sábado, 7 de julho de 2018

Poemas Premiados sobre a Natureza

Trova premiada no XIV Concurso de Trovas de Pindamonhangaba/ 2004


SEI DE UMA ILHA…

Eu sei,
que não me isolei
na ilha dos meus sonhos.

Tropecei,
na ternura de um bailado
entrelaçado de silêncios
e ornado de jardins suspensos.

Fiquei,
emocionado ao mergulhar
na seiva dos versos florais,
que embalam as ondas do mar
cantando a primavera dos corais.

Escalei,
ao íngreme da montanha
na ânsia de um novo olhar,
de esvoaçar no rasto do vento
e me deixar levar, pela claridade adentro.

E voei
no grito alvoraçado
de um bando de aves marinhas,
por um céu de fogo pincelado
e matizado de esperanças minhas.

Inventei,
cascatas escorrendo
pelas rochas escarpadas,
nas águas onde me vou lendo
pela pureza que me lava a alma,
na aprazível frescura das palavras…

Eu sei,
que sobre isso nada direi
até que algum poente me doa,
numa tábua do tempo, carcomida.

Sou ainda muito novo para estar só
e eu gosto do lado mais romântico da vida…

Pensei,
ir mais para sul,
em latitudes de azul…

e por momentos,
encontro meus pensamentos
espalhados por um extenso areal,
a céu aberto estendidos
por entre todos os sentidos
e banhados por um mar emocional…

e essa ilha
essa força selvagem,
que tenho em mim e em mim fervilha,
é o meu refúgio, o meu porto de ancoragem.

(Medalha de Bronze no V Concurso de Literatura da Natureza. Categoria Poesia)


ÁRVORE DA VIDA

Um toque de frescura
Reflete a gota de orvalho
Do meu querido carvalho
Unindo beleza e ternura.

No aconchego de tuas folhas
Junto ao doce perfume das flores
Que prima lindas cores
Os ventos dançando maravilhas.

Dentro de si
Uma luz que não se alcança
Uma sombra que traz a lembrança
Dos frutos que já vivi.

Da minha estimada infância
A árvore da vida
Minha amiga querida
Guarda os segredos da esperança.

(Medalha de Prata no V Concurso de Literatura da Natureza. Categoria Poesia)


O SORRISO DA NATUREZA

Olha o azul do infinito
E o azul-turquesa dos mares!
Olha o verde da campina
E o colorido bonito
Dos jardins e dos pomares!

Olha a fonte borbulhante
D'água pura e cristalina
A correr de monte a monte!
Olha o encanto da floresta
Com seus brados e rumores!

Olha as aves multicores
Nos seus voos e gorjeios
Numa alegria de festa!
Olha a lua, a branca lua
A tingir de prata os seios
Da moça a banhar-se nua!

Olha a beleza e a fragrância
Do lírio da cor da neve
Tremulando à brisa leve
E a recender à distância!

Olha o frescor e a pureza
Dos campos e pinheirais
E neles a singular reza
Que é o pipilar dos pardais!

E o sol rubro no poente
Caindo no azul do mar
Muito, muito lentamente.
Visão de encanto e magia
Não é noite, não é dia
É cena que faz sonhar!

Tela imensa de riqueza
Divina tela florida
Em que a alegre natureza
Tem mais graça, tem mais vida.

(Medalha de Prata no V Concurso de Literatura da Natureza. Categoria Poesia)


NO RANCHO

Aqui, sim, a vida é bela
Na sombra deste ranchinho,
Sentado à beira do mato,
Meu mais doce e casto ninho,
Como se, na vida, eu fosse
Um liberto passarinho.

Contemplo campos e serras
Azuladas, muito além...
No panorama do sul
Vejo a cidade também,
Mas ali, como nos campos,
Belezas tantas não tem.

Lá existem belas praças
Que os namorados desejam,
Mas as flores mais viçosas
Que os beija-flores beijam
Não têm o mesmo perfume
Das flores que aqui vicejam.

Há festas e diversões,
Parece um mar de orgia,
Porém ali na cidade,
Palco de tanta alegria
Não tem a sombra do rancho
Onde eu escrevo poesia.

