quarta-feira, 24 de julho de 2019

Contos e Lendas do Mundo (Amazônia/Brasil: Tanguru-Pará)


O japim tornara-se o horror da passarada. A floresta andava triste, sem canto, sem as melodias de que Tupã tanto gostava.

Certa vez apareceu na região um pássaro novo, um gaviãozinho esperto, vivaz, ligeiro no voo, mas de canto monótono e sem graça. Gostava pouco de amizades e, por cá aquela palha, zangava-se e brigava.

Era deveras valente. Até o gavião real já o respeitava porque o cauré, assim se chamava o novo habitante das selvas, lhe dera uma surra de que saiu molestado e de asas derreadas.

O cauré não enfrentava as aves mais fortes. Tem a sua tática. Voa e quando o gavião lhe vai no encalço, a águia, o condor, o abutre, ele manobra com assaz perícia no espaço, mete-se embaixo das asas do inimigo e, com o seu bico adunco e forte corta os músculos propulsores, obrigando-os a abandonar a luta e mesmo, muita vez, a cair no chão, semi-mortos.

O cauré, então, desce e lhes come os olhos e as entranhas. É esse o pitéu que mais saboreia.

O japim temia o cauré, mas lá um dia o seu instinto moleque levou-o a arremedar o valente gaviãozinho.

O cauré partiu sobre ele, mas o malandro estava perto do ninhal, meteu-se no seu longo ninho e ficou aguardando os acontecimentos. O cauré empoleirou-se num galho, à espreita, como costuma fazer.

Daí a momentos, porém, teve que abalar, porque uma nuvem de cabas lhe caiu em cima.

As cabas são aliadas do japim. Onde há ninho de japim também há ninho de caba.

Caba não canta, nem zune, tampouco, de modo que não tinha queixas do japim e era-lhe até um divertimento apreciar as troças do seu talentoso aliado.

O tanguru-pará nunca se havia encontrado com o japim. Vivia lá para a sua banda, cantando baixinho e ensaiando passos de dança clássica, para um dia apresentar-se a Tupã, na certeza de o agradar e ser contratado para a corte celeste.

Aconteceu, porém, que o japim, o avô dos japins, pois a família aumentara muito na terra, numa das suas viagens pela mata, ouviu aquele canto esquisito; foi-se aproximando, aproximando, e deu com o tanguru a cantarolar e saltitar no galho do pau.

Achou aquilo engraçado e quis chegar-se e apresentar-se ao artista excêntrico, mas o seu diabólico instinto o traiu.

Daí a pouco estava a arremedar o inofensivo tanguru.

O tanguru era pacato, e por isso, quando se zangava, zangava mesmo.

– Que é isso, camarada, por acaso me estou metendo na tua vida? – perguntou ao japim, que não fez caso e continuou no arremedo.

O tanguru voa-lhe em cima e engalfinharam-se. A briga foi feia. As penas saltavam de ambos os contendores. Daí a instante chegavam os espectadores e a torcida era grande pelo tanguru, que num momento feliz conseguiu ferir o adversário no coração. O sangue espirrou e o japim caiu morto A ovação da assistência coroou a vitória do tanguru-pará.

Tupã, que a tudo assistira, falou: "De hoje em diante, todos os teus descendentes trarão no bico a marca desta vitória".

E é por isto que o tanguru-pará tem o bico vermelho.

E é por isto, também, que os japins continuam a arremedar todos os pássaros, exceto o tanguru-pará.

Fonte:
José Coutinho de Oliveira. Folclore amazônico. Belém: São José. 1951, p. 169-172, in Anísio Melo (org.). Estórias e lendas da Amazônia. (Antologia ilustrada do folclore brasileiro). São Paulo: Livraria Literat, 1962.

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