Um amigo me contou que em sua aldeia, os pais, para assustarem as crianças, contavam a história de um mundo assombrado. A história orbitava em torno do eterno combate entre o bem e o mal, as forças da luz contra as das trevas, como em toda cultura. Mas naquela aldeia eles encontraram uma forma mais assustadora, ainda, de dar vida ao tema. Vamos a ela.
Cai a noite. As criaturas nefastas, ligadas ao maligno, se reúnem. A cidade calma prepara-se para mais uma noite tranqüila de descanso. Mas as pessoas não sabem o que as espera. Não passa pela cabeça, do mais simplório ao mais audaz dos chefes de família, e das demais pessoas que trabalharam e trabalham diariamente para ganhar seu sustento, o que está por vir. As famílias já estão reunidas, muitos já fizeram sua refeição noturna e estão se retirando para o repouso após um árduo dia na labuta. Labuta esta que irá proporcionar-lhes, ao final do mês, uma retribuição financeira para que o seu sustento esteja garantido por mais um mês, para os mais afortunados, ou pelo período que der, para a grande parte deles. A ampla maioria procura formas de aumentar esta retribuição financeira para terem um pouco mais de dignidade. Uns se entregam a mais horas de trabalho na mesma atividade, outros buscam uma segunda atividade, porém, tudo dentro de uma dignidade. Mas as criaturas nefastas não. Estas buscam formas menos dignas, na verdade, totalmente indignas para verem aumentada sua participação no quinhão. Obviamente, sem aumentarem o tempo que deveriam dedicar-se à sagrada arte do trabalho. O quinhão, disse esse meu amigo, era o que os aldeões eram obrigados a pagar às criaturas. E que as criaturas eram um pequeno grupo de aldeões que estavam a serviço do lado negro da força.
Tudo estava preparado, seria naquele dia e na calada da noite. As criaturas da noite começam a chegar. Para não chamarem muito a atenção, reúnem-se, quase que em segredo e tramam o pior. Algumas destas criaturas se assustam com a vilania da maldade que lhes é apresentada, temem pela forma como os da aldeia, que deveriam representar, irão receber a notícia. Outros, sem se importarem, sem darem a mínima para os aldeões, seguem em frente com seu intento e tratam de convencer os demais a aceitarem.
O tempo vai passando e quando as trevas da noite lançam suas sombras sobre o casario do belo vale, o castelo, agora transformado em covil, entra em ebulição. É um frenesi, algo semelhante ao de um cardume de piranhas quando estão a devorar sua presa. Outros, pelo movimento que fazem, lembram mais o giro da morte executado pelos jacarés quando arrancam grandes nacos de suas presas. Há, ainda, os que lembram mais o ritual de crueldade perpetrado pelo grande tubarão branco, que de posse de sua vítima brinca com ela antes de devorá-la. Para os mais criativos, ou nem tanto, o espetáculo lembrava mais aquele que minúsculos seres alados, conhecidos como moscas, estabelecem quando se banqueteiam em fedorentos exemplares de material orgânico em decomposição, conhecidos como bolo fecal.
Aqueles que tiveram a oportunidade de assistir garantem que foi um espetáculo dantesco, triste mesmo. Chegaram a compará-lo com as cenas degradantes que tomam lugar quando populações em situação famélica se atiram contra qualquer coisa que possa lhes encher o bucho e aplacar um pouco sua fome. E vão mais longe ao afirmar que tão grotesca era a cena, que levaria às lágrimas aqueles de estômago mais sensível.
Tudo pronto, tudo preparado, as artimanhas funcionaram como nunca, os sortilégios do lado negro da força mostraram todo o esplendor de sua força e o golpe fulminante foi lançado contra a dignidade de todo um povoado. Quando os primeiros raios do sol fizeram repousar as trevas da noite, o mal, através dos maus, triunfara. Os senhores vis, as criaturas nefastas, que na verdade deveriam representar os interesses dos demais, quem sabe inspirados em Lúcifer, dançavam a dança da vitória. E o povo mais uma vez constatou o desprezo que lhes dedicava a horda de perversos. De forma escancarada eles haviam aumentado a sua cota de participação no quinhão. Mas os aldeões não se deram por vencidos. Protestaram e fizeram chegar sua indignação, sua revolta ao grande líder, que chamou as criaturas nefastas e negociou a paz, desfazendo momentaneamente o mal e resgatando a dignidade dos aldeões.
Nesta história, mesmo que de forma momentânea o mal triunfou. Ainda bem que é apenas uma história para assustar criancinhas. Mas é bom ficar atento, pois nunca sabemos as formas com que as forças do mal, do perverso, podem se manifestar. Lá, na aldeia do meu amigo, esta história é transmitida de geração em geração, para que os aldeões nunca se esqueçam do perigo a que estiveram submetidos naqueles longínquos dias, mas que continua a pairar sobre eles, espreitando, aguardando o melhor momento de voltar e fincar suas garras vis na dignidade da aldeia. Até hoje eu ainda me arrepio e chego a suar frio só de imaginar que isto possa um dia voltar a se materializar, mesmo que seja lá, naquele vale remoto, em que está localizada a aldeia do meu amigo.
