segunda-feira, 7 de julho de 2025

Asas da Poesia * 46 *

 

Poema de
LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE
Pinhalão/PR

Tuas Mãos

"Tua mão esquerda está sob minha cabeça,
e tua direita abraça-me " (Ct.8.3)

Ó suaves mãos, mãos afeiçoadas,
De puros gestos, carinhosas;
Ó níveas mãos, mãos abençoadas,
Que coisa as fez assim formosas?

Macia palma, aveludada,
O dorso - cheio de expressão...
O que será tem de encantada
A placidez da tua mão?

E brandamente com ternura,
Amigas mãos, quentes, me vêm;
Não é paixão, não é loucura,
Mas as tuas mãos - o que elas têm?

Volvem pra mim alegremente,
Como se, então, me dessem um beijo;
E no tanger mais complacente,
Com grande afeto eu sempre as vejo.

Mesmo de frágil compleição,
Fazem-me forte qual gigante;
Quanta magia em cada mão!
Por elas só, vou sempre avante.

Na branca palma da tua mão,
Soletro as sílabas da vida;
Eu vejo um "M" com paixão
- Centro do amor é a letra lida.
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Trova de 

CÉSAR SOVINSKI
(César Augusto Ribas Sovinski)
Curitiba/PR

O mentiroso sultão
com seu harém de donzelas.
— Durmo com todas, irmão.
— Só dorme – diz uma delas.
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Poema de
MARIO QUINTANA
Alegrete/RS, 1906 – 1994, Porto Alegre/RS

Data e dedicatória

Teus poemas, não os dates nunca... Um poema
Não pertence ao Tempo... Em seu país estranho
Se existe hora, é sempre a hora extrema
Quando o Anjo Azrael nos estende ao sedento
Lábio o cálice inextinguível...
O que tu fazes hoje é o mesmo poema
Que fizeste em menino,
É o mesmo que,
Depois que tu te fores,
Alguém lerá baixinho e comovidamente,
A vivê-lo de novo...
A esse alguém,
Que talvez nem tenha ainda nascido,
Dedica, pois, teus poemas,
Não os date, porém:
As almas não entendem disso…
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Aldravia de
LUIZ GONDIM
Rio de Janeiro/RJ

quero
vestir
tua
noite
despindo
censuras
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Soneto de
EMÍLIO DE MENESES
(Emílio Nunes Correia de Meneses
Curitiba/PR, 1866 – 1918, Rio de Janeiro/RJ

Numa lápide

Qual se teu filho fora, eu me acabrunho
E, de mágoa, a falar-te mal me atrevo.
Aceita, entanto, o humilde testemunho
De quanto foste meu sagrado enlevo.

Fosse-me dado, de cinzel em punho,
Talhar o liso mármore em relevo,
E eu daria da pedra o eterno cunho
Às estrofes que em pranto e sangue escrevo:

Sei que não cabem nestes sons dispersos
O pranto em que esta angústia não se acalma,
E o sangue em que tais sons morrem imersos.

Não cabe dentro de votiva palma
Nem na estreiteza de mesquinhos versos
O infinito de dor que tenho na alma.
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Trova de
JERSON LIMA DE BRITO 
Porto Velho/RO

Não tema sua jornada
se o céu estiver cinzento
que às vezes a trovoada
faz parte do ensinamento!
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Poema de
JOSÉ CARLOS MOUTINHO
Maia/Portugal

Murmúrios distantes

Sufocam-me os dias do meu estar,
Aperta-se-me o peito angustiado pelo nada;
Solta-se-me um grito estrangulado
Que voa, pelos vales da esperança,
E é a tua voz, que no eco, me responde,
Palavras de amor e arrependimento;
Mas estão longe, muito longe,
E chegam-me num murmúrio…
Perdem-se na distância dos erros cometidos
E momentos sofridos,
Que nem os místicos luares sararam;
Tampouco as estrelas que nos iluminavam,
Te mostraram a luz do nosso caminho;
Desperdiçaste a felicidade que se te oferecia,
De um coração aberto e uma alma transbordante,
De alegria constante!
Recusaste o sol que aqueceria a tua frieza,
Renegaste até os perfumes que a natureza,
Te colocou na floreira da tua vida,
Na forma de belas rosas vermelhas,
Oferecidas em instantes de êxtase

