segunda-feira, 22 de julho de 2019

Acácio de Paiva (Poemas Diversos)


O TOJO

Porque me fez cruel a natureza,
O tojo diz, é alma da floresta,
E não me concedeu, como a giesta
E mais irmão que tenho a macieza?

Não pode por carícia (que tristeza!)
Diminuir a dor que me molesta,
Pois que por condição, e bem funesta,
A quem me toque eu firo, com dureza.

Pés descalços, de carne preciosa,
Se atravessam os matos dos caminhos
Eu tenho de os rasgar, alma impiedosa,

E tanto desejaria que os espinhos
Se trocassem por pétalas de rosa
Quando os pisam crianças e velhinhos!

A LÍNGUA PORTUGUESA

Assim como onde tem maior pureza
A linfa, é na mãe de água, por ventura
Assim também na aldeia é que é mais pura
A minha amada língua Portuguesa.

Na sua elegantíssima rudeza
Como nos seus extremos de doçura
Todos os pensamentos emoldura
Numa espontânea e artística beleza

Ouço-a forte, nas feiras, discutindo;
Nos serões ouço-a meiga namorando…
E é sempre um trecho de poema lindo

Aqui soberbo, além risonho e brando,
Porque é de Portugal o mar bramindo
E é também o nosso rouxinol trinando

CIDADE FLOR

Nomeou-me Leiria embaixador
Para saudar-vos nesta hora clara
..... Do mais vivo esplendor
Que jamais, até hoje se alumiara

E cedi com vaidade: pela minha
Terra, minha saudade há tantos anos
E que é da Estremadura alta rainha
E por vós dois: excelsos soberanos

Crede: Leiria é digna de visita.
Não exibe a riqueza deslumbrante
Que cega e oprime que entontece e grita
E chega a amedrontar o viandante,

Mas é..., como direi...bem comparada...
Uma Cidade-Flor! É pequenina
Mas tão airosa, amável, perfumada
Como gentil grinalda de menina.

E quanto acolhedora: - uma cidade...
(Não sei onde encontrar comparação
Que possa dar ideia da verdade...)
Vamos... uma Cidade-Coração.

- “Estranha imagem” notareis; por certo,
Mas é condão de alguns ouvir e ler
Nítido em tudo, como em livro aberto,
......Aflição ou prazer...

Assim, desde o seixinho humilde e bruto
Aos mais aparatosos arvoredos,
O coração da minha terra escuto
E entendo em seus recônditos segredos.

Se quisésseis no meu sonho acompanhar-me
Artistas milagrosos da harmonia
Ouvireis em primeiro e junto alarme
O elegante castelo de Leiria...

Depois, o brando e donairoso Lis,
Seus marachões, seus salgueirais e noras,
Os miradouros onde D. Dinis
As estrofes singelas e sonoras

Oferecia à «flor de verde pino»...
Os arcos e os balcões do burgo antigo...
Os sinos...(Um irmão em cada sino,
Tão íntimo, tão nosso, tão amigo!...)

A capelinha de onde avisto as Cortes
De Xavier Cordeiro, senhoriais...
No vento inquieto, as Fontes,
Emanações sádicas dos pinhais...

Leiria toda, enfim, de canto a canto,
Joia de engaste lindo entre as mais lindas
Ouvireis, comigo, dizer: Quanto!
Oh! quanto nos honras! Sede bem-vindas!

O PERU DOS OLIVAIS

I

Adorada perua:
Há dias que, diante do patrão,
ando de rua em rua
não sei por que razão.
Como tu viste, o homem resolveu
fazermos em Lisboa a consoada,
para me divertir, suponho eu.
Porém, se adivinhasse esta estopada,
tinha-lhe dito logo que não vinha,
tanto mais, tanto mais, não vindo tu,
minha peruazinha,
por quem morre de amor o teu peru.
É para ver a terra? Não percebo,
pois mal ergo a cabeça para o ar
trabalha logo a cana do mancebo
e continuo a andar, a andar, a andar…
Às vezes lá paramos, mas estranho
também estas paragens,
porque me agarram certas personagens,
tomam-me o peso, notam-me o tamanho
e até (Deus me perdoe se ouço mal!)
discutem o valor,
como se eu fosse, amor,
uma coisa venal!

Adeus. Com isto não te enfado mais.
Havendo novidades
escrevo. Mil saudades
e beijos do
Peru dos Olivais

II

Meu anjo… Escrevo agora na cozinha
duma senhora muito delicada,
que me tem dado esplêndida papinha
assim como a criada.
Há pouco ainda (ora imagina, filha!)
deram-me até um copo de Bucelas
que me adoçou muitíssimo as goelas
e é uma verdadeira maravilha,
mas Deus queira, Deus queira
como só bebo água lá em casa,
que não me faça mal à mioleira
e que eu não fique com um grão na asa.
Amanhã te direi o que é passado.
Recebe mil bicadas cordiais
do teu apaixonado
Peru dos Olivais

III

Querida. Água a ferver… Uma panela
ao pé dum alguidar… tenho receio…
Fala-se em cabidela
e em peru de recheio…
Afia-se uma faca… Ó céus! Que horror!
O monco já me cai… Nunca supus…
Que é isto meu amor?
Ai Jesus! Ai Jesus!
Já tenho as pernas presas…
Tolda-se a vista… Engasgo-me… Agonizo…
Tremem-me as miudezas…
Turva-se-me o juízo…
Adeus: Recebe o último glu-glu
e os corais
do in… fe… liz
Pe… rú… dos O… li…vais

Nenhum comentário: