Marcadores
- Dicas de escrita (29)
- Guirlanda de Versos (12)
- Panaceia de Textos (6015)
- Sopa de Letras (1555)
- Versejando (121)
Marcadores
- Vereda da Poesia (239)
- Canções Antigas (175)
- Meus manuscritos (137)
- meus versos (24)
Marcadores
- Contos e Lendas do Mundo (862)
- Estante de Livros (800)
- Universos Di Versos (3826)
- mensagem na garrafa (138)
segunda-feira, 31 de março de 2025
Renato Frata (Decisão)
Escrevi no quadro negro da tristeza que, a partir daquele instante eu seria outro: sorriria com os olhos apenas, se os lábios, emperrados na amargura, não ajudassem.
Quando a testa franze e a boca se fecha, sorrir com olhos é uma saída.
Ao fazê-lo, estarei como a mulher - qualquer mulher - que é fraca e forte e que sorri enquanto sua "alma se estorce amargurada," (Florbela Espanca) e segue altiva sobre os saltos a se dizer bela, a se mostrar e a se sentir como tal. A força que lhe dá a performance brota onde nascem os sentimentos, e se gadanha no espaço que sua coragem constrói.
Deve ela ser copiada, absorvida e usada, já que para lhe descobrir os sentimentos basta que olhemos em seus olhos. Se estiverem brilhantes como sol a iluminar densamente os pensamentos estará feliz, se não, como não existe meia–felicidade, sorrirá com eles marejados em opacidade.
Pois escrevi dessa maneira com o giz da consciência fincando uma a uma as letras na lousa e vi, depois, que deixei ali na decisão, uma confissão desenhada pela dor de um sofrimento que sempre senti, nunca o havia assumido.
Não sabia que a coragem da confissão eleva o valor do testemunho e que as palavras grafadas, geralmente, seriam um alerta só meu, feito para meu eu de olhadelas de queijo embolorado que servirão para quando, nesse quadro voltar a pousar os olhos comprovando que a decisão de não sofrer foi um dia tomada.
E por que a tomei?
Pela tristeza, por causa dela que compõe rostos tristes, macera-os, carcome-os com as carquilhas que riscam semblantes em acinzentado.
Não, não mais lamentarei o passado que é irmão da tristeza. Esse não mais me morderá por dentro, não deixará machucados ou cicatrizes, nem me arrancará tremores ou suores. Não deixarei que escarafunche o ontem ou que se alimente da própria comida. A partir dessa decisão o deixarei no pó da longa estrada a quem chamo esquecimento, para que fique largado num canto qualquer do coração. Será uma rastejante vaga que não fere a areia; antes, alisa-a para que a água da realidade passeie solta nos pensamentos a determinar o fim da tortura. E uso aqui, nesse fim de decisão, um ponto final do recomeço a determinar o espanto do lamento, o esquecimento de noites não dormidas que esgarçam quereres, impedem afazeres e infundem pesares...
Mas... sempre existirá um mas... conjunção ou restrição que vem contra o que se afirma. Tudo não passou de um conto de fadas - que trouxe a vontade do esquecimento nas mãos formatadas em pétalas, e que em gestos ondulantes se quebrou no crepúsculo da realidade.
Não se consegue espantar o lamento que o passado produz, nem transformar saudade em ténue lembrança: é como cinza que guarda a quentura, a ardência da brasa que o vento sopra ao desnudar o hoje, o que me leva a dizer que contra a tristeza, sim, se pode e se deve sorrir com os olhos, lábios e tez, dando á feição a melhor aparência.
Porém, é de se saber que seu efeito contra o ontem terá efemeridade de flor de mandacaru que se abre pomposa e maravilhada à lua, mas que desfalece rapidamente perante a inclemência do primeiro sol do amanhã.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
RENATO BENVINDO FRATA, trovador e escritor, nasceu em Bauru/SP, em 1946, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Além de atuar com contador até 1998, laborou como professor da rede pública na cadeira de História, de 1968 a 1970, atuou na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Paranavaí, (hoje Unespar), atualmente aposentado. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da paranaense Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs: Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.
Fontes:
Renato Benvindo Frata. Crepúsculos outonais: contos e crônicas. Editora EGPACK Embalagens, 2024. Enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
Vereda da Poesia = 238
CAROLINA RAMOS
Santos/SP
ROSA DE SANGUE
Dom sublime, a Poesia furta ao solo
as almas simples que Deus prestigia.
E transforma um pigmeu num louro Apolo,
glorificado à luz que não pedia!
Poesia é mãe que o filho abraça e ao colo
recolhe a dor que o peito lhe crucia.
Terno traço de união de polo a polo,
é sol na treva... é luar, em pleno dia!
Poesia é amar a própria angústia! É erguer
a taça da amargura e, sem morrer,
sorve-la, gota a gota, em noite incalma!
É estigma? É carisma? Glória ou cruz?
Poesia é estranha rosa, que seduz:
- Rosa de Sangue... com perfume de Alma!
= = = = = = = = =
Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO
Lá no céu caiu um cravo
de tão grande desfolhou.
Quem não amou neste mundo
no outro não se salvou.
= = = = = = = = =
Soneto de
VINICIUS DE MORAES
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980
SONETO DA DESESPERANÇA
De não poder viver sua esperança
Transformou-a em estátua e deu-lhe um nicho
Secreto, onde ao sabor do seu capricho
Fugisse a vê-la como uma criança.
Tão cauteloso fez-se em seus cuidados
De não mostrá-la ao mundo, que a queria
Que por zelo demais, ficaram um dia
Irremediavelmente separados.
