar Júlio César. O fantasma do rei da Dinamarca convenceu Hamlet, o filho, a vingar sua morte. Romeu seduziu Julieta e foi seduzido por ela, a ponto de se suicidarem ambos. Petrucchio domou a megera Catarina, transformando-a em mulher dócil e submissa. Em todas essas obras, e em outras que não mencionei, há uma idéia recorrente: a comunicação persuasiva, para ser eficiente, pressupõe um fator: as fraquezas humanas. As pessoas são mais facilmente persuadidas quando se apela para o egoísmo, ambições, invejas, ciúmes, paixões, dores, arrependimentos.
Esse foi um dos legados que William Shakespeare nos deixou, há quatrocentos anos. Entender o ser humano em suas fraquezas, suas forças, suas felicidades, seus gozos e angústias. Mas não se trata apenas de entender o outro, a nós mesmos também. Somos todos guerreiros, às vezes, políticos, no sentido grego, constantemente. Também somos incapazes. Romeu não conseguiu ser bem sucedido com Julieta, não lhe deram tempo nem oportunidade. Macbeth não pode obter as vantagens do trono, sanguinariamente conquistado.
Quanto ao ser humano, Shakespeare nos ensina algo importante, senão fundamental: o homem não é bom ou mau, apenas homem. Um famoso humorista contestava a história do Chapeuzinho Vermelho. Perguntava: "por que lobo mau, acaso existe lobo congregado mariano ou coroinha de igreja? Lobo é lobo, nem mau nem bom, só lobo". Pois é, o homem é homem, nem bom nem mau, apenas homem.
Shakespeare percebeu, o que os chineses já sabiam há séculos e Marx viria a descobrir mais tarde: o homem é uma unidade de contradições, maldade e bondade as carrega no peito, ao mesmo tempo e em todas as horas.
Frei Lourenço (Romeu e Julieta) em um breve monólogo disse o seguinte: "A terra é a mãe e a tumba da natura; ministra a morte e, assim, apresta a cura. Filhos de vária espécie, no seu seio a mamar encontramos, sem receio; uns por por várias virtudes, excelentes; cada um com a sua, todos diferentes. Oh! é admirável a potente graça que há nas ervas, na flora, na pedra crassa, pois até mesmo o que há de vil na terra algo de bom, influência dela, encerra; nem nada bom existe, que, torcido do uso normal, não se revele infiel à própria natureza e nascimento. Até mesmo a alta virtude, num momento mal aplicada, em vício se transforma, e este, por vezes, ao dever dá a norma. Na corola infantil desta florzinha veneno mora que dá morte asinha, Cheirado, ao corpo todo dá alegria; mas pára o coração no mesmo dia, quando dado a beber. Dois reis potentes nas plantas e nos homens oponentes acampamento têm: a atroz cobiça e a graça benfazeja. Se insubmissa se mostra a pior, então vem logo o verme da morte e rói essa plantinha inerme."
O arrependimento é de constante frequência na obra do dramaturgo, os personagens perpetram as piores crueldades imagináveis, mas acabam sofrendo dores de consciência. Macbeth mandou matar o rei para obter a coroa, mas passou a sofrer amarguras internas. Hamlet estava decidido a vingar o pai assassinado, mas era angustiado pela dúvida: "ser ou não ser, eis a questão".
Os chefes das famílias rivais, Capuleto e Montecchio, após a morte dos filhos, concluem: "CAPULETO: Dá-me tua mão irmão Montecchio; é o dote de minha filha. Mais pedir não posso. MONTECCHIO: Mas eu posso dar mais, pois hei de a estátua dela fazer do mais puro ouro. Enquanto for Verona conhecida, nenhuma imagem terá tanto preço como a da fiel e mui veraz Julieta. CAPULETO: Romeu fama também dará à cidade; vítimas são de nossa inimizade."
Próspero (A Tempestade) depois de dominar espíritos para que o auxiliassem em sua vingança, termina concluindo: "Restou-me o temor escuro; por isso, o auxílio procuro, de vossa prece que assalta até mesmo a Graça mais alta, apagando facilmente as faltas de toda gente. Como quereis ser perdoados de todos vossos pecados, permiti que sem violência me solte vossa indulgência."
Voltemos à teoria da persuasão. A credibilidade de quem assegura a veracidade da afirmação é importante.. Como duvidar da palavra de uma feiticeira. Macbeth ouviu, não de uma, mas de três feiticeiras: "Primeira bruxa: Viva, viva Macbeth! Nós te saudamos, thane de Glamis. Segunda bruxa: Viva, viva Macbeth! Nós te saudamos, thane de Cawdor. Terceira bruxa: Viva Macbeth, que há de ser rei mais tarde!" . Realmente Macbeth se tornou thane de Glamis, depois de Cawdor e afinal rei. Tornou-se thane por merecimento, mas foi induzido pela ambição, que Lady Macbeth soube explorar, a ponto de convencê-lo a matar o rei para tomar-lhe o trono.
A força de um bom argumento, preferencialmente mesclado com sentimento, é decisivo para a persuasão. Julieta, na cena em que está na sacada (antigamente se dizia balcão), pronunciou uma das frases mais célebres da literatura universal: "Meu inimigo é apenas o teu nome. Continuaria sendo o que és, se acaso Montecchio tu não fosses. Que é Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença ao corpo. Sê outro nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição que dele é sem esse título. Romeu risca teu nome e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteiro."