Agora o Universo gira num desatino,
Descontrolado pela razão da inconsciência,
Que me leva a uma irônica saudade,
Que não faz mais sentido,
Metamorfoseada por outras razões.
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Quadra popular
AUTOR ANÔNIMO

Tristes ais, negras saudades,
não me mates de repente,
que para matar só basta
o meu bem viver ausente.
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Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/Portugal

Sinto o sangue gelar-se-me nas veias
(José Barreto, in "Cânticos de Paixão e Outras Cores", p, 24)

Sinto o sangue gelar-se-me nas veias
Quando no peito morre uma esperança
Ou se solta um cabelo de uma trança
Onde o ouro brilhava sem ter peias;

E quando a luz que havia nas ideias
Se extingue sem deixar qualquer herança
Que no futuro seja uma lembrança
Dos povos que cantaram epopeias.

E o meu corpo minado pelo frio
Ganha a dureza gélida de um rio
A que os polos dão alma de glaciar.

Sou branca massa de água deslizando
Que sobe um mar de mágoa abominando
Onde eu não sou capaz de me afogar.
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Trova de
JOSÉ FELDMAN
Floresta/PR

O que me deixa grilado,
é nunca saber jamais,
com dois amigos ao lado,
qual deles que mente mais.
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Soneto Decassílabo Heroico de
ODAIR CABEÇA DE POETA
Fortaleza/CE

Soneto à mulher

Mulher, te vejo pura, qual criança
Revelando o amor todos os dias,
E ao contemplar estrelas, que alegria!
Eu sinto a tua essência, da esperança.

Mulher és, mais que tudo, temperança,
Ao compartilhar dores com os amigos,
És vício bom, um drible no perigo,
És emoção, és riso, boas lembranças.

O amor, em sua estrutura, é o pilar...
Uma carícia amiga, um despertar
Uma alma, prenhe de paixão, feliz,

E em seu espírito livre, sem ardis
Em meio a tantas pétalas, uma flor
És coração que explode em amor!
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Triverso de
ÁLVARO POSSELT
Curitiba/PR

A vida não tem fim
Entre túmulos e flores
uma caveira acenou pra mim
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Soneto de
MARIA EUGÊNIA CELSO 
(Maria Eugênia Celso Carneiro de Mendonça)
São João del Rey/MG, 1890 – 1963, Rio de Janeiro/RJ

Mudança

Li no jornal teu casamento… Um instante
Sinceramente a humana espécie odiei,
Do mundo o horror se me tornou flagrante
E do planeta desertar sonhei.

Veio depois a reflexão calmante…
Do esquecimento obedecendo à lei
– De ti se fez me coração distante,
Com a vida e os homens me reconciliei.

Passou-se um mês… Hoje encontrei-te… O espanto
Fez-me um segundo emudecer, no entanto
Minh’alma logo te reconheceu.

Eras tu mesmo… mas diminuído,
Diverso, feio, gordo, envelhecido.
Mudaste acaso ou mudaria eu?
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Trova de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

O mentiroso pensou
ter enganado a donzela...
Por interesse casou,
mas quem o enganou, foi ela!
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Poema de
MARIA EVAN GOMES BESSA
Fortaleza/CE

Praia de Iracema
 
Águas revoltas na ponte metálica
E o mar de um verde estonteante
Brinca com o vento em ondas
Que agitam turistas e visitantes.
 
A linguagem do mar é envolvente
Seduz a todos com seu simbolismo
E se traduz em falas misteriosas
Que inspiram ou provocam imobilismo.
 
