sábado, 20 de julho de 2019

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) XIX


CAMINHO MONÓTONO

 E por que hei de negar?...Ah! o encanto da estrada
 abrindo em cada curva um leque de paisagem,
 e o mistério da casa escondida e encantada
 que mora sob a sombra amiga da folhagem

 E por que hei de negar?  Se isso é a vida passada;
 se o fastio espantou o encanto da miragem
 Hoje - o olhar distraído, e a alma já cansada
 repetem todo dia e sempre a mesma viagem

 E por que hei de negar?  Ah! Aquelas ânsias loucas
 dos beijos que cantavam sempre em nossas bocas
 e das mãos, não sabendo nunca onde pousar...

 Hoje... por mais que venhas, sempre estou sozinho...
 E por que hei de negar?  Se teu corpo é um caminho
 onde de olhos fechados posso caminhar?…

CANTO BANAL

Não te quero dizer palavras difíceis e deformantes
nem inventar imagens que embelezam talvez
mas que não reconheces.

Não tocarei música para os teus ouvidos
nem criarei poesia para a tua imaginação,
nem nada esculpirei que já não estejas em ti...

Nesse instante serei banal,
não respeitarei nem mesmo o silêncio,
nada que nos eleve além do plano em que estamos,
não serás estrela, não serás a nuvem, não serás a flor...

Quando chegares, e eu tomar teu corpo
em meus braços nervosos, te direi apenas:
- meu amor!

CANTO DE ONTEM

Vamos, põe teu braço no meu braço, vamos recordar
os velhos tempos
do nosso amor.
Passeávamos assim, e que frias eram as tuas mãos
no momento do encontro,
e que dóceis teus lábios depois da rendição.

Muitas vezes perdi-me em teus lábios e não soube voltar.

Que era o mundo senão um punhado de perspectivas
que saíam do ponto coração
e se perdiam nos teus olhos?

Tanta coisa esperamos e alguma coisa colhemos
mas que triste, amor, este todo-o-dia matando
o que esperávamos jamais ser tocado pelo tempo.

Tu me queres ainda, eu sei que te aninhas, por habito ou por frio
junto ao meu corpo, e esperas.

E eu te quero ainda, muito mais pelo que deixaste
nas raízes mergulhadas
e pelo que representas nas nuvens que se acumulam
do que pelo momento de tédio e ternura, elementos
do nosso coquetel cotidiano...

Vamos, põe teu braço no meu braço, como antigamente,
entrega-me docilmente os teus lábios, e pensa
que eu te beijo há mil anos, num tempo em que seremos
sempre os mesmos
e o nosso amor imortal.

CANTO E ELEGIA

Sejam as palavras a forma da minha dor
ou da minha alegria.

Que este é o destino real dos que trouxeram
a poesia,
existirem apenas no canto,
como a chama no fogo,
como a forma na flor!

Canto e elegia...
aonde eu for.

CANTO EFÊMERO
   
Feliz no mundo eu só!... Ninguém mais é feliz!
Ninguém mais é feliz!... Eu só, sorrio e canto!
Enfim o teu amor!... Quanta coisa! Quem diz,
- quem poderia crer que eu merecesse tanto!  

Esplendor! a paisagem mudou por encanto! 
No negro da minha alma há rabiscos de giz  
    traçando ante meus olhos trêmulos de espanto.
          - "Feliz no mundo, eu só !... Ninguém mais é feliz!"

Certo do teu amor, tudo ao redor se anima,
em ouro se transforma a fuligem do pó    
    e a minha alma, a beleza das coisas sublima!

Enfim o teu amor!... E o teu amor primeiro!
       Meu Deus! eu sou feliz!... Feliz no mundo eu só!
              Ninguém mais é feliz, ninguém!... no mundo inteiro!

CANTO INTEGRAL DO AMOR

Cegos os olhos, continuarias de qualquer forma,. presente,
surdos os ouvidos, e tua voz seria ainda a minha música, 
e eu mudo, ainda assim, seriam tuas as minhas palavras. 

Sem pés, te alcançaria a arrastar-me como as águas,
sem braços, te envolveria invisível, como a aragem, 
sem sentidos, te sentiria recolhida ao coração            
como o rumor do oceano nas grutas e nas conchas.  

Sem coração, circularias como a cor em meu sangue,
e sem corpo, estarias nas formas do pensamento        
como o perfume no ar.
        
E eu morto, ainda assim por certo te encontrarias
no arbusto que tivesse suas raízes em meu ser,    
- e a flor que desabrochasse murmuraria teu nome.

CANTO PRETENSIOSO

Exilado num tempo de perfídias,
de misérias, de lutas, de torpezas,
- pergunto em vão, nesse clamor de insídias
onde vivem as almas e as belezas?

Trago as asas e as ânsias sempre presas
se o mundo é um choque eterno de dissídias...
- onde andarão aquelas naturezas
do século de Péricles e Fídias ?

No meu destino singular de eleito
subo à procura do alto da montanha,
onde o ar é mais puro e o céu perfeito!

- Que as montanhas, as eras não consomem,
e nessa ânsia em que avanço, sinto a estranha
vocação de ser deus dentro de um homem !

CANTO PURO

Como se fosse uma árvore me sinto
a bracejar a luz desta manhã:
do azul dos céus, azul puro e retinto,
embebedo a minha alma livre e sã.

Há uma alegria esplêndida e pagã!
Cheiro de terra a provocar o instinto!
O dia, é um bago rubro de romã
e o Sol renasce de um incêndio extinto

Que gosto bom esse de andar no chão
de pés descalços, tal como as raízes,
a ouvir cantar no peito o coração

Como as aves nas ramas enfloradas
ou como as águas claras e felizes
que cantam pelo chão, despreocupadas…

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 2. SP: Ed. Theor, 1965.

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