 Lá não tem a melodia
Da passarada que canta,
Nem cheiro virgem da terra
Que a chuva do chão levanta,
Por isso que do matuto
A felicidade é tanta.

O povo ali da cidade
Se do caboclo faz troça,
É porque aquela gente
Nunca veio aqui na roça
Para também ser feliz
Na sombra duma palhoça.

(Medalha de Ouro no IV Concurso de Literatura da Natureza. Categoria Poesia)


ARACURI

Teu canto é guerra,
Defende a terra,
Que é ventre e é seio,
Que é berço e é pão.

É o canto da fauna
Em serestas vigias,
Para a ecologia
A pedir proteção.

Deixai que nas matas,
Cantem os pássaros,
E os peixes nas águas
Possam viver.

Deixem nos campos
Andarem as emas,
E entre os serrados
A vida nascer.

Que as gralhas azuis
E os patos –arminhos,
Teçam seus ninhos
Sem nada temer.

Que as aves cativas,
cortem os ares,
Sobre os jaguares
Andantes da paz.

Que o canto de todos
No meio ambiente,
Impeçam na terra
A vida morrer.

Que os passarinhos
Cantem a beleza
Da natureza
Em doação.

(Medalha de Ouro no IV Concurso de Literatura da Natureza. Categoria Poesia)


O VENTO E A LUA

Lá fora o vento assovia
Uma canção ao luar.
À lua reverencia.
Ela não quer escutar.

Olhando através do frio
Pela janela se vê
Vê-se a lua num navio.
Delírio, só pode ser.

Em meio às nuvens navega
Em águas muito serenas.
Pobre vento: ora sossega
Ora expõe as suas penas.

Mas a lua, indiferente,
Continua a navegar.
O barco vai sempre em frente
Até o abismo encontrar.

Escura nuvem o apaga
Nenhum olho o pode ver.
Do vento o assovio vaga
Vai saudar o alvorecer.

Nós também vemos fugir
Em um navio fantasma,
Sem sequer se despedir,
O amor que nos cegava.

Somos ventos que assoviam
Para a pessoa que amamos
Que nem sempre desconfia
Do quanto a idealizamos.

(Medalha de Ouro no IV Concurso de Literatura da Natureza. Categoria Poesia)


O TAPETE DA VIDA

Que a morte venha ternamente
e a vida se esvaia lentamente,
para que eu possa, em placidez,
assistir aos meus últimos momentos.

Que sejam como os das flores
e das folhas do outono,
que ao soçobrarem,
quando dos galhos se desgarrem,
flutuem bailando no ar,
até pousarem num tapete,
casual e úmido,
de flores murchas,
 folhas mortas
e húmus.

(Medalha de Ouro no IV Concurso de Literatura da Natureza. Categoria Poesia)

Fonte:

Darcy Pinheiro (Atitude Revolucionária)

Darcy é de Cruz Alta/RS
O texto abaixo da imagem é Medalha de Prata no V Concurso de Literatura da Natureza (organizado por Oliveira Caruso em 2015), Categoria Prosa
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Em época não muito distante, havia um proprietário de vasta área de terra, sendo  vinte por cento de campo e restante de mato, nativo formando uma floresta na qual habitavam animais de diversas espécies.

O campo era utilizado parte em agricultura e parte em pecuária. Com o passar do tempo, visando aumentar a área agricultável, deu-se,  início à derrubada da floresta. Consequentemente aumentou também a pulverização na lavoura, com a utilização de agrotóxicos.

A mata abrigava rico ecossistema: fauna e flora nativas habitada por animais de várias espécies, flores naturais, silvestres, abelhas em ocos de árvores,  pássaros, em grande quantidade completavam a beleza do local.  Com uso de agrotóxicos, nas pulverizações, as abelhas e pássaros começaram a morrer.

Sabe-se que na hierarquia das abelhas, as obreiras (soldados), são responsáveis pela  segurança, alimentação e higiene de todo o enxame, inclusive pela alimentação da rainha.