Mas eram tais os seus ciúmes dela
Tão grande a dor de não poder vivê-la,
Que em desespero, resolveu-se: - Mato-a!
E foi assim que triste como um bicho
Uma noite subiu até o nicho
E abriu o coração diante da estátua.
= = = = = = = = =
Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA
BÁRBARA
Erguendo o cálix que o Xerez perfuma.
Loura a trança alastrando-lhe os joelhos,
Dentes níveos em lábios tão vermelhos,
Como boiando em purpurina escuma;
Um dorso de Valquíria... alvo de bruma,
Pequenos pés sob infantis artelhos,
Olhos vivos, tão vivos, como espelhos,
Mas como eles também sem chama alguma;
Garganta de um palor alabastrino,
Que harmonias e músicas respira...
No lábio - um beijo... no beijar - um hino;
Harpa eólia a esperar que o vento a fira,
- Um pedaço de mármore divino...
- É o retrato de Bárbara - a Hetaira.
= = = = = = = = =
Soneto de
MARTINS FONTES
Santos/SP, 1884 – 1937
Desarmonia
Certas estrelas coloridas,
estrelas duplas são chamadas,
parecem estarem confundidas,
mas resplandecem afastadas.
Assim, na terra, as nossas vidas,
nas horas mais apaixonadas,
dão a ilusão de estar unidas,
e estão, de fato, separadas.
O amor e as forças planetárias,
trocando as luzes e os abraços,
tentam fundi-las e prendê-las.
E eternamente solitárias,
dentro do tempo e dos espaços,
vivem as almas e as estrelas.
= = = = = = = = =
Haicai do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN
Nas brisas serenas,
no sopro de um vento brando,
a voz das camenas*!
= = = = = = = = =
* Camenas = musas
= = = = = = = = =
Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal
NÃO DAREI UM SÓ PASSO ONDE ME PRENDA
(Fernandes Valente Sobrinho in "Poemas Escolhidos", p. 101)
Não darei um só passo onde me prenda
O espectro de um amor que já passou
E o resto de um sorriso que raiou
Que fazem com que agora eu me arrependa.
Mas este coração não tem emenda
E sonha com o que ainda não achou
E de todos os gostos que provou
Elege o teu beijar de que faz lenda.
Procuro outros caminhos onde passe
Sem ver em cada rosto a tua face
Trazendo o que a teu lado eu já vivi.
É falsa a tentativa dos meus passos
Que lembrando o calor dos teus abraços
Simplesmente me levam para ti.
= = = = = = = = =
Poema de
MACHADO DE ASSIS
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908
ALENCAR
Hão de os anos volver, — não como as neves
De alheios climas, de geladas cores;
Hão de os anos volver, mas como as flores,
Sobre o teu nome, vívidos e leves...
Tu, cearense musa, que os amores
Meigos e tristes, rústicos e breves,
Da indiana escreveste, — ora os escreves
No volume dos pátrios esplendores.
E ao tornar este sol, que te há levado,
Já não acha a tristeza. Extinto é o dia
Da nossa dor, do nosso amargo espanto.
Porque o tempo implacável e pausado,
Que o homem consumiu na terra fria,
Não consumiu o engenho, a flor, o encanto...
= = = = = =
Poemeto de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP
As folhagens agitadas
sentem o frescor
do crepúsculo
que vai de encontro
ao horizonte, enquanto
gaivotas repousam
no pôr do sol.
= = = = = = = = =
Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP
NÃO ME ESQUEÇO…
Não me esqueço dos versos comoventes
que escrevi com perene inspiração,
quando vivi nos chapadões florentes
da minha terra em meio do Sertão.
Depois, parti... Sofri dores pungentes
numa luta sem fim de solidão.
Desolado, vivi dias ingentes
e se caí, jamais fiquei no chão.
Vejo, porém, que os meus cabelos brancos
são apenas troféu para consolo
de quem viveu aos trancos e barrancos...
Desafiei a vida, estou cansado,
só resta agora um pensamento tolo;
sou poeta, sou livre e aposentado.
= = = = = = = = =
Poema de
CÉLIA EVARISTO
Lisboa/ Portugal
NO SILÊNCIO DE UM OLHAR
É na distância de um primeiro olhar
que se dá o primeiro beijo,
tímido,
desajeitado,
por vezes estranho
e outras delicado,
deixando um arrepio na pele,
sem que os lábios
se tenham verdadeiramente tocado.
Palavras ditas no silêncio,
gestos sentidos sem tocar,
um misto de sentimentos
sentidos num simples olhar.
Sem fronteiras,
outras barreiras,
sem obstáculos a transpor.
Apenas um coração aberto,
tão cheio de amor.
Por mais breve que seja um olhar
poderá prender,
cativar,
poderá ser,
estar,
querer,
sonhar.
Olha-me com atenção
e, no pleno silêncio das nossas vozes,
ouve o meu coração.
= = = = = = = = =
Poema de
SILMAR BOHRER
Caçador/SC
OH SORTE!
As rimas andam ausentes
nestas primícias de agosto,
estarão - será - descontentes
ou mesmo com algum desgosto ?
Não consigo os mais saborosos
dos meus versos companheiros,
por isso andam desgostosos
aqueles versinhos brejeiros.
Um versejador de pés-quebrados
não pode querer assim tantos
mais do que uns mal rimados,
Mas oh sorte, a Poesia tem benevolência
me borrifando com seus encantos
algum bálsamo pura essência.
= = = = = = = = =
Poeminha de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR
E agora, vovô?
– Agora,
nas mãos dos netos,
sou que nem ioiô.
= = = = = = = = =
Soneto de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/ RO
CORAÇÃO ERRANTE
Reinado de infinitas amarguras
És tu, meu coração débil, sofrido.
Demais amaste e, não correspondido
Como antes não sorris, não mais fulguras.
Lamentas tuas tristes desventuras
No lúgubre jardim já ressequido,
Em vão buscas o aroma outrora haurido,
Nas barras da saudade te enclausuras.
Fizeste das lembranças o universo
Repleto de plangência, enfim, perverso
Onde há daquela luz rasto pequeno.
Entendo que vagueies sem consolo,
Seria assaz injusto se por tolo
Tivesse quem está de amor tão pleno.
= = = = = = = = =
Poetrix de
GOULART GOMES
Salvador/BA
PESSOIX
um terço de mim delira
um terço de mim pondera
outro terço: ah! quem dera!
= = = = = = = = =
Poema de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/SP
RAÍZES
Sou parte do Grande Sertão de Guimarães Rosa.
A terra me medra,
as árvores me enraízam, os pássaros me gorjeiam.
Caminho pisando folhas que me desfolham.
Sou exercida por savanas e meu cheiro é agreste.
Por isso minha alma canta,
contaminada pela Natureza que me define.
= = = = = = = = =
Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ
QUEM ME ALIMENTA
Quando alguém se esvai de mim, há alguém que entra,
mas minha alma se transforma em gratidão.
Nunca esqueço quem deu, ao meu, coração,
a afeição por cada irmão que nele adentra.
Quem se alimenta do que eu amo, me alimenta,
não violenta meu amor com desesperos;
o que é sensível não carece dos esmeros
de quem se enfeita com a mais fútil vestimenta.
Coloquial, o meu amor sempre evita
erudições, porque a vil demagogia
é prima-irmã de qualquer vã diplomacia
que faz do amor, a indiferença que o habita
e o transforma num relógio emperrado
sobre o silêncio de um balcão... abandonado.
= = = = = = = = =
Poema de
J. G. DE ARAÚJO JORGE
Tarauacá/AC (1914 – 1987) Rio de Janeiro/RJ
A LUZ
Ela veio...( E a minha alma tinha a porta
aberta, e ela entrou...Casa vazia
e estranha, esta que em plena luz do dia
lembrava a tumba de uma noite morta...)
Que ela havia chegado, eu nem sabia...
Mas, pouco a pouco, e a data não importa,
minha alma, por encanto, se conforta,
e há risos pela casa...E há alegria...
Quem abrira as janelas? Quem levara
o fantasma da dor sempre ao meu lado?
Os antigos retratos, quem rasgara?
E acabei por fazer a descoberta:
- ela espantara as sombras do passado
e a luz entrara pela porta aberta!
= = = = = = = = =
Poema de
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP
A COR DOS OLHOS DELA
O matiz dos olhos dela é uma pintura,
Mais parece um manso lago transparente;
Onde o azul das águas traça a formosura,
Misturado ao verde do meio ambiente.
Em seus olhos, vejo um lago cristalino,
Sem perder o verde, réplica do céu...
Quando chove, lembra o choro repentino
Da saudade que ela tem de mim, ao léu.
Traz, a cor dos olhos dela, tal beleza,
Um requinte de magia sem igual;
Predomina o verde tom da Natureza,
Com o anil do céu a dar toque final.
Este lago azul, matiz verde ao redor,
Normalmente calmo, sofre oscilação.
Vem com seus revoltos que já sei de cor,
Presos aos ditames de seu coração.
Foi, a cor dos olhos dela, o atrativo
Que me pôs sob os grilhões de seu fascínio...
Que em meu peito fez lugar mais que exclusivo;
Coração meu, à mercê de seu domínio!
= = = = = = = = =
Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES
ALÉM MAR
Há mesmo quem diga que o mar tem mistérios
jamais desvendados por seus navegantes;
que a Terra, no centro dos seus hemisférios,
além de quaisquer profundezas distantes,
conserva um lugar, o maior dos impérios,
sob a proteção das carrancas gigantes,
que impedem de entrar os krakens deletérios,
e acolhe em seu seio os marujos errantes...
O certo é que as ondas que espraiam, pacatas,
irmãs das tormentas que afundam fragatas,
não trazem notícias do abismo profundo...
E enquanto as procelas sacodem navios
que ainda navegam nos mares bravios
os náufragos dormem no fundo do mundo.
= = = = = = = = =
Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964
DESAMPARO
Digo-te que podes ficar de olhos fechados sobre o meu peito,
porque uma ondulação maternal de onda eterna
te levará na exata direção do mundo humano.
Mas no equilíbrio do silêncio,
no tempo sem cor e sem número,
pergunta a mim mesmo o lábio do meu pensamento:
quem é que me leva a mim,
que peito nutre a duração desta presença,
que música embala a minha música que te embala,
a que oceano se prende e desprende
a onda da minha vida, em que estás como rosa ou barco...?
= = = = = = = = =
Olavo Bilac (O recruta)
Era um rapaz de vinte e dois anos, criado à solta, no campo. Desde pequenino, habituara-se à vida ao ar livre. Mal rompia a aurora, já ele andava, ao sol e à chuva, descalço, pulando e correndo, como cabrito montês. Aos oito anos, já montava em pelo os cavalos mais bravos. Com essa existência de exercícios fortes, fizera-se um colosso. Tinha a face corada, os cabelos negros e duros, uma musculatura possante, espáduas largas, pulso de abater um touro com um soco.
