domingo, 28 de julho de 2019

Antonio Carlos de Barros (João Saudade)


Nota: as palavras em itálico, o significado está no glossário ao final do texto.
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Quando aquele homem rural, campeiro, acostumado com a lida do campo, migra da sua querência para a Cidade Grande, leva em sua canastra de sonhos, o desejo de uma melhor qualidade de vida, de ter acesso a um trabalho não tão bruto como àquele lá de fora, de ter acessos aos diversos canais de Televisão e Rádios, ao lazer, um mercado próximo, cinema, enfim, uma infraestrutura básica, como escolas, hospitais, igrejas, transportes, etc.

Nesse contexto abordo hoje, mais precisamente o Gaúcho, JOÃO SAUDADE, habitante da Fronteira do Rio Grande do Sul, dedicado à vida pastoril e perfeito conhecedor das lides campeiras, ginete e domador por profissão, homem que monta bem, com firmeza e com garbo. Sempre muito bem pilchado como manda as tradições Gaúchas, frequentava os CTG’s (Centro de Tradições Gaúchas) até bailava nas domingueiras, apostava uns trocos nas carreiras, e muitas vezes, gavionando umas prendas bonitas.

Ouvindo mais seu coração que a razão, se foi de mala e cuia para uma cidade grande. O impacto foi grande, assistia estupefato, uma correria de pessoas que ao seu modo de entender, não sabiam para onde iam. Era uma selva de pedras, onde ninguém se conhecia, não havia mais aqueles cumprimentos festivos, o estender as mãos, tudo muito frio e esquisito. Tudo muito diferente da já saudosa Fronteira. Com o passar dos dias, a guaiaca ficou vazia, a pensão não lhe deu prazo no pagamento das diárias, e como consequência esses problemas sociais acentuaram, pois a falta de uma qualificação profissional e educacional, dificilmente conseguiria uma vaga no mercado de trabalho, o que sobrou foi um subemprego, que o avacalhava, se sentia desmoralizado, atorado, triste feito uma tapera velha, abandonado,catando papel e papelão nas ruas e morando em um barraco de uma favela próximo a uma rodovia. A sua vontade era atirar-se por um canhadão abaixo. Acabou-se o garbo e o entono.

Os músicos, cantores e compositores Pedro Neves e Vaine Darde, com muita inspiração, fizeram com grande sucesso, a Música: JOÃO SAUDADE, onde retratam com maestria a história de muitos Joãos, migrantes dos seus meios rurais para as grandes cidades. Vejam o que diz a letra:

No estilo da estampa
Um resto de pampa
Farrapo dos trapos,
Bombacha já rota
Melena revolta
E um jeito de guapo.
Chapéu deformado
Um lenço rasgado
Ainda bandeira,
Guaiaca roída
Rimando com a vida
Do João da Fronteira.

Porque, oh João
Deixaste o galpão
E a lida campeira,
Pra ser na cidade
Mais um João-Saudade
Sem eira, nem beira?

O João da favela
Que a vida atrela
A um carro de mão,
É João-lá-de-fora
Repontando agora
Papel, papelão.

E assim, quem diria,
Que a sorte um dia
Lhe desse este pealo,
O João já nem sente
Que ontem ginete
É hoje o cavalo.

Porque, oh João
Deixaste o galpão
E a lida campeira,
Pra ser na cidade
Mais um João-Saudade
Sem eira, nem beira?
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GLOSSÁRIO:
Atorado - despedaçado.
Bombacha - é uma peça de roupa, calças típicas abotoadas no tornozelo, usada pelos gaúchos. O nome foi adotado do termo espanhol "bombacho", que significa "calças largas". Pode ser feita de brim, linho, tergal, algodão ou tecidos mesclados; de padrão liso, listrado ou xadrez discreto.
Canastra - mala de couro grande para viagens.
Canhadão – Vale, baixadas grandes, extensas, entre coxilhas e serras.
Carreiras – Corridas de cavalos.
Coxilhas – Grandes extensões onduladas de campinas cobertas de pastagens.
Entono - orgulho.
Gavionando – Procurando.
Ginete – bom cavaleiro, domador.
Guaiaca – Cinto largo de couro, que serve para porte de arma e para guardar dinheiro.
Guapo – Forte, vigoroso, valente, bravo.
Melena – Cabelo comprido.
Pealo – Ato de arremessar o laço e por meio dele prender as patas do animal e derrubá-lo.
Pilchado – Trajado com vestimenta típica de Gaúcho.
Prendas - mulheres.
Querência – lugar onde nasceu, se criou, ou se acostumou a viver.
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Nota do blog a título de Curiosidade:
Sem eira nem beira - Significa pessoas sem bens, sem posses. Eira é um terreno de terra batida ou cimento onde grãos ficam ao ar livre para secar. Beira é a beirada da eira.
Quando uma eira não tem beira, o vento leva os grãos e o proprietário fica sem nada. Na região nordeste este ditado tem o mesmo significado mas outra explicação. Dizem que antigamente as casas das pessoas ricas tinham um telhado triplo: a eira, a beira e a tribeira como era chamada a parte mais alta do telhado.
As pessoas mais pobres não tinham condições de fazer este telhado, então construíam somente a tribeira ficando assim "sem eira nem beira".(Soportugues)

Fonte:
Colaboração do autor

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