Uma obreira vendo as companheiras morrerem envenenadas ao coletarem o  néctar das flores, resultado do veneno utilizado na pulverização,  pressentiu que os enxames  corriam  risco de extinção. Sendo uma das responsáveis pela segurança do enxame, contatou com as companheiras de trabalho, sugerindo reunião com outras colmeias, a fim de estudarem providências a serem tomadas, para terminarem com o ato responsável pelo extermínio de abelhas.

Enxames organizados surgiram várias propostas para ação. Grupos queriam iniciar o protesto, picando o tratorista, quando este estivesse pulverizando. A revolucionária alertou-os,  que seria  suicídio coletivo, porque aquelas que fossem picar acabariam mortas.

Apresentou então, seu plano de ação:  Primeiro – começariam  voando,  em pequenos grupos,  sobre a cabeça do tratorista, para assustá-lo; Segundo:  não obtendo êxito, o enxame continuaria voando e uma abelha, apresentar-se-ia como voluntária, mesmo sabendo que morreria  ao executar a picada no tratorista; Terceiro – caso não lograssem êxito, dois ou mais enxames, pousariam no corpo do tratorista, iniciando pela cabeça até o cobrirem totalmente; Quarto: se  assim mesmo, não obtivessem vitória, mais obreiras iriam para o suicídio, com a finalidade de salvarem as irmãs e companheiras, Assim o ato de picar seria em grupos.

Decidiram em assembleia que o protesto continuaria até suspenderem a aplicação de veneno. Caso houvesse necessidade, convocariam outros animais e aves da floresta para participarem do ato. Designou-se também um pequeno grupo para repassar a ideia aos animais,   para em conjunto e demonstrando força, impedirem que mais habitantes da floresta continuassem morrendo pelo veneno utilizado nas pulverizações. 

Dias depois, mal clareado o dia, tratoristas e seus companheiros chegaram na lavoura, com  pulverizadores puxados por tratores. Ao iniciarem o trabalho,  um enxame revoou suas cabeças. Todos,  apavorados correram para se abrigarem. Passado certo tempo, voltaram para reiniciarem o trabalho. Então os enxames,  em prontidão, retomaram suas atividades e como combinado as voluntárias os picaram, enquanto que  o  restante do enxame continuou revoando e aumentando os zumbidos, fazendo-os   novamente saírem apavorados.

No dia seguinte, os enxames, avisados pela abelha de plantão, souberam de que os colocadores de veneno, voltaram à pulverizar. A abelha líder autorizou o início do terceiro plano. Ao  ligarem os tratores, todas as abelhas voaram em grupo,  em cima dos operários. Os enxames pousaram na cabeça dos tratoristas, e em seguida cobriram todo o corpo. Todos desesperados retornaram à granja, deixando o maquinário na lavoura.

Mais um dia se passou. Armados de foices, facão e motosserra,  se dirigiram para a floresta. Sempre vigiados, iniciaram a derrubada de árvores. As abelhas em permanente sobreaviso, partiram para o ataque. Agora um número maior de operárias se apresentou como  voluntárias, ao sacrifício. As picadas foram tantas que desnorteados os destruidores mais uma vez,  abandonaram as ferramentas indo  para a sede da granja. 

A abelha, revolucionária, solicitou ajuda aos tatus: que durante a noite cavaram buracos ao redor do trator, fazendo o mesmo afundar e impossibilitando-o de  operar por alguns dias.

Os trabalhadores não se davam por vencidos, voltaram  para destruírem a mata. Antes de iniciarem a derrubada de árvores, enquanto discutiam, como proceder, começou o ataque das pequenas formigas, ardedeiras, que os esperavam, alojadas nas proximidades das ferramentas. Mais uma vez vencidos tendo em vista que as pequenas formigas entraram, dentro das roupas, picando-os por todo corpo,  desistiram de executar o trabalho, ficando ausente, por algum tempo. O proprietário entendeu que não venceria por terra os animais da floresta. Resolveu que a única maneira de salvar sua lavoura seria com pulverização aérea e assim foi decidido. As abelhas ao avistarem um avião aterrissar perto da lavoura contataram os outros animais, em prontidão. Após escurecer vários animais de grande porte entraram em ação. Primeiramente viraram o avião, deixando-o com as rodas para cima, em seguida amassaram o tanque de combustível, inutilizando-o.