Não aprendera a ler. Fora criado para, de enxada em punho, lutar com a terra, para lidar com os bois, para arcar com os trabalhos fortes da lavoura. Nada tinha de seu.
O pai, ao morrer, deixara-lhe, como única herança, a saúde, a força e uma enxada. E era com isso que ele vivia, indo de roça em roça, à procura de emprego. E empregos nunca lhe faltavam, porque não havia, em toda aquela redondeza, quem com mais justiça ganhasse o pão de cada dia. Era sempre o primeiro a sair para o trabalho, e o último a recolher.
Nunca ninguém o vira triste. Com o grande chapéu desabado, atirado para a nuca, ou estivesse curvado sobre a terra cavando-a, ou pela estrada, ao sol ardente, viesse, de aguilhada em punho, guiando os bois morosos, — o Anselmo cantava sempre, com a sua larga voz alegre, que animava os companheiros, e tornava mais leve a canseira da tarefa. Os velhos, quando o viam passar, perguntavam sempre:
“Como vai essa mocidade, Anselmo?” E não havia quem não o amasse.
Também, não tinha dinheiro junto. O que ganhava gastava. Ninguém como ele sabia, nas noites de festa, tirar da viola as modinhas ternas. E era feliz, sem ambições, contentando-se com tão pouco.
Quando chegou ao sertão a notícia da guerra do Paraguai, o terror ganhou toda aquela gente simples, para quem o mundo se limitava àquelas léguas de terra, de cujos limites nunca havia saído. O recrutamento! — falava-se nisso, como na morte, com espanto e medo.
Dizia-se que ninguém seria recrutado. Mas a alma desconfiada do caipira bem adivinhava que essa declaração das autoridades era uma astúcia... Soube-se um dia que chegara ao lugar um destacamento de soldados, comandados por um cabo. Houve quem fugisse. Anselmo não fugiu. Mas quando se viu recrutado, um desespero terrível lhe encheu o coração.
Não era covarde! Muitas e muitas vezes ele, sozinho, lutara contra dois e três... nas brigas de arraial, nunca fugira das facas, que alumiavam na escuridão. Não sabia de perigo que o amedrontasse. E costumava dizer que só tinha medo de si mesmo, daquele gênio arrebatado, que não aturava afrontas. Não era covarde, não: o que o desesperava era o abandono forçado daquela existência, em que nascera e crescera, o apartamento daqueles lugares amados, daquele trabalho que era um hábito velho, daquela gente toda que era a sua família, a sua gente, o seu povo.
Para a sua alma inculta e primitiva de filho da roça, a Pátria não era o Brasil: era o pedaço de terra que ele regava com o suor de seu rosto. Fora daquilo não havia mais nada. Que tinha ele com o resto do mundo? Por que havia ele de vestir uma farda, e ir morrer abandonado e desconhecido, sem uma amizade, sem uma simpatia, numa terra estrangeira, por causa de gente que nunca vira, por causa de questões que não entendia e que não eram suas?
Nunca saíra do seu sertão. Aos vinte e dois anos, ainda não imaginava o que seria o mar. Se os paraguaios viessem até suas roças, então sim: ele e os outros saberiam repelir os invasores; seria o seu dever, a defesa do seu ganha-pão, do seu trabalho, dos seus hábitos. Mas, ir defender a Corte, ir defender o Sul, ir defender o Imperador!... que tinha ele com tudo isso?
Todas essas reflexões lhe passavam pela cabeça, à noite, recolhido, com uma dúzia de outros, à cadeia do lugar, como se fosse um criminoso... e já, antes de partir, tinha saudades daquele céu querido, daqueles matos tão conhecidos, daquela gente com quem se criara. E tinha medo, — tinha medo, ele tão valente! — de morrer crivado de balas paraguaias, longe dos seus... depois, ao seu caráter independente, à sua alma livre repugnava a escravidão da vida militar. Não ter vontade própria, ser governado com uma máquina, caminhar para a morte ao simples aceno de um chefe, sem ver a utilidade desse sacrifício, — tudo lhe parecia uma grande desgraça e uma terrível injustiça.
No dia seguinte os recrutas seguiram para o Rio de Janeiro. Havia pressa. A guerra ia acesa ao Sul, e o Brasil precisava das vidas de todos os seus filhos. Os companheiros de Anselmo iam, como ele, com a alma enlutada de tristeza. Também como ele, não compreendiam a violência do recrutamento, nem reconheciam à Pátria o direito de assim se apoderar da sua mocidade, para a atirar aos horrores do campo de batalha.
Triste viagem! Alguns, homens feitos, robustos e valentes, choravam como crianças. A gente do lugar assistiu à partida.
Havia mães que amaldiçoavam a guerra, gritando, torcendo os braços desesperadamente. Havia noivas que desmaiavam. Quantos daqueles voltariam?...
A chegada ao Rio de Janeiro foi uma tortura. Os recrutas estavam tontos, com aquele barulho, com aquele movimento. Como estava longe a tranquilidade da vida rústica! E que rigor, e que tormento no quartel! Na primeira noite, quando se viu, já fardado, estendido sobre a dura tábua da tarimba, Anselmo teve uma revolta.
Sentiu desejos de fugir dali, ainda que para isso fosse preciso matar alguém. Agitava-se, sacudia-se, mordia os pulsos, afogava na garganta os gritos de cólera e as imprecações. Por fim, essa crise terminou por um choro convulsivo. Dormiu, cansado: e ainda era noite escura, quando o acordou um toque de clarim. Era a hora do primeiro exercício.
