quarta-feira, 24 de julho de 2019

Renato Benvindo Frata (A Lei? Ora, a Lei!)


O burburinho de gente que sai e entra com pressa é porque o progresso inspira riqueza e ela dá o alento ao homem. Mesmo que esse homem aos poucos se animalize sem que perceba com a brutalidade que impera e dá o tom à vida.

O movimento contínuo de carroças, jipes, caminhões, alguns tratores e a maioria do povo volvendo pra lá e pra cá o areão das ruas, com pés descalços ou com alpercatas, outros com botas de cano alto, era o que se via do raiar ao pôr do sol, no início de Paranavaí.

Nos dias quentes e secos, a poeira permanecia suspensa qual nuvem marrom. Nos dias chuvosos, a lama que logo se transformava numa nata boiando sobre o solo, sendo espirrada quando rodas apressadas as expeliam para as beiradas, e com isso encardiam o encardido, lembrando que não haviam ainda sido construídas as calçadas.

No burburinho, o entrevero de vozes, o roncar de motores, o fumaçar do carvão dos carros a gasogênio, a necessidade de ganhar, de cumprir o objetivo para o qual a grande maioria das pessoas se dispôs ao mudar para cá. E desenvolvê-la.

Depois, o recolhimento para alguns junto a bacias ou a chuveiros tipo Tiradentes, para se lavar e refrescar; enquanto para outros o dia, mesmo sendo noite ganhava serão, especialmente nos botecos e armazéns em que a homarada se reunia para "lavar a garganta, contar e ouvir vantagem".

Uma ou outra moça ou mulher arriscava-se em direção à igreja ou à casa de parentes.

Habilitar-se sair de casa depois do sol posto representava perigo com a escuridão que reinava. O bom conselho era o de que todos permanecessem sob o abrigo das telhas, especialmente às sextas-feiras, quando geralmente os "jagunços" voltavam de seus acampamentos no mato e mergulhavam nos prazeres da carne, da bebida e da gastança. E pelo sim, pelo não, melhor não se expor, porque a "lei se existe, está no papel e a maioria não sabe ler..."

No seu relato. Frei Ulrico cita nomes de alguns desses, contratados "para este trabalho de justiça" E faz questão de relatar sobre João Pires que carregava nas costas muitas mortes. Num determinado dia, João teria encontrado seu justiceiro que lhe metera algumas balas pelo corpo. "Foi trazido em cima de um caminhão e apesar de estar gravemente ferido, conseguiu sobreviver por algum tempo", tendo o Frei sido chamado a lhe prestar os últimos sacramentos.

Depois de receber a extrema unção, João teria se levantado, chamado o médico e pedido para curá-lo o mais rápido possível, que o deixasse em condições de "vingar do seu inimigo e matá-lo a tiros". Mas, como perante a morte não há médico que dê jeito, desesperado caiu de volta, num último suspiro.

Outros "quebradores de milho" (apelido dado a jagunço) têm seus nomes relacionados, nenhum, porém, que necessite ser lembrado, especialmente porque com o passar do tempo o Estado foi se fazendo presente, intervindo com e intensidade do acordo com a situação, especialmente nos conflitos de terra, conseguindo aos poucos "espantar para o Mato Grosso os que reinavam sem se ater às leis.”

Fonte:
Livro enviado pelo autor.
Renato Benvindo Prata. Ipê amarelo: contos. Paranavaí/PR: Ed. Graf. Paranavaí, 2014.

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