Acostumei-me demais
ao frescor da tua essência,
mas aos poucos te afastais
deixando apenas ausência.
Acre odor de mata em chama,
fumaça que faz chorar,
meu peito gemendo clama
para a queimada acabar.
A deusa da minha rua
mora bem perto de mim:
– vive a contemplar a lua
que ilumina o meu jardim.
A mulher de meia idade,
madura e bem assumida,
tem a preciosidade
de uma vinha enobrecida.
A nossa fé compartida
numa promessa de paz
é como luz refletida
na pureza dos cristais.
As flores que me ofereces
perfumando os nossos dias,
são meu rosário de preces,
meu buquê de fantasias.
Caminhando nas planuras
do meu mundo interior,
eu sublimo as amarguras
que o destino preparou.
Caminhante, aonde vais,
neste caminhar fremente,
não vês que o mundo não trás
quietude à nossa mente?
Esta angústia que me invade,
asfixiando o meu ser,
amarga mais que a saudade,
dói muito mais que morrer.
Nesta vida multiforme,
em que a sorte vai e vem,
ainda há quem se conforme
e só siga a luz do bem.
Nesta vida tão atroz,
de multiformes percalços,
milhares são os heróis
que lutam de pés descalços.
No meu jardim plantei rosas,
pensando nos seus carinhos,
mas as minhas mãos calosas
colheram só os espinhos.
O pelourinho na praça
traz um grito do passado:
grito de dor e desgraça
de um grande povo ultrajado.
O sertão está molhado...
Não de chuva... mas do pranto
desse povo abandonado
que a seca castiga tanto!...
O velho com suas dores,
vergado ao peso dos anos,
carrega ainda os amores,
as glórias e os desenganos...
Passando fome em criança,
privações na mocidade,
será que a tal esperança
resiste à terceira idade?
Segue a vida em seu passar
na corredeira dos anos:
– de salto em salto o sonhar,
– de queda em queda os enganos.
Tua luz suave ilumina
meus passos de caminhante:
– és a estrela matutina,
– eu, o peregrino errante!
Um sonho de juventude
não morre nunca, eu suspeito
pois me assusta a inquietude
que ainda carrego ao peito.
Vivendo sem sul, sem norte,
suportando a minha dor,
sou "antes de tudo um forte"
- sertanejo e trovador.
Vivo na vida sem ninho,
sem carinho e sem fanal,
abraçado ao pelourinho
do meu destino fatal.
Fonte:
O Trovador
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