Começou então a sua aprendizagem militar. O oficial inferior, que comandava as manobras, era brutal. A sua voz tinha asperezas que ofendiam como bofetadas. Quando um dos recrutas errava, dizia-lhe palavras duras, insultos pesados. Uma vez, como Anselmo não o ouvisse, porque estava pensando na sua roça tão calma e tão bonita a essa hora de sol ardente, o oficial deu-lhe no peito, com a folha da espada, uma pranchada forte. O rapaz sentiu o sangue subir à cabeça. Mas a infelicidade já o tornara submisso. Conteve-se, e obedeceu.
Já no terceiro dia, porém, sentiu-se mais resignado com a sua sorte. Familiarizara-se com os exercícios. Já se ia habitando ao rigor da disciplina. Já se interessava pelas manobras. Já prestava atenção às vozes de comando. Já ia compreendendo que, sem a brutalidade do comandante, nada se poderia conseguir de homens como ele, que nunca tinham visto aquilo, e cuja inteligência era refratária à compreensão daquelas palavras e daqueles movimentos calculados.
Depois, no quartel, começou a conviver com os soldados antigos. Tomou parte nas conversas, que se tratavam no “corpo da guarda”. E principiou a operar-se no seu espírito uma transformação radical. A convivência fazia-o sentir por aqueles homens um afeto de irmão. E tanto ouvia amaldiçoar os paraguaios, que principiou a amaldiçoá-los também, odiando-os de longe. Via agora bem o engano em que estava, quando acreditava que a Pátria era o seu sertão, e nada mais. Aqui, tão longe do sertão, vinha achar o mesmo céu, a mesma língua, quase os mesmos costumes. Em torno dele, só se falava na guerra. Lopes era odiado. Lopes aparecia aos seus olhos como um monstro, cuja única ocupação era matar e torturar os brasileiros. E um dia, Anselmo surpreendeu-se a dizer, com os olhos brilhantes de ódio: “Ah! Quando chegará o dia de irmos dar cabo daquele malvado!...”
O dia chegou. O seu batalhão ia partir. Dia de sol. Ninguém reconheceria naquele esbelto moço que ali ia, marchando com garbo entre os outros, o bisonho caipira, que tanta repugnância tinha outrora pelas coisas da guerra.
Anselmo marchava. E, ao compasso da marcha, ia cantando baixinho, entre dentes, uma daquelas mesmas alegres modinhas da roça, que a sua voz soltava na imensa extensão dos campos, quando, curvado sobre a terra, a cavava, ou quando, pela estrada ao sol ardente, vinha, com a aguilhada ao ombro, guiando os bois morosos.
As ruas estavam cheias de povo. Das janelas, senhoras acenavam com os lenços. Uma banda de música precedia o batalhão. Tocava uma marcha de guerra. Os instrumentos de metal giravam alto, entre as pancadas secas dos tambores. Que sol! Que entusiasmo! Anselmo tremia. Parecia-lhe que o inimigo estava ali perto, ao alcance da sua espingarda: parecia-lhe que ia encontrar, ao dobrar uma esquina, os exércitos paraguaios. E ambicionava cair imediatamente em pleno combate.
No cais, a multidão abria alas. E quando o batalhão estacou, quando se calou a música, o povo prorrompeu em vivas. À espera, perfilados, muitos oficiais, cujas fardas, cobertas de galões, brilhavam ao sol, examinavam a tropa disciplinada, bem disposta, garbosa no seu fardamento novo. De repente, a música tocou os primeiros compassos do hino nacional. Um vento brando, vindo do mar, agitou a bandeira brasileira, que estava no centro do pelotão. A bandeira desdobrou-se, palpitou no ar, espalmada, com um meneio triunfal. Parecia que o símbolo da Pátria abençoava os filhos que iam partir, para defendê-la.
E, então, ali, a ideia sagrada da Pátria se apresentou, nítida e bela, diante da alma de Anselmo. E ele, compreendendo enfim que a sua vida valia menos que a honra da sua nação, pediu a Deus, com os olhos cheios de lágrimas, que o fizesse um dia morrer gloriosamente, abraçado às dobras daquela formosa bandeira, toda verde e dourada, verde como os campos, dourada como as madrugadas da sua terra.
=====================================
Olavo Bilac, nasceu em 1865, no Rio de Janeiro/RJ. Cursou Medicina, abandonou o curso, tentou estudar Direito, também não concluiu, e passou a escrever para jornais cariocas. Em 1888, publicou seu primeiro livro - Poesias. No entanto, Bilac era firme em seus posicionamentos políticos e discordava do governo de Floriano Peixoto. Por fazer críticas a ele, foi preso em 1892 e também em 1894. O início do regime republicano, portanto, não foi muito agradável para o poeta. Em 1897, fundou, com outros intelectuais, a Academia Brasileira de Letras e ocupou a cadeira de número 15, cujo patrono é o escritor romântico Gonçalves Dias. No ano seguinte, passou a trabalhar como inspetor escolar. A partir daí, o escritor empreendeu uma campanha em prol do nacionalismo, e, inclusive, escreveu a letra do Hino à Bandeira, além de ter defendido o serviço militar obrigatório. Morreu em 1918, no Rio de Janeiro, deixando certo mistério sobre sua vida íntima. Nunca se casou. Um poeta parnasiano, crítico e nacionalista, mas, ao mesmo tempo, boêmio e libertário. Um homem rigoroso e prático, mas que tinha, possivelmente, uma alma romântica. Enfim, um indivíduo complexo, detentor de uma genialidade que o consagrou como Príncipe dos Poetas.