Quantas histórias e vidas se passaram
Naquela praia de mares bravios,
Onde os poetas e boêmios viram
Guerreiros deslizarem em seus navios.
 
E a índia Iracema a correr na areia
Branca, esbelta, de pés descalços,
À espera do Guerreiro vive ainda
No inconsciente coletivo do povo.
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Epigrama de
VICTOR CARUSO
Campinas/SP

A um matemático

Jaz aqui um matemático.
Se dele queres saber
Pede à história que te diga:
Sendo do cálculo amador fanático
Teve para morrer um meio prático
E resolveu morrer
De cálculos na bexiga…
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Glosa de
NEMÉSIO PRATA
Fortaleza/CE

MOTE:
Tantas noites mal dormidas:
tantos dias mal passados,
tantas lágrimas vertidas,
por amores fracassados!
JOSÉ FELDMAN 
Floresta/PR

GLOSA:
Tantas noites mal dormidas:
só insônia e pesadelos;
nestas horas tão sofridas
sinto a falta de seus zelos!

Não sei se vou suportar
tantos dias mal passados,
sem um dia eu derramar
soluços desesperados!

Dos meus olhos, incontidas,
fruto da saudade, são
tantas lágrimas vertidas,
que secou meu coração!

Nas noites, sem ter o encanto
de te ter em meus brocados,
vou chorar meu desencanto
por amores fracassados!
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Trova de
A. A. DE ASSIS
(Antonio Augusto de Assis)
Maringá/PR

O céu manda a trovoada
avisar que a chuva vem.
– Venha logo... e, abençoada,
traga a fartura também!
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Soneto Alexandrino de
THALMA TAVARES
(Vicente Liles de Araújo Pereira)
São Simão/SP

A um jovem suicida
 
Pela porta entreaberta o velho pai assoma.
Olha triste, em silêncio, a família e a casa.
E em soluços explode a dor que ele não doma, 
o mal contido pranto, a lágrima que abrasa.

A todos, de um só golpe, o sofrimento arrasa.
Inconsolável mágoa a casa inteira toma.
Parece que a tristeza, enfim, deitou sua asa
sobre um lar onde a paz era único idioma.

Tempos depois passou a dor e o desconforto.
Mas do pai, que abraçou um dia o filho morto,
como eterno castigo a dor não se apartou.

Ficou-lhe na lembrança – e pela vida inteira – 
a débil voz do filho e a queixa derradeira:
- Estou morrendo, pai!... A droga me matou! 
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Trova de
EVA YANNI GARCIA
Caicó/RN

Desponta sereno o dia,
e o meu sonho, sem demora,
enche o mundo de poesia
ao romper da linda aurora!
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Poema de
ELISA ALDERANI
Ribeirão Preto/SP

Tempos da infância

No tempo de minha infância,
longe da cidade vivia.
Minha casinha era pobre e pequena,
no verde dos campos sumia...
Milho e pastagem eram exuberantes.
Tinha uma estrada de terra batida,
onde sempre passavam os carros
puxados de dois bois, ofegantes.
Para ir até a escola,
talvez uma carona pegava.
Achava demais divertido
o balanço das rodas fazendo ruído.
Na volta, já de tardezinha
a mãe mandava buscar leite de vaca
no camponês que morava
na casa pequena, ao lado da minha.
Eu esperava ansiosa,
olhando curiosa a vaca leiteira,
que com os pés amarados
mexia o rabo, nervosa.
Maria, a camponesa,
usava saia preta e comprida.
Sentada numa cadeirinha,
com muito cuidado mungia.
Depois, o balde levava
e, devagar o leite ela coava.
Enchia uma xícara,
ainda lembro que era de cor verde,
e com carinho me oferecia.
O cálido leite quentinho
com a espuminha por cima
tinha sabor de carinho, e
matava a fome que tinha!
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Poetrix de
SUELY BRAGA
Osório/RS

O vento

Baila o vento.
Sacode as cabeleiras das árvores.
Os pássaros recolhem-se do relento.
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Soneto de
RITA MOUTINHO
Rio de Janeiro/RJ

Soneto do provérbio

Depois da temporada de enlevo,
retorno à condição de submarino.
Ficarei mergulhada, sem relevo,
embalando o silêncio de ser sino.

