sábado, 13 de julho de 2019

Caldeirão Poético XXVII



LUÍS GUIMARÃES 
(1845-1898)

NOITE TROPICAL

Desceu a calma noite irradiante
Sobre a floresta e os vales semeados:
Já ninguém ouve os cantos prolongados
Do negro escravo, estúpido e arquejante.

Dorme a fazenda: - apenas hesitante
A voz do cão, em uivos assustados,
Corta o silêncio, e vai nos descampados
Perder-se como um grito agonizante.

Rompe o luar, ensanguentado e informe,
Brotam fantasmas da savana nua...
E, de repente, um berro desconforme

Parte da mata em que o luar flutua,
E a onça, abrindo a rubra fauce enorme,
Geme na sombra, contemplando a lua.

CARLOS DE LAET 
(1847-1927)

TRISTE FILOSOFIA

Ia Rosa vestir-se, e do vestido
Uma voz se desprende e assim murmura:
"Muitas morremos de uma morte escura,
Porque te envolva sérico tecido".

Ia toucar-se, e escuta-se um gemido
Do marfim que as madeixas lhe segura:
"Por dar-te o afeite desta minha alvura,
Jaz na selva meu corpo sucumbido!"

Põe um colar, e a pérola mais fina:
"Para pescar-me, quantos párias, quantos!
Padeceram no mar lúgubres sortes!"

E Rosa chora: "Oh! desditosa sina!
Todo sorriso é feito de mil prantos,
Toda vida se tece de mil mortes!"

NARCISA AMÁLIA 
(1852-1924)

RECORDAÇÃO FATAL

Distende essa mimosa envergadura,
Verso! Leve, transpondo os altos montes,
Sobe! Assombra-te, acaso, a terra impura?
Mergulha, inteiro, nas celestes fontes!

Anima-te! Esvoaça! Olvida a escura
Geena! Choradas lágrimas não contes...
- Porque prantos cantar, se é em festa a altura?
Se há, bengali, rosais nos horizontes?

Mas - ai! triste galé! quer o poema
De amor dos sóis surpreendas, quer a casta
Rola por tua voz soluce e gema,

Será contigo a lúgubre, a nefasta
Recordação, que arrasto, como a ema
A asa partida pelo campo arrasta!

TEÓFILO DIAS 
(1854-1889)

SAUDADE

A saudade da amada criatura
Nutre-nos n'alma dolorido gozo,
Uma inefável, íntima tortura,
Um sentimento acerbo e volutuoso.

Aquele amor cruel e carinhoso
Na memória indelével nos perdura,
Como acre aroma absorto na textura
De um cofre oriental, fino e poroso.

Entranha-se, invetera-se, - de jeito
Que do tempo ao volver, lento e nocivo,
Resiste: - e ainda mil pedaços feito

O lígneo cárcere que o retém cativo,
Cada parcela reproduz perfeito
O mesmo aroma, inalterável, vivo.

ARTHUR DE AZEVEDO 
(1855-1908)

AS ESTÁTUAS

No dia em que na terra te sumiram,
Eu fui ver-te defunta sobre a essa...
Fechados para sempre, oh! sorte avessa!
Aqueles olhos que me seduziram.

À luz do sol uma janela abriram,
E o jardim avistei onde, ó condessa,
Uma noite perdemos a cabeça,
E as estátuas de mármore sorriram.

Saíste por aquela mesma porta 
Onde outrora teus beijos me esperavam, 
Cheios do amor que ainda me conforta.

Quando o jardim saudoso atravessavam
Seis homens com o esquife em que ias morta,
As estátuas de mármore choravam.

B. LOPES 
(1856-1916)

APOTEOSE

Não sei por que surpresas do meu fado,
Se por ventura ou por desgraça minha,
Sigo os volteios do teu giro alado,
Teus aéreos caprichos de andorinha.

Nas tuas ígneas asas arrastado,
Do erro buscando a sedutora linha,
Perdi cultos e crenças do Passado:
És do meu coração dona e rainha.

Prende-o no áureo grilhão do teu encanto,
De teus braços febris na algema flórea,
Ou nas cadeias súplices do pranto;

Águia, eleva-te, e aos hinos das fanfarras,
Como um troféu sangrento da vitória,
Leva o meu coração nas tuas garras!

MÚCIO TEIXEIRA 
(1858-1926)

O INFINITO

Onde o corpo não vai - projeta-se o olhar;
Onde para o olhar - prossegue o pensamento;
Assim, nesse constante, eterno caminhar,
Ascendemos do pó, momento por momento.

Muito além da atmosfera e além do firmamento,
Onde os astros, os sóis, não cessam de girar,
Há de certo mais vida e muito mais alento
Do que nesta prisão mefítica, sem ar...

Pois bem! se não me é dado, em vigoroso adejo,
Subir, subir... subir - aos mundos, que não vejo,
Porém que um não sei quê me diz que inda hei de ver,

- Quero despedaçar os elos da matéria:
Perder-me pelo azul da vastidão etérea
E ser o que só é - quem já deixou de ser!

ALBERTO DE OLIVEIRA 
(1859-1937)

SOLIDÃO

Vês? estou só! E a vida aqui chega a seu termo.
Já com o sol que se põe se alonga no caminho
A sombra do viajor que fui, por tanto espinho,
E maior, com o ermo da alma, é destas coisas o ermo.

Para-me o coração e o punge a mágoa, a encher-mo,
De haver amado em vão e de viver sozinho.
Nem um sorriso! um beijo! um olhar! um carinho!
Só! e a esvair-se em sangue e a exulcerar-se enfermo!

Só! E em breve caindo, ao despertar em breve,
Verei, a acompanhar-me, a tua sombra leve,
Uniremos, enfim, as almas imortais?

Oh! que horror, se, ao chegar ao torvo Ignoto um dia,
Outra és tu, se te abraço - e te acho esquiva e fria,
Se te falo e segredo - e não me entendes mais!

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