Quando o piloto e seus auxiliares chegaram, se surpreenderam com o estado da aeronave: incapacitada para o serviço.

Desesperado o granjeiro desistiu e procurou um especialista, para obter informações sobre outros meios para combater as lagartas que dizimavam a lavoura. .

No período interrompido, cada animal comprometeu-se a mostrar sua capacidade de ação. Todos os pássaros da floresta passaram a se alimentarem de lagartas,  demonstrando assim serem capazes de acabar com elas. As demais aves também comiam os insetos que prejudicavam a plantação.

Quando o agricultor verificou a grande quantidade de pássaros revoando e pousando em sua lavoura desesperou-se. Sem saber o que fazer, reuniu os empregados e batendo em latas, percorreram a lavoura na tentativa de espantá-los. Vendo que o método era  ineficiente, desistiu e ficou na espera do prejuízo.

Sem obter resultado com este método o agricultor decidiu conceder aviso prévio aos empregados com a justificativa de que não mais plantaria.

Esperando completar o aviso, um empregado, por curiosidade, foi examinar a plantação, verificou que não existiam lagartas. O número de vagens nos pés de soja era surpreendente. O milho também estava com ótimas espigas, sem nenhuma praga. Imediatamente contou ao proprietário, que não acreditando,  verificou pessoalmente. Constatada a veracidade, comentou com seus vizinhos, os quais confirmaram o não ataque de lagartas, resultando em boa produção.

O fazendeiro suspendeu a dispensa dada aos empregados, que iniciaram a preparação das máquinas para a colher e fazer nova plantação.. Após a colheita, mais uma surpresa, a produção superou as expectativas, muito superior as de anos anteriores.  Calculado  o lucro obtido pelo aumento da produção, acrescido à economia dos agrotóxicos,  verificou-se um aumento bastante significativo no lucro.

Suspenso o uso de agrotóxicos dois anos depois, a produção continuou aumentando. Desmontou o pulverizador utilizando algumas peças em outras máquinas e o vendeu como ferro velho. Designou os empregados para reflorestarem, parte da floresta que havia sido devastada.

                Com produção crescendo e despesas  diminuídas, foi possível aumentar o reflorestamento. Com a ausência de produtos químicos, os pássaros, abelhas e outros predadores dos inimigos das lavouras, aumentaram e se tornaram verdadeiros protetores das plantações.

Salienta-se: as abelhas, ao retirarem o néctar das flores, pousando e levantando voo contribuem com a polinização das plantas.

A partir desse acontecimento, o granjeiro passou a utilizar somente produtos orgânicos. Aumentou o numero de empregados contratados para recolherem no campo, esterco do gado, depositando-os em local apropriado, onde eram misturados com os dejetos dos suínos. Esse passou a ser o único adubo utilizado.

Por outro lado, costumava-se banhar o rebanho para terminar com os carrapatos, pelo menos duas vezes por ano. Quando chegou a época do banho de carrapaticida, mais uma vez agradeceu à cadeia alimentar tão necessária, visto que a própria natureza se encarrega de que haja seu crescimento. O gado passou a não ter nenhuma infestação de carrapatos. O ganho econômico aumentava.

Junto aos empregados, olhou para o céu e agradeceu pela ajuda dos pássaros. Afirmou aos empregados que principalmente os bem-te-vis, as garças e outras aves, estavam livrando o gado dos carrapatos. Assim a economia aumentava.   

        Em menos de cinco anos a granja foi a primeira na região, a obter reconhecimento e certificado, como produtora de cereais cem por cento orgânicos, elevando seus produtos a obterem maior preço no mercado internacional.

Outro setor foi desenvolvido, além dos produtos agrícolas: a produção de mel em grande escala, superando em valores a renda obtida com a plantação de milho. Seus vizinhos também entraram nesta nova atividade, tornando a região conhecida como produtora e exportadora de mel orgânico. Assim,  tudo que era produzido na região, recebia o rótulo: e/ ou selo de produtos orgânicos.