Sinos só soam em horas muito raras.
São, é certo, instrumentos solitários,
mas plenos, mais plenos que as claras
orquestras que iluminam os cenários.

No recato da sombra, vou vivendo,
sem saber quando o lume se desnubla,
diversa de Penélope, escrevendo.

Sua grande atriz brilha no mundo,
nos bastidores, sou a chã que dubla,
mas, no escuro, o cintilo é mais profundo. 
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Trova de
CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

Eu adoro essas quadrinhas,
têm métrica, rima e tema...
A trova, com quatro linhas,
tem a amplidão de um poema.
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Poema de
JAIME VIEIRA
Maringá/PR

Curvatura

As estrelas se derramam no céu
mesmo quando, sob o peso dos anos,
não se olha mais para cima,
em busca de uma ilusão…

Envelhecidos os olhos,
a limitação humana
com as costas encurvadas
procura em poças d´água
o brilho das estrelas
refletidas no chão…
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Trova de
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA

O homem sofre ante os impulsos
das religiões e das ciências
pois pior que algemar pulsos,
é agrilhoar consciências!…
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Soneto de
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Doces lembranças

A rua principal era uma antiga estrada
Que conduzia ao Rio as produções paulistas.
E em caminhões de carga os xucros motoristas
De quando em vez passavam em louca disparada.

Em meio ao poeirão e à falta de outras pistas,
A molecada armava ali sua “pelada”...
E nos degraus de pedra à beira da calçada,
Mocinhas fomentavam as poses dos ciclistas...

A rua-estrada era o centro da cidade!
Pois nela se alinhavam a venda, o bar, a Igreja,
A Santa Casa, a escola, o clube e... na verdade,

Casebres onde aranhas punham suas teias...
Mas seu saudoso “footing”... Por mais não seja,
Me corta o coração por ter deixado Areias...
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Humberto de Campos (As folhas)


Lançados para longe da pátria pelos movimentos revolucionários que estalaram depois da guerra, o conde Ricardo e o príncipe Romualdo conversavam, displicentes, naquele começo de verão oriental, à sombra do grande plátano do parque do hotel, trocando ideias e fazendo comentários discretos sobre a situação política dos países em que haviam reinado. Estirados nas suas cadeiras de viagem, mostravam, ambos, um profundo desinteresse pelas coisas vulgares do mundo. E era por isso que, de vez em quando, mergulhavam em silêncio profundo, quedando a acompanhar com os olhos, melancólicos e soturnos, as oscilações da fumaça clara que atiravam, preguiçosos, para o ar.

O dia estava morno, quieto, parado, anunciando para a noite uma nova tempestade do Deserto. E era nisso que pensavam os dois fidalgos ilustres, despojos elegantes de dois tronos desmoronados, quando o príncipe começou a seguir com os olhos, uma a uma, as folhas amarelas que se desprendiam da árvore, e que se vinham espalhar no chão, estendendo pelo solo um crespo tapete de topázio. De repente, lançando para o espaço uma nuvem de fumaça cheirosa, o príncipe observou, alisando a barba negra e cerrada:

- Como os homens se assemelham às árvores!...

O conde Ricardo fechou o livro que principiara a ler, e, erguendo para a fronde os seus olhos muito azuis e muito doces, esperou a explicação do companheiro.

E o príncipe continuou:

- Enquanto a árvore está verde, e tem seiva, nenhuma folha o abandona, senão arrancada à força. Venha, porém, o verão, e com ele, a falta de seiva, a decadência da planta, e nenhuma quer ficar mais presa ao ramo!

