GREGÓRIO DE MATOS GUERRA
(1633-1696)
CIDADE DA BAHIA
A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um bem frequente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,
Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.
ALEXANDRE DE GUSMÃO
(1695-1753)
A JÚPITER, SUPREMO DEUS DO OLIMPO
Númen que tens do mundo o regimento,
Se amas o bem, se odeias a maldade,
Como deixas com prêmio a iniquidade,
E assoçobrando ao são entendimento?
Como hei de crer que um imortal tormento
Castigue a uma mortal leviandade?
Que seja ciência, amor ou piedade
Expor-me ao mal sem meu consentimento?
Guerras cruéis, fanáticos tiranos,
Raios, tremores e as moléstias tristes
Enchem o curso dos pesados anos;
Se és Deus, se isto prevês e assim persistes,
Ou não fazes apreço dos humanos,
Ou qual dizem não és; ou não existes.
ALVARENGA PEIXOTO
(1744-1793)
ESTELA E NIZE
Eu vi a linda Estela, e namorado
Fiz logo eterno voto de querê-la;
Mas vi depois a Nize, e é tão bela,
Que merece igualmente o meu cuidado.
A qual escolherei, se neste estado
Não posso distinguir Nize de Estela?
Se Nize vir aqui, morro por ela;
Se Estela agora vir, fico abrasado.
Mas, ah! que aquela me despreza amante,
Pois sabe que estou preso em outros braços,
E esta não me quer por inconstante.
Vem, Cupido, soltar-me destes laços,
Ou faz de dois semblantes um semblante,
Ou divide o meu peito em dois pedaços!
JOSÉ MARIA DO AMARAL
(1813-1885)
DESENGANO
Uma por uma, da existência as flores,
Se a existência que temos é florida,
Uma por uma, no correr da vida,
Fanadas vi sem viço e vi sem cores.
Sonhos mundanos, sois enganadores,
Alma que vos sonhou, geme iludida;
Existência, de flores tão despida,
Que te fica senão tristeza e dores?
Do mundo as ilusões perdi funestas,
Ao noitejar da idade, em amargura,
Esperança cristã, só tu me restas!
Fujo contigo desta vida impura,
Nas crenças que tão mística me emprestas,
Transponho antes da morte a sepultura.
FRANCISCO OTAVIANO
(1825-1889)
MORRER... DORMIR...
Morrer... dormir... não mais! Termina a vida
e com ela terminam nossas dores:
Um punhado de terra, algumas flores,
E às vezes uma lágrima fingida!
Sim! minha morte não será sentida;
Não deixo amigos, e nem tive amores!
Ou, se os tive, mostraram-se traidores,
Algozes vis de uma alma consumida.
Tudo é podre no mundo. Que me importa
Que ele amanhã se esb'roe e que desabe
Se a natureza para mim é morta!
É tempo já que o meu exílio acabe...
Vem, pois, ó morte, ao Nada me transporta!
Morrer... dormir... talvez sonhar... quem sabe?
D. PEDRO DE ALCÂNTARA
(1825-1891)
ASPIRAÇÃO
Deus, que os orbes regulas esplendentes,
Em número e medida ponderados,
Neles abrigo dás aos desterrados,
Que se vão suspirosos e plangentes.
Assim, dos céus às vastidões silentes
Ergo os meus pobres olhos fatigados,
Indagando em que mundos apartados
Lenitivo à saudade nos consentes.
Breve, Senhor, do cárcere de argila
Hei de evolar-me, murmurando ansioso
Tímida prece: digna-te de ouvi-la!
Põe-me ao pé do Cruzeiro majestoso,
Que no antártico céu vivo cintila,
Fitando sempre o meu Brasil saudoso!
JOSÉ BONIFÁCIO, O MOÇO
(1827-1886)
O RETRATO
Incline o rosto um pouco... assim... ainda;
arqueie o braço, a mão sobre a cintura;
deixe fugir-lhe um riso à boca pura
e a covinha animar da face linda.
Erga a ponta do pé... que graça infinda!
Quero nos olhos ver-lhe a formusura,
feitiço azul de orvalho que fulgura,
froco de luz suave, que não finda!
Há pouca luz... eu vejo-a... está sentada.
Passou-lhe a sombra de um cuidado agora,
na ruguinha da fronte jambeada.
Enfadou-se? Meu Deus, ei-la que chora!
Pois caiu-me o pincel. Que mão ousada!
Pintar de noite o levantar da aurora!
LUÍS DELFINO
(1834-1910)
CAPRICHO DE SARDANAPALO
"Não dormi toda a noite! A vida exalo
Numa agonia indômita e cruel!
Ergue-te, ó Radamés, ó meu vassalo!
Faço-te agora amigo meu fiel...
Deixa o leito de sândalo... A cavalo!
Falta-me alguém no meu real dossel...
Ouves, escravo, o rei Sardanapalo?
Engole o espaço! É raio o meu corcel!
Não quero que igual noite hoje em mim caia...
Vai, Radamés, remonta-te ao Himalaia,
Ao sol, à lua... voa, Radamés,
Que, enquanto a branca Assíria aos meus pés acho,
Quero dormir também, feliz, debaixo
Das duas curvas dos seus brancos pés!..."
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