sábado, 27 de julho de 2019

Isabel Furini (A Busca)


Carlos Drummond de Andrade (De Fraque)


Ao ser convidado para padrinho de casamento, ia ponderar que há muito perdera a fé, não lhe ficava bem participar de ato religioso. O noivo cortou-lhe a objeção:

— Estou convidando você para padrinho do civil.

— Quer dizer: testemunha.

— É a mesma coisa.

Não era. Testemunha ele podia ser, sem nuvem na consciência. Padrinho, ao pé do altar, diante do padre e de Deus, era coisa mais grave, para a qual não se sentia credenciado.

— É em casa ou na Pretoria?

— É na sacristia, meia hora antes do religioso. O juiz agora vai à igreja, você sabia?

Não sabia; nunca soube nada antes dos outros, ou se sabe esquece logo.

— Se o juiz vai à igreja eu também vou, para casar você. É uma alegria para mim.

— Para mim, então!

— Uma honra.

— Deixa disso, a honra é toda minha.

— Bondade de você.

— De você.

— Vamos aos fatos. Você se casa simples ou solene, com aquele cerimonial todo?

— A coisa mais simples do mundo.

— Não vai ter fraque?

— Que fraque nem mané-fraque!

— Porque — vou ser franco —, se tiver fraque, eu…

— Era o que faltava, botar você de fraque na sacristia!

Deu uma olhada no terno escuro, mandou passá-lo na lavanderia, e estava inocente da vida, na noite de véspera do casamento, quando o noivo telefona:

— Queria dizer a você que o casamento civil não vai ser mais na sacristia. Agora é mais simples.

— Onde é então?

— No altar-mor.

— Complicou.

— Pelo contrário. O civil e o religioso são celebrados ao mesmo tempo.

— Não entendi. O padre e o juiz juntos, no altar?!

— Só o padre, mas ele casa pelos dois, para simplificar. Lavra dois termos, e um deles vai para o Registro Civil.

— Cada dia uma novidade.

— É mesmo. Sendo assim, você vai ficar com os outros padrinhos, ao lado do altar-mor.

— Bem, eu…

— Já sei, não é religioso. Mas também não vai me dizer que é ateu. Quem vai à sacristia não custa chegar até o altar. E depois, você é do civil.

— Está certo.

— Outra coisa. Os padrinhos de minha noiva chegaram de São Paulo e trouxeram fraques. Acham que assim fica melhor, mais distinto. Não estava nos meus planos, mas fico sem jeito de contrariá-los. Não digo que você também vista fraque, pode ir inteiramente a seu gosto, mas se quiser…

— Querer o quê, a uma hora dessas? Eu não tenho, nunca tive esse balandrau.

— Por isso não, que eu arranjei emprestados dois de seu corpo. São de amigos meus, pessoas magras, você experimenta, pode até combinar calça de um com fraque de outro, se der mais certo.

— Isso não. Para que incomodar pessoas que não conheço?

— Então vá como pretendia ir. Não tem problema. Apenas avisei porque se você preferisse ir como os paulistas…

Os paulistas! Passou a noite infeliz, pensando nos paulistas, ele mineiro fazendo feio ao lado dos paulistas, sempre os paulistas. Na manhã seguinte, cedinho, bateu para a Casa Rolas, salvação dos insuficientemente roupidos, e pediu um fraque.

— De colete branco ou de colete preto?

— Qual que acha melhor?

— O senhor é quem resolve.

— Resolva por mim.

— Uns preferem preto, outros branco.

— E então?

— Tanto faz ir com branco ou com preto.

— Vamos tirar a sorte com os dedos. Par é branco, ímpar é preto. Deu ímpar.

— Eu se fosse o senhor ia com branco. Usa mais.

(Os consultores são assim, só em último caso atendem à consulta.)

Pela primeira vez viu-se metido num fraque. As abas não estariam demasiado compridas? O colete, folgado em excesso? E o comprimento da calça? As listras não lhe davam um ar de zebra de dois rabos? Ó angústia indumental, ramo impressentido da velha angústia existencial que acompanha o homem do berço aos sete palmos! O empregado reanimou-o:

— Uma luva. Nem que fosse feito para o senhor.

A angústia recolheu-se, para reaparecer à tarde, ao aproximar-se a hora da entrega a domicílio do fraque alugado. Se não chegasse a tempo? E os paulistas, com seus negros fraques espetaculares? Ah, mundo cão! O portador explicou o atraso: tanta encomenda naquele dia, só num hotel em Copacabana entregara três fraques.

Entrou na igreja fazendo força por deixar patente que nascera de fraque e o usara a vida inteira, mas não estaria ainda mais patente a falsidade da pose? Era como se ostentasse à lapela a etiqueta com o nome da casa, o número da peça…

Fotografado, televisionado, alvo de olhares perscrutadores, não viu bem o casamento, não reparou na beleza da noiva nem no aplomb dos paulistas. Como se ele é que estivesse casando, e de certo modo estava: com o fraque.

— Você está bacanérrimo, está bárbaro de fraque! — disse-lhe o irmão do noivo, empolgado, à hora do champanhe. — Nem se compara com os outros padrinhos, que vieram diretamente do Rolas para o casamento.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. 70 Historinhas.

Jessé Nascimento (Trovas Esparsas) 2


Afinal, em dois caminhos,
andamos hoje isolados,
como nadam dois peixinhos
em aquários separados.

Ah, primavera de sonho,
ah, sonho de primavera...
Tempo feliz tão risonho,
das ilusões de quimera!

Alguns dias de folia,
quando esquece sua pobreza,
no reino da fantasia
o povo vive a nobreza.

Ante a montanha imponente
e o mar tão vasto e sereno,
eu me quedo reverente:
- Ó Deus, como sou pequeno!

Ao ver-te, eu tive certeza,
foi paixão e sorte minha;
já foste minha princesa,
mas hoje és minha rainha!

A velhice já me alcança,
rugas, canseiras, enfado...
Os meus sonhos e esperança
já são coisas do passado.

Carnaval de antigamente...
Palavras de nostalgia.
Hoje tudo é diferente,
não é a mesma a folia.

Fantasia colorida
e porte de campeão,
ele esquece na avenida
a luta do ganha-pão.

Junto à saudade incontida
de um amor que feneceu,
foste uma insônia atrevida
que jamais trégua me deu...

O Criador, com certeza,
esmerou-se muito bem:
na mulher, na natureza
e na música também.

Por mais que eu tente esconder
de todos a minha idade,
o espelho tem o prazer
de me mostrar a verdade.

Por sua volta aguardei,
tão cheio de ansiedade;
mas foi em vão que esperei,
só restou mesmo a saudade.

Pra acreditar foi um custo;
na primeira gravidez,
levou um tremendo susto:
foram cinco de uma vez!

Que eu jamais seja insensato
na língua, no meu falar,
pois na mentira, de fato,
posso uma vida arruinar.

Se a cada dia me entrego
e me sinto um derrotado,
quanta esperança eu renego
e me rotulo um coitado!

Senhor Deus, misericórdia!
Neste conturbado mundo,
nos corações põe concórdia,
mais perdão e amor profundo!

Tu disseste que me amavas
e eu fingi que acreditei;
sabia que me enganavas,
mas eu também te enganei.

TROVAS À CIDADE DE LINHARES

Ah, pudesse em ti viver,
respirar teus puros ares...
Quero ao menos conhecer
tuas belezas, Linhares!

A ti, entoo o meu canto,
ocupas os meus pensares...
Conhecer-te quero tanto,
ó cidade de Linhares.

Povo bom e hospitaleiro,
paz propagada nos lares;
ah, recanto brasileiro
batizado de Linhares!

Preservas a natureza,
no mar, na terra, nos ares;
por isto, canto a beleza
que existe em ti, ó Linhares!

Sou trovador, és o tema,
mui grato por me inspirares;
és trova, tu és poema,
ó cidade de Linhares!

Alexandre Herculano (Eurico, o Presbítero)


Eurico, o Presbítero é um romance histórico de Alexandre Herculano datado de 1844. Conta a triste história de amor entre Hermengarda e Eurico. A história se passa no início do século VIII na Espanha Visigótica. Eurico e Teodomiro são amigos e lutam juntos com Vitiza (imperador da Espanha) contra os “montanheses rebeldes e contra os francos, seus aliados”.

Depois desse bem sucedido combate, Eurico pede ao Duque de Fávila a mão de sua filha, Hermengarda, em casamento. No entanto, Fávila ao saber da intenção de Eurico e, sabendo ainda que esse era um homem de origem humilde, recusa o pedido de Eurico. Certo de que sua amada também o repelia, o jovem entrega-se ao sacerdócio, sendo ordenado como o presbítero de Carteia.

A vida de Eurico então resume-se às suas funções religiosas e à composição de poemas e hinos religiosos, tarefas essas que ocupavam sua mente, afastando-se das lembranças de Hermengarda. Essa rotina só é quebrada quando ele descobre que os árabes, liderados por Tarrique, invadem a Península Ibérica. Então Eurico toma para si a responsabilidade de combater o avanço árabe. Inicialmente, alerta seu amigo Teodomiro e, posteriormente, já adiante da invasão, o Presbítero de Cartéia transforma-se no enigmático Cavaleiro Negro.

Eurico, ou melhor, o Cavaleiro Negro luta de maneira heroica para defender o solo espanhol. Devido a seu ímpeto, ganha a admiração dos Godos e lhes dá força para combater os invasores. Quando o domínio da batalha parece inclinar-se para os Godos, Sisibuto e Ebas, os filhos do Imperador Vitiza, traem o povo Godo com a intenção de assumir o trono. Assim o domínio do combate volta a ser árabe. Logo em seguida Roderico, rei do Godos, morre no campo de batalha e Teodomiro para a liderar o povo. Nesse meio tempo, os árabes atacam o Mosteiro da Virgem Dolosa e raptam Hermengarda. O Cavaleiro Negro e uns poucos guerreiros conseguem salvá-la quando o “amir” estava prestes a profaná-la.