Compreendendo o símbolo, o conde acentuou, sacudindo, triste, a cabeça leonina:

- São como os amigos...

E o príncipe confirmou:

- São como os amigos...

No silêncio do dia, as folhas, uma a uma, continuavam a cair…
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Humberto de Campos Veras nasceu em Miritiba/MA (hoje Humberto de Campos) em 1886 e faleceu no Rio de Janeiro, em 1934. Jornalista, político e escritor brasileiro. Aos dezessete anos muda-se para o Pará, onde começa a exercer atividade jornalística na Folha do Norte e n'A Província do Pará. Em 1910, publica seu primeiro livro de versos, intitulado "Poeira" (1.ª série), que lhe dá razoável reconhecimento. Dois anos depois, muda-se para o Rio de Janeiro, onde prossegue sua carreira jornalística e passa a ganhar destaque no meio literário da Capital Federal, angariando a amizade de escritores como Coelho Neto, Emílio de Menezes e Olavo Bilac. Trabalhou no jornal "O Imparcial", ao lado de Rui Barbosa, José Veríssimo, Vicente de Carvalho e João Ribeiro. Torna-se cada vez mais conhecido em âmbito nacional por suas crônicas, publicadas em diversos jornais do Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais brasileiras, inclusive sob o pseudônimo "Conselheiro XX". Em 1919 ingressa na Academia Brasileira de Letras. Em 1933, com a saúde já debilitada, Humberto de Campos publicou suas Memórias (1886-1900), na qual descreve suas lembranças dos tempos da infância e juventude. Após vários anos de enfermidade, que lhe provocou a perda quase total da visão e graves problemas no sistema urinário, Humberto de Campos faleceu no Rio de Janeiro, em 1934, aos 48 anos, por uma síncope ocorrida durante uma cirurgia. Além do Conselheiro XX, Campos usou os pseudônimos de Almirante Justino Ribas, Luís Phoca, João Caetano, Giovani Morelli, Batu-Allah, Micromegas e Hélios. Algumas publicações são Da seara de Booz, crônicas (1918); Tonel de Diógenes, contos (1920); A serpente de bronze, contos (1921); A bacia de Pilatos, contos (1924); Pombos de Maomé, contos (1925); Antologia dos humoristas galantes (1926); O Brasil anedótico, anedotas (1927); O monstro e outros contos (1932); Poesias completas (1933); À sombra das tamareiras, contos (1934) etc.

Fontes:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925. Disponível em Domínio Público.  
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José Feldman (Fábula do Pato e da Lebre)


Era uma vez, em um lago sereno, um pato chamado Pedro e uma lebre chamada Lili. Pedro era um pato feliz, sempre nadando e brincando com os outros animais do lago. Ele tinha uma bela plumagem e um canto melodioso que encantava a todos. Lili, por sua vez, era uma lebre ágil e rápida, conhecida por seus saltos altos e sua energia contagiante.

Os dois eram amigos, mas havia algo que Lili não conseguia ignorar: a atenção que Pedro recebia. Sempre que ele cantava, outros animais paravam para ouvi-lo, aplaudindo sua beleza e talento. Lili, por outro lado, sentia que suas habilidades não eram tão valorizadas. Isso começou a gerar ciúmes em seu coração.

Um dia, enquanto Pedro nadava e cantava alegremente, Lili decidiu que precisava fazer algo para chamar a atenção. "Se eu conseguir saltar mais alto do que nunca, todos irão me notar", pensou ela. Assim, ela começou a treinar todos os dias, tentando realizar saltos cada vez mais altos.

No entanto, a cada tentativa, Lili se sentia mais frustrada. Sempre que ela saltava, Pedro estava lá, cantando e recebendo aplausos. O ciúme consumia seu coração, e ela começou a se distanciar de Pedro, evitando suas interações e se isolando.