Fontes:
Olavo Bilac e Coelho Neto. Contos pátrios para crianças. Publicado originalmente em 1931. Disponível em Domínio Público.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
domingo, 30 de março de 2025
Arthur Thomas (Floriswalêne)
Florisvaldo encontrou Waldêlene em um forró na casa de amigos. E logo a conheceu, no sentido bíblico da palavra, resultando em uma “inesperada” gravidez.
Ainda como zigoto, nossa heroína iniciou as orações, pressentindo o perigo do nome que lhe seria dado.
Infrutíferas rezas, pois ao nascer, registraram-na com o singelo nome de Floriswalêne.
Começou, então, o suplício em sua vida.
Desde pequena, tentou que a chamassem de Flor, mas a maldade dos colegas de escola não deixava.
Parecia terem prazer em realçar cada sílaba de seu nome.
Em todas as chamadas para verificar a presença dos alunos, no início das aulas, era vítima da zombaria dos colegas.
Passou a adolescência pensando que deveria encontrar um par que tivesse um nome simples e que não quisesse colocar nome composto nos filhos.
Antes mesmo de se aproximar de um rapaz, procurava saber seu nome.
Rejeitou alguns pretendentes, que eram até bonitos e interessantes, mas que tinham nomes como: Devernilson, Everalderson, Marcelinelson, Wellerson, Genilteleson e tantos outros.
Ficava horrorizada somente com a ideia de ter um filho ou filha com nomes estapafúrdios.
Através de uma tia, conheceu um rapaz muito tímido, nem um pouco bonito, mas trabalhador, e o principal para ela, era conhecido pelo apelido Zé.
Encantou-se quando o rapaz a chamou de Flor, mesmo sabendo que o nome dela era Floriswalêne.
Pensando ter encontrado o par quase perfeito, namorou, noivou e marcou a data do almejado casamento.
No dia da união, no cartório, o noivo declarou seu nome como Josevertson de Souza, e como prova de amor, após assinar o livro, disse à ela e às testemunhas que os filhos seriam batizados com a junção dos nomes do casal, para eternizar o amor dos dois.
Floriswalêne teve que ser amparada pelos parentes e atendida na unidade de emergência do hospital mais próximo.
Josevertson nunca entendeu o motivo do pedido de anulação do casamento.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
ARTHUR THOMAZ é natural de Campinas/SP. Segundo Tenente da Reserva do Exército Brasileiro e médico anestesista, aposentado. Poeta e escritor, publicou os livros: "Rimando Ilusões", "Leves Contos ao Léu - Volume I, "Leves Contos ao Léu Mirabolantes - Volume II", "Leves Contos ao Léu - Imponderáveis", "Leves Aventuras ao Léu: O Mistério da Princesa dos Rios", "Leves Contos ao Léu - Insondáveis", "Rimando Sonhos" e "Leves Romances ao Léu: Pedro Centauro".
Fontes:
Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: insondáveis. 1. ed. Santos/SP: Bueno Editora, 2024. Enviado pelo autor
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
Vereda da Poesia = 237
CAROLINA RAMOS
Santos/SP
O SABER
O saber, que arrebata e que mantém ativo
o lampejo do gênio e a fluência da história,
abre portas e as fecha, em rigor decisivo,
soberano senhor das chaves da memória.
Esse mesmo saber pode tornar cativo
o incauto que se ilude às promessas de glória
e, a erguer-se em pedestal, não mais que tolo altivo,
permite que a soberba o enleie compulsória!
Ao ver tombar ao chão seus castelos e aprumos,
na busca ao próprio eu, o homem se desengana
a revelar-se anão de limitados rumos!
Sem saber de onde vem, sequer sabe quem é!...
- Toda arrogância vã, toda a vaidade humana,
desmoronam aos pés, humílimos, da Fé!
= = = = = = = = =
Poema de
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA
Há horas que o homem deve
estar só com seus consigos;
outras vezes quer chamego
quer ombros, braços, abrigos…
Deve, pois, ser uma ilha
cercada de… mil amigos!
= = = = = = = = =
Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO
Você ontem me falou
que não anda, não passeia,
como é que hoje cedinho
eu vi seu rasto na areia?
= = = = = = = = =
Soneto de
VINICIUS DE MORAES
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980
Soneto a Quatro Mãos
Tudo de amor que existe em mim foi dado
Tudo que fala em mim de amor foi dito
Do nada em mim o amor fez o infinito
Que por muito tornou-me escravizado.
Tão pródigo de amor fiquei coitado
Tão fácil para amar fiquei proscrito
Cada voto que fiz ergueu-se em grito
Contra o meu próprio dar demasiado.
Tenho dado de amor mais que coubesse
Nesse meu pobre coração humano
Desse eterno amor meu antes não desse.
Pois se por tanto dar me fiz engano
Melhor fora que desse e recebesse
Para viver da vida o amor sem dano.
= = = = = = = = =
Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA
Aqui, onde o talento verdadeiro
Não nega o povo o merecido preito;
Aqui onde no público respeito
Se conquista o brasão mais lisonjeiro.
Aqui onde o gênio sobranceiro
E, de torpes calúnias, ao efeito,
Jesuína, dos zoilos* a despeito,
És tu que ocupas o lugar primeiro!
Repara como o povo te festeja...
Vê como em teu favor se manifesta,
Mau grado a mão, que, oculta, te apedreja!