Durante a fuga, Hermengarda, foi levada desmaiada às montanhas das Astúrias, onde Pelágio, seu irmão, está refugiado. Nesse momento, essas montanhas são o único e verdadeiro refúgio da independência Goda, uma vez que, depois de uma luta terrível contra os campos da Bética, que lhe pertenciam, continuariam em seu poder.

Em segurança, na gruta Covadonga, Hermengarda depara-se com Eurico e, enfim, pôde declarar seu amor. No entanto, Eurico revela a ela que o Presbítero de Carteia e o Cavaleiro Negro são a mesma pessoa. Ao saber disso, Hermengarda perde a razão e Eurico, convicto e ciente das suas obrigações religiosas, parte para um combate suicida contra os árabes.

ANÁLISE CRÍTICA

O romance de 1844, que retrata o início do século VIII ou momento da invasão da Península pelos árabes é considerado, dentre os romances de Herculano, o que menos se prendeu ao rigor historicista, devido à utilização de uma maior liberdade imaginativa e talvez porque a época enfocada fosse pouco documentada.

A obra tem o caráter grandioso de uma “canção de gesta” e situa-se na passagem da epopeia para o romance histórico. A psicologia não podia ser analisada porque as personagens, sobretudo Eurico, desenham-se num módulo acima do humano, quase semi-deuses, como os heróis de Homero, e praticam feitos inverossímeis: o Cavaleiro Negro, na batalha de Criso, a passagem da Sália, o episódio da abadessa do Mosteiro. Vultos agigantados em matéria épica e que é preciso manter na bruma e no prestígio de grandes acontecimentos do passado longínquo.

O estilo da obra ergue-se ao tom solene do dizer profético, não só porque a ação era de calamidades, de castigos e de desfechos providencias como nível dos acontecimentos se situa a uma altura que excede o módulo vulgar do viver. Estilo portanto, sintético e embalado em onda rítmica, sem corte incisivo e minucioso da análise.

O conflito amoroso se dá a partir do amor desigual, contrariado pelo pai de Hermengarda, Fávila, Duque de Cantábria, possuidor de status social e bens materiais à verdadeira nobreza do outro, Eurico, que é poeta e mais puramente apaixonado. A sociedade, mais uma vez, desconhece o mérito autêntico e cria uma vítima que, daí em diante, saboreará na solidão o orgulho da sua própria tristeza. É este, no fundo, o sentido dos primeiros capítulos do livro:

Lá, no tumulto dos cortesões, onde o amor é cálculo de um sentimento grosseiro, terás achado quem te chame sua, quem te aperte entre os braços, quem tivesse para dar ao teu pai o preço do teu corpo e te comprasse como alfaia preciosa para serviço doméstico. O velho estará contente, porque trocou sua filha por ouro. ( p.35)

Com isso, Eurico vê-se “obrigado” a seguir, não sendo para um bem maior, o sacerdócio, isto é, reduz-se a despeito suicida, fruto e expressão do fracasso amoroso. Procura-se assim, uma espécie de morte mais elegante e sensacional, com o prestígio dos martírios ocultos que, por outro lado, se fazem discretamente adivinhar aos olhos dos homens.

De fato, Herculano vicia toda sua tese pela hipótese que lhe está subjacente: Eurico não abraça o sacerdócio e o celibato por vocação, mas à boa maneira romântica, como refúgio ou evasão para a sua frustração no casamento que projeta com Hermengarda. Daí constitua para ele, uma “amputação espiritual” e uma ”solidão irremediável”. Totalmente diferente da visão que a Igreja possui do sacerdócio e do celibato; uma visão sobrenaturalista, à luz da fé, sendo que, só aqueles a quem o dom da fé leva a ver com uma outra luz, e isso, só tem sentido para as pessoas possuidoras da verdadeira vocação a servir Deus a missão que lhes fora chamados.

A solidão de Eurico é paralela a do romancista Herculano, e ambas provocadas pela persuasão do homem superior e incompreendido. Um e outro confundem solidão com a vida interior e riqueza moral, assim, um e outro se suicidam, um na batalha, outro em Vale de Lobos. A mesma linha de individualismo estoico, falho da dulcificação do amor incansável. Nos conflitos, a ausência de perdão; nas crises, ausência de remédio.

O espaço físico é notável quando é descrito o enredo concentrado na Península Ibérica, a baía de Carteia, a Ilha Verde, os vales, as margens de Crissus onde ocorrem as batalhas, etc. Há também aqueles espaços fechados como a caverna, o mosteiro, as tendas dos árabes, o presbítero entre outros.

Tratando-se do espaço social, devido aos conflitos civis e religiosos entre cristãos, godos e muçulmanos, era caracterizado por valores nobres como o patriotismo ao extremo, a busca da liberdade , o heroísmo, etc.

É importante esclarecer, na obra, alguns pontos em ralação ao tempo da narração e da narrativa. O primeiro refere-se ao século XIX em 1844, enquanto que o segundo refere-se à época da Idade Média, no início do século VIII, isso é perfeitamente comprovado pelas informações históricas e por datas citadas pelo autor no início de alguns capítulos.

Dentro da obra o tempo é cronológico e psicológico, sendo que aquele é predominante. Isso é perceptível nos momentos em que o narrador revela uma sucessão cronológica com advérbios de valor temporal e/ou marca datas em alguns capítulos: “Presbítero. Antemanhã. Oito dos idos de abril da era de 749.” (p 28). E a presença do tempo psicológico é em função das vivências subjetivas das personagens, como mostra o trecho a seguir:

Tal era eu quando me assentei sobre as fragas; e a minha alma via passar diante de si esta geração vaidosa e má, que se vê grande e forte, porque sem horror derrama em suas lutas civis o sangue de seus irmãos. (p 22)

Na obra, há a presença dos discursos direto e indireto livre, porém o discurso direto é predominante. O narrador faz uso de uma linguagem culta enriquecendo-a com o emprego de muitas figuras de linguagem. Dentre as quais, podemos perceber a comparação no seguinte trecho:

Hoje, a cobiça assentou-se no lugar da equidade: o juiz vende a consciência no mercado dos poderosos, como as mulheres de Babilônia vendiam a pudicícia nas praças públicas aos que passavam, diante da luz do dia. (p 30)

Os protagonistas são Eurico e Hermengarda, ambas personagens planas, pois não sofrem transformações drásticas e não surpreendem o leitor na diegese.

Quando Eurico, personagem-título, se evade, no sacerdócio seu caráter e sentimentos não mudam, ou seja, continua a ser o eterno apaixonado por Hermengarda, “A nova existência de Eurico tinha modificado, porém não destruído, o seu brilhante caráter.” (p. 24) A personagem não muda fisicamente, apenas se esconde atrás da estringe e da armadura.

Quando aparece como rude cavaleiro negro, sua intenção é defender a fé cristã. Apenas deixar fluir sua revolta com o mundo, isto é, não perde a sensibilidade, o pessimismo, amargura e a melancolia, que marcam a personagem do começo ao fim da narrativa, tratando-se das características do romantismo, pois é consequência da frustração e da impossibilidade de realização do amor, como “Era este o canto doloroso e tétrico, o qual lhe transudava o coração em noites não dormidas.”, e ”Por que te havia eu de amar, se tu nos chamas a realidade é tão triste?” (p. 39), e ainda, “Oh, quantas vezes esse pensamento repugnante me tem feito vaguear louco pelas montanhas, uivando como o lobo esfaimado e tentando despedaçar os rochedos com as mãos, donde me goteja o sangue!” (p. 45)

A visão que o narrador tem da personagem, Eurico, é de admiração e compaixão. Intensifica o sofrimento e destaca seu caráter de homem superior, poeta, piedoso, puro de alma, romântico e apaixonado, íntegro, patriota ao extremo e capaz de realizar grandes atos heroicos, o que faz o protagonista herói: “Eurico era uma destas almas ricas de sublime poesia a que o mundo deu o nome de imaginações desregradas, porque não é para o mundo entendê-las.” (p. 23) e “Mas Eurico era como um anjo tutelas dos amargurados. Nunca sua mão benéfica deixou de estender-se para p lugar onde a aflição se assentava” (p. 26)
 
Hermengarda é uma personificação da mulher do Romantismo, idealizada, pura, casta, ingênua, pálida e recatada. Totalmente submissa, a donzela frágil e indefesa não tem forças para lutar contra seu pai pelo seu amor.

O narrador vê na personagem o motivo que leva Eurico a se consagrar como herói ao salvá-la dos bárbaros e ultrapassar a ponte romana.

Não é tratada pelo narrador com tanta benevolência como Eurico, pois a chama de desdita e ingrata, mas deixa claro que também se compadece do seu sofrimento, ao intensificar o remorso e a vontade de morrer no solilóquio. Como percebemos nos seguintes fragmentos, “A ingratidão de Hermengarda, que parecia ceder em resistência à vontade de seu pai.” (p. 18), “_Sempre ele! Sempre esta visão de remorso!” (p. 166) e “...Bem longo e atroz tem sido meu martírio, porque ainda não achei no mundo alma com quem me fosse dado repartir o cálix do infortúnio... Se vivesses, seria tua, tua esposa, tua escrava...” (p. 166)

Como antagonista surge no enredo Fávila, homem ambicioso, orgulhoso e dominador. Já as demais personagens aparecem secundariamente na diegese: Pelágio, filho de Fávila, irmão de Hermengarda e amigo de Eurico. Liderou a resistência goda com persistência quando muitos já estavam desanimados e conquistou admiradores e seguidores fiéis. O apelo nacionalista é presente nas atitudes heroicas e corajosas desse grande líder godo. Teodomiro: duque de Córduba e amigo de Eurico, continua em combate enquanto os godos fogem. Roderico: Rei dos godos que morre na luta contra os árabes. Juliano: Conde de Septum e traidor do povo godo. Opas: Bispo de Híspalis e traidor do povo godo. Tárique e Obdulaziz: Líderes árabes. Antanagildo: Guerreiro godo. Muguite: Amir da cavalaria árabe, guerreiro que matou Eurico. Cremilda: Abadessa do mosteiro, sacrifica as virgens, pois prefere o martírio a ser violentada pelos árabes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Eurico, o Presbítero, apesar de ser pertencente ao Romantismo, traz características diferenciadas das que estamos acostumadas nessa estética, tornando-a não muito envolvente, pelo fato de a mesma estar mais ligada ao contexto histórico do que à história amorosa dos protagonistas (Eurico e Hermengarda).