Um dia, enquanto Lili treinava, ela viu um grupo de animais se reunindo à beira do lago. Curiosa, foi até lá e viu Pedro cantando uma linda canção sobre amizade. Os animais dançavam e aplaudiam, e Lili sentiu uma pontada de dor ao perceber que estava perdendo momentos felizes com seu amigo.

Decidida a mostrar seu valor, Lili interrompeu Pedro e disse: "Olhem todos, eu posso saltar mais alto do que qualquer um aqui!" E, cheia de determinação, ela se preparou para um salto grandioso. Com um impulso forte, Lili pulou, mas, na sua pressa, não percebeu uma pedra na beira do lago.

Ela tropeçou e caiu, machucando-se levemente. Os animais correram para ajudá-la, e Pedro, preocupado, veio até ela. 

"Você está bem, Lili?" perguntou ele, com um tom de voz gentil.

Lili, envergonhada e com dor, respondeu: "Estou bem. Só queria ser notada como você."

Pedro, com compaixão, disse: "Você não precisa se comparar a mim. Cada um de nós tem suas próprias qualidades. Você é rápida e ágil, e eu admiro isso! A verdadeira amizade não se baseia em competir, mas em apoiar um ao outro."

Lili percebeu que seu ciúme a havia afastado de seu amigo e que ela estava perdendo a alegria de sua amizade. Com lágrimas nos olhos, ela pediu desculpas a Pedro e prometeu valorizar suas próprias habilidades, sem comparações.

A partir daquele dia, Lili e Pedro se tornaram ainda mais unidos. Lili começou a ensinar Pedro a saltar, enquanto ele a ajudava a cantar. Juntos, eles descobriram que a amizade era mais importante do que qualquer competição.

Moral da História
O ciúme pode nos afastar de quem amamos, mas reconhecer e valorizar nossas próprias qualidades traz verdadeira felicidade e fortalece as amizades.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Poeta, trovador, escritor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Casado em 1994 com a escritora, poetisa, tradutora e professora da UEM, Alba Krishna, mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, e depois em Maringá/PR desde 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul e Gralha Azul Trovadoresca. Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); e “Canteiro de trovas”.. No prelo: “Pérgola de textos” (crônicas e contos) e “Asas da poesia”

Fontes:
José Feldman. Pérgola de textos. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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Arthur Thomaz (Fredstone e o Marea)


Nascido em Itarock, pequena cidade no interior do estado, onde a principal atividade econômica era uma gigantesca pedreira.

Filho de Fredstone Jr e neto de Fredstone um circunspecto inglês que ao fugir da violência da segunda guerra mundial veio para esta cidade.

Fredstone Neto, seguindo a tradição familiar, também trabalhava na pedreira, e optou por não sair para cursar alguma faculdade.

Conseguiu juntar umas economias, o suficiente para dar a entrada e financiar o restante e concretizar o sonho de comprar um automóvel.

Na loja do senhor Jair C. Goodyear, que era também um persuasivo vendedor e que lhe mostrou a "joia" da revendedora. Encontrou seu sonho totalmente polido com pneus pintados, reluzente e até perfumado em seu interior.

Tomou-se de amores pelo carro e, ali mesmo, fechou negócio comprando um Marea.

Saiu da loja dirigindo e seguiu para a praça central já imaginando o espanto dos amigos e a admiração das moças.

Três esquinas antes de chegar à praça, um dos pneus estourou. Resignado, preparou-se para trocá-lo, quando viu que não tinha estepe.

Foi empurrando a roda até a borracharia do Ernesto, um lusitano bom sujeito, que remendou o pneu e deu-lhe outro para ajudar nesta aflitiva situação.

Fredstone voltou empurrando os dois pneus, mas já com humor alterado. Nessa hora lembrou-se de seu xará no desenho animado, Fred Flintstone, que tinha um carro com rodas de pedra, o que evitava passar por este contratempo.

Depois das trocas, recuperou o ânimo e seguiu seu caminho.