A nova técnica, foi expandida para outros produtores que  tomando conhecimento da atitude positiva deste produtor, respeitando todo o tipo de animais, iniciaram reflorestamento e diminuíram aplicações de produtos nocivos.

Em palestras, para as quais era convidado, o amigo da natureza, sempre afirmava que respeitando a natureza, ela sempre retribui. Provava que toda árvore derrubada destrói o habitat dos amigos e dos parceiros agrícolas, como costumava dizer, ao se referir aos animais da floresta, estes eram os melhores amigos dos agricultores, principalmente uma certa colmeia que comandada por valentes abelhas, revolucionaram a parceria entre todos os setores da agricultura regional e a natureza.    

Fonte:

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Caldeirão Poético 13


ISMÁLIA 

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvairo seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar…


NOTURNO 

Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento...
Como um canto longínquo - triste e lento -
Que voga e sutilmente se insinua,
Sobre o meu coração que tumultua,
Tu vestes pouco a pouco o esquecimento...

A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando. entre visões, o eterno Bem.

E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Gênio da Noite, e mais ninguém!


AMOR PROIBIDO

Foi num segundo... foi surpresa...foi paixão...
o meu olhar colheu ternura em teu olhar...
a vida... o mundo - tudo em volta - disse “não”,
meu coração quis dizer “sim”, sem escutar...

E eu me entreguei nessa loucura de te amar,
mesmo sabendo que não vai ter solução;
cada carinho que consigo te roubar
é um diamante que guardo no coração...

Nós temos vidas totalmente diferentes,
mas nossas almas são iguais... e tão carentes
que até a tristeza não quer mais nos visitar.

Por isso aposto na paixão que me devora,
não tem futuro, mas tem hoje, aqui e agora,
nada no mundo vai me fazer te deixar !!!


O CÉU DE TODOS OS INVERNOS

O céu de todos os invernos 
Cobre em meu ser todo o verão... 
Vai p'ras profundas dos infernos 
E deixa em paz meu coração! 
Por ti meu pensamento é triste, 
Meu sentimento anda estrangeiro; 
A tua ideia em mim insiste 
Como uma falta de dinheiro.

Não posso dominar meu sonho. 
Não te posso obrigar a amar. 
Que hei de fazer? Fico tristonho. 
Mas a tristeza há de acabar. 
Bem sei, bem sei... A dor de corno 
Mas não fui eu que lho chamei. 
Amar-te causa-me transtorno, 
Lá que transtorno é que não sei...

Ridículo? É claro. E todos? 
Mas a consciência de o ser, 
fiz-a bastante clara deitando-a a rodos 
Em cinco quadras de oito sílabas.


SEXTILHAS

Amo o cantor solitário
Que chora no campanário
Do mosteiro abandonado,
E a trepadeira espinhosa
Que se abraça caprichosa
À forca do condenado

Amo os noturnos lampírios
Que giram, errantes círios,
Sobre o chão dos cemitérios,
E ao clarão das tredas luzes
Fazem destacar as cruzes
De seu fundo de mistérios

Amo as tímidas aranhas
Que lacerando as entranhas
Fabricam dourados fios
E com seus leves tecidos
Dos tugúrios esquecidos
Cobrem os muros sombrios

Amo a lagarta que dorme,
Nojenta, lânguida, informe,
Por entre as ervas rasteiras
E as rãs que os pauis habitam
E os moluscos que palpitam
Sob as vagas altaneiras

Amo-os, porque todo o mundo
Lhes vota um ódio profundo,
Despreza-os sem compaixão
Porque todos desconhecem
As dores que eles padecem
No meio da criação.


SONETO XXVIII

Faz a imaginação de um bem amado, 
Que nele se transforme o peito amante; 
Daqui vem, que a minha alma delirante 
Se não distingue já do meu cuidado.

Nesta doce loucura arrebatado 
Anarda cuido ver, bem que distante; 
Mas ao passo, que a busco neste instante 
Me vejo no meu mal desenganado.