A trama amorosa, fundamental para a estética romântica, fica sem a devida atenção, servindo como pano de fundo na obra. O romance do casal é somente um pretexto com fins historicistas (caráter central do autor – bastante evidenciado na obra), sendo que é rico de fatos, de dados verossímeis em que a informação histórica é excedente tornando-se cansativa (isso acontece, também, porque a ação se desenvolve de forma muito lenta), enquanto a intriga novelesca passa despercebida entre os fatos consideráveis relevantes na obra.

Apesar de a narrativa em si não ser muito prazerosa e envolvente, como costumam ser os romances, não deixa de ser construtiva e enriquecedora, pois trabalha aspectos de uma cultura diferenciada e através dela conhecemos um pouco mais da história mundial, dos valores morais que cercam o ser humano e os conflitos dele decorrentes, bem como os valores à Pátria, aos costumes, à religião, dentre outros. Portanto, a obra é para quem, antes de tudo, tem afinidade com a história e pretende enriquecer seus conhecimentos.

Fonte:
Acadêmicos do Curso de Letras – UFPA – Campus de Bragança
Disponível no Blog do Prof. Robson Melo

sexta-feira, 26 de julho de 2019

Jessé Nascimento (A Despedida)


     Eles se beijavam demoradamente, prendendo a atenção e emocionando a todos que os estavam observando. Pareciam sós naquele local, alheios aos que estavam ao redor.

     Fiquei a imaginar que uma despedida é sempre dolorosa quando o amor é muito forte, mesmo que a separação possa não ser demasiadamente longa.

     Alguns minutos depois, beijaram-se, de maneira alongada, pela última vez, ela foi se afastando e acenando continuamente.

     Ele ficou parado e vi que seu semblante denotava profunda tristeza ou preocupação. Será que eles nunca haviam se separado?

     Apesar de toda a cena ter acontecido em menos de quinze minutos, parecera uma eternidade.

     Por fim, mais um aceno; era a despedida que ele respondeu sem muito entusiasmo, evidentemente como se tímido ou triste.

     Ambos tinham os cabelos muito brancos e seus rostos marcados, demonstrando idades bastante avançadas e uma longa vida de sólida união.

     Barulho do motor, os últimos passageiros entraram, sentaram-se e o ônibus deixou a rodoviária.

     Para muitos, o amor pode mesmo ainda durar "até que a morte os separe.”

Fonte:
Recanto das Letras do autor

Luiz Poeta (Poemas Escolhidos) 4


O SILÊNCIO DE UM  POETA

Quando a palavra se ausenta,
o silêncio é tão profundo,
que o próprio rumor do mundo,
da abstração se alimenta.

A emoção até que tenta
animá-la, comovê-la...
como enxergar uma estrela,
quando a noite é nevoenta?

Por sabê-la desmaiada,
o poeta a reanima,
mas ela amordaça  a rima.
e o  verso não diz mais nada.

Porém, quando a flor é morta,
o pólen dança no ar,
e até no fundo olhar
mais vazio, há uma porta,

E quando menos se espera,
num doce sopro de brisa,
o verso se realiza
e poliniza a primavera.

A palavra é tão esquiva
e desenha o que quiser,
e ela sempre está mais viva
num sorriso de mulher

E é assim que ela projeta
- por ser viva e fascinante -
na mudez de algum instante,
o instante... de um poeta.

DELETO... OU NÃO DELETO ?

Recebo o teu e-mail... e indago,
Por que, com tanta tecnologia,
a minha dor te vê modo vago
e o meu amor apenas fantasia ?

O afeto que tu dizes que me tinhas
desfaz-se nas palavras que me trazes
e na imprecisão de tantas linhas
percebo o quanto os sonhos são fugazes.

Prometes um amor bem mais seleto;
se tens tantos amores, qual me dás ?
aquele bem mais tímido e discreto...
...ou simplesmente amores passionais ?

Confesso, estou confuso... a alegria
desfaz os dissabores e conduz
o amor fragilizado à euforia
do sonho prazeroso que o seduz.

Meu coração escolhe o trampolim
e hesita... quer  pular, mas a razão
algema a intenção que existe em mim.
Meu Deus... que quer de mim meu coração ?

Será que és um spam ? ...meu dedo em riste
não sabe em qual tecla há de tocar
e o enter... excitante... sempre insiste...
em me trazer a luz do teu olhar.

E nessa confusão tão... virtual...
que torna meu desejo tão... concreto,
pergunta o meu amor... imparcial:
- Deleto o teu amor... ou não deleto ?

FOTO DIGITAL

Do teu retrato, tua alma em vão me olha,
pedindo um beijo, uma atenção...qualquer afeto...
tua saudade é como um vento que desfolha
um livro antigo que não é mais predileto.

Há no meu álbum, tantas fotos me pedindo
que eu me recorde de momentos inexatos,
mas quando tento, a lembrança vai fugindo
e eu fico rindo do silêncio dos retratos.

Fotos antigas como as tuas só resgatam
muitas mentiras, farsas e hipocrisias
e os negativos sem sentido só retratam
sombras manchadas de ilusões e utopias.

O teu retrato sedutor perdeu o foco,
a importância, a sedução, a fantasia...
e se ele existe sem razão, logo eu o troco
por outro foco que não é fotografia.

Tua lembrança é uma foto inconsistente,
que se desgasta, pois repousa na moldura
de um coração que já nem sabe se te sente,
quando o que sente é solidão e amargura.

Hoje, eu esqueço a solidão e faço um xis,
mirando as lentes da câmera digital,
mas se percebo uma imagem infeliz,
deleto tudo e busco a foto ideal.

Hoje meu rosto é que serve de modelo
para o fotógrafo que vê uma mulher
como uma linha que se solta do novelo
e em vão  costura o coração de quem a quer.

POR QUE POR QUÊ?

Por que é que tudo  tem que ter sempre um porquê?
... o amor, amada, não precisa de respostas
 e o desamor e a solidão nos  dão as costas,
...se eu expresso  o amor que sinto por você.

Bom é amar, sem ter que dar explicações...
as emoções libertam todo o nosso encanto
e a cada pranto, sempre há novas sensações
de ouvir a voz dos mais sublimes acalantos.

O nosso amor, tão preocupado com sonhar
nunca dá tempo à indagação inconveniente...
... porque o  amor mais sedutor que a gente sente,
responde sempre com o brilho do nosso olhar.

Portanto, amada...  se  alguém lhe perguntar
- com esse "porquê" que interroga e não responde,
diga: - Não sei, o nosso amor só vai aonde
a emoção faz a razão brincar... de amar.

Mardilê Friedrich Fabre (Contos Minimalistas)


CASTO AMOR

Inquirida sobre até onde ele avançara, veio a conformada resposta:

- Ele não entende a linguagem do corpo.
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FUGA

Corria sem direção. Parou ofegante. Dúvida. Que caminho tomar? Dobrou a esquina. Uma dor aguda no peito. Escuridão...

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 NOITE DE CHUVA

Chovia. Na rua, poucos ruídos. Na sala, a jovem ouvia distraída o barulho da chuva. Um grito ressoou no ar. Ela correu até a janela. Iluminado pela luz do poste, um corpo numa poça de sangue. Rasgando a noite, sirenes.
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 SUCESSO

Aos 38 anos, levava uma vida de sucesso. Professora. Excelente profissional. Casada. Dois filhos inteligentes. A vida sorria-lhe magnânima. Até o dia em que descobriu estar com um câncer incurável.
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VIAGEM FATAL

Vaticinaram que morreria carbonizado. Por isso, não viajava de avião.
Ia pela estrada, ar condicionado ligado, vidros fechados...
Não ouviu o estrondo do choque do caminhão de combustível desgovernado contra seu carro.
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 RECOMEÇAR

De frente para o mar, sente o vento bater-lhe forte no rosto. Não sabe se o frio é a maresia ou são as lágrimas que escorrem livres.

Sem ninguém vendo-a, é mais fácil deixar a dor fluir.

Tem vontade de gritar. Mas falta-lhe coragem.

Quisera tanto ficar sozinha! Por que não era feliz?

Estivera presa tantos anos! Agora poderia  fazer o que quisesse, como quisesse, quando quisesse. Por que, então, esta inércia? Seria o costume de ter um carcereiro, conduzindo-a como uma marionete?

Precisa retomar a sua vida. Mas como? Não consegue mexer-se. É uma estátua.

De repente, uma mãozinha pega a sua, e ela ouve:

-Vozinha, vem pa drento, tá fio aí foia.

E ela entende por onde e por que haverá de recomeçar.

Fonte:
Recanto das Letras da autora

Francismar Prestes Leal (Poetrix)


Alopecia?

Tocando teu cabelo,
Percebi que
Estamos por um fio.
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Babel, de Brasil

Os sábios não dizem o que sabem,
Os tolos não sabem o que dizem e
Os políticos dizem que não sabem.
----------
De banda?