Ao entrar na rua do jardim central e acenar para alguns conhecidos, seu carro parou, as luzes se apagaram e uma estranha fumaça saiu do motor.

Ao abrir o capô, observou que o estrago era enorme.

Humilhado, empurrou o veículo até a oficina do Djair, seu parceiro dos jogos de truco.

Na mesma hora tomou a decisão de pedir as contas na pedreira e tornar-se sócio da oficina, pois percebeu que no futuro teria que consertar seu "possante" quase todos os dias.

Algum tempo depois foi até o sítio do Senhor Márcio Luiz, produtor de leite, e recolheu vários baldes com estrume das vacas.

Na noite seguinte, sorrateiramente, voltou à revendedora do senhor Jair e espalhou o conteúdo dos baldes em volta e nas janelas da concessionária.

Vingança realizada, retornou à vida rotineira, agora com um companheiro inseparável, seu Marea, que tentou vender inúmeras vezes sem sucesso.
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Arthur Thomaz é natural de Campinas/SP. Segundo Tenente da Reserva do Exército Brasileiro e médico anestesista, aposentado. Trovador e escritor, úblicou os livros: “Rimando Ilusões”, “Leves Contos ao Léu – Volume I, “Leves Contos ao Léu Mirabolantes – Volume II”, “Leves Contos ao Léu – Imponderáveis”, “Leves Aventuras ao Léu: O Mistério da Princesa dos Rios”, “Leves Contos ao Léu – Insondáveis”, “Rimando Sonhos” e “Leves Romances ao Léu: Pedro Centauro”.

Fontes:
Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: mirabolantes. Volume 2. Santos/SP: Bueno Editora, 2021. Enviado pelo autor 
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Estante de Livros (“Histórias da Meia-Noite”, de Machado de Assis) – 1


Histórias da meia-noite é uma coletânea de contos de Machado de Assis. A compilação foi publicada em novembro de 1873, reunindo seis trabalhos publicados entre 1870 e 1873 no Jornal das Famílias.

Enquanto nos romances da década de 1870 e nas coletâneas de poesias Machado de Assis se pauta pelo espírito romântico predominante na época, nos contos reunidos neste livro o autor se aproxima do espírito mais irônico de suas crônicas, num “estilo temperado de humorismo”. “Há um tom de conversa e estudo, não a narração que busca sentimentalizar o leitor.”

Sobre o livro, escreveu o jornal A Reforma na seção Bibliografia, na segunda página da edição de 18 de novembro de 1873, em matéria não assinada (mas de autoria de Joaquim Serra): “Não perde o Sr. Machado de Assis a ocasião que se lhe apresenta de censurar o lado ridículo da sociedade que ele tão bem conhece, assim nada lhe escapa; nem o político do campanário e as suas pretensões estultas, nem o sestro literário de um certo círculo, nem a educação em geral dada entre nós às crianças, nem aqueles defeitos das moças a quem se não dá bons conselhos, deixaram de formar ao espirituoso escritor assunto para sensatas reflexões.”

Já o colunista literário do jornal O Novo Mundo de 23 de janeiro de 1874 (pág. 63) reclama que, enquanto o autor “nos dá lindos esboços de mulher”, seus personagens masculinos são pintados “com cores na verdade bem carregadas e rudes”. Por exemplo, em "A Parasita Azul", o Leandro Soares “vende um amor de muitos anos por uma eleição da vila” e o Camilo Seabra “é um mentiroso que para obter a mão da mulher que desejava ‘planeou um grande golpe’, a saber uma premeditada ‘tentativa de suicídio’. Não terá o nosso sexo algumas amostras mais atrativas?”

“Histórias da meia noite” era uma expressão corrente na época que designava histórias fictícias, sem respaldo na realidade (lorotas, por assim dizer).