Pois se Anarda em mim vive, e eu nela vivo, 
E por força da ideia me converto 
Na bela causa de meu fogo ativo;

Como nas tristes lágrimas, que verto, 
Ao querer contrastar seu gênio esquivo, 
Tão longe dela estou, e estou tão perto.


SONETO V

Ao templo do Destino fui levado: 
Sobre o altar num cofre se firmava, 
Em cujo seio cada qual buscava, 
Tremendo, anúncio do futuro estado. 

Tiro um papel e lio - céu sagrado, 
Com quanta causa o coração pulsava! 
Este duro decreto escrito estava 
Com negra tinta pela mão do fado: 

"Adore Polidoro a bela Ormia, 
sem dela conseguir a recompensa, 
nem quebrar-lhe os grilhões a tirania." 

Dar mãos Amor mo arranca, e sem detença, 
Três vezes o levando à boca ímpia, 
Jurou cumprir à risca a tal sentença.


NOITE

As casas fecham as pálpebras das janelas e dormem. 
Todos os rumores são postos em surdina, 
todas as luzes se apagam. 

Há um grande aparato de câmara funerária 
na paisagem do mundo.

Os homens ficam rígidos, 
tomam a posição horizontal 
e ensaiam o próprio cadáver.

Cada leito é a maquete de um túmulo. 
Cada sono em ensaio de morte.

No cemitério da treva 
tudo morre provisoriamente.

Contos e Lendas do Mundo (Nação Algonquina: O Choro que Derrotou um Deus)

Para as tribos algonquinas, Glooscap era um deus poderoso e sagaz. Não tinha medo de ninguém, e acreditava que não havia nada nem ninguém que não conseguisse conquistar.

Glooscap estivera longe do seu povo durante muito tempo. Enfrentara inimigos e derrotara-os com a sua bravura, a sua astúcia e a sua perspicácia. Quando regressou a uma das suas tribos, Glooscap gabou-se da sua grandeza.

- Não há ninguém que não me receie ou que não me obedeça.

- Estais assim tão seguro disso, senhor? - perguntou uma mulher. Conheço alguém que não vos obedecerá.

Surpreso com a novidade, mas excitado com o desafio, Glooscap pediu para saber o nome deste ser.

- Chama-se Wasis - disse a mulher.

- E não tem medo de mim? - perguntou Glooscap.

- Não - disse a mulher. - Ele faz sempre aquilo que quer. Ele não vos obedecerá, senhor.

- Então esse Wasis tem de ser muito poderoso - disse Glooscap.

- À sua maneira - concordou a mulher.

- É tão alto como os Kewawkqu? - indagou Glooscap. Os Kewawkqu eram uma raça de gigantes e feiticeiros.

- Não - disse a mulher. - É mais pequeno do que um diabrete.

- A sua magia é maior do que a dos Medecolin? - perguntou Glooscap. Os Medecolin eram feiticeiros perspicazes.

- Não - disse a mulher. - Ele não sabe nada de magia.

- É tão mau como Pamola? - indagou Glooscap. Pamola era um espírito maligno da Noite.

- Não - disse a mulher. - Wasis não é nada dessas coisas. Não é gigante. Não é feiticeiro e não há nada de maligno nele.

- No entanto, ele não me receia e não me obedecerá! - vociferou Glooscap, que estava desconcertado com a ideia do poderoso Wasis. Levas-me até ele?

- Se quiserdes, senhor - disse a mulher. - Wasis vive perto. Venha.

Com aquilo, ela conduziu Glooscap até uma tenda vulgar. A tenda, em forma de abóbada, tinha uma estrutura de madeira e estava coberta de pedaços de casca de vidoeiro.

- Wasis vive aqui na vila? - perguntou Glooscap. Por que razão é que nunca ouvira falar dele? E porque é que alguém tão poderoso como ele não vivia numa tenda mais imponente, com peles de animais em vez de casca de vidoeiro como cobertura?

- Sim - disse a mulher. - É esta a tenda dele.

Entraram na tenda e o deus olhou em redor. Parecia-lhe familiar.

- Esta não é a tua tenda? - perguntou.

A mulher fez um sinal afirmativo com a cabeça.

- Sim, senhor, mas agora é também a tenda de Wasis.