Cidades pequenas
Têm coração grande,
No coreto da praça.
---------
Fuga

O tempo voa?
Vou dar asas
À imaginação.
------------
Lado alado

Um lugar sagrado?
Qualquer lugar
Ao teu lado
--------------
Olé

– Olha o picolé!
E voava pátio afora,
Dando olés.
-----
Pedras no telhado

Se tenho telhado de vidro?
Claro que eu tenho,
Para ver estrelas cadentes.
---------------
Sangrado

O sagrado,
Sangrando,
Crucificado.
-----------------
Satélite

Pulso acelerado,
Um punhado de versos,
Meu pequeno universo era teu.
----------
Sem romance

Depois de certo ponto,
A vida não é mais um conto,
É crônica.
------------------
Sete quedas

A vida é um erro?
Não é mesmo!
São vários.
---------------
Veja…
Olhar é sair da própria carne,
É mandar-se para outro ente,
Sem, contudo, abandonar-se.
----------------
Vivo-morto

– Vamos todos morrer?
– Não fale besteira…
Só os que estão vivos.

Fonte:
Maria Eliana Palma (org.). IV Coletânea dos Poetas de Maringá. Maringá: A. R. Publisher, 2016.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Antonio Carlos de Barros ("Chimarrão da Amizade")


nota:
Cinchar – apertar, encilhar peça de arreios constituída de tira de couro ou pano forte (barrigueira) que passa por baixo da barriga do animal e de um travessão para segurar a sela ou o lombilho.

Francisca Júlia (A Esperança)


A crença mitológica nos conta que os povos antigamente eram felizes, viviam na maior harmonia, sem guerras nem disputas. O mundo era composto de uma só família, onde todos se amavam igualmente e estavam unidos por um afeto fraternal.

Não havia a pobreza, porque a terra, como uma mãe carinhosa, produzia frutos para o aumento de todos. Não se conheciam os ardores do verão, os rigores do inverno, nem a ameaça das tempestades; uma primavera continua refrescava os ares, animava a verdura dos campos e fazia nascer os frutos. Os animais viviam da mesma forma; os pássaros com os répteis, as ovelhas com as feras.

Desta maneira todos se sentiam absolutamente ditosos.

Júpiter, porém, possuía uma caixa, que estava fechada, e que continha todos os males que a humanidade sofre atualmente.

Nela estavam ocultas a amargura, a guerra, a peste, a fome, o assassínio, a ingratidão e todo o gênero de sofrimentos a que o homem está sujeito.

Um dia, Júpiter, tendo de descer do Olimpo com o fim de visitar a terra, como não quisesse abandonar a caixa à curiosidade dos outros deuses, chamou Pandora e falou-lhe assim:

— Toma esta caixa. Ela contém toda a espécie de males criados pelas forças infernais; se a abrires, a humanidade há de sofrer eternamente. É por isso que ta confio, na certeza de que saberás guardai-a com o maior cuidado, não só pelo respeito que deves às minhas ordens, como pela piedade que te inspira a fraqueza humana.

E entregou-a a Pandora.

Esta deusa guardou a caixa durante muito tempo; mas como era excessivamente curiosa, resolveu abri-la.

Abriu-a.

A princípio escapou a guerra: logo os homens começaram a inventar os punhais envenenados, couraças, lanças, setas e toda a variedade de armas de defesa, para, quando fosse ocasião, marchar para o campo da batalha e escravizar os povos vencidos.

A peste abateu os soldados; as lágrimas umedeceram os olhos das mulheres; o falso amigo escondeu no seio o punhal assassino; o filho ridicularizou a velhice dos pais; e assim por diante os males foram saindo da caixa encantada, espalhando-se pelo mundo, acordando sentimentos maus nos corações e derramando por toda a parte a desolação e o luto.

Pandora sentiu remorsos nesse instante e fechou a caixa.

Todos os males, porém, já tinham saído exceto um: a esperança.

A esperança ficou no fundo, escondida, para consolar as mágoas e animar o mundo; de modo que, por mais infelizes que nos julguemos, sempre nos resta a esperança de alcançarmos uma felicidade futura, um suave descanso para as nossas tristezas e um consolo para as nossas aflições.

Fonte:
Francisca Júlia. Livro da Infância. Revisão ortográfica: Iba Mendes.

Antologia “Mil Poetas pela Paz (Inscrições Abertas Gratuitas por email ou site)


Regulamento


Projeto: Mil Poetas pela Paz

Realização: Editora Pragmatha e Caderno Literário Pragmatha

Coordenação e edição: Sandra Veroneze

Inscrições: A partir de 23 de Julho de 2019

Dos objetivos

A “Antologia Poética 1000 Poetas pela Paz” tem por objetivo registrar em obra literária o desejo por um mundo mais amistoso entre nações, povos e pessoas, contribuindo, assim, para o registro da literatura contemporânea nacional.

Da participação

Para participar desta coletânea, não há restrições quanto a idade, sexo, raça, credo religioso ou político;

– O autor deve enviar por e-mail (sandra.veroneze@pragmatha.com.br) 1 (uma) obra de sua autoria (poesia), inédita ou não, com no máximo 20 versos e em língua portuguesa;

– O tema para participar desta coletânea é Paz;

– A poesia deve conter título e identificação com nome do Autor.

Da seleção

– As obras poéticas enviadas passarão pelo crivo do Conselho Editorial da Editora Pragmatha e do Caderno Literário e não serão permitidos poemas com conotação preconceituosa, racista e/ou discriminatória. O Conselho também irá avaliar a qualidade da obra e a pertinência de sua publicação. A decisão da CEC é soberana e irrecorrível;

Da inscrição

– Para que a inscrição seja validada, cada autor deve informar, junto com o poema enviado, sem qualquer abreviação, os seguintes dados: nome completo, CPF e endereço completo (com CEP);

– Caso o autor utilize de pseudônimo e/ou nome artístico, deve ser comunicado no ato da inscrição para que o mesmo possa constar na obra;

Não serão aceitas obras fora dos limites regulamentares de linhas;

– A inscrição é gratuita e a compra de exemplares, caso venha a ser também impresso, será facultativa.

– Ao aceitar este Regulamento, o autor autoriza a publicação da obra inscrita (poesia) para a Antologia em questão.

– Os trabalhos podem ser inscritos no link https://codigotxt.com.br/formulario-de-inscricao-antologia-mil-poetas-pela-paz/ ou enviando os dados para o email Sandra.veroneze@pragmatha.com.br.

Dos prazos

– As inscrições abrem no dia 23 de julho de 2019, indefinidamente, até ser completado o número de 1000 poetas inscritos.

Do sorteio

O sorteio do vencedor será realizado até 30 dias após o fechamento da antologia.

Do Prêmio

Entre os participantes será sorteada a edição de um livro solo de 102 páginas e 100 exemplares, nas especificações técnicas estabelecidas pela Editora Pragmatha, e o prêmio deve ser resgatado no período de 6 (seis) meses após a divulgação do sorteado, ficando sob responsabilidade do Autor as despesas de transporte.

Das ressalvas

– Esta seletiva não é um concurso onde há vencidos e vencedores;

– Eventualmente, por decisão do Conselho, poderão ser conferidos a título de cortesia diplomas, certificados ou outro tipo de menção honrosa, sem nenhum custo para os autores;

– Compete ao Conselho Editorial da Pragmatha e do Caderno Literário resolver eventuais casos omissos neste presente regulamento.

São Paulo, Julho de 2019
 
Dúvidas:
Sandra Veroneze
sandra.veroneze@pragmatha.com.br
São Paulo: 11 98878 9079
Porto Alegre: 51 99370 0619

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Trovadores Potiguares que Deixaram Saudades (A – E)


Amei, um dia, em segredo,
uma esquisita mulher:
seu coração – um rochedo –
sem um carinho sequer...
Adauto dos Santos (1919-?)

A morte não vence a vida,
por muito que a desarrume.
Tomba a rosa fenecida,
o céu recolhe o perfume.
Auta de Souza
Macaíba, 1876 – Natal, 1901

Após causar desencantos
e nos fazer peregrinos,
a seca faz chover prantos
nos olhos dos nordestinos...
Ademar Macedo
Santana do Matos, 1951 – Natal, 2013

Nunca desejei riqueza,
nem poderio e nem glória,
pois prefiro a singeleza
desta vida transitória.
Adolfo Figueiredo † (?)

Não posso eu atender aquele
que vive sem ter saudade,
certamente falta nele:
– Amor, carinho e bondade.
Adolfo Paulino † (?)
Quando o sentido se afasta
o coração se aposenta,
mas o amor só se desgasta
quando a saudade se ausenta.
Aldair Barreto † (?)

Comigo, num certo dia,
meu coração conversando
prometeu o que eu queria:
continuar trabalhando.
Andière Abreu
Assu, 1931 – Natal, 2017


Tendo a saudade por guia,
procuro encontrar meu sonho
que se perdeu, certo dia,
no meu destino tristonho.
Antídio de Azevedo
Jardim do Seridó, 1887 – Natal, 1975


Por hábito a mulher mente
e em tudo se contradiz:
– sente, e não diz o que sente,
– diz, e não sente o que diz.
Antonio Damasceno Bezerra † (?)

A fé remove montanhas,
transpõe rios, oceanos,
descobre coisas estranhas,
só não destrói desenganos.
Antonio Souto † (?)

No grande circo da Vida
eu me sinto prazenteiro,
oculto a alma ferida
e vibro no picadeiro.
Arlindo Castor de Lima
Natal, 1917- ????)


