domingo, 28 de julho de 2019

Carolina Ramos (Expectativa)


Ficção e otimismo

A tarde caía, intrigantemente enigmática, a encher de desconfiança o pequenino ET, que tudo observava, dentro da invisibilidade, que o protegia de abordagem importuna. Nuvens cor de chumbo encobriam totalmente o espaço celeste, ciosas de esconder, quem sabe, alguma coisa grave.

O pequenino ET escolhera o Brasil para sua primeira incursão pelo planeta azul. Encantamento com as belezas naturais e afinidades com a jovialidade do povo. Temia, agora, que o instante não tivesse sido o mais indicado.

Havia inquietação nos olhos, nos rostos e nas mãos das pessoas que o rodeavam, sem o pressentir.

Algo de muito sutil ligava as atitudes, uniformizando-as, deixando evidente a pressa com que todos se empenhavam em dar fim às tarefas, quanto o mais rápido possível!

A ansiedade era o elemento comum que amalgamava as almas.

Aura estranha e indefinida, insinuava que a nação estava a pique de ser paralisada. Aquela cidade desativada era o exemplo palpável do que acontecia em todo o território nacional. E o que lhe permitiam captar suas aptidões extra sensoriais.

As ruas desertas lembravam veios, exauridos e relegados, de uma cidade morta. Os raríssimos carros, que por elas se aventuravam, passavam rápidos, temerosos de perturbar o marasmo impregnado na atmosfera.

Silêncio, profundo e quase absoluto! O próprio mar recolhia os ímpetos, desenrolando o novelo das ondas com gestos demasiados brandos, bem diversos do costumeiro arrebatamento.

Nos lares, portas fechadas. Famílias agrupadas numa ânsia insólita de companheirismo, que apenas a consciência de um cataclisma iminente costumava favorecer.

Olhos grudados ao televisor, ávidos, magnetizados, bebiam notícias, com sede insaciável.

Sintomas, alarmantes! — Greve geral à vista? Convulsão social? Ameaça de um vírus desconhecido, incontrolável? Talvez! Ou, quem sabe, pairaria sobre as cabeças a suspeita de imediata invasão extra-terrestre?! E, então, tímido e atormentado pelas dúvidas, o ET chegava a sentir-se culpado, temeroso de que sua presença, de algum modo captada, tivesse desencadeado a tensão. Ressabiado, esverdeou, de susto, quase tornando-se visível aos olhos terráqueos!

A resposta, contudo, não se fez esperar. Como rolha de champanhe; livre de amarras, saltou com estrépito, assim que, de repente, o Brasil inteiro ergueu o pé e chutou aquela bola!

Tenso e sofrido, o país abriu as comportas do peito explodindo de alegria! O grito, há muito contido, ecoou de norte a sul, uníssono, como partido de uma só garganta: — GOOOL!

O ETzinho, perplexo, continuou a não entender nada!

Mas... PAPAMOS A TAÇA!!!

Só mais tarde, o extraterrestre compreendeu que os terráqueos tinham por principal alimento uma coisa, às vezes doce, às vezes amarga, que custava pouco e se chamava — Sonho!

Fonte:
Carolina Ramos. Interlúdio: contos. São Paulo: EditorAção, 1993.

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