AFONSO CELSO
(1860-1938)
ANJO ENFERMO
Geme no berço, enferma, a criancinha,
Que não fala, não anda e já padece...
Penas assim cruéis porque as merece
Quem mal entrando na existência vinha?
Ó melindroso ser, ó filha minha,
Se os céus me ouvissem a paterna prece,
E a mim o teu sofrer passar pudesse,
Gozo me fora a dor que te espezinha...
Como te aperta a angústia o frágil peito!
E Deus, que tudo vê, não te extermina,
Deus que é bom, Deus que é pai, Deus que é perfeito.
Sim... é pai, mas, a crença no-lo ensina:
- Se viu morrer Jesus, quando homem feito,
Nunca teve uma filha pequenina!
AUGUSTO DE LIMA
(1860-1934)
NOSTALGIA PANTEÍSTA
Um dia, interrogando o níveo seio
de uma concha voltada contra o ouvido,
um longínquo rumor, como um gemido,
ouvi plangente e de saudades cheio.
Esse rumor tristíssimo, escutei-o:
é a música das ondas, é o bramido
que ela guarda por tempo indefinido,
das solidões marinhas donde veio.
Homem, concha exilada, igual lamento
em ti mesmo ouvirás, se ouvido atento
aos recessos do espírito volveres.
É de saudade, esse lamento humano,
de uma vida anterior, pátrio oceano
da unidade concêntrica dos seres.
CRUZ E SOUSA
(1861-1898)
CAMINHO DA GLÓRIA
Este caminho é cor de rosa e é de ouro.
Estranhos roseirais nele florescem,
Folhas augustas, nobres reverdecem
De acanto, mirto e sempiterno louro.
Neste caminho encontra-se o tesouro
Pelo qual tantas almas estremecem;
É por aqui que tantas almas descem
Ao divino e fremente sorvedouro.
É por aqui que passam meditando,
Que cruzam, descem, trêmulos, sonhando,
Neste celeste, límpido caminho,
Os seres virginais que vêm da Terra,
Ensanguentados da tremenda guerra,
Embebedados do sinistro vinho.
EMÍLIO DE MENESES
(1867-1918)
TRAPO
Esta que outrora o linho da cambraia
Na pompa da ostentosa lençaria,
- Folhos* e rendas que à secreta alfaia
Ornavam com capricho e bizarria -
Era camisa - e que hoje a nostalgia
Sofre do tempo em que entre a pele e a saia
O perfumado corpo lhe cingia, -
Era ao possuí-la, a última atalaia.
Trapo que encerras o ebriante aroma
Do seu colo moreno, poma a poma**,
Ora em tiras te vejo desprezado.
E mais te quero, e mais te achego ao peito
Trapo divino! símbolo perfeito
De um coração por Ela espedaçado.
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* folhos = babados franzidos ou pregueados
** poma = seio de mulher
GUIMARÃES PASSOS
(1867-1909)
GUARDA E PASSA
"...Non me destar, deh! parla basso." (Michel Angelo)
Figuremos: tu vais (é curta a viagem),
Tu vais e, de repente, na tortuosa
Estrada vês, sob árvore frondosa,
Alguém dormindo à beira da passagem.
Alguém, cuja fadiga angustiosa
Cedeu ao sono, em meio da romagem,
E exausto dorme... Tinhas tu coragem
De acordá-lo? responde-me, formosa.
Quem dorme esquece... Pode ser medonho
O pesadelo que entre o horror nos fecha;
Mas sofre menos o que sofre em sonho.
Ó, tu, que turvas o palor da neve,
Tu, que as estrelas escureces, deixa
Meu coração dormir... Pisa de leve.
JOÃO RIBEIRO
(1860-1934)
MONGE
É forçoso que por um louco tomem
Quem de perfeito juízo se mostrava?
Louco, dizeis vós! mas onde estava
A apregoada loucura daquele homem?
Quem pode ver as dores que se somem
Dentro no peito e ver a ignota lava?
Loucos sois vós que as pústulas consomem,
E tendes a alma das paixões escrava.
Louco o dizeis, porque deixara o mundo
Pelo abismo do claustro hórrido* e fundo!
Insensatos, sabei! para a alegria,
É talvez pouca luz a luz do dia,
Mas a quem fere do infortúnio o açoite
Essa noite do claustro é pouca noite.
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GUIMARÃES PASSOS
(1867-1909)
GUARDA E PASSA
"...Non me destar, deh! parla basso." (Michel Angelo)
Figuremos: tu vais (é curta a viagem),
Tu vais e, de repente, na tortuosa
Estrada vês, sob árvore frondosa,
Alguém dormindo à beira da passagem.
Alguém, cuja fadiga angustiosa
Cedeu ao sono, em meio da romagem,
E exausto dorme... Tinhas tu coragem
De acordá-lo? responde-me, formosa.
Quem dorme esquece... Pode ser medonho
O pesadelo que entre o horror nos fecha;
Mas sofre menos o que sofre em sonho.
Ó, tu, que turvas o palor da neve,
Tu, que as estrelas escureces, deixa
Meu coração dormir... Pisa de leve.
JOÃO RIBEIRO
(1860-1934)
MONGE
É forçoso que por um louco tomem
Quem de perfeito juízo se mostrava?
Louco, dizeis vós! mas onde estava
A apregoada loucura daquele homem?
Quem pode ver as dores que se somem
Dentro no peito e ver a ignota lava?
Loucos sois vós que as pústulas consomem,
E tendes a alma das paixões escrava.
Louco o dizeis, porque deixara o mundo
Pelo abismo do claustro hórrido* e fundo!
Insensatos, sabei! para a alegria,
É talvez pouca luz a luz do dia,
Mas a quem fere do infortúnio o açoite
Essa noite do claustro é pouca noite.
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* Hórrido - horrendo, pavoroso
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OLAVO BILAC
(1865-1918)
INANIA VERBA
Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
- Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...
O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:
A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...
E a Palavra pesada abafa a Ideia leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e voava.
Quem o molde achará para a expressão de tudo?
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas
Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta?
E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?!
VICENTE DE CARVALHO
(1866-1924)
ESPERANÇA
Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
(1865-1918)
INANIA VERBA
Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
- Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...
O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:
A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...
E a Palavra pesada abafa a Ideia leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e voava.
Quem o molde achará para a expressão de tudo?
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas
Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta?
E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?!
VICENTE DE CARVALHO
(1866-1924)
ESPERANÇA
Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
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