As duas vinham brigando,
não sei a razão por quê,
pois só no fim ouvi quando
uma disse: – Vá você!
Ascendino Almeida
Catolé do Rocha/PB, 1916 - Natal, 1989


Nesta vida de tormentos,
cheia de tantos pesares,
os prazeres são por centos,
as tristezas por milhares.
Bento Rabelo
Natal, 1915 - 1995


Sinto uma enorme vontade
de ver, seja como for,
por inteiro, a humanidade
se embriagando de amor...
Bob Motta
Natal, 1948-2017

Este é, talvez, o primeiro
dos contrastes deste mundo:
A vida é sonho ligeiro!
A morte é sono profundo!
Caio Maranhão † (?)

Eu levei a vida inteira
aguardando os teus carinhos;
reguei a minha roseira,
mas ela só deu espinhos!
Celso Caldas † (?)

Se todo o amor que irradias
somente à noite me é dado,
quero que o sol, por três dias,
fique então todo apagado.
Celso da Silveira
Assu, 1929 – Natal, 2005


Cuidado com certos traços
e truques que a vida tem...
A luz que guia teus passos
pode cegar-te também!
Clarindo Batista de Araújo
Jardim de Piranhas, 1929 - Natal, 2010


Canta e chora, ri, arqueja,
geme de dor e paixão:
– A viola sertaneja
é o retrato do sertão!
Dorinha Rabelo † (?)

Abraça-te à realidade,
liberto de ilusas crenças,
que só a luz da verdade
dissipa trevas imensas.
Esmeraldo Siqueira † (?)

Quem ama sofre demais:
– se esse amor for verdadeiro
o bem na vida nos traz,
porém maltrata primeiro!...
Evaristo Martins de Souza † (?)

Fonte:
Trovas selecionadas e enviadas por Luiz Gonzaga da Silva

Contos e Lendas do Mundo (Amazônia/Brasil: Tanguru-Pará)


O japim tornara-se o horror da passarada. A floresta andava triste, sem canto, sem as melodias de que Tupã tanto gostava.

Certa vez apareceu na região um pássaro novo, um gaviãozinho esperto, vivaz, ligeiro no voo, mas de canto monótono e sem graça. Gostava pouco de amizades e, por cá aquela palha, zangava-se e brigava.

Era deveras valente. Até o gavião real já o respeitava porque o cauré, assim se chamava o novo habitante das selvas, lhe dera uma surra de que saiu molestado e de asas derreadas.

O cauré não enfrentava as aves mais fortes. Tem a sua tática. Voa e quando o gavião lhe vai no encalço, a águia, o condor, o abutre, ele manobra com assaz perícia no espaço, mete-se embaixo das asas do inimigo e, com o seu bico adunco e forte corta os músculos propulsores, obrigando-os a abandonar a luta e mesmo, muita vez, a cair no chão, semi-mortos.

O cauré, então, desce e lhes come os olhos e as entranhas. É esse o pitéu que mais saboreia.

O japim temia o cauré, mas lá um dia o seu instinto moleque levou-o a arremedar o valente gaviãozinho.

O cauré partiu sobre ele, mas o malandro estava perto do ninhal, meteu-se no seu longo ninho e ficou aguardando os acontecimentos. O cauré empoleirou-se num galho, à espreita, como costuma fazer.

Daí a momentos, porém, teve que abalar, porque uma nuvem de cabas lhe caiu em cima.

As cabas são aliadas do japim. Onde há ninho de japim também há ninho de caba.

Caba não canta, nem zune, tampouco, de modo que não tinha queixas do japim e era-lhe até um divertimento apreciar as troças do seu talentoso aliado.

O tanguru-pará nunca se havia encontrado com o japim. Vivia lá para a sua banda, cantando baixinho e ensaiando passos de dança clássica, para um dia apresentar-se a Tupã, na certeza de o agradar e ser contratado para a corte celeste.

Aconteceu, porém, que o japim, o avô dos japins, pois a família aumentara muito na terra, numa das suas viagens pela mata, ouviu aquele canto esquisito; foi-se aproximando, aproximando, e deu com o tanguru a cantarolar e saltitar no galho do pau.

Achou aquilo engraçado e quis chegar-se e apresentar-se ao artista excêntrico, mas o seu diabólico instinto o traiu.

Daí a pouco estava a arremedar o inofensivo tanguru.

O tanguru era pacato, e por isso, quando se zangava, zangava mesmo.

– Que é isso, camarada, por acaso me estou metendo na tua vida? – perguntou ao japim, que não fez caso e continuou no arremedo.

O tanguru voa-lhe em cima e engalfinharam-se. A briga foi feia. As penas saltavam de ambos os contendores. Daí a instante chegavam os espectadores e a torcida era grande pelo tanguru, que num momento feliz conseguiu ferir o adversário no coração. O sangue espirrou e o japim caiu morto A ovação da assistência coroou a vitória do tanguru-pará.

Tupã, que a tudo assistira, falou: "De hoje em diante, todos os teus descendentes trarão no bico a marca desta vitória".

E é por isto que o tanguru-pará tem o bico vermelho.

E é por isto, também, que os japins continuam a arremedar todos os pássaros, exceto o tanguru-pará.

Fonte:
José Coutinho de Oliveira. Folclore amazônico. Belém: São José. 1951, p. 169-172, in Anísio Melo (org.). Estórias e lendas da Amazônia. (Antologia ilustrada do folclore brasileiro). São Paulo: Livraria Literat, 1962.

Paulo Camelo (Sextina)


6 sextilhas e 1 terceto.

A sextina é um dos sistemas estróficos mais difíceis e raros. Criada por Arnaut Daniel, no século XII, foi usada por alguns dos grandes poetas, como Dante, Petrarca e Camões. No Brasil, dela se utilizaram Jorge de Lima, Américo Jacó, Waldemar Lopes, Edmir Domingues, Dirceu Rabelo e outros.

Compõe-se de seis sextetos e um terceto final, a coda. Utilizando versos decassilábicos, tem as palavras (ou as rimas) finais repetidas em todas as estrofes, num esquema pré-determinado. Assim, as palavras (ou rimas) que aparecem na primeira estrofe, na sequência de versos 1, 2, 3, 4, 5, 6, repetem-se na estrofe seguinte, na sequência 6, 1, 5, 2, 4, 3. E se faz a estrofe seguinte na sequência 6, 1, 5, 2, 4, 3, em relação à estrofe anterior. E assim até a sexta estrofe, finalizando os sextetos, O terceto final tem, em cada verso, no início e no fim, as palavras (ou rimas) utilizadas no poema todo, na posição em que se apresentaram na primeira estrofe.

Ezra Pound, referindo-se à sextina, disse: "A arte de Arnaut Daniel não é literatura. É a arte de combinar palavras e música numa sequência onde as rimas caem com precisão e os sons se fundem ou se alongam.
" Ao que Edmir Domingues objetou, dizendo: "Mas é este o objetivo de toda a verdadeira poesia, o perfeito encontro entre a forma e o conteúdo, entre a linguagem e a música".


SEXTINA de Luís de Camões

Foge-me pouco a pouco a curta vida = 1 a
(se por caso é verdade que inda vivo); = 2 a
vai-se-me o breve tempo d'ante os olhos; = 3 a
choro pelo passado e quando falo, = 4 a
se me passam os dias passo e passo, = 5 a
vai-se-me, enfim, a ideia e fica a pena. = 6 a

Que maneira tão áspera de pena! = 6 b
Que nunca u'a hora viu tão longa vida = 1 b
em que possa do mal mover-se um passo. = 5 b
Que mais me monta ser morto que vivo? = 2 b
Para que choro, enfim? Para que falo, = 4 b
se lograr-me não pude de meus olhos? = 3 b

Ó fermosos, gentis e claros olhos, = 3 c
cuja ausência me move a tanta pena = 6 c
quanta se não compreende enquanto falo! = 4 c
Se, no fim de tão longa e curta vida, = 1 c
de vós m'inda inflamasse o raio vivo, = 2 c
por bem teria tudo quanto passo. = 5 c

Mas bem sei, que primeiro o extremo passo = 5 d
me há de vir a cerrar os tristes olhos = 3 d
que Amor me mostre aqueles por que vivo. = 2 d
Testemunhas serão a tinta e pena, = 6 d
que escreveram de tão molesta vida = 1 d
o menos que passei e o mais que falo. = 4 d

Oh! que não sei que escrevo, nem que falo! = 4 e
Que se de um pensamento n'outro passo, = 5 e
vejo tão triste gênero de vida = 1 e
que, se não lhe não valerem tantos olhos, = 3 e
não posso imaginar qual seja a pena = 6 e
que traslade esta pena com que vivo. = 2 e

N'alma tenho contínuo um fogo vivo, = 2 f
que, se não respirasse no que falo, = 4 f
estaria já feita cinza e pena; = 6 f
mas, sobre a maior dor que sofro e passo, = 5 f
me temperam as lágrimas dos olhos = 3 f
com que, fugindo, não se acaba a vida. = 1 f

Morrendo estou na vida, e em morte vivo; = 2 g
vejo sem olhos, e sem língua falo; = 4 g
e juntamente passo glória e pena. = 6 g


Fontes:
Paulo Camelo. Sextina. in https://camelo.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=47664. 25 set 2005.
Sextina de Camões obtido no livro de Lóla Prata. E eu sei fazer versos? Bragança Paulista/SP: ABR, 2011.Livro enviado pela autora.

Renato Benvindo Frata (A Lei? Ora, a Lei!)


O burburinho de gente que sai e entra com pressa é porque o progresso inspira riqueza e ela dá o alento ao homem. Mesmo que esse homem aos poucos se animalize sem que perceba com a brutalidade que impera e dá o tom à vida.

O movimento contínuo de carroças, jipes, caminhões, alguns tratores e a maioria do povo volvendo pra lá e pra cá o areão das ruas, com pés descalços ou com alpercatas, outros com botas de cano alto, era o que se via do raiar ao pôr do sol, no início de Paranavaí.