Fazes bem desprezar quem te molesta;
Ser indif'rente ao regougar** da inveja,
"Das almas grandes a nobreza é esta."
= = = = = = = = =
* zoilos = críticos invejosos, apaixonados.
** regougar = resmungar.
= = = = = = = = =
Poema de
CRIS ANVAGO
Setúbal/ Portugal
Teus lábios…
encostados aos meus com carinho,
esperam a embriaguez da paixão
a noite que transpira emoção...
= = = = = = = = =
Soneto de
MARTINS FONTES
Santos/SP, 1884 – 1937
Crepúsculo
Alada, corta o espaço uma estrela cadente.
As folhas fremem. Sopra o vento. A sombra avança.
Paira no ar um langor de mística esperança
e de doçura triste, inexprimivelmente.
À surdina da luz irrompe, de repente,
o coro vesperal das cigarras. E mansa,
E marmórea, no céu, curvo e claro, balança,
entre nuvens de opala, a concha do crescente.
Na alma, como na terra, a noite nasce. É quando,
da recôndita paz das horas esquecidas,
vão, ao luar da saudade, os sonhos acordando...
E, na torre do peito, em plácidas batidas,
melancolicamente o coração chorando,
plange o réquiem de amor das ilusões perdidas.
= = = = = = = = =
Haicai do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN
Minha mãe, de joelhos,
com o velho terço entre os dedos,
pede a Deus, conselhos!
= = = = = = = = =
Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal
Enerva-me esta chuva impertinente
(Fernandes Valente Sobrinho in "Poemas Escolhidos", p. 127)
Enerva-me esta chuva impertinente
Que tomba lá dos céus feitos de breu
E as gotas são o pranto que nasceu
De nuvens que tivessem dor de gente.
O vento ainda faz mais repelente
Cada pingo que o meu rosto ofendeu
Lágrima que do ar se desprendeu
Como um cristal da mágoa que alguém sente.
A chuva tudo alaga, tudo invade
Deixando o fino véu dessa umidade
Caído pelo chão, pênsil dos ramos.
E sobe uma revolta ao meu olhar;
Por que há de a Natureza assim chorar
Do modo como nós também choramos?
= = = = = = = = =
Poema de
MACHADO DE ASSIS
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908
GONÇALVES CRESPO
Esta musa da pátria, esta saudosa
Níobe dolorida,
Esquece acaso a vida,
Mas não esquece a morte gloriosa.
E pálida, e chorosa,
Ao Tejo voa, onde no chão caída
Jaz aquela evadida
Lira da nossa América viçosa.
Com ela torna, e, dividindo os ares,
Trépido, mole, doce movimento
Sente nas frouxas cordas singulares.
Não é a asa do vento,
Mas a sombra do filho, no momento
De entrar perpetuamente os pátrios lares.
= = = = = =
Poemeto de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP
Um olhar pode eternizar um momento
mas uma noite não dura para sempre.
Um sorriso às vezes é aconchego, ou
pode ser um retrospecto, um lamento.
Mas na noite... O sonho torna-se cura.
= = = = = = = = =
Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP
MUDANÇA DE RUMO
Não consigo entender tua procura
e essa corrida que não tem descanso,
se a vida foi madrasta, triste e dura,
melhor é procurar outro remanso.
Às vezes, o capricho é uma loucura,
não traz felicidade nem avanço
na procura da Paz e da Ventura,
o Amor fala mais alto, embora manso.
Por que buscar carinho na incerteza,
se aqui mesmo tens luz e tens beleza
que podem transformar o teu desejo?
É melhor prosseguir naquela estrada
onde a felicidade fez morada
e estará te esperando com um beijo.
= = = = = = = = =
Poema de
CÉLIA EVARISTO
Lisboa/ Portugal
MAIS
O teu coração nunca me amou,
o teu olhar nunca me encontrou.
E as vezes em que a tua pele a minha tocou,
foram vezes vazias,
de ti nada ficou…
E eu queria receber mais,
apenas uma réstia
do que sempre te dei.
As horas, os minutos e os segundos,
o tempo que te dediquei,
deitaste fora sem pensar
que me poderias magoar.
Dei-te o que nunca tive em troca,
porque quem ama
também espera ser amado.
Mas em vez de amor
recebi a dor
de um ser abandonado.
E eu queria receber mais,
apenas uma réstia
do que sempre te dei.
Os passos lentos que davas
quando eu corria
e caía nos teus braços.
Sorria-te,
ignoravas-me.
Pedia-te tempo,
dizias ter pressa.
E a cada momento
uma promessa.
E eu queria receber mais,
apenas uma réstia
do que sempre te dei.
Nunca soubeste o que era o amor.
A vida, para ti, sempre foi fugaz,
intensa de coisas banais.
Nunca perdeste o teu tempo
para ser mais.
= = = = = = = = =
Poema de
SILMAR BOHRER
Caçador/SC
LÁGRIMAS
A nossa vida é um padecer incessante.
Em cada lágrima um mistério profundo
verte nos olhos o tormento constante
que aflige a alma humana neste mundo.
Em cada lágrima sangra com ardimento
a ferida duma paixão que silenciamos
e escorre da intimidade o sofrimento
pelo delírio do amor que alimentamos.
Em cada lágrima vivemos a desventura
dum adeus tristonho e o mais sagrado
anseio da volta esperada com ternura.
Em cada lágrima existe uma constância
a instruir que só após termos chorado
aprendemos a ver melhor uma distância.
= = = = = = = = =
Poeminha de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR
Ostras
e palavras.
Conteúdo:
pérolas.
