CAMINHO MONÓTONO
E por que hei de negar?...Ah! o encanto da estrada
abrindo em cada curva um leque de paisagem,
e o mistério da casa escondida e encantada
que mora sob a sombra amiga da folhagem
E por que hei de negar? Se isso é a vida passada;
se o fastio espantou o encanto da miragem
Hoje - o olhar distraído, e a alma já cansada
repetem todo dia e sempre a mesma viagem
E por que hei de negar? Ah! Aquelas ânsias loucas
dos beijos que cantavam sempre em nossas bocas
e das mãos, não sabendo nunca onde pousar...
Hoje... por mais que venhas, sempre estou sozinho...
E por que hei de negar? Se teu corpo é um caminho
onde de olhos fechados posso caminhar?…
CANTO BANAL
Não te quero dizer palavras difíceis e deformantes
nem inventar imagens que embelezam talvez
mas que não reconheces.
Não tocarei música para os teus ouvidos
nem criarei poesia para a tua imaginação,
nem nada esculpirei que já não estejas em ti...
Nesse instante serei banal,
não respeitarei nem mesmo o silêncio,
nada que nos eleve além do plano em que estamos,
não serás estrela, não serás a nuvem, não serás a flor...
Quando chegares, e eu tomar teu corpo
em meus braços nervosos, te direi apenas:
- meu amor!
CANTO DE ONTEM
Vamos, põe teu braço no meu braço, vamos recordar
os velhos tempos
do nosso amor.
Passeávamos assim, e que frias eram as tuas mãos
no momento do encontro,
e que dóceis teus lábios depois da rendição.
Muitas vezes perdi-me em teus lábios e não soube voltar.
Que era o mundo senão um punhado de perspectivas
que saíam do ponto coração
e se perdiam nos teus olhos?
Tanta coisa esperamos e alguma coisa colhemos
mas que triste, amor, este todo-o-dia matando
o que esperávamos jamais ser tocado pelo tempo.
Tu me queres ainda, eu sei que te aninhas, por habito ou por frio
junto ao meu corpo, e esperas.
E eu te quero ainda, muito mais pelo que deixaste
nas raízes mergulhadas
e pelo que representas nas nuvens que se acumulam
do que pelo momento de tédio e ternura, elementos
do nosso coquetel cotidiano...
Vamos, põe teu braço no meu braço, como antigamente,
entrega-me docilmente os teus lábios, e pensa
que eu te beijo há mil anos, num tempo em que seremos
sempre os mesmos
e o nosso amor imortal.
CANTO E ELEGIA
Sejam as palavras a forma da minha dor
ou da minha alegria.
Que este é o destino real dos que trouxeram
a poesia,
existirem apenas no canto,
como a chama no fogo,
como a forma na flor!
Canto e elegia...
aonde eu for.
CANTO EFÊMERO
Feliz no mundo eu só!... Ninguém mais é feliz!
Ninguém mais é feliz!... Eu só, sorrio e canto!
Enfim o teu amor!... Quanta coisa! Quem diz,
- quem poderia crer que eu merecesse tanto!
Esplendor! a paisagem mudou por encanto!
No negro da minha alma há rabiscos de giz
traçando ante meus olhos trêmulos de espanto.
- "Feliz no mundo, eu só !... Ninguém mais é feliz!"
Certo do teu amor, tudo ao redor se anima,
em ouro se transforma a fuligem do pó
e a minha alma, a beleza das coisas sublima!
Enfim o teu amor!... E o teu amor primeiro!
Meu Deus! eu sou feliz!... Feliz no mundo eu só!
Ninguém mais é feliz, ninguém!... no mundo inteiro!
CANTO INTEGRAL DO AMOR
Cegos os olhos, continuarias de qualquer forma,. presente,
surdos os ouvidos, e tua voz seria ainda a minha música,
e eu mudo, ainda assim, seriam tuas as minhas palavras.
Sem pés, te alcançaria a arrastar-me como as águas,
sem braços, te envolveria invisível, como a aragem,
sem sentidos, te sentiria recolhida ao coração
como o rumor do oceano nas grutas e nas conchas.
Sem coração, circularias como a cor em meu sangue,
e sem corpo, estarias nas formas do pensamento
como o perfume no ar.
E eu morto, ainda assim por certo te encontrarias
no arbusto que tivesse suas raízes em meu ser,
- e a flor que desabrochasse murmuraria teu nome.
CANTO PRETENSIOSO
Exilado num tempo de perfídias,
de misérias, de lutas, de torpezas,
- pergunto em vão, nesse clamor de insídias
onde vivem as almas e as belezas?
Trago as asas e as ânsias sempre presas
se o mundo é um choque eterno de dissídias...
- onde andarão aquelas naturezas
do século de Péricles e Fídias ?
No meu destino singular de eleito
subo à procura do alto da montanha,
onde o ar é mais puro e o céu perfeito!
- Que as montanhas, as eras não consomem,
e nessa ânsia em que avanço, sinto a estranha
vocação de ser deus dentro de um homem !
CANTO PURO
Como se fosse uma árvore me sinto
a bracejar a luz desta manhã:
do azul dos céus, azul puro e retinto,
embebedo a minha alma livre e sã.
Há uma alegria esplêndida e pagã!
Cheiro de terra a provocar o instinto!
O dia, é um bago rubro de romã
e o Sol renasce de um incêndio extinto
Que gosto bom esse de andar no chão
de pés descalços, tal como as raízes,
a ouvir cantar no peito o coração
Como as aves nas ramas enfloradas
ou como as águas claras e felizes
que cantam pelo chão, despreocupadas…
Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 2. SP: Ed. Theor, 1965.
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