Nos dias quentes e secos, a poeira permanecia suspensa qual nuvem marrom. Nos dias chuvosos, a lama que logo se transformava numa nata boiando sobre o solo, sendo espirrada quando rodas apressadas as expeliam para as beiradas, e com isso encardiam o encardido, lembrando que não haviam ainda sido construídas as calçadas.

No burburinho, o entrevero de vozes, o roncar de motores, o fumaçar do carvão dos carros a gasogênio, a necessidade de ganhar, de cumprir o objetivo para o qual a grande maioria das pessoas se dispôs ao mudar para cá. E desenvolvê-la.

Depois, o recolhimento para alguns junto a bacias ou a chuveiros tipo Tiradentes, para se lavar e refrescar; enquanto para outros o dia, mesmo sendo noite ganhava serão, especialmente nos botecos e armazéns em que a homarada se reunia para "lavar a garganta, contar e ouvir vantagem".

Uma ou outra moça ou mulher arriscava-se em direção à igreja ou à casa de parentes.

Habilitar-se sair de casa depois do sol posto representava perigo com a escuridão que reinava. O bom conselho era o de que todos permanecessem sob o abrigo das telhas, especialmente às sextas-feiras, quando geralmente os "jagunços" voltavam de seus acampamentos no mato e mergulhavam nos prazeres da carne, da bebida e da gastança. E pelo sim, pelo não, melhor não se expor, porque a "lei se existe, está no papel e a maioria não sabe ler..."

No seu relato. Frei Ulrico cita nomes de alguns desses, contratados "para este trabalho de justiça" E faz questão de relatar sobre João Pires que carregava nas costas muitas mortes. Num determinado dia, João teria encontrado seu justiceiro que lhe metera algumas balas pelo corpo. "Foi trazido em cima de um caminhão e apesar de estar gravemente ferido, conseguiu sobreviver por algum tempo", tendo o Frei sido chamado a lhe prestar os últimos sacramentos.

Depois de receber a extrema unção, João teria se levantado, chamado o médico e pedido para curá-lo o mais rápido possível, que o deixasse em condições de "vingar do seu inimigo e matá-lo a tiros". Mas, como perante a morte não há médico que dê jeito, desesperado caiu de volta, num último suspiro.

Outros "quebradores de milho" (apelido dado a jagunço) têm seus nomes relacionados, nenhum, porém, que necessite ser lembrado, especialmente porque com o passar do tempo o Estado foi se fazendo presente, intervindo com e intensidade do acordo com a situação, especialmente nos conflitos de terra, conseguindo aos poucos "espantar para o Mato Grosso os que reinavam sem se ater às leis.”

Fonte:
Livro enviado pelo autor.
Renato Benvindo Prata. Ipê amarelo: contos. Paranavaí/PR: Ed. Graf. Paranavaí, 2014.

terça-feira, 23 de julho de 2019

Francisca Júlia (A Borboleta)


Na talisca* de um velho muro coberto de limo e vegetações bravas, estava oculto o casulo de uma lagarta.

Todos os que passavam por ali paravam a contemplar as ruínas do muro, o viço das plantas que cresciam em cima dele, colhiam às vezes alguma flor silvestre, vermelha ou azul, muito fresca de mocidade que, vicejando sobre a velhice das pedras, tinha o aspecto de um sorriso de alegria no rosto enrugado de um velho.

E ninguém descobria o pequeno casulo escuro, escondido numa fenda, ao abrigo das vistas do passeante e das violências do tempo.

Ele ali estava há muitos dias, imóvel, suspenso a uma folha seca, servindo de habitação à crisálida.

Uma manhã, enquanto as primeiras manchas de sol iam dourando a brancura das nuvens e os passarinhos cantavam nas ramas, o casulo rompeu-se. Pela abertura a borboleta enfiou a cabecinha, olhou em torno, com receio da luz, e escondeu-se de novo. Em seguida apareceu, estendeu as delgadas perninhas para fora do casulo, saiu, sacudiu as asas ainda entorpecidas de sono, respirou o ar puro, e voou.

Era uma grande borboleta de asas brancas, ornadas de traços azulados.

A princípio, como não estava habituada aos movimentos do voo, andou se batendo pelas paredes, embriagada de luz.

Voava de flor em flor, pousava de folha em folha, numa impaciência de correr, atravessar os ares e conhecer todas as dificuldades do voo.

Coitadinha! mal podia suster-se nas pernas!

Mas o sol, que já tinha aparecido de todo, e inundado o campo de luz, secou-lhe as asas.

Ela sentiu-se melhor; abriu as asas, tentou o voo e rompeu o ar com uma rapidez de seta: correu o campo inteiro em todos os sentidos, rodeou todos os arbustos, aspirou o perfume de todas as plantas e veio de novo, equilibrando-se no ar, em movimentos vagarosos, um pouco fatigada pelo esforço.

Pousou em cima do velho muro, e a todos que passavam provocava com seus movimentos ligeiros, muito vaidosa da sua beleza, abrindo e fechando as grandes asas como um leque de plumas, ou voava de novo a uma grande altura e ficava suspensa no ar, iluminada de sol.

E à tarde, quando o crepúsculo veio descendo, ela teve medo da noite, e andou tonta, voando na corrente das brisas, em procura da luz.
___________________
Nota:
* Talisca - qualquer rachadura estreita em uma superfície dura; fenda, greta, frincha.
 
 Fonte:
Francisca Júlia. Livro da Infância. Revisão ortográfica: Iba Mendes.

Antonio Cabral Filho (4º Colar de Trovas Brasil Trovador)


Tema: sequência por imagem.
(o 1. verso da trova posterior deve rimar com o 4. verso da trova anterior)

-Obra de Pawel Kuczinski-

01
Era quase meio *dia*
e terminei de cavar,
um crime por covardia,
tenho outro para *enterrar.*
Antônio de Pádua Elias de Souza (MG)

02

O tempo vive a *ceifar*
toda e qualquer forma viva,
não temos como escapar
de sua ação *destrutiva.*
Gilberto Cardoso (RN)

03

A morte nunca *cativa*
para muitos é mistério,
mas na hora decisiva
todos vão pro *cemitério.*
Adriano Bezerra (RN)

04

O tempo em seu *magistério*
sem distinção em seus crivos,
iguala sem ter critério
quem está no rol dos *vivos.*
Zé Ferreira (RN)

05

Da finitude *cativos*
na arte achamos suporte,
ou em outros lenitivos
como cachaça e *esporte.*
Gilberto Cardoso (SC / RN)

06

Finitude não tem *sorte,*
é por demais ilusória,
impedir jamais coorte,
ao desfilar com a *vitória*.
Antônio Cabral Filho (RJ)

07

Para descansar na *glória*
de Deus Pai, Nosso Senhor,
basta seguir a história:
ser bom e *trabalhador.*
Aurineide Alencar (MS)

08

Quem fica chora de *dor*
pelo seu ente querido,
mas quando também se for
por outros será *sentido.*
Adriano Bezerra (RN)

09

O poeta *extrovertido*
no seu tempo precioso,
faz poemas com sentido
e a arte de um ser *saudoso!...*
Luiz Cláudio (RN)

10

Tão triste, mas mui *ditoso*
emprega os versos com fé.
Ergue o poema lacrimoso
E ora ficando de *pé*.
Prof. Roque (RS)

11

É temeroso ou não *é,*
saber que a morte vem?
Da cova ou da chaminé
não vai escapar *ninguém.*
Adriano Bezerra (RN)

12

Falo sem nenhum *desdém*
que enfrento com coragem,
o embarque nesse trem
que leva à última *viagem.*
Zé Ferreira (RN)

13

É pecado a *sacanagem*
de matar uma pessoa!
Deus vê tal crocodilagem
como coisa nunca *boa!*
Oliveira Caruso (RJ)

14

Deus é bom e Ele *perdoa*
Pequenas falhas do dia.
Mas matar uma pessoa
Isso é suprema *heresia.*
Antonio Francisco Pereira (MG)

15

Os plebeus e a *burguesia*
se equiparam na morte,
pra que tanta hiprocrisia
se terão a mesma *sorte*?
Maria Zilnete (RJ)

16

Sem nenhum medo da *morte*
ciente da hora de chegar,
eu sigo a vida mais forte
e já me pus a *rezar.*
Antônio de Pádua Elias de Souza (MG)

17

Todos irão *viajar*
já nascem com passaporte,
ninguém escolhe o lugar,
o desembarque é a *morte.*
Aurineide Alencar (MS)

18

Agora dou grande *corte*
passado pra mim é tempo,
a imagem faz esse aporte
cova não é *passatempo!...*
Luiz Cláudio (RN)

19

Sempre haverá *contratempo*
pra motivar nossa ida,
busquemos no entretempo
nos preparar pra *partida.*
Adriano Bezerra (RN)

20

Começa cedo a *corrida*
Desde o primeiro vagido.
E quantos ao fim da vida
Chegam sem terem *nascido*.
Antonio Francisco Pereira (MG)

21

Por antes nunca *morrido,*
sobrevivo na alegria.
Jamais serei esquecido
nem terei *melancolia.*
Prof. Roque (RS)

 22

Chegado o fim do *dia*
Eu percebi, com torpor
Que a cada trova morria
Um pouco do trovador.
(Zé Ferreira - RN)

Fonte:
https://trovadoresdobrasil.blogspot.com/2017/10/4-colar-de-trovas-brasil-trovador.html

Hans Christian Andersen (O Anjo e a Flor do Campo)


– Sempre que sucede morrer uma criança boa, desce um anjo do céu a buscá-la, e, depois de a recolher em seu regaço, desdobra as asas brancas, dadas pelo Criador, afim de ir percorrendo em seguida todos os sítios com que na terra a criança mais simpatizou. As flores que nesta digressão apanham, levam-nas ambos ao Pai Celeste, para ele as fazer lá reflorir no empíreo mais formosas e odoríferas, imarcescíveis (não perde o viço) mesmo. Deus então aconchega ao peito essas flores, – e na que mais lhe apraz deposita um beijo. Esse beijo tem o condão miraculoso de inocular na flor animação e voz.