Blumenau, 29 de junho de 2008.
Fonte:
Enviado por Iara Melo, do Portal CEN. http://www.caestamosnos.org/
Cai a noite. As criaturas nefastas, ligadas ao maligno, se reúnem. A cidade calma prepara-se para mais uma noite tranqüila de descanso. Mas as pessoas não sabem o que as espera. Não passa pela cabeça, do mais simplório ao mais audaz dos chefes de família, e das demais pessoas que trabalharam e trabalham diariamente para ganhar seu sustento, o que está por vir. As famílias já estão reunidas, muitos já fizeram sua refeição noturna e estão se retirando para o repouso após um árduo dia na labuta. Labuta esta que irá proporcionar-lhes, ao final do mês, uma retribuição financeira para que o seu sustento esteja garantido por mais um mês, para os mais afortunados, ou pelo período que der, para a grande parte deles. A ampla maioria procura formas de aumentar esta retribuição financeira para terem um pouco mais de dignidade. Uns se entregam a mais horas de trabalho na mesma atividade, outros buscam uma segunda atividade, porém, tudo dentro de uma dignidade. Mas as criaturas nefastas não. Estas buscam formas menos dignas, na verdade, totalmente indignas para verem aumentada sua participação no quinhão. Obviamente, sem aumentarem o tempo que deveriam dedicar-se à sagrada arte do trabalho. O quinhão, disse esse meu amigo, era o que os aldeões eram obrigados a pagar às criaturas. E que as criaturas eram um pequeno grupo de aldeões que estavam a serviço do lado negro da força.
Tudo estava preparado, seria naquele dia e na calada da noite. As criaturas da noite começam a chegar. Para não chamarem muito a atenção, reúnem-se, quase que em segredo e tramam o pior. Algumas destas criaturas se assustam com a vilania da maldade que lhes é apresentada, temem pela forma como os da aldeia, que deveriam representar, irão receber a notícia. Outros, sem se importarem, sem darem a mínima para os aldeões, seguem em frente com seu intento e tratam de convencer os demais a aceitarem.
O tempo vai passando e quando as trevas da noite lançam suas sombras sobre o casario do belo vale, o castelo, agora transformado em covil, entra em ebulição. É um frenesi, algo semelhante ao de um cardume de piranhas quando estão a devorar sua presa. Outros, pelo movimento que fazem, lembram mais o giro da morte executado pelos jacarés quando arrancam grandes nacos de suas presas. Há, ainda, os que lembram mais o ritual de crueldade perpetrado pelo grande tubarão branco, que de posse de sua vítima brinca com ela antes de devorá-la. Para os mais criativos, ou nem tanto, o espetáculo lembrava mais aquele que minúsculos seres alados, conhecidos como moscas, estabelecem quando se banqueteiam em fedorentos exemplares de material orgânico em decomposição, conhecidos como bolo fecal.
Aqueles que tiveram a oportunidade de assistir garantem que foi um espetáculo dantesco, triste mesmo. Chegaram a compará-lo com as cenas degradantes que tomam lugar quando populações em situação famélica se atiram contra qualquer coisa que possa lhes encher o bucho e aplacar um pouco sua fome. E vão mais longe ao afirmar que tão grotesca era a cena, que levaria às lágrimas aqueles de estômago mais sensível.
Tudo pronto, tudo preparado, as artimanhas funcionaram como nunca, os sortilégios do lado negro da força mostraram todo o esplendor de sua força e o golpe fulminante foi lançado contra a dignidade de todo um povoado. Quando os primeiros raios do sol fizeram repousar as trevas da noite, o mal, através dos maus, triunfara. Os senhores vis, as criaturas nefastas, que na verdade deveriam representar os interesses dos demais, quem sabe inspirados em Lúcifer, dançavam a dança da vitória. E o povo mais uma vez constatou o desprezo que lhes dedicava a horda de perversos. De forma escancarada eles haviam aumentado a sua cota de participação no quinhão. Mas os aldeões não se deram por vencidos. Protestaram e fizeram chegar sua indignação, sua revolta ao grande líder, que chamou as criaturas nefastas e negociou a paz, desfazendo momentaneamente o mal e resgatando a dignidade dos aldeões.
Nesta história, mesmo que de forma momentânea o mal triunfou. Ainda bem que é apenas uma história para assustar criancinhas. Mas é bom ficar atento, pois nunca sabemos as formas com que as forças do mal, do perverso, podem se manifestar. Lá, na aldeia do meu amigo, esta história é transmitida de geração em geração, para que os aldeões nunca se esqueçam do perigo a que estiveram submetidos naqueles longínquos dias, mas que continua a pairar sobre eles, espreitando, aguardando o melhor momento de voltar e fincar suas garras vis na dignidade da aldeia. Até hoje eu ainda me arrepio e chego a suar frio só de imaginar que isto possa um dia voltar a se materializar, mesmo que seja lá, naquele vale remoto, em que está localizada a aldeia do meu amigo.
Blumenau, 29 de junho de 2008.
Fonte:
Enviado por Iara Melo, do Portal CEN. http://www.caestamosnos.org/
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