CONTOS

1) A parasita azul

Publicado originalmente no Jornal das Famílias de junho a setembro de 1872 com o pseudônimo Job. É um conto de amor que inicia a coletânea. Relata a volta do jovem Camilo a Goiás, depois de estudar medicina em Paris. De volta a Santa Luzia (atual Luziânia), sua cidade natal, disputa o amor da arredia Isabel com Leandro Soares. Este, rejeitado pela formosa donzela, jurou que ninguém mais se casaria com ela, e está disposto a matar um eventual pretendente. Mas Camilo, embora seja um "melhor partido", sofre a mesma rejeição por parte da moça, mesmo depois que descobre que foi ele o menino que, anos atrás, colheu para Isabel uma "linda parasita azul, entre os galhos de uma árvore", que ela guarda, já seca, com carinho. A temperamental moça só concorda em desposá-lo depois que ele lhe dá um susto, simulando uma tentativa de suicídio. Leandro, como "prêmio de consolação", ganha uma indicação para um cargo político. Segundo Milton Hatoum, o conto contrasta Paris, a capital do mundo, com um grotão no interior de Goiás, sendo "um dos primeiros contos que tratam dos disparates da sociedade brasileira, embora seja eivado de imaginação romântica e traços romanescos, como a paixão do protagonista Camilo por uma princesa moscovita e outras peripécias parisienses."

TRECHO: Paris e a princesa, tudo havia desaparecido do coração e da memória do rapaz. Um só ente, um lugar único mereciam agora as suas atenções: Isabel e Goiás.

2) As bodas de Luís Duarte

Publicado originalmente no Jornal das Famílias de junho e julho de 1873 com o título "As Bodas do Dr. Duarte" e pseudônimo Lara. É um conto que consiste no casamento de Luís Duarte com Carlota Lemos. Descreve uma história ocorrida em apenas um dia, justamente o dia do casamento, no qual há uma cerimônia a que familiares e amigos das duas famílias comparecem. O personagem mais relevante é o Tenente Porfírio, que com sua retórica um tanto quanto exagerada, mas apreciada, é considerado um homem imprescindível para qualquer cerimônia da região. Num período em que Machado produzia romances inseridos no espírito romântico, nesta "sátira aos ritos pequeno-burgueses" dá um primeiro passo na direção ao realismo literário, ao descrever nos mínimos detalhes, quase em tempo real (sem saltos temporais), com forte carga de ironia, a cerimônia de casamento de Carlota com o mancebo Luís Duarte. "Ao longo da narrativa aparecem cenas e personagens que dão sucessão à sociedade de aparências, preocupada, sobretudo, com o efeito de seus atos, deixando de lado a essência dos acontecimentos. Com uma espécie de câmera cinematográfica, sendo assim, o narrador machadiano percorre todas as personagens presentes na cerimônia, tecendo comentários sobre elas ou flagrando algumas de suas ações. A intenção é de apresentá-las de modo irônico e ambíguo, causando humor na leitura."

TRECHO COM FORTE CARGA IRÔNICA DESCREVENDO O DR. VALENÇA: O abdômen é a expressão mais positiva da gravidade humana; um homem magro tem necessariamente os movimentos rápidos; ao passo que para ser completamente grave precisa ter os movimentos tardos e medidos. Um homem verdadeiramente grave não pode gastar menos de dois minutos em tirar o lenço e assoar-se. O Dr. Valença gastava três quando estava com defluxo e quatro no estado normal. Era um homem gravíssimo.

TRECHO DO DISCURSO DO TENENTE PORFÍRIO: Senhores, duas flores nasceram em diverso canteiro, ambas pulcras, ambas rescendentes, ambas cheias de vitalidade divina. Nasceram uma para outra; era o cravo e a rosa; a rosa vivia para o cravo, o cravo vivia para a rosa: veio uma brisa e comunicou os perfumes das duas flores, e as flores, conhecendo que se amavam, correram uma para a outra. A brisa apadrinhou essa união.
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continua…

Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3rias_da_Meia-Noite
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