Destarte a flor transfigurada passa a tomar parte também nos harmoniosos coros dos bem-aventurados. Assim falava um anjo de Deus na ocasião de transportar para a mansão celestial uma criança morta. E a criança escutava o anjo, absorta, embevecida, como se a envolvessem cintilantes brumas de um sonho fagueiro. E o anjo, aconchegando ao regaço a criancinha, voava naquele momento por sobre os sítios, de que mais tinha gostado em vida, – jardins esmaltados de flores lindíssimas.

– Quais destas queres, perguntava o anjo, que daqui levemos para lá plantarmos no céu?

Aconteceu passarem por junto de uma roseira magnífica. Mãos daninhas, porém, de qualquer mal-intencionado, haviam barbaramente praticado o ato brutal de quebrar-lhe o tronco, por forma que os desditosos ramos, carregadinhos de rubros botões prestes quase a desabrocharem, pendiam tristemente murchos, enquanto de todo não secassem.

– Que dó que me faz o pobrezinho do arbusto! exclamou a criança. Ah! que se pudéssemos levá-lo conosco para ir lá no céu reverdecer e reflorir!…

Fez-lhe o anjo a vontade e apanhou a roseira. Depois continuaram a colher flores de variadas castas, até reunirem um volumoso braçado.

– Parece-me que bastam agora já essas que levamos, observou a criança.

O anjo fez um aceno de condescendência, mas sem remontar ainda o voo para o firmamento. Começava a pronunciar-se cada vez mais a escuridão da noite incipiente. Reinava em torno um silêncio profundíssimo. Nisto aconteceu passarem quase rentes com uma ruazinha estreita e sombria, em cujo pavimento jaziam dispersos, abandonados, desprezados por entre o lixo do solo, fragmentos de louça quebrada, vidros partidos, chinelos velhos, farrapos e trapalhadas, que denunciavam esse conjunto de peripécias sempre mais ou menos inerentes a qualquer mudança de domicílio. Algum morador, que dali se ausentara, – ao transportar para a nova residência seus pobres trecos, havia certamente arremessado à rua a inútil frandulagem de que já não precisava.

Por entre estes destroços mostrou o anjo à criança os cacos de um vasinho de flores. Junto aos cacos viam-se os torrões esboroados da terra que em tempo enchera o vaso. A um desses torrões prendiam-se ainda as raízes de uma singela planta campestre, com a sua florzinha de mimosas cores murcha já e quase desfolhada, suja de pó, machucada e pisada pelos pés dos transeuntes. E, ao mostrar-lhe, disse o anjo à criança:

– Levaremos também esta, coitada!, no caminho te irei contando os motivos.

Depois começou a erguer, a erguer o voo para o céu. Foi então que o anjo deu princípio à narrativa seguinte :

– Ali, naquela rua sombria que tu viste, morava numa espécie de toca uma criancinha enferma. Era um pequeninho que nascera infectado e raquítico. Sua moléstia congênita impunha-lhe a necessidade tristíssima de permanecer quase sempre na cama. Se alguma vez acontecia sentir melhoras, o mais que lograva era percorrer o quarto em roda, amparado nas muletas. Quando chegava o estio, entravam-lhe pela janela uns raios de sol a iluminarem-lhe o acanhado âmbito do seu miserável domicílio. A criança aproveitava então a visita fugitiva daquelas ondulações luminosas e nelas se aquecia, e nelas buscava revivificar-se, como se fora aquilo a benéfica influência de um higiênico passeio pelo campo. Este pequenino nunca em sua vida tinha pois podido apreciar a magnífica verdura das florestas, e delas só podia formar uma longínqua ideia por algum ramo de faia que o filho do vizinho lhe trazia de tempos a tempos, como lembrança. Pegava então no ramo, e dependurava-o por sobre a cabeceira, fazendo assim de conta que estava repousando à sombra de virente arvoredo, com as ondulações douradas de um sol em perspectiva e um delicioso chilreio de mil passarinhos a encher-lhe de música os ouvidos. Numa bela manhã de primavera trouxeram-lhe umas flores do campo; casualmente uma destas vinha ainda com a raiz intacta. Tira-se de cuidados o pequeno, e trata de plantar cautelosamente o vegetalzinho num vasinho de barro, que daí por diante ficou constituindo o seu constante enlevo, pousado no parapeito da janela, à ilharga do leito em que jazia. Plantado por mãos carinhosas, regado, tratado, acariciado, o vegetal campestre soube na sua humildade agradecer os afagos de tanta solicitude; em breve lhe pulularam viçosos rebentos; e todos os anos se desatava em novas flores, como a festejar o seu desvelado cultor. Para o pobre doentinho era aquilo o seu estimado jardim, o seu único tesouro neste mundo; queria-lhe com todo o afeto da sua alma; prodigalizava-lhe os seus mais encarecidos mimos; da água, que bebia, dava-lhe sempre as primícias; colocava-o de modo que nunca perdesse um raio sequer do sol que escassamente lhe entrava pela janela. E a humilde planta vegetava e desenvolvia-se; revestia-se cada vez mais de folhagem; enchia-se de botões que desabrochavam em flores; irradiava-lhe perfumes; parecia até sorrir-lhe com requintes de galanteio. Por sua parte o pequenino, – quando afinal Deus o chamou à sua eterna presença, – , antes de soltar o derradeiro suspiro, inclinou-se comovido para a sua verde companheira e segredou-lhe de mansinho, muito de mansinho, as suas ternas, últimas despedidas. Faz agora um ano, que o pobre enfermo faleceu; e durante este ano todo lá ficou desprezada, esquecida a um canto, no mesmo parapeito da esguia fresta, a planta campesina em que outrora havia docemente concentrado seus cuidados e alegrias o infantil doentinho. Faltando-lhe os mimos, a que se acostumara, pouco a pouco murchou e se foi o triste vegetal mirrando, até que o próprio vaso agora lhe deitaram à rua, como inútil estorvo, por ocasião de sair dali quem habitava naquela miserável toca. Foi esta a flor, que ora acabamos de cuidadosamente recolher de entre o lixo da rua; e, se em nosso ramalhete a arrecadei com tanto carinho, é porque, – onde a vês, machucada, espezinhada, — causou já mais alegrias e mais enlevos, do que se fora uma flor raríssima no jardim de uma rainha!

– E como é que tu sabes os pormenores todos dessa história? perguntou a criança ao anjo.

– Como é que os sei? é porque se passaram comigo estas particularidades; o pequenino das muletas sou eu; não querias que reconhecesse a minha estimadíssima flor?

A criança olhou então deslumbrada para o rosto esplendoroso do anjo. Chegavam naquele momento às luminosas portas da privilegiada mansão, em que ninguém respira senão júbilo inefável e felicidade eterna.

Quando o Pai do Céu estreitou em seus braços o corpinho da criancinha morta, sentiu esta, como por encanto, despontarem-lhe milagrosamente nas costas duas asas brancas, muito brancas, de plumagem fina, acetinada, exatamente iguais às do anjo que o transportara.

E ambos de mãos dados, agora perfeitamente idênticos na sua essência imutável, ambos graciosamente unidos em fraternal amplexo, foram então voando risonhos pela estrelada amplidão do empíreo.

Em seguida recolheu Deus no regaço as flores que os recém-chegados lhe haviam trazido; todas amimou e agasalhou por igual; – mas na pobre planta que o anjo apanhara de entre o lixo, nessa, como se quis esse distingui-la com o privativo selo da sua espe­cial predileção, depositaram seus divinos lábios um beijo.

É logo a florzinha dos campos, que abandonada e desprezada jazera na lama da rua, de pronto renasceu transfigurada; brotou-lhe instantaneamente voz; incorporada no grupo infinito das criaturas angélicas que flutuam em torno do Onipotente, ficou simultaneamente com estas entoando os solenes cânticos da felicidade celeste.

Antonio Carlos Barros (Gralha Azul Singrando Horizontes)


Conta a lenda que, uma certa gralha negra, dormia num galho de pinheiro e foi acordada pelo som dos golpes de um machado. Assustada, voou para as nuvens, para não presenciar a cena do extermínio do pinheiro. Lá no céu, ouviu uma voz pedindo para que ela retornasse para os pinheirais, pois assim ela seria vestida de azul celeste e passaria a plantar pinheiros. A gralha aceitou então a missão e foi totalmente coberta por penas azuis, exceto ao redor da cabeça, onde permaneceu o preto dos corvídeos. Retornou então aos pinheirais e passou a espalhar a semente da araucária, conforme o desejo divino.

Assim como a Lenda da Gralha Azul, ouvi uma voz, nem tanto do céu e nem tanto da terra, do amigo e Acadêmico João Líbero, velho amigo de infância, nascido e crescido em nossa querida Sorocaba, pedindo e me incentivando para que retornasse aos pinheirais da cultura, para assim como ele, espalhasse a semente da poesia, das lendas, dos textos Tropeiros e Gaúchos, dos causos e mentiras, da Irmandade, da música, enfim que voltasse a escrever.

O pedido do amigo Líbero ecoou como uma machadada em minha cabeça, onde eu, adormecido sobre os galhos do pinheiro, não vislumbrava mais, espalhar o pouco das sementes culturais, que havia guardado em meus antigos pessuelos.

Pois bem, como diz o Gaúcho: “Não podemo se entregá pros home de jeito nenhum, amigo e companheiro”, o pingo estava encilhado e passando a minha frente. Resolvi “muntá”.