- Onde é que ele está então? - indagou Glooscap.

A mulher apontou para um bebê que estava sentado em cima de um tapete, a chupar um pedaço de açúcar de bordo.

- Aquele é Wasis - disse ela.

- Mas ele não passa de um bebê! - disse Glooscap, e soltou uma sonora gargalhada.

- Nem mais nem menos, senhor - concordou a mulher. - É meu filho. 

Ela sabia que Glooscap andava sempre em viagem, embrenhado nas suas aventuras, e nunca tivera de tratar de um filho durante toda a sua vida. Ele não conhecia a diferença entre as crianças e os outros seres humanos!

Glooscap resolveu usar o seu amuleto para fazer com que Wasis lhe obedecesse. Sorriu para o bebê.

- Vem cá - disse.

Wasis sorriu-lhe, mas não se mexeu. Ficou sentado no centro do tapete, a balbuciar.

Glooscap pôs então as mãos na boca e imitou o pio de uma ave. Era uma melodia bonita, e a mãe de Wasis estava encantada com ela. Mas não era a ela que a melodia se destinava. Destinava-se a atrair a atenção de Wasis, mas ele não estava minimamente interessado. Demonstrava muito mais interesse no bocado de açúcar de bordo que estava a chupar.

 Furioso por alguém se atrever a ignorá-lo, a ele, um deus poderoso, Glooscap ficou fora de si.

- Vem cá imediatamente! - berrou ele a Wasis, mas não surtiu qualquer efeito.

Incomodado por este estranho que entrara em sua casa e estava agora a gritar e esbravejar, Wasis recusou-se a obedecer ao deus. E desatou a chorar. Quanto mais aumentava a fúria de Glooscap, mais alto Wasis berrava... e continuava sem sair do seu lugar no tapete.

Finalmente, Glooscap passou para a magia. Começou a cantar uma canção tão poderosa que seria suficiente para ressuscitar os mortos. Há quem diga que era uma canção tão imbuída de magia que afugentou os espíritos malignos para as profundezas da Mãe Terra.

Wasis parou de chorar, a melodia pareceu acalmá-lo. Mas não tardou a ficar aborrecido - soltou um sonoro bocejo e as pestanas começaram a fechar-se.

Totalmente derrotado, Glooscap escapuliu-se da tenda, a tremer de raiva. A mulher pegou em Wasis ao colo e apertou-o contra si. Saiu da tenda e ficou a observar o deus enraivecido a atravessar com passo pesado o acampamento. Não haveria mais gabarolices da parte dele nesse dia!

O bebê sentiu o cheiro familiar da sua mãe e sentiu o calor dela contra o seu corpo. Sorriu, olhando-a com ar afável. Já não chorava.

- Penso que Glooscap aprendeu uma importante lição hoje, Wasis - disse ela.

- Gu! - fez Wasis, e voltaram para dentro da tenda.

E foi assim que o maior dos deuses foi derrotado pela mais pequena das crianças, e é por isso que sempre que um bebê diz «Gu!» nos lembramos do dia em que Wasis pôs Glooscap no seu lugar.

Fonte:

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Milton S. Souza (Jardim de Trovas) I