= = = = = = = = =
Soneto de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/ RO
O CÁLICE
As madrugadas atravesso em claro
Tendo este cálice por companhia,
Sorvo d'angústia o paladar amaro,
Nada mais fulge, nada me alumia.
Quanto negrume verte meu suspiro,
Essa lembrança, quando vem, magoa,
Nenhum alento no horizonte miro,
Somente um brado lastimoso ecoa.
Devaneando nest'alcova escura
Vejo-me à beira dum abismo fero.
Nem mesmo estrelas tem o céu... Nem lua!
A dor me cinge e se tornou clausura,
Se regressares, meu amor, espero
Embebedar-me da meiguice tua.
= = = = = = = = =
Poetrix de
TASSO ROSSI
Porto Velho/RO
GEOMÉTRICA MENTE
tuas curvas,
meus planos…
tangentes.
= = = = = = = = =
Poema de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/SP
EU E O TEMPO
Nos meus poemas faço uma profunda reflexão
sobre o sentido da vida.
Vivi, vivo, sofro e faço versos.
Mas a vida engole com sofreguidão as minhas rimas,
as minhas metáforas, meus tempos verbais,
que tanto sustentaram meus quereres.
E meus poemas já pedem escoras.
= = = = = = = = =
Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ
ANTES DE NÓS
Quando eu partir para o destino derradeiro
Irá comigo, o amigo que... ficar
e eu dormirei dentro da luz do seu olhar
mais fraternal, mais luminoso e prazenteiro.
Ele há de rir, sorrir, cantar o que eu cantei,
lembrar-se-á até das minhas gargalhadas,
remoerá, com alegria, as piadas
que me contou e que eu também já lhe contei.
Se ele se for antes de mim, hei de guardá-lo
no coração, porque a bênção fraternal
que há em nós há de fazer-me preservá-lo
e preservar- me dentro do seu coração,
porque o amor que torna o outro tão igual.
sempre abençoa quem foi verdadeiro irmão.
= = = = = = = = =
Poema de
J. G. DE ARAÚJO JORGE
Tarauacá/AC (1914 – 1987) Rio de Janeiro/RJ
A ESPERA
Ela tarda... E eu me sinto inquieto, quando
julgo vê-la surgir, num vulto, adiante,
- os lábios frios, trêmula e ofegante,
os seus olhos nos meus, linda, fitando...
O céu desfaz-se em luar... Um vento brando
nas folhagens cicia, acariciante,
enquanto com o olhar terno de amante
fico à sombra da noite perscrutando...
E ela não vem...Aumenta-me a ansiedade:
- o segundo que passa e me tortura,
é o segundo sem fim da eternidade...
Mas eis que ela aparece de repente!...
- E eu feliz, chego a crer que igual ventura
bem valia esperar-se eternamente!...
= = = = = = = = =
Soneto de
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP
BEIJOS DE VERDADE
(Anadiplose*)
Verdade! Beijos poéticos, dei!...
Dei no rosto, com afeto e carinho.
Carinho à cova dos seios, sonhei;
Sonhei e me deliciei de mansinho.
De mansinho, fui; te beijei na nuca;
Na nuca, sempre pensei te beijar.
Beijar devagar, te deixar maluca;
Maluca, enfim, sem poder disfarçar.
Disfarçar, nunca foi, aliás, teu forte.
Forte é, mesmo, o amor que sinto por ti.
Por ti, faço tudo, busco meu norte.
Meu norte é teu rumo, eu não desisti.
Eu não desisti de abraçar-te ao vivo.
Ao vivo, em cores, sentir teu calor.
Calor presente, eis um forte motivo.
Motivo que sublima nosso amor.
Amor tão sofrido alimenta os sonhos.
Sonhos tais de te abraçar à vontade...
Vontade de ver teus lábios risonhos.
Risonhos, para beijos de verdade!
_____________________________
(*) - Figura de linguagem que consiste na repetição da palavra (ou últimas palavras) de um verso (frase) como palavra(s) inicial(ais) do verso seguinte.
= = = = = = = = =
Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES
ANJOS E DEMÔNIOS
Se acaso ainda sofre, noite afora,
em sua infinitude mal dormida;
se a insônia, em noites tristes, apavora
e o pranto ainda inunda a sua vida...
Talvez seja o momento, então, querida,
de ponderar que enquanto você chora
minha alma, aqui, também está sofrida
e a dor da despedida me devora.
Bem sei que tenho em mim algum defeito
mas nem por isso a vejo no direito
de impor a culpa inteira a mim somente.
Nenhum de nós é santo ou pecador,
mas creio que erra ainda mais, amor,
não assumindo o que deveras sente!...
= = = = = = = = =
Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964
ALVA
Deixei meus olhos sozinhos
nos degraus da sua porta.
Minha boca anda cantando,
mas todo o mundo está vendo
que a minha vida está morta.
Seu rosto nasceu das ondas
e em sua boca há uma estrela.
Minha mão viveu mil vidas
para uma noite encontrá-la
e noutra noite perdê-la.
Caminhei tantos caminhos,
tanto tempo e não sabia
como era fácil a morte
pela seta do silêncio
no sangue de uma alegria.
Seus olhos andam cobertos
de cores da primavera.
Pelos muros de seu peito,
durante inúteis vigílias,
desenhei meus sonhos de hera.
Desenho, apenas, do tempo,
cada dia mais profundo,
roteiro do pensamento,
saudade das esperanças
quando se acabar o mundo…
= = = = = = = = =
Assinar:
Postagens (Atom)