Então como diz uma música Gaúcha: “Com café de lambe-sela eu abro o dia/ Se o Camargo me faltar pelo sendeiro/ O Tropeiro vai cantando de alegria/ Quando a gralha pular entre os pinheiros/ Com soquete na panela fervilhando/ Me preparo para a noite que aí vem/ Abre a gaita, eu abro o peito, improvisando/ E adormeço quando o sol, dorme também”.
__________________________
Notas:
Pingo: cavalo.
Pessuelos: Espécie de alforje duplo, de couro ou de lona, usado na garupa do cavalo.
Café de lambe sela: café muito fraco.
Sendeiro: Cavalo ruim, sem préstimo algum.

Fonte:
O Autor

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Isabel Furini (A Barca de Rá)

Fonte: Facebook / Isabel é de Curitiba/PR 

Carolina Ramos (Triângulo)


Carnaval. Noite de sábado — aquele apêndice agregado ao calendário, ampliador dos três dias programados para a folia.

Zulma, Carlão e Zico — trio escolhido para representar a tríade mais famosa das folias de Momo — Colombina, Pierrô e Arlequim. Noite quente, sem chuva. Ar parado. Noite de fevereiro, autêntica, prenunciadora das águas de março, próximas.

A moça acordara cedo. Banhada e perfumada, desenrolava os bobes, soltando as mechas de cabelos negros. A fantasia de Colombina, estendida na cama, descalçava, por antecipação, da refrega que teria de enfrentar, logo adiante.

— Tira a mão daí, menina. Vai vestir a tua borboleta azul.

E a caçula voou, sem asas, em busca das asas embrionárias, dobradas, ainda, na gaveta-crisálida.

Carlão e Zico. Um dilema a ser resolvido. Por ironia, os dois pretendentes ao coração da moça. assumiam figuras polêmicas que mais confundiam seus sentimentos, a impedir que chegasse a uma decisão, na vida real.

Zico ou Carlão. Arlequim ou Pierrô?

Carlão romântico, tímido, sem muita iniciativa, música de fundo, suave e transparente como bola de cristal. Pierrô autêntico, carente de carinho, despertando ternura e amor.

Zico. O oposto. Auto-suficiente, algo arrogante, narciso, dominador. Autêntico Arlequim, volúvel e imediatista, arrastando à paixão.

Perfeitos! Carlão nunca poderia ser um Arlequim. Zico, jamais um Pierrô!

Zulma sorriu para o espelho, enquanto pingava no canto direito da face uma pinta negra, que lhe emprestava a coqueteria indispensável à figura que encarnava.

Quando a Escola adentrou a av. Tiradentes, e o ritmo das baterias sacudiu as almas, Colombina estremeceu no alto da plataforma apoiando-se nas duas bengalas prateadas, fincadas como arrimo às suas evoluções. Delas dependiam, pelo menos, noventa por cento da sua segurança. Grande responsabilidade! Acarinhou-as com respeito.

Lá em baixo, um Pierrô de cara branca e triste, vestido de cetim azul celeste, com sua gola entiotada, abraçando o alaúde estilizado, propositadamente alongado e enfeitado de fitas. Uma lágrima de prata, brilhando na cara branca.

Do outro lado, exuberante Arlequim, exibindo o colante de losangos coloridos, máscara negra, sensual e misteriosa, e um sorriso amplo, absolutamente confiante de que sua presença agradava, sem exceções.

O eterno triângulo, vezes se conta, repetido dentro e fora do Carnaval!

Às tantas, não se sabe como, nem se sabe por quê, a frágil Colombina despencou do alto da plataforma, candidata a múltiplas fraturas e mesmo, quem sabe, a sucumbir face a qualquer delas!

A surpresa amarrou a todos. Estupefação! Nem mesmo a decantada auto-suficiência do Zico conseguiu vencer o estupor geral.

Surpresa maior, foi, no entanto, a providencial e presta atitude de um Pierrô apaixonado, conseguindo aparar nos braços, com força imprevista, o corpo da bela Colombina, aparentemente desacordada.

Ao abrir os olhos, Zulma encontrou outros dois olhos, ansiosos, iluminando uma cara branca. A lágrima de prata brilhava mais ainda, autenticada por outras que abriam sulcos na face alvaiada.

Carlão virou herói! E o coração de Zulma deixou de balançar, indeciso. Pendeu, definitivamente, para o lado certo!

Pela primeira vez, quem sabe, na turbulenta história do Carnaval, um Arlequim, fascinante e extrovertido, perdeu, fragorosamente, para um tímido e sonhador Pierrô!

Fonte:
Carolina Ramos. Interlúdio: contos. São Paulo: EditorAção, 1993.

Acácio de Paiva (Poemas Diversos)


O TOJO

Porque me fez cruel a natureza,
O tojo diz, é alma da floresta,
E não me concedeu, como a giesta
E mais irmão que tenho a macieza?

Não pode por carícia (que tristeza!)
Diminuir a dor que me molesta,
Pois que por condição, e bem funesta,
A quem me toque eu firo, com dureza.

Pés descalços, de carne preciosa,
Se atravessam os matos dos caminhos
Eu tenho de os rasgar, alma impiedosa,

E tanto desejaria que os espinhos
Se trocassem por pétalas de rosa
Quando os pisam crianças e velhinhos!

A LÍNGUA PORTUGUESA

Assim como onde tem maior pureza
A linfa, é na mãe de água, por ventura
Assim também na aldeia é que é mais pura
A minha amada língua Portuguesa.

Na sua elegantíssima rudeza
Como nos seus extremos de doçura
Todos os pensamentos emoldura
Numa espontânea e artística beleza

Ouço-a forte, nas feiras, discutindo;
Nos serões ouço-a meiga namorando…
E é sempre um trecho de poema lindo

Aqui soberbo, além risonho e brando,
Porque é de Portugal o mar bramindo
E é também o nosso rouxinol trinando

CIDADE FLOR

Nomeou-me Leiria embaixador
Para saudar-vos nesta hora clara
..... Do mais vivo esplendor
Que jamais, até hoje se alumiara

E cedi com vaidade: pela minha
Terra, minha saudade há tantos anos
E que é da Estremadura alta rainha
E por vós dois: excelsos soberanos

Crede: Leiria é digna de visita.
Não exibe a riqueza deslumbrante
Que cega e oprime que entontece e grita
E chega a amedrontar o viandante,

Mas é..., como direi...bem comparada...
Uma Cidade-Flor! É pequenina
Mas tão airosa, amável, perfumada
Como gentil grinalda de menina.

E quanto acolhedora: - uma cidade...
(Não sei onde encontrar comparação
Que possa dar ideia da verdade...)
Vamos... uma Cidade-Coração.

- “Estranha imagem” notareis; por certo,
Mas é condão de alguns ouvir e ler
Nítido em tudo, como em livro aberto,
......Aflição ou prazer...

Assim, desde o seixinho humilde e bruto
Aos mais aparatosos arvoredos,
O coração da minha terra escuto
E entendo em seus recônditos segredos.

Se quisésseis no meu sonho acompanhar-me
Artistas milagrosos da harmonia
Ouvireis em primeiro e junto alarme
O elegante castelo de Leiria...

Depois, o brando e donairoso Lis,
Seus marachões, seus salgueirais e noras,
Os miradouros onde D. Dinis
As estrofes singelas e sonoras

Oferecia à «flor de verde pino»...
Os arcos e os balcões do burgo antigo...
Os sinos...(Um irmão em cada sino,
Tão íntimo, tão nosso, tão amigo!...)

A capelinha de onde avisto as Cortes
De Xavier Cordeiro, senhoriais...
No vento inquieto, as Fontes,
Emanações sádicas dos pinhais...

Leiria toda, enfim, de canto a canto,
Joia de engaste lindo entre as mais lindas
Ouvireis, comigo, dizer: Quanto!
Oh! quanto nos honras! Sede bem-vindas!

O PERU DOS OLIVAIS

I

Adorada perua:
Há dias que, diante do patrão,
ando de rua em rua
não sei por que razão.
Como tu viste, o homem resolveu
fazermos em Lisboa a consoada,
para me divertir, suponho eu.
Porém, se adivinhasse esta estopada,
tinha-lhe dito logo que não vinha,
tanto mais, tanto mais, não vindo tu,
minha peruazinha,
por quem morre de amor o teu peru.
É para ver a terra? Não percebo,
pois mal ergo a cabeça para o ar
trabalha logo a cana do mancebo
e continuo a andar, a andar, a andar…
Às vezes lá paramos, mas estranho
também estas paragens,
porque me agarram certas personagens,
tomam-me o peso, notam-me o tamanho
e até (Deus me perdoe se ouço mal!)
discutem o valor,
como se eu fosse, amor,
uma coisa venal!

Adeus. Com isto não te enfado mais.
Havendo novidades
escrevo. Mil saudades
e beijos do
Peru dos Olivais

II

Meu anjo… Escrevo agora na cozinha
duma senhora muito delicada,
que me tem dado esplêndida papinha
assim como a criada.
Há pouco ainda (ora imagina, filha!)
deram-me até um copo de Bucelas
que me adoçou muitíssimo as goelas
e é uma verdadeira maravilha,
mas Deus queira, Deus queira
como só bebo água lá em casa,
que não me faça mal à mioleira
e que eu não fique com um grão na asa.
Amanhã te direi o que é passado.
Recebe mil bicadas cordiais
do teu apaixonado
Peru dos Olivais

III

Querida. Água a ferver… Uma panela
ao pé dum alguidar… tenho receio…
Fala-se em cabidela
e em peru de recheio…
Afia-se uma faca… Ó céus! Que horror!
O monco já me cai… Nunca supus…
Que é isto meu amor?
Ai Jesus! Ai Jesus!
Já tenho as pernas presas…
Tolda-se a vista… Engasgo-me… Agonizo…
Tremem-me as miudezas…
Turva-se-me o juízo…
Adeus: Recebe o último glu-glu
e os corais
do in… fe… liz
Pe… rú… dos O… li…vais