1
A Bíblia é o vento capaz
de empurrar no rumo certo...
Deus, através dela, faz
florir o nosso deserto...
2
A esposa tenta encontrar
alguma magia ou truque
para o velho funcionar
antes que um dos dois caduque...
3
A gente cala uma ofensa
sem revide, sem sofrer,
ignorando a presença
de quem vem nos ofender...
4
A gorducha Dona Benta
quando senta esparramada
deixa a cadeira onde senta
quase um mês descadeirada.
5
A humanidade produz
raros gênios, num depuro...
Eles são raios de luz
nos caminhos do futuro...
6
Ajudar? Nunca descarto
ao ver alguém precisando...
Felicidade eu reparto
porque Deus me deu sobrando...
7
Amor, barriga crescida,
passa o tempo, espera tanta...
chega o milagre da vida
que faz a mãe virar santa.
8
Ando tão curto de grana
que preciso me cuidar:
quando almoço uma banana,
guardo a casca pro jantar...
9
Ao vencedor, toda a glória!
Mas festeje com cuidados:
que a euforia da vitória
nunca humilhe os derrotados.
10
Apesar dos meus defeitos,
erros, pecados... enfim,
Deus arranja sempre um jeito
para acreditar em mim.
11
A vida é feita de escolhas:
os acertos, festejamos...
O duro é virar as folhas
nas tantas vezes que erramos...
12
Brigamos... Não me arrependo...
O nosso amor era inferno...
Para não ficar sofrendo,
te risquei do meu caderno...
13
Brinquedos lindos aqueles...
Mas a criança, sofrida,
trocaria qualquer deles
por um prato de comida…
14
Cadeirante, a vida inteira,
só garante seus direitos
se passar com a cadeira
por cima dos preconceitos...
15
Cercados pelos cuidados
do amor que vêm das raízes,
bebês, pelos pais amados,
serão adultos felizes...
16
Chorar não é covardia:
deixa o peito aliviado...
Que dolorosa ironia
precisar sofrer calado...
17
Com flores ou cicatrizes,
horas duras e horas boas,
a infância forma as raízes
da educação das pessoas.
18
Como gato na água fria
quando vê careca perto,
porco-espinho se arrepia:
pensa no escalpo, por certo.
19
Contigo sempre reparto
este amor que não termina:
é na penumbra do quarto
que o nosso amor se ilumina!
20
Craque que chuta bastante,
seu lugar no time encontra
mas um “chute” de estudante
é, quase sempre, gol contra...
21
Cristo, vencendo a maldade
nos penosos passos seus,
mostrou para a humanidade
que só o amor leva a Deus...
22
Curso d’água... e a corredeira
sofre a queda de repente...
Então forma a cachoeira,
junta espumas, segue em frente...
23
Derrota pode ter brilho
se for bem contada a história:
pai que perde para um filho
prova derrota e... vitória...
24
De tanto passar calote,
o “salafra” se deu mal:
foi com muita sede ao pote
ao lograr um policial…
25
Deus, que parece indeciso,
reparte bem seu apreço:
sabe tudo o que eu preciso,
manda aquilo que eu mereço...
26
Dizer adeus foi tolice,
mas este orgulho maldito
só deixou que eu descobrisse
depois que eu já tinha dito!...
27
Educação: grande herança,
Vale mais que qualquer bem...
Quem a recebe em criança,
quanto mais gasta, mais tem...
28
Enseadas sem saída,
abismos dentro das almas:
no revolto mar da vida
não existem praias calmas.
29
Entre os sonhos que persigo
para iluminar meus passos,
quero amanhecer contigo,
encolhidinho em teus braços...
30
Eu respeito, com carinho,
quem trabalha sem canseira:
como é lindo alguém, sozinho,
valer por equipe inteira!!!
31
Eu sou frango... e só me ralo:
se escapo de ser canjinha,
quando estou virando galo
sou morto e viro galinha.
32
Faço o bem sem interesse:
meu esporte é a caridade...
Para Deus, a maior prece
é o teu gesto de bondade...
33
Foi dura a separação...
E eu sigo nessa ressaca:
no cais do meu coração
somente a saudade atraca…
34
Gatos miam no telhado,
mas ela nunca reclama:
o som abafa o “miado”
do “gato” da sua cama…
35
Grita o galo no terreiro,
demonstrando muita zanga:
"Não sobe no meu poleiro
o frango que solta a franga."
36
Irmão de sangue ou de amor
é este ser abençoado
que nas horas de mais dor
está sempre ao nosso lado...
37
Leitor viciado e indefeso:
- sempre um livro em frente a face...
eu seria um grande obeso,
caso a leitura engordasse...
38
Liberdade é treva ou luz
que a vida ensina a colher...
Desse modo nos conduz
para “existir” ou... “viver”...
39
Licor de Deus, sem mistura,
sem cores artificiais,
segue a água a brotar pura
para dar vida aos mortais.
40
Mais fortes... mais apagadas...
ora sumindo ou voltando,
as lembranças são pegadas
que o destino vai deixando.