CLASSICISMO
Longínquo descendente dos helenos
pelo espírito claro, a alma panteísta,
- amo a beleza esplêndida de Vênus
com uma alegria singular de artista !
Amo a aventura e o belo, amo a conquista !
Nem receio os traidores e os venenos...
- Trago na alma engastada uma ametista,
- meus olhos de esmeraldas são serenos !
Com os pés na terra tenho o olhar no céu;
a alma, pura e irrequieta como as linfas
soltas no chão; nos lábios, tenho mel...
Meu culto é a liberdade e a vida sã.
E ainda hoje sigo e persigo as ninfas
com a minha flauta mágica de Pã !
CONSELHOS DE AMOR…
Incoerência talvez, mas verdades da Vida,
é um mal, um grande mal, amar-se em demasia,
a mulher que se sente adorada e querida
e é pelo teu amor cercada e protegida
é aquela que terás em teus braços mais fria.
Faz-lhe, mil carícias, sim, mas vez em quando
deixa uma frase vaga e indiferente no ar...
Assim, - ela terá com que ficar pensando,
e enquanto desconfia ou fica te esperando
por tanto te querer, talvez chegue a chorar.
O pranto é a chuvarada que prepara a terra
onde lançaste um dia a semente do amor.
O ciúme é o sol que a flor em pétalas descerra,
e o teu carinho, a aragem que nos ramos erra
e conforta as raízes apagando a dor.
E' a mulher que o exige ... Ela te adora e te ama
se souberes ser bom sendo às vezes cruel.
Não te iludas porém, te arrastará na lama
se a rodeares de luxo e a envolveres na chama
de um extremoso amor constantemente fiel!
Sabe sempre pesar sobre ela o teu domínio
não cedas teu lugar nem por mal nem por bem,
se um dia descobrir que tem força e fascínio
datará deste dia o teu fatal declínio
e verás como o amor se transformou também.
Sé perdulário sempre em teu amor, procura
no entanto não perder de vista os teus carinhos.
O amor que se oferece é amor que pouco dura,
- e que a rosa macia da tua ternura
tenha pétalas... sim... mas também tenha espinhos...
Marca na vida dela o rumo dos teus passos
deixando sempre um traço de altivez, viril.
A mulher quer que o homem caia nos seus braços
quer vê-lo - o coração pulsando, os olhos baços,
tendo a vaga impressão de que ele não caiu!
CONTO PERDULÁRIO
Hei de gastar minha alma – a alma dos poetas
é como a luz do Sol ou como o luar,
deve espalhar-se, para embelezar
e iluminar as sombras mais discretas...
Como as águas que cantam, irrequietas,
deve o silêncio, um pouco, musicar,
ou como a onda que se ergue, - a alma dos poetas
deve de espumas enfeitar o mar!
Cumpro assim o meu destino, e neste bando
de versos, perdulário a vou gastando,
e quanto tenho de alma já nem sei...
E hei de esbanjá-la mais, de instante a instante,
e morto – hão de encontrá-la ainda estuante
nos versos onde a vida a desperdicei !
CORAÇÃO SOLITÁRIO
A noite esta fechada na janela aberta.
Uma rua perdeu-se na sombra lá embaixo.
Não existe esta rua - é um beco surrealista
que fugiu de algum quadro louco que não vi.
Ouço meu coração ardente e solitário
com sua música estranha de piano bêbado.
No espelho, meu olhar: duas chamas de estrelas.
Não sei se é o vento, sei que há música na noite.
Há música no quarto, nas cortinas, música
nos meus cabelos despenteados, nos meus dedos,
no meu rosto, entra e sai pela janela.
Música indefinida a encher a solidão:
- estou no ventre da noite a mexer com os meus sonhos,
ouço o meu coração ardente e solitário.
COVARDIA
O que me falta é a coragem para fazer como Gauguin
e ir pintar as ilhas e as mulheres dos mares do Sul.
Não cair em Jack London
mas pintar pelo menos céus amarelos como os de Van Gogh
e beber absinto como Rimbaud.
O que me falta é a coragem para ir encontro que
marquei comigo mesmo
numa esquina do mundo
para encontrar o destino…
DESCULPA
Me desculpem, amigos, se não consigo sujar o sonho,
torná-lo indecifrável e apocalíptico,
se não consigo lambuzar o símbolo,
se não posso turvar a imaginação.
Me desculpem, amigos, meu jeito é este mesmo de ser poeta,
e a água da minha onda, por mais profundo que seja o mar,
é azul e transparente,
e os peixes tem suas formas, e as algas não tem suas formas,
e as estrelas do mar florescem cinco pontas,
como as palavras que luzem.
Me desculpem, amigos, se venho assim transparente como o fundo de aquário
num parque para crianças e curiosos,
e se vos ofereço estes velhos símbolos de uma velha e primitiva poesia
que chegou com os peixes à terra, talvez antes da presença do homem.
DESEJOS... NA MANHÃ DE SOL
Na manhã de sol
bela e serena,
depois de um dia de chuva
depois que à noite ventou,
- tive desejos de apanhar aquela mulher morena
que passou . . .
Devia ter na boca rubra
um gosto de uva
um gosto bom de vinho,
e quando ela me olhou,
- pensei na fruta madura que o vento da noite derrubou
à margem do caminho...
Ah! o garoto que fui! Ah! o garoto que sou!
Na inquietação da minha vida,
nas voltas do meu caminho,
sempre a vontade incontida
de desejar as frutas do quintal vizinho!
Na manhã de sol
bela e serena,
- depois de um dia de chuva,
- ah! o garoto que sou!
tive desejos de apanhar aquela mulher morena
que passou!
DESOLAÇÃO
Na profunda tristeza deste instante,
em que o irremediável
abalou a minha sorte,
na certeza de que te ausentaste definitivamente,
- eu pensei pela primeira vez na morte ...
Tudo desapareceu aos meus olhos atônitos
e eu me senti sozinho...
- já não há finalidade na minha criação
nem desejo na minha vida...
Só não abro em meu peito o coração, e o ponho na lapela
como rubra papoula em flor,
- porque sei que ainda te encontras dentro dele,
e nem mesmo a tua lembrança eu ousaria ferir
oh! meu amor!
Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 2. SP: Ed. Theor, 1965.
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