A argumentação, acompanhada de um fato adrede preparado, por menor que seja, tem um incrível poder persuasivo, principalmente quando se explora uma fraqueza como o ciúme. Iago furtou a Desdêmona, um lenço que lhe havia dado Otelo e o deixou às mãos de Cássio. Daí o seguinte diálogo: "IAGO - Sede cauto; ainda não vimos nada; é bem possível que seja honesta. Ora dizei-me apenas o seguinte: não vistes porventura nas mãos de vossa esposa, algumas vezes, um lenço com bordados de morangos? OTELO - Dei-lhe um assim; foi meu primeiro mimo. IAGO - Ignorava esse fato; porém tenho certeza plena de ter hoje visto Cássio passar na barba um lenço desses, que foi de vossa esposa. OTELO - Se era o mesmo... IAGO - O mesmo, ou outro qualquer dos lenços dela, é prova muito forte, ao lado de outras."
Incrível, o patriotismo, o amor à cidade onde se vive podem gerar susceptibilidade à persuasão, Vejam em Júlio César; Bruto orientado pelo patriotismo, e um pouco de ambição, aceita a influência de Cássio; e diz: "Preciso é que ele morra. Eu, por meu lado, razão pessoal não tenho para odiá-lo, afora a do bem público." Matou Júlio César. Fator importante de convencimento é a cobrança por um favor prestado. Próspero (A Tempestade) libertou Ariel do domínio da bruxa Sicorax e, em troca, exigiu apoio para seu desejo de vingança. O diálogo é assim: "PRÓSPERO: Quê! Zangado? Que podes desejar? ARIEL: Lembra-te que te prestei serviços importantes nunca menti, nem descuidei de nada, nem me mostrei queixoso ou rabugento. Prometeste abater-me um ano inteiro. PRÓSPERO: Pareces esquecido do tormento de que te libertei."
O cansaço e o desgaste físico, geralmente, são fatores que aumentam a sugestionabildade em muitas pessoas. Nas forças armadas a leitura da ordem do dia é realizada depois que os soldados foram submetidos a pesados exercícios e longas marchas. Nas academias de artes marciais, os princípios morais e filosóficos são discutidos ao final do treinamento, quando os alunos já se encontram exauridos. Petrucchio (A megera domada) forçou Catarina, imediatamente após o casamento, a viajar sob um inverno rigoroso, ocasião em que ela caiu do cavalo sobre a lama. Já em casa, ralhando com o empregado, alegou que a comida estava ruim jogando-a fora. Com isso deixou Catarina faminta por logo tempo, levando-a quase ao desespero. Não a deixava dormir à noite, fazendo muito barulho e gritando com os empregados. Não a deixava fazer nenhuma afirmação sem contestá-la. Ao cabo de algum tempo a megera hostil transformou-se em mulher gentil, delicada e obediente.
Recurso persuasivo muito utilizado, o apelo à indignação e ao sentimento de revolta, foi empregado por Marx, Lenin, Hitler e tantos outros. Cláudio envenenou seu irmão, rei da Dinamarca, tomou o trono e casou-se com a rainha. O fantasma do rei assassinado apareceu perante seu filho, Hamlet, convencendo-o a vingar-lhe a morte. Seu apelo dizia o seguinte: "Sou a alma de teu pai, por algum tempo condenada a vagar durante a noite, e de dia a jejuar na chama ardente, até que as culpas todas praticadas em meus dias mortais sejam nas chamas, ao fim, purificadas. Se eu pudesse revelar-te os segredos do meu cárcere, as menores palavras dessa história te rasgariam a alma; tornar-te-iam, gelado o sangue juvenil; das órbitas fariam que saltassem, como estrelas, teus olhos; o penteado desfar-te-iam, pondo eriçados, hirtos os cabelos, como cerdas de iroso porco-espinho. Mas essa descrição da eternidade para ouvidos não é de carne e sangue. Escuta, Hamlet. Se algum dia amaste teu carinhoso pai... Vinga o seu assassínio estranho e torpe.
A Shakespare não passou despercebido que os seres humanos muitas vezes, tentam convencer não outros, mas a si próprios, especialmente quando precisam justificar suas atitudes e ações. Edmundo (Rei Lear) registra bem esse aspecto: "Essa é a maravilhosa tolice do mundo: quando as coisas não nos correm bem - muitas vezes por culpa de nossos próprios excessos - pomos a culpa de nossos desastres no sol, na lua e nas estrelas, como se fôssemos celerados por necessidade, tolos por compulsão celeste, velhacos, ladrões e traidores pelo predomínio das esferas; bêbedos, mentirosos e adúlteros, pela obediência forçosa a influências planetárias, sendo toda nossa ruindade atribuída à influência divina... Ótima escapatória para o homem, esse mestre da devassidão, responsabilizar as estrelas por sua natureza de bode. Meu pai se juntou a minha mãe sob a cauda do Dragão e minha natividade se deu sob a Grande Ursa: de onde se segue que eu tenho de ser violento e lascivo. Pelo pé de Deus! Eu teria sido o que sou, ainda que a mais virginal estrela do firmamento houvesse piscado por ocasião de minha bastardização."
As citações mostram que Shakespeare, sem pesquisas e fundamentos científicos, mas com intuição e sensibilidade, percebeu como é frágil a mente humana. Alguns recursos de comunicação podem induzir pessoas a agirem de maneira que elas não fariam em outras condições.
Desconheço o que ocorre no céu, mas na terra há fatos e atos humanos que, com nossos conhecimentos e concepções filosóficas, mal sonhamos explicar.
=================
Sobre o autor
Nélson Jahr Garcia, que nasceu em São Paulo, formado na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Professor da USP, e de outras Faculdades Particulares. Fez mestrado e doutoramento em Ciências da Comunicação na ECA-USP. Escreve livros, artigos. É webdesigner